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VIDA COTIDIANA, AFETIVIDADE E ESQUIZOFRENIA: UM ESTUDO EM ADULTOS PORTUGUESES

DAILY LIFE, AFFECTIVITY AND SCHIZOPHRENIA: A STUDY WITH PORTUGUESE ADULTS

VIDA DIARIA, AFECTIVIDAD, Y ESQUIZOFRENIA: UN ESTUDIO DE ADULTOS PORTUGUESES

Resumos

O presente estudo, realizado em Portugal, teve como objetivo analisar as experiências da vida diária de pessoas com diagnóstico de esquizofrenia, com particular ênfase na dimensão afetiva da experiência. Recorreu-se ao Experience Sampling Method (ESM) para recolha de dados relativos à experiência diária ao longo de uma semana. Participaram neste estudo 14 pessoas com pelos menos três anos de diagnóstico de esquizofrenia, estáveis do ponto de vista médico, a viver em contexto extra-hospitalar e alvo de projetos de reabilitação profissional. Os resultados indicam que os participantes passam grande parte do tempo em casa, sozinhos ou com a família, a realizar atividades de tempo livre. Os aspectos afetivos positivos (emoções e sentimentos) predominam na sua vida diária, porém esta situação se altera quando os indivíduos estão sozinhos, havendo um decréscimo acentuado da afetividade positiva e um aumento significativo da afetividade negativa. Estes resultados reforçam a perspectiva de integração comunitária e a necessidade de esta ser acompanhada da criação de estruturas comunitárias que promovam atividades integradas de reabilitação, estruturadas e promotoras do desenvolvimento e das interações sociais.

saúde mental; esquizofrenia; psicologia positiva


This study aimed to analyse the daily life experiences of Portuguese people with schizophrenia diagnosed with particular emphasis on the affective dimension of experience. The Experience Sampling Method (ESM) was used to collect data on the daily life experience, over a week. Participated in this study 14 people diagnosed with schizophrenia for at least three years, medically stabilized, living in the community and professional rehabilitation targets. The results indicate that the participants spend most of their time in their homes, alone or with their families and performing leisure activities. The positive affective aspects (feeling and emotions) predominate in their daily lives. However this situation changes when individuals are alone, with a sharp decrease in the positive affectivity and a significant increase in the negative one. These results reinforce the perspective of the community integration and the need for this to be accompanied by the creation of community structures that promote integrated rehabilitation activities, structured and promoters of the development and the social interactions.

Mental health; schizophrenia; Positive Psychology


El presente estudio, realizado en Portugal, tuvo como objetivo analizar las experiencias de vida diaria de personas con el diagnóstico de esquizofrenia, prestando especial atención a la dimensión afectiva de la experiencia. Se recurrió al Experience Sampling Method (ESM) para la recolección de los datos sobre la experiencia diaria a lo largo de una semana. Participaron en este estudio 14 personas diagnosticadas con esquizofrenia a por lo menos tres años, estables desde el punto de vista médico, viviendo en un contexto extra-hospitalario y pudiendo participar de proyectos de rehabilitación profesional. Los resultados indican que los participantes pasan la mayor parte de su tiempo en casa, solos o con la familia y realizando actividades de ocio. Los aspectos afectivos positivos (emociones y sentimientos) predominan en su vida diaria. Sin embargo, esta situación cambia cuando los individuos están solos, evidenciándose una gran disminución de la afectividad positiva y un aumento significativo de la afectividad negativa. Estos resultados intensifican la perspectiva de integración comunitaria y la necesidad de que ésta sea acompañada de la creación de estructuras comunitarias que promuevan actividades integradas de rehabilitación, estructuradas y promotoras del desarrollo y de las interacciones sociales.

Salud mental; esquizofrenia; Psicología Positiva


Nos dias de hoje assistimos a uma reestruturação dos serviços de saúde mental em Portugal e a uma mudança de foco dos hospitais psiquiátricos para a comunidade (Portaria n. 149/2011Portaria Portaria n. 149/2011 de 8 de Abril. Diário da República, nº 70/11-ISérie. Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e da Saúde.2011) e - mais importante - a uma transição da era da desinstitucionalização para a era da reabilitação (Oliveira, 2013Oliveira, J. (2013). Da desinstitucionalização à reestruturação dos cuidados de saúde mental. Plataforma Barómetro Social, 5. Recuperado em 6 de Fevereiro, 2014 de http://barometro.com.pt/archives/1151.
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). O advento da Psiquiatria Comunitária veio propor uma nova forma de tratar as pessoas com doença mental na comunidade, sem as afastar da sua família e das suas redes de pertença, através da integração e articulação de serviços e da continuidade de cuidados, da importância dada à reabilitação e integração socioprofissional, privilegiando a sua participação no planeamento e avaliação dos serviços, visando À melhoria da sua qualidade de vida (Fazenda, 2006Fazenda, I. (2006). Saúde mental: do hospital à comunidade, dos cuidados à cidadania. In Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (Org.), Saúde mental, reabilitação e cidadania (pp. 6-15). Lisboa: Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência.; Escudeiro & Souza, 2009Escudeiro, C., & Souza, M. (2009). Saúde mental no sistema único de saúde: changing the care model in the region of Lins - SP. Saúde e Sociedade, 18(1), 44-47.).

