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A aprendizagem teórico-vivencial: exploração de alguns limites e possibilidades

Resumos

Esse estudo foi delineado com o objetivo de comparar a disponibilidade inicial de um grupo de alunos para uma proposta de aprendizagem teórico-vivencial com mudanças auto-observadas no final do processo. O grupo foi constituído por 12 alunos inscritos na disciplina "Dinâmica do Relacionamento Humano", oferecida em um Programa de Pós-Graduação para profissionais da Área de Saúde Mental. Os dados foram obtidos através de respostas dos participantes a questões abertas feitas no início e no final do processo do grupo, e foram tratadas pelo procedimento de análise categorial de conteúdo. Os resultados evidenciaram que a falta de disponibilidade inicial para a tarefa grupai não se constituiu em fator impeditivo de mudanças positivas posteriores, enquanto que a disponibilidade associada a necessidades pessoais de interação, constituiu-se em limite para o alcance desse tipo de proposta.


The present study was designed with the objective of comparing the initial availability of a group of students for a proposal of theoretical-living learning with self-observed changes at the end of the process. The gourp consisted of 12 students enrolled in the discipline "Dynamics of Human Relations" wich is offered in a Post-Graduate Program for professionals in the Mental Health Area. The data were obtained from the responses of the participants to open questions asked at the beginning and at the end of the group process and were analyzed by content category analysis. The results showed that the lack of initial availability for the group task did not represent a factor preventing later positive changes, whereas availability associated with personal needs for interaction represented a limit for the reach of this type of proposal.


A aprendizagem teórico-vivencial: exploração de alguns limites e possibilidades

Mansa JapurI; Sônia Regina LoureiroII; Maria Auxiliadora CamposII; Denise Bouttelet MunariIII

IProfº Drª do Departamento de Psicologia e Educação, FFGLRP-USP

IIProrª Drª do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica, FMRP-USP

IIIProfª Assistente do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas, EERP-USP

RESUMO

Esse estudo foi delineado com o objetivo de comparar a disponibilidade inicial de um grupo de alunos para uma proposta de aprendizagem teórico-vivencial com mudanças auto-observadas no final do processo. O grupo foi constituído por 12 alunos inscritos na disciplina "Dinâmica do Relacionamento Humano", oferecida em um Programa de Pós-Graduação para profissionais da Área de Saúde Mental. Os dados foram obtidos através de respostas dos participantes a questões abertas feitas no início e no final do processo do grupo, e foram tratadas pelo procedimento de análise categorial de conteúdo. Os resultados evidenciaram que a falta de disponibilidade inicial para a tarefa grupai não se constituiu em fator impeditivo de mudanças positivas posteriores, enquanto que a disponibilidade associada a necessidades pessoais de interação, constituiu-se em limite para o alcance desse tipo de proposta.

ABSTRACT

The present study was designed with the objective of comparing the initial availability of a group of students for a proposal of theoretical-living learning with self-observed changes at the end of the process. The gourp consisted of 12 students enrolled in the discipline "Dynamics of Human Relations" wich is offered in a Post-Graduate Program for professionals in the Mental Health Area. The data were obtained from the responses of the participants to open questions asked at the beginning and at the end of the group process and were analyzed by content category analysis. The results showed that the lack of initial availability for the group task did not represent a factor preventing later positive changes, whereas availability associated with personal needs for interaction represented a limit for the reach of this type of proposal.

INTRODUÇÃO

No contexto desse trabalho, a expressão aprendizagem teórico-vivencial é utilizada para referir um processo de aprendizagem em que a experiência do aluno é tomada como objeto de reflexão, enquanto significante dos conteúdos teóricos propostos como temas para a aprendizagem. Esse modelo de aprendizagem tem como pressuposto que as mudanças que ocorrem como conseqüência da aprendizagem implicam uma modificação na forma de perceber a si mesmo e à realidade externa, envolvendo tanto aspectos intelectuais como afetivos.

