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INTERVENÇÃO IMPLEMENTADA PELOS PAIS E EMPODERAMENTO PARENTAL NO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Intervención implementada por los padres y empoderamiento parental en el trastorno del espectro autista

RESUMO

A literatura tem destacado a importância do papel ativo da família nas intervenções com a criança com autismo. O empoderamento parental vem ressignificar o papel dos pais, tirando-os de uma posição passiva, submissa, para aturem como agentes ativos que assumem o controle das suas vidas, contribuindo para alcançar as metas almejadas. Os objetivos deste estudo foram: 1) avaliar os efeitos de uma intervenção implementada pelos pais sobre as habilidades sociocomunicativas maternas e do filho com autismo; 2) verificar a influência desta intervenção sobre o empoderamento parental. Dezesseis episódios de interação da díade mãe-criança foram filmados antes e depois das orientações aos pais para avaliar o efeito sobre as habilidades sociocomunicativas de uma mãe e seu filho com autismo. Uma escala avaliou o empoderamento parental nos momentos pré e pós intervenção. Os resultados mostraram um aumento tanto das habilidades sociocomunicativas da díade quanto do empoderamento parental.

Palavras-chave:
intervenção precoce; autismo; empoderamento

RESUMEN

La literatura ha destacado la importancia del papel activo de la familia en las intervenciones con el niño con autismo. El empoderamiento parental viene resignificar el papel de los padres, sacándolos de una posición pasiva, sumisa, para actuar como agentes activos que asumen el control de sus vidas, contribuyendo para alcanzar las metas deseadas. Los objetivos de este estudio fueron: 1) evaluar los efectos de una intervención implementada por los padres sobre las habilidades socio comunicativas maternas y del hijo con autismo; 2) verificar la influencia de esta intervención sobre el empoderamiento parental. Dieciséis episodios de interacción del acople madre-niña fueron filmados antes y después de las orientaciones a los padres para evaluar el efecto sobre las habilidades socio comunicativas de una madre y su hijo con autismo. Una escala evaluó el empoderamiento parental en los momentos antes y tras intervención. Los resultados apuntan un aumento tanto de las habilidades socio comunicativas del acople cuanto del empoderamiento parental.

Palabras clave:
Intervención precoz; Autismo; Empoderamiento

ABSTRACT

The literature has highlighted the importance of the active role played by the family in interventions with autistic children. Parental empowerment redefines the situation for parents. They cease to be passive subjects and grow into active agents in control of their actions, contributing to the achievement the desired goals. The objectives of this study were: 1) to produce an assessment on the effects of an intervention implemented by the parents on the socio-communicative skills of the mother and her autistic child; 2) to verify the influence of this intervention on parental empowerment. Sixteen episodes of mother-child interactions were filmed before and after the intervention in order to assess its effect on the socio-communicative