Uma população particularmente afetada pelas mudanças estruturais e assistenciais é aquela que é constituída pelas pessoas com diagnóstico de esquizofrenia. A amplitude e a complexidade das manifestações psicopatológicas desta doença, assim como o elevado número de internamentos e reinternamentos, fazem dela uma das perturbações com maior risco de marginalização e inadaptação social, origem de graves repercussões pessoais, familiares e sociais (Küstner , González, & Garcia, 2002Küstner, B., González, E., & Garcia, J. (2002). Evaluación de servicios de salud mental en el ámbito de la atención comunitaria. Actas Españolas de Psiquiatría, 30(4), 253-258.; Wagner, Torres Gonzalez, Geidel, & King, 2011Wagner, Luciane Carniel Torres-González,Francisco, Geidel, Ariadne Runte, & King, Michael B. (2011). Cuestiones existenciales en la esquizofrenia: percepción de portadores y cuidadores. Revista de Saúde Pública, 45(2), 401-408. Recuperado em 5 de Fevereiro de 2014 de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102011000200019&lng=en&tlng=es. 10.1590/S0034-89102011000200019.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
; Silva & Santos, 2009Silva, G., & Santos, M. A.(2009). Álbum de família e esquizofrenia: convivência em retrato. Psicologia em Estudo, 14(1), 83-91. Recuperado em 05 de Fevereiro de 2014, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722009000100011&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S1413-73722009000100011.). Uma vez que em Portugal a integração na comunidade se assume como objetivo central da reforma psiquiátrica, torna-se relevante perceber se este novo modelo de atenção comunitária tem trazido uma melhoria efetiva na qualidade de vida e bem-estar das pessoas com diagnóstico de esquizofrenia e suas famílias (Souza Filho, Sousa, Parente & Martins, 2010Souza Filho, M., Sousa, A., Parente, A., & Martins M.(2010). Avaliação da sobrecarga em familiares cuidadores de pacientes esquizofrénicos adultos. Psicologia em Estudo, 15(3), 639-647.). Neste sentido, a perspectiva da Psicologia Positiva introduz uma nova forma de olhar para a doença mental, já que, ao invés de focalizar os défices, vai centrar-se no estudo das forças e potencialidades humanas, no sentido de conhecer e promover um funcionamento otimizado dos indivíduos, da sociedade e das organizações (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000Seligman, M., Csikszentmihalyi, M.(2000). Positive psychology. American Psichologist, 55, 5-14.).

Nesta linha, poucos estudos têm sido feitos para documentar e perceber a experiência subjetiva na vida diária das pessoas com doença mental grave. A afetividade é identificada como um fator de grande impacto no funcionamento destas pessoas, particularmente das pessoas com diagnóstico de esquizofrenia. A afetividade negativa tem sido consistentemente associada ao consumo de álcool, drogas, medicação não prescrita e tabaco (McCormick, Funderburk, Youngkhill, & Hale-Fought, 2006McCormick, B, Funderburk, J., Youngkhill, L., & Hale-Fought, M. (2006). Activity characteristics and emotional experience: predicting boredom and anxiety in the daily life community mental health clients. Journal of Leisure Research, 37(2), 236-253.), assim como ao aparecimento da sintomatologia positiva, como as distorções do conteúdo do pensamento, da percepção, da linguagem, dos processos do pensamento e do autocontrolo do comportamento (Myin-Germeys, Van Os, Schwartz, Stone, & Delespaul, 2001Myin-Germeys I., Van Os, J., Schwartz, J., Stone, A., & Delespaul, P. (2001). Emotional reactivity to daily life stress in psychosis. Arch Gen Psychiatry, 58(12), 1137-1144.).

A afetividade positiva e os estados de felicidade em geral nas pessoas com diagnóstico de doença mental têm sido associados a menor absentismo no trabalho, menor uso dos serviços de saúde e menor consumo de analgésicos (Bergsma & Veenhoven, 2011Bergsma, A., Ten Have, M., Veenhoven, R & De Graaf, R. (2011). Most people with mental disorder are happy; a 3 years follow-up in the Dutch general population. The Journal of Positive Psychology, 6, 253-259.), assim como a uma menor taxa de recaídas (Bergsma, Ten Have, Veenhoven & De Graaf , 2010Bergsma, A., Veenhoven, R., Ten Have, M., & Graaf, R.(2010). Do they know how happy they are? On the value self-rated happiness. Journal of Happiness Studies, 12(5), 793-806.). Numa revisão de artigos acerca da resposta emocional na esquizofrenia, Kring e Moran (2008)Kring, A., & Moran, E. (2008). Emotional response deficits in schizophrenia: insights from affective science. Schizophrenia Bulletin, 34(5), 819-834. referem que grande parte dos estudos realizados não encontra diferenças no relato de emoções agradáveis entre pessoas com e sem diagnóstico. Realmente, alguns estudos (Myin-Germeys, Delespaul, & deVries, 2000; Delespaul, 1995Delespaul, P.(1995). Assessing Schizophrenia in Daily Life: The Experience Sampling Method. Maastricht: IPSER Foundation.) que avaliam a flutuação emocional ao longo do dia mostram resultados diferentes dos que têm sido realizados em laboratórios e dos que têm sido baseados em medidas retrospectivas de autorrelato. Em contexto natural, do ponto de vista ecológico, é provável que estas pessoas se sintam capazes das mesmas emoções positivas que as pessoas sem diagnóstico de esquizofrenia, embora tenham tendência a envolver-se menos nas situações que elicitam experiências emocionais positivas (Myin-Germeys et al., 2000Myin-Germeys, I., Delespaul, P., & deVries, M. (2000). Schizophrenia patients are more emotionally active than is assumed based on their behaviour. Schizophrenia Bulletin, 26(4), 847-854.). Num estudo recente, Bergsma, Veenhoven, Ten Have e Graaf, (2010)Bergsma, A., Veenhoven, R., Ten Have, M., & Graaf, R.(2010). Do they know how happy they are? On the value self-rated happiness. Journal of Happiness Studies, 12(5), 793-806. concluíram que as condições que promovem a felicidade são semelhantes entre pessoas com e sem diagnóstico de doença mental. No entanto os autores apontam que as pessoas com diagnóstico de doença mental reportam menos felicidade do que as que não têm diagnóstico, e que quanto maior é o grau de severidade da doença, menor é o nível de felicidade relatado.