MORENO (1983) define esse processo como aprendizagem significativa, "corno uma assimilação a mim mesmo daquilo que aprendo, em contraposição a uma mera assimilação de conhecimentos e informações sem nenhuma conexão comigo".

Muitos professores têm valorizado esse processo de aprendizagem por reconhecerem a importância do desenvolvimento pessoal do aluno, sobretudo na formação daqueles profissionais que têm a própria interação humana, seja interpessoal ou grupai, como o recurso essencial à sua atuação profissional.

Apesar disso, poucas vezes, a aprendizagem teórico-vivencial tem sido um objetivo explícito dos programas acadêmicos de formação desses profissionais. De um modo geral, a formação profissional do aluno na universidade tem sido planejada em termos intelectuais. Valoriza-se a aquisição de conhecimentos, privilegiando a formação de uma base científica e técnica. Como aponta DOXEY (1986), "seria uma farsa presumir que o desenvolvimento da potencialidade humana do aluno fosse uma meta, ainda que implícita, da Universidade Brasileira".

Isso faz com que as disciplinas que trazem essa proposta de aprendizagem se configurem como experiências isoladas no contexto da história acadêmica dos alunos. Em nossa experiência docente, quando a aprendizagem teórico-vivencial é um objetivo explicitamente colocado, desperta diferentes expectativas nos alunos e diferentes maneiras de valorizá-la, dificultando uma apreensão mais imediata de seus limites e possibilidades.

Foi com a intenção de compreender melhor algumas dimensões desse modelo de aprendizagem, que elegemos a experiência com uma disciplina, proposta como teórico-vivencial, como objeto de estudo, utilizando três fontes de dados: registro sistemático de observação feito pelos coordenadores do grupo ao longo do processo, produção gráfica coletiva realizada pelos participantes no início e no final do processo e relato verbal individual, também obtido dos participantes no início e no final do processo.

Em comunicações anteriores (CAMPOS, MUNARI, LOUREIRO e JAPUR, 1990; e LOUREIRO, JAPUR, CAMPOS e MUNARI, 1990) relatamos a compreensão que obtivemos desse processo, a partir das duas primeiras fontes de dados citadas.

O presente estudo, baseado no relato verbal dos participantes, teve por objetivo comparar a disponibilidade inicial de um grupo de alunos para uma proposta teórico-vivencial com mudanças auto-observadas no final do processo.

SUJEITOS E PROCEDIMENTOS

O grupo foi constituído por 12 alunos, predominantemente do sexo feminino, inscritos na disciplina "Dinâmica do Relacionamento Humano", oferecida em um Programa de Pós-Graduação para profissionais da área de Saúde Mental.

Essa disciplina pareceu-nos propícia à proposta de aprendizagem teórico-vivencial, uma vez que nela o objeto de estudo se presentifica concretamente no grupo e pode ser tomado para reflexão, favorecendo uma compreensão vivenciada dos processos de interação humana.

Os dados foram obtidos sob a forma de respostas abertas a questionários aplicados coletivamente na primeira e na última aula do curso.

O primeiro questionário visou um levantamento de informações a respeito da maneira como o participante se percebia frente à proposta de uma tarefa teórico-vivencial em grupo, e foi constituído de 5 questões, dentre as quais selecionamos para esse trabalho a seguinte: "Comente sobre sua disponibilidade para participar de um grupo que se propõe a uma aprendizagem teórico-vivencial".

O segundo questionário visou obter informações sobre a maneira pela qual o participante avaliava sua participação no trabalho grupai, e foi constituído de 8 questões, dentre as quais selecionamos para o presente trabalho a seguinte: "Durante o processo desse grupo você observou mudanças quanto ao seu modo de interagir no grupo? E quanto ao seu modo de interagir como profissional? Comente".