No sentido de estudar a experiência subjetiva diária de indivíduos com diagnóstico de esquizofrenia, os investigadores reconhecem a importância de medidas que avaliem as experiências de vida de uma forma mais real e contingente. Nesta perspectiva têm sido utilizadas medidas em tempo real ou ecológicas, com métodos de recolha de dados em que os participantes respondem a avaliações repetidas acerca das experiências no momento em que as vivenciam, ou seja, enquanto funcionam no seu ambiente natural (Scollon, Kim-Prieto, & Diener, 2003Scollon, C.N., Kim-Prieto, C., & Diener, E.(2003). Experience Sampling: promises and pitfalls, strengths and weaknesses, Journal of Happiness Studies, 4(1), 5-34.). Exemplo desta metodologia é o Experience-Sampling Method- (ESM) (Csikszentmihalyi & Larson, 1987), em que os participantes portam consigo um dispositivo electrónico que emite sinais acústicos durante quatro a sete dias, relatando a sua experiência através de respostas abertas e fechadas a um questionário breve a cada vez que o dispositivo toca. Em Portugal não existem dados acerca da vida cotidiana das pessoas com esquizofrenia que tenham sido recolhidos através desta metodologia. Também a nível mundial, são muito poucos os estudos existentes, sendo de realçar os resultados pioneiros de Delespaul e deVries nos anos 90, relativos a este tipo de população com a utilização da metodologia ESM (Delespaul & deVries, 1992Delespaul P, DeVries M. (1992). The daily life of ambulatory chronic mental patients. In: DeVries M,(Org.), The experience of psychopathology: investigating mental disorders in their natural settings (pp. 110-122). Cambridge: Cambridge University Press.; deVries & Delespaul, 1992Delespaul P, DeVries M. (1992). The daily life of ambulatory chronic mental patients. In: DeVries M,(Org.), The experience of psychopathology: investigating mental disorders in their natural settings (pp. 110-122). Cambridge: Cambridge University Press.; Delespaul, 1995Delespaul, P.(1995). Assessing Schizophrenia in Daily Life: The Experience Sampling Method. Maastricht: IPSER Foundation.). Delespaul e deVries (1992)Delespaul, P.(1995). Assessing Schizophrenia in Daily Life: The Experience Sampling Method. Maastricht: IPSER Foundation., ao realizarem um estudo com onze participantes com diagnóstico de esquizofrenia, verificaram um padrão restrito relativamente às atividades realizadas, à companhia e ao local onde estavam, quando comparados com os participantes sem diagnóstico. Por exemplo, estavam mais vezes em casa (71% vs 55%), sozinhos (37% vs 30%) e sem fazer nada em particular (9% vs 2%). Num outro estudo (deVries & Delespaul, 1992Delespaul P, DeVries M. (1992). The daily life of ambulatory chronic mental patients. In: DeVries M,(Org.), The experience of psychopathology: investigating mental disorders in their natural settings (pp. 110-122). Cambridge: Cambridge University Press.) verificou-se que as pessoas com diagnóstico de esquizofrenia a viver em contexto extra-hospitalar passam mais tempo sozinhos (41%) em comparação com pessoas sem diagnóstico psiquiátrico (31%) e relatam maior afetividade negativa quando sozinhos. Sabemos ainda que pessoas com diagnóstico de esquizofrenia a viver com a família passam grande parte do tempo com esta e que despendem mais tempo em atividades ligadas à alimentação e menos tempo em interações sociais, quando comparadas com a população sem diagnóstico ou com diagnóstico de depressão (Delespaul, 1995Delespaul, P.(1995). Assessing Schizophrenia in Daily Life: The Experience Sampling Method. Maastricht: IPSER Foundation.).