As respostas a essas questões foram tratadas pelo procedimento de análise categorial de conteúdo (BARDIN, 1988), que consiste em isolar as unidades de sentido que emergem dos textos analisados e reagrupá-las de forma a tornar explícitos os significados dos mesmos. Em seguida, as respostas foram classificadas no sistema de categorias obtido, permitindo caracterizá-las em seu conjunto.

RESULTADOS

As categorias derivadas da análise das respostas à questão sobre disponibilidade inicial para a tarefa teórico-vivencial são apresentadas no Quadro 1.


Essas categorias nos permitiram, então, verificar que essa questão, solicitando que o participante, no contexto coletivo da presença concreta de outras pessoas, se voltasse para si mesmo numa busca silenciosa dos significados pessoais relativos ao estar em grupo, favoreceu informações sobre como o participante se colocou frente ao grupo, se reconhecendo ou não que a tarefa proposta implicava no acontecimento de um processo grupal, no qual ele estava sendo solicitado como sujeito do próprio processo.

Nos Quadros 2 e 3 apresentamos as categorias derivadas da análise das respostas relativas às mudanças auto-observadas no final do processo.



A análise dessas respostas permitiu verificar que as mudanças auto-observadas tanto no modo de interagir no grupo como no modo de interagir como profissional, foram de natureza bastante diferentes entre si, apontando para a diversidade possível de repercussão que a proposta de aprendizagem teórico-vivencial pode vir a ter nos participantes.

Na Tabela 1 apresentamos a distribuição cruzada das respostas dos 12 participantes nas categorias relativas à disponibilidade para tarefa proposta e às mudanças auto-observadas no final do processo.

Nessa tabela verificamos que 8 dos 12 participantes (67%) apresentaram indícios de que iniciaram o trabalho levando em conta a ocorrência de um processo grupal, parecendo reconhecerem-se como sujeitos desse próprio processo. Dentre eles, 2 manifestaram sua disponibilidade para a tarefa; 3 deles a relacionaram aos seus limites pessoais para a tarefa proposta; outros 2 a relacionaram à novidade da mesma; e finalmente um deles manifestou sua disponibilidade associando-a às suas necessidades pessoais de interação.

Os outros 4 participantes (33%) apresentaram indícios de que ao iniciarem o trabalho não tinham presente a ocorrência de um processo grupal que os requeria como sujeitos do mesmo. Dentre esses participantes, 3 referiram-se à disponibilidade de maneira impessoal e o outro, ao sentido concreto da mesma.

Também na Tabela 1 é possível verificar que a totalidade dos participantes reconheceu mudanças em sua forma de interagir no grupo ao longo do processo. Dos 12 participantes, 10 deles (83%) relataram mudanças em direções que sugerem maior aproximação do grupo. Dentre eles, 5 assinalaram o aumento da auto-expressividade; 3 deles, uma maior receptividade ao outro e os outros 2, ampliação e melhoria na qualidade das interações. Dos outros 2 participantes (17%) um deles reconheceu mudanças no seu modo de interagir no grupo e apesar de não especificá-las, tendeu a valorizá-las positivamente; e o outro participante assinalou mudanças que sugerem um movimento de retraimento frente ao grupo.

Além disso, também 10 dos 12 participantes (83%) assinalaram mudanças nas suas interações profissionais, tendo predominado o reconhecimento de maior receptividade ao outro nas interações (6 participantes). Dois participantes assinalaram mudanças no seu modo de pensar as interações; 1 outro assinalou reconhecer-se mais auto-confiante em situações grupais; e o outro apontou a possibilidade futura de mudanças no seu modo de interagir como profissional.

Finalmente, apenas um dos participantes do grupo (83%) não reconheceu mudanças em suas interações profissionais; e o outro assinalou que não estava exercendo, no momento, nenhum papel profissional.