Este tipo de metodologia permite avaliar a experiência subjetiva referente a aspetos estruturais do dia a dia e possibilita o estudo das flutuações dinâmicas dos comportamentos e características das pessoas com doença mental, através de uma metodologia mista. Esta permite integrar e relacionar dados qualitativos e quantitativos num único estudo e ter uma compreensão mais profunda do fenómeno em análise (Heyvaert, Maes, & Onghena, 2013). Concretamente no estudo apresentado neste artigo, as informações qualitativa e quantitativa daqui decorrentes são extremamente úteis para compreender a psicopatologia da esquizofrenia, definir e estabelecer planos de tratamento e criar contextos de vida facilitadores de uma vida saudável. Esta metodologia tem sido utilizada com outras populações, nomeadamente em Portugal - por exemplo, com adolescentes e pessoas idosas (Lima & Freire, 2009; Ferreira, 2011).

É de realçar que os estudos realizados com ESM atestam a sua validade e fidelidade na avaliação das pessoas com diagnóstico de esquizofrenia (Delespaul 1995Delespaul P, DeVries M. (1992). The daily life of ambulatory chronic mental patients. In: DeVries M,(Org.), The experience of psychopathology: investigating mental disorders in their natural settings (pp. 110-122). Cambridge: Cambridge University Press.; Kimhy, Delespaul, Corcoran, Ahn, Yale, & Malaspina, 2006Kimhy, D., Delespaul, P., Corcoran, C., Ahn, H., Yale, S., & Malaspina, D.(2006). Computerized experience sampling method (ESM): assessing feasibility and validity among individuals with schizophrenia. Journal of Psychiatric Research, 40(3), 221-230.). A maior vantagem do ESM parece ser claramente a possibilidade de produzir uma imagem detalhada da experiência humana, tornando possível validar ecologicamente os conceitos teóricos e dados empíricos acerca do contexto de vida real (Kimhy et al., 2006Kimhy, D., Delespaul, P., Corcoran, C., Ahn, H., Yale, S., & Malaspina, D.(2006). Computerized experience sampling method (ESM): assessing feasibility and validity among individuals with schizophrenia. Journal of Psychiatric Research, 40(3), 221-230.). Esta metodologia permite diminuir o viés e as distorções da memória presentes nos questionários de autorrelato (medidas retrospectivas), por isso apenas as respostas dos participantes que ocorram entre 10 a 20 minutos após a emissão do sinal acústico tendem a ser consideradas (Scollon, Kim-Prieto, & Diener, 2003Scollon, C.N., Kim-Prieto, C., & Diener, E.(2003). Experience Sampling: promises and pitfalls, strengths and weaknesses, Journal of Happiness Studies, 4(1), 5-34.). Outra vantagem é a possibilidade de obter uma grande quantidade de dados, mesmo com amostras reduzidas, já que é uma medida repetida e pode ser analisada tanto ao nível da resposta por momento (beep-level) quanto ao nível de resposta por sujeito (subject-level) (Scollon et al., 2003Scollon, C.N., Kim-Prieto, C., & Diener, E.(2003). Experience Sampling: promises and pitfalls, strengths and weaknesses, Journal of Happiness Studies, 4(1), 5-34.).

O presente estudo tem dois objetivos: analisar a experiência cotidiana de pessoas com diagnóstico de esquizofrenia, através da análise das atividades, locais e companhia ao longo de uma semana, e perceber de que forma a afetividade dos participantes é condicionada pelo fato de estarem sozinhos ou acompanhados. Em particular, pretende-se analisar a relação entre as situações de estar sozinho e acompanhado, e a afetividade nas suas dimensões positiva e negativa.

MÉTODO

Participantes

Este estudo foi realizado com catorze pessoas com pelo menos três anos de diagnóstico de esquizofrenia. Todos os participantes estavam medicados e estáveis do ponto de vista psiquiátrico e encontravam-se a viver em contexto extra-hospitalar. O critério da seleção da amostra foi de conveniência, tendo sido incluídas pessoas que integravam projetos de reabilitação profissional desenvolvidos por uma instituição portuguesa de intervenção na área da saúde mental.

Os participantes deste estudo são de ambos os sexos (masculino: n= 7; feminino: n= 7), com idades compreendidas entre 29 e 52 anos (média de idades de 37,4 anos, DP=7,3). Relativamente ao grau de escolaridade, 43% dos participantes estudaram até ao segundo ciclo (nove anos de escolaridade), e 43%, até ao Ensino Secundário (12 anos de escolaridade). Quanto ao nível de vida, 74% dos participantes têm um nível médio, 21%, um nível baixo, e 5,4%, um nível elevado. Em relação ao estado civil, treze dos participantes são solteiros e somente um é divorciado. Quanto à situação relativa ao trabalho, metade dos participantes é ativo (7% homens e 43% mulheres) e a outra metade inativo (43%% homens e 7% mulheres).

Instrumentos

A recolha de dados referentes à experiência subjetiva foi feita a partir da metodologia Experience Sampling Method - ESM (Larson &,Csikszentmihali, 1983). Esta metodologia permitiu avaliar a flutuação das experiências diárias através do preenchimento de um questionário de autorrelato no contexto natural de vida e em vários momentos ao longo do dia. Foi entregue aos participantes um dispositivo electrónico programado para emitir oito sinais acústicos diários de forma aleatória, entre as 9 horas e as 22 horas, com um intervalo mínimo de trinta minutos durante sete dias consecutivos. A programação do horário do dispositivo teve em conta as características da população em estudo, tentando não interferir nos horários de sono. Os questionários, compilados num bloco, continham respostas abertas (escrita livre) e fechadas (escalas tipo Likert), feitas imediatamente a seguir ao sinal acústico. Neste estudo apenas foram analisadas as respostas abertas relativas às atividades realizadas ("O que estava a fazer?"), aos locais frequentados ("Onde estava?"), e às pessoas com quem estavam acompanhados ("Com quem estava?). As questões de tipo likert avaliadas analisaram o grau em que os participantes se sentiam relativamente a um conjunto de dezenove itens de conteúdos afetivos (Feliz, Ativo, Aborrecido, Apático, entre outros).

Foi também aplicada uma ficha de dados sociodemográficos, com o objetivo de recolher informações dos participantes em termos de sexo, idade, nível educacional, condição relativa ao trabalho, nível de vida e estado civil. Os participantes responderam assinalando categorias previamente definidas (sexo, nível de vida, estado civil) ou através de respostas abertas (idade, nível educacional, condição relativa ao trabalho).

Procedimento

Foi obtido o aval da Comissão de Ética da instituição onde se realizou o estudo, seguindo os padrões exigidos pela Declaração de Helsinque.

Foram contatadas telefonicamente 23 pessoas com diagnóstico de esquizofrenia e realizadas reuniões individuais para explicar o objetivo do estudo e assinar a folha de consentimento informado. Nesta primeira reunião foi explicado o procedimento relativo ao preenchimento dos blocos e entregues o dispositivo electrónico e os respectivos blocos. Do total de pessoas contatadas, seis optaram por não participar no estudo, três desistiram ao fim dos primeiros dois dias e catorze completaram o estudo até ao final. Passada uma semana foram recolhidos os dispositivos e realizado um debriefing individual com os participantes de forma a avaliar questões relacionadas com a realização do estudo ao longo da semana.

ANÁLISE DE DADOS

Dados qualitativos

Estes dados dizem respeito às respostas dos participantes às questões abertas relativas às atividades, lugares e companhia. A análise destes dados foi feita através do método da análise de conteúdo categorial para todas as respostas dadas às respetivas questões. Num primeiro momento foi realizada a codificação dos conteúdos destas respostas, criando-se categorias integradoras das várias respostas originais emitidas pelos participantes. A análise de conteúdo das respostas abertas foi feita por dois investigadores, que previamente receberam instruções sobre o sistema de codificação. Para avaliar o grau de concordância entre os dois avaliadores relativamente à categorização das respostas acerca das atividades, companhias e lugares, foi usado o coeficiente Kappa de Cohen como medida estatística do acordo entre juízes para itens qualitativos/categoriais. Os valores do Kappa de Cohen para estes três aspetos situaram-se entre 0.83 e 0.98, o que, segundo Landis e Koch (1977Landis, J. & Koch, G. (1977). The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics, 33(1), 159-174.), corresponde a um grau de concordância quase perfeito entre juízes. As incongruências detectadas no processo de codificação foram discutidas e decididas por um terceiro elemento (coordenador), chegando-se à codificação final que serviu de base para a análise dos dados qualitativos de todos os participantes envolvidos. De acordo com as categorias emergentes foi realizada uma análise da sua frequência, atendendo a todos os momentos avaliados (beep-level) de todos os participantes.

Dados quantitativos

Estes dados dizem respeito às respostas dos participantes às questões de tipo Likert relativamente ao grau em que se sentem quanto a um conjunto de dezenove itens afetivos. Os dados dos participantes foram analisados tanto ao nível da resposta por momento (após cada sinal acústico, beep-level) quanto ao nível da resposta por sujeito (agregados de todas as respostas de cada participante no total da semana avaliada, subject-level). Do total de 784 beeps programados, resultaram 616 respostas efetivas (78.6%), considerando-se apenas as respostas dadas até vinte minutos após o sinal acústico, o que corresponde a uma média de 44 beeps respondidos por cada participante (Min =34; Max = 56).

O tratamento dos dados quantitativos foi feito através do Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 18. De acordo com a metodologia ESM (cf. Hektner, Schmidt, Csikszentmihalyi, 2007Hektner, J.M., Schmidt, J.A., & Csikszentmihalyi, M. (2007). Experience Sampling Method: measuring the quality of everyday life. London: Sage Publications.), ao nível do sujeito, os dados quantitativos foram analisados usando-se os valores brutos obtidos através da escala likert, sendo que o valor de cada participante corresponde sempre ao agregado dos seus valores obtidos ao longo de uma semana. Tal procedimento reforça o valor dos dados individuais mesmo em amostras reduzidas, como é o caso do presente estudo; já nas análises relativas aos momentos diários, uma vez que os dados são baseados em medidas repetidas por participante, tal como sugere a literatura, os valores foram transformados em notas Z, uma vez que se pretende a comparação de todos os momentos avaliados de todos os participantes. Foi também realizada uma análise fatorial aos dezenove itens da componente afetiva, no sentido de fundamentar a conceptualização de uma componente de afetividade positiva e uma negativa.

RESULTADOS

Resultados qualitativos

Identificação das atividades realizadas, locais frequentados e companhia ao longo de uma semana

Da análise qualitativa efetuada (análise de conteúdo) em relação ao total de todos os momentos avaliados (beep-level= 616) para todos os participantes (N=14), resultaram vários tipos de respostas (unidade mínima); estas respostas foram agregadas em categorias temáticas.