A comparação das respostas iniciais sobre a disponibilidade para a tarefa e as mudanças auto-observadas no modo de interagir no grupo permitiu verificar que mesmo aqueles participantes que inicialmente não pareciam levar em conta o processo grupai, tornaram-se permeáveis a ele ao longo do trabalho, possibilitando o reconhecimento de mudanças positivas em suas interações grupais. Essas mesmas mudanças foram também relatadas pelos participantes que inicialmente levavam em conta a sua inserção em um processo grupai, com exceção daquele que associou sua disponibilidade à satisfação de suas necessidades pessoais de interação.

Por outro lado, todos os participantes que se mostraram inicialmente disponíveis para tarefa grupal, relataram mudanças no seu modo de agir como profissional; e apenas um dos participantes que se referiu inicialmente à disponibilidade de maneira impessoal, não apontou o reconhecimento de mudanças em suas interações profissionais, ao final do processo grupal.

CONCLUSÃO

A verificação de que apenas o participante que associou sua disponibilidade para a tarefa teórico-vivencial proposta às suas necessidades pessoais de interação, reconheceu-se no final do processo em movimento de retraimento frente ao grupo, vai de encontro à nossa observação, fruto de nossa experiência docente, de que os participantes que depositam neste tipo de grupo expectativas que seriam mais adequadas a grupos com propósitos explicitamente terapêuticos, tendem a se frustrar com o processo.

Na nossa avaliação, esse parece constituir-se em um limite a ser considerado nas propostas teórico-vivencionais, uma vez que sua proposição em contextos acadêmicos nem sempre permite processos prévios de seleção dos participantes do grupo.

Por outro lado, a constatação de que aqueles participantes que inicialmente não demonstraram reconhecerem-se como sujeitos de um processo grupai, e mesmo aqueles que se reconheceram com limites pessoais para a tarefa proposta, apontaram no final do processo mudanças positivas em suas interações, evidencia uma possibilidade dessa proposta, como um processo potencialmente capaz de fomentar o desenvolvimento pessoal, tão desejável na formação de profissionais que têm a interação humana como instrumento essencial de seu trabalho.

Além disso, a verificação de que a grande maioria dos participantes do grupo relatou mudanças em seu modo de interagir como profissionais, aponta também para a possibilidade da aprendizagem realizada no contexto do grupo ser generalizada para a situação profissional. Ao nosso ver, essa verificação tende a legitimar a inserção de propostas teórico-vivenciais no contexto da formação acadêmica desses profissionais.

Finalmente, consideramos que dentro do contexto da metodologia desse trabalho, foi-nos possível suscitar alguns questionamentos sobre limites e alcance da proposta de aprendizagem teórico-vivencial, que esperamos possa encorajar o desdobramento de estudos sobre a mesma.

  • BARDIN, L. Análise de conteúdo Lisboa, Edições 70,1988.
  • CAMPOS, M. A.; MUNARI, D. B.; LOUREIRO, S. R. e JAPUR, M. Dinâmica de Grupo: Reflexões sobre um curso teórico-vivencial. Ribeirão Preto: Anais do II Encontro de Pesquisadores em Saúde Mental e II Encontro de Enfermeiros Psiquiátricos, 1990. p. 102-123.
  • DOXEY, J. R. A sala de aula universitária como comunidade de aprendizagem e contexto psicossociológico para mudança. In: CAPPELLETTI, F. I. e MASETTO, M. T. Ensino superior: reflexões e experiências São Paulo, EDUC, 1986. p. 147-200.
  • LOUREIRO, S. R.; JAPUR, M.; CAMPOS, M. A. e MUNARI, D. B. A produção gráfica coletiva de um grupo de alunos como elemento projetivo de expectativas e da avaliação do processo grupai. Ribeirão Preto: Anais do II Encontro de Pesquisadores em Saúde Mental e II Encontro de Enfermeiros Psiquiátricos, 1990. p. 124-141.
  • MORENO, S. La educacion centrada en la persona, México, Ed. El Manual Moderno S.A., 2Ş ed., 1983.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2012
  • Data do Fascículo
    Jul 1992
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