Assim, em relação às atividades realizadas ao longo de uma semana, emergiram oito categorias de atividades, as quais podem ser visualizadas na tabela 1, juntamente com o tipo de respostas associadas a cada categoria. Assim podemos constatar que a maior parte do tempo dos participantes é passada em atividades de tempo livre, nomeadamente a ver TV, ouvir música ou navegar na Internet; seguindo-se atividades de cariz profissional.

Tabela 1
Categorias e Subcategorias Emergentes das Respostas dos Participantes Relativas às Atividades ao Longo de uma Semana, e Respetiva Distribuição de Frequências por Subcategoria.

Em relação à companhia ao longo de uma semana, a análise de conteúdo das respostas de todos os participantes resultou em nove categorias, tal como apresentadas na tabela 2. Assim, em relação às companhias e ao total dos momentos avaliados, constatamos que os participantes passam a maior parte do seu tempo sozinhos ou na companhia dos pais e outros familiares, e a menor parte, com colegas, conhecidos e amigos.

Tabela 2
Categorias e Subcategorias Emergentes das Respostas dos Participantes Relativas à Companhia ao Longo de uma Semana, e Respetiva Distribuição de Frequências por Subcategoria.

Em relação aos lugares frequentados ao longo de uma semana, a análise de conteúdo das respostas de todos os participantes resultou em quatro categorias, apresentadas na tabela 3. Da análise das respostas constatamos que os participantes passam a maior parte do seu tempo em casa e uma menor parte em locais públicos e no local de trabalho. O total de categorias e respectivas frequências é apresentado na tabela 3.

Tabela 3
Categorias e Subcategorias Emergentes das Respostas dos Participantes Relativas aos Lugares ao Longo de uma Semana, e Respetiva Distribuição de Frequências por Subcategoria.

Resultados quantitativos

Caracterização da afetividade ao longo da semana

Relativamente às dimensões afetivas, os participantes responderam à questão relativa a como se sentiam nos vários momentos avaliados, em relação a várias emoções/sentimentos, numa escala Likert de 0 (nada) a 12 (máximo). Para cada sujeito calculou-se a média individual relativa a todos os momentos avaliados ao longo da sua semana. De acordo com as médias individuais, calculou-se então a média do grupo, no sentido de caracterizar os aspectos afetivos dos participantes ao longo da semana. Os itens que apresentam uma média total mais elevada são o feliz, forte e ativo. Os itens que apresentam média total mais baixa são zangado, irritado e triste.

Os dezenove itens da componente afetiva foram submetidos à Análise Fatorial (AF), no sentido de fundamentar a conceptualização de uma componente de afetividade positiva e uma negativa. Os resultados obtidos indicaram a existência de dois fatores que explicam 65,17% da variância, integrando todos os itens envolvidos: o Fator I, que explica 35,3%, correspondendo à afetividade positiva; e o Fator II, que explica 29,8%, correspondendo à afetividade negativa. No que se refere à consistência interna, os resultados revelaram um coeficiente alpha de Cronbach de .94 para a afetividade positiva e de .92 para a afetividade negativa, não havendo aumento destes valores com a retirada de qualquer um dos itens envolvidos. Os itens que integram a afetividade positiva são: feliz, satisfeito consigo próprio, forte, ativo, bem-disposto, contente, sociável, alegre, relaxado e criativo; os que compõem a afetividade negativa são: cansado, ansioso, sonolento, aborrecido, apático, sozinho, irritado, triste e zangado. Na figura 1, apresentada em seguida, podem-se ver os itens que compõem as dimensões afetivas positiva e negativa.

Figura 1.
Valores Médios de Afetividade Positiva e Negativa Relativos a uma Semana da Vida Diária.

Nota: Valores médios por item de afetividade positiva e negativa para o total de participantes (N participantes=14), relativos à escala de resposta tipo Likert utilizada (0-12). Num primeiro momento calculou-se o valor médio de cada participante relativo a todos os seus valores obtidos nos vários momentos de avaliação ao longo de uma semana. Cada participante respondeu a uma média de 44 momentos (mínimo 33, máximo 56).

Relação entre a afetividade e a situação de estar sozinho e acompanhado

No sentido de avaliar se os valores da afetividade positiva (dez itens) e negativa (nove itens) variam em função da situação de estar sozinho (sem a presença física de outrem) e acompanhado (reportados a todos os momentos - beeps), realizou-se uma análise T-Test, One Sample Test (test value=0), que permite a comparação entre os valores obtidos em todos os momentos avaliados (dados transformados em valores Z, beep-level) e a respectiva média (média dos valores Z=0). Verificamos que nas situações sozinho a afetividade negativa encontra-se significativamente acima da média [M=.32, SD=.85, t(123)=4.10, p<0.001] e a afetividade positiva significativamente abaixo da média [M=-.19, SD=.75, t(126)=2.90, p<0.005]. Nas situações de acompanhado ocorre o inverso, embora sem valores estatisticamente significativos; ou seja a afetividade negativa encontra-se abaixo da média [M=-.062, SD=.73, t(414)=-1.73, p>0.05] e a afetividade positiva encontra-se acima da média [M=.030, SD=.82, t(413)=.76, p>0.05].

Figura 2.
Afetividade Positiva e Negativa em Situação de Sozinho e Acompanhado ao Longo de uma Semana da vida Diária

Nota: Valores apresentados em notas Z.

One Sample Test (Média=0): diferenças na afetividade positiva e negativa nas situações de sozinho e acompanhado (considerados todos os momentos da vida diária avaliados, n=616, beep-level).

** p<0.001; *p<0.05

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os resultados apresentados permitem-nos conhecer e analisar a experiência subjetiva cotidiana de pessoas com diagnóstico de esquizofrenia, percebendo de que forma estados afetivos negativos e positivos estão relacionados com o facto de estarem sozinhas ou acompanhadas. Os resultados obtidos vão, na sua generalidade, ao encontro de resultados obtidos noutros estudos efetuados com esta metodologia nesta população (Delespaul & deVries, 1992Delespaul P, DeVries M. (1992). The daily life of ambulatory chronic mental patients. In: DeVries M,(Org.), The experience of psychopathology: investigating mental disorders in their natural settings (pp. 110-122). Cambridge: Cambridge University Press.; deVries & Delespaul, 1992Delespaul P, DeVries M. (1992). The daily life of ambulatory chronic mental patients. In: DeVries M,(Org.), The experience of psychopathology: investigating mental disorders in their natural settings (pp. 110-122). Cambridge: Cambridge University Press.); no entanto emergiram também algumas especificidades com os participantes deste estudo que exigem novas interpretações. Num primeiro momento torna-se importante salientar o facto de todos os participantes terem sido alvo de projetos de reabilitação socioprofissional e de 50% estarem no momento do estudo a exercer alguma atividade de cariz profissional. Este aspecto é importante para a caracterização destes participantes e dos resultados obtidos em relação à informação relativa à sua vida diária no que diz respeito às atividades exercidas, companhia e locais.

No que diz respeito às atividades realizadas, percebemos que em geral os participantes estão envolvidos em atividades básicas e pouco elaboradas do ponto de vista cognitivo e social. As atividades de tempo livre e aquelas relativas à manutenção e cuidados pessoais continuam a ser as atividades mais destacadas na sua vida diária. Se focalizarmos esta análise nos exemplos de resposta, perceberemos que muitas destas atividades estão diretamente relacionadas tanto com os tipos de local que os participantes frequentam quanto com as companhias com que estão ao longo de uma semana; ou seja, ao longo de uma semana os participantes deste estudo realizam mais atividades de interior, sobretudo na sua própria casa e sem contar com a presença de outros. Este tipo de cruzamento de informações poderá dar novas pistas para a interpretação de comportamentos específicos, como é o caso de comer. O ato de se alimentar parece ser uma atividade sobrevalorizada, mas explicável pelo facto de os participantes passarem a maior parte do tempo em casa (acesso fácil aos alimentos) e em atividades passivas de tempo livre (ex., ver TV), que permitem a realização destas atividades em simultâneo.

Relativamente à companhia, é de salientar a existência de uma rede limitada de contatos, predominando a companhia da família próxima (pais) e dos colegas de trabalho e apartamento. Os referidos como amigos são também oriundos do contexto de trabalho, o que mais uma vez reforça a importância deste contexto na vida destas pessoas.

Os locais traduzem-se nos principais contextos cotidianos como a casa própria, os locais públicos e o local de trabalho; no entanto é de salientar a ausência de locais como a casa de amigos ou familiares por oposição à elevada frequência a locais públicos. Este aspeto merece uma atenção particular neste tipo de população, já que traduz uma clara escassez de interações sociais próximas e significativas dos participantes para além do contexto familiar mais próximo. Parece assim que os participantes deste estudo passam muito tempo "sozinhos entre muitos".

Numa análise mais dirigida para a percentagem de tempo ao longo de uma semana, apesar de o tempo despendido em casa se apresentar como o resultado com maior frequência neste estudo esta percentagem é significativamente menor que aquela que foi encontrada no estudo de Delespaul e deVries (1992Delespaul P, DeVries M. (1992). The daily life of ambulatory chronic mental patients. In: DeVries M,(Org.), The experience of psychopathology: investigating mental disorders in their natural settings (pp. 110-122). Cambridge: Cambridge University Press.). Além disso, o tempo que passam sozinhos ou acompanhados parece estar influenciado pelas atividades de cariz profissional exercidas. Na nossa amostra, o tempo que os participantes passam sozinhos, 22%, é consideravelmente inferior ao de outros estudos, que encontram valores na ordem de 41% (deVries & Delespaul, 1992Delespaul P, DeVries M. (1992). The daily life of ambulatory chronic mental patients. In: DeVries M,(Org.), The experience of psychopathology: investigating mental disorders in their natural settings (pp. 110-122). Cambridge: Cambridge University Press.), e 37% (Delespaul & deVries, 1992Delespaul P, DeVries M. (1992). The daily life of ambulatory chronic mental patients. In: DeVries M,(Org.), The experience of psychopathology: investigating mental disorders in their natural settings (pp. 110-122). Cambridge: Cambridge University Press.). Mais uma vez estes dados parecem realçar a importância do envolvimento em atividades estruturadas (e.g. trabalho), que pela sua estrutura permitem a consolidação de experiências mais diversificadas ao nível das atividades, interações sociais e locais frequentados.

Considerando-se os estados afetivos em geral, os resultados deste estudo sugerem que os participantes, em contexto natural, vivenciam mais afetividades positivas do que negativas. Quando analisamos esta experiência nas situações de sozinho ou acompanhado, verificamos que o isolamento social pode ser um contexto perturbador para as pessoas com diagnóstico de esquizofrenia, uma vez que nestas situações a vivência de afetividade negativa aumenta significativamente, ao mesmo tempo em que diminui a experiência afetiva positiva. Embora este mesmo padrão de resultados significativos não se encontre nas situações de acompanhado, é de referir que em situações de companhia a tendência dos resultados vai no sentido oposto, com os participantes a vivenciaram mais estados de afetividade positiva e menos de afetividade negativa, tal como mostram outros estudos (deVries & Delespaul, 1992Delespaul P, DeVries M. (1992). The daily life of ambulatory chronic mental patients. In: DeVries M,(Org.), The experience of psychopathology: investigating mental disorders in their natural settings (pp. 110-122). Cambridge: Cambridge University Press.; Matias, Nicolson, & Freire, 2011Matias, G., Nicolsos, N., & Freire, T. (2011). Solitude and cortisol: associations with state and trait affect in daily life. Biological Psychology, 86(3), 314-9.).

A constatação de que as pessoas com diagnóstico de esquizofrenia a viver na comunidade, mesmo tendo sido alvo de projetos de reabilitação profissional, passam grande parte do seu tempo em atividades de tempo livre, em casa e sozinhas, sublinha a necessidade de se criarem estruturas comunitárias que promovam atividades integradas de reabilitação e inserção socioprofissional, através de atividades estruturadas e promotoras de desenvolvimento e de interações sociais. Estas atividades parecem prevenir situações de maior isolamento social, que por si sós podem constituir fatores precipitantes de recaídas psiquiátricas e de exacerbação da sintomatologia psicótica. O facto de, na situação de estar sozinho, a afetividade negativa ser elevada e a afetividade positiva ser baixa, alerta para a necessidade e importância das interações sociais neste grupo.

Finalmente a constatação de que na sua vida diária os participantes têm mais experiências de afetividade positiva constitui-se ainda de importância fulcral para os profissionais envolvidos no processo de reabilitação. Estes deverão estar cientes de que intervenções centradas nas circunstâncias do presente e nos estados afetivos destes adultos poderão ser mais eficazes, pois ajudarão a promover uma reavaliação e readaptação das expectativas formuladas no passado, assim como novos envolvimentos e investimentos no presente. De facto, a inovação deste estudo está na ênfase dada aos aspectos da vida diária de adultos com diagnóstico de esquizofrenia, permitindo a análise de novas variáveis no estudo e compreensão da esquizofrenia, ao nível não só dos processos psicopatológicos, mas também de estados positivos geradores de maior bem-estar.

CONCLUSÃO

Não obstante as limitações deste estudo, tais como a impossibilidade de generalizar os dados à população adulta com diagnóstico de esquizofrenia, devido ao número reduzido de participantes e à complexidade da metodologia, que por si só origina uma seleção natural da amostra, pensamos que este estudo vem trazer uma nova perspectiva ao estudo desta temática. De facto, são raros os estudos realizados com medidas em tempo real em pessoas adultas com este diagnóstico. Tradicionalmente a recolha de dados tende a ser realizada a partir de medidas retrospectivas, mesmo sabendo-se que os défices cognitivos associados à esquizofrenia podem enviesar o resultado dessas medidas. A utilização do ESM permite aceder ao contexto de vida diário de uma forma real e contingente, validando ecologicamente os conceitos teóricos e dados empíricos acerca do contexto de vida real. Esta medida, enquadrada nos métodos mistos de investigação, permite ainda diminuir o viés e as distorções de memória presentes nos questionários de autorrelato, uma vez que o tempo entre a ocorrência da experiência e o relato desta é encurtado.

Olhar para a esquizofrenia pela lente da Psicologia Positiva é, sem dúvida, abrir novas perspectivas de análise e compreensão desta patologia. Invariavelmente, as investigações que envolvem pessoas com diagnóstico de esquizofrenia estudam variáveis ligadas à doença e aos défices. Poucos são os estudos que analisam variáveis como a afetividade positiva, ou mesmo, de uma forma mais geral, a felicidade e o bem-estar nesta população. Este estudo, embora circunscrito a um determinado contexto sociocultural, pretende contribuir para o aumento do conhecimento acerca da experiência cotidiana desta população. A partir daqui novas linhas de investigação e reflexão podem emergir, contribuindo para a definição e elaboração de diferentes formas de intervenção em pessoas adultas com diagnóstico de esquizofrenia. Promover um envolvimento e comprometimento mais positivos torna-se o objetivo principal na intervenção, seja esta de forma particular ou transversal a vários contextos e culturas. Só assim o conceito de saúde mental se alia ao de florescimento, permitindo concretamente às pessoas com esquizofrenia redefinir o papel da doença e da saúde nas suas vidas, nomeadamente na interação com os outros que as rodeiam.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2014
  • Aceito
    20 Out 2014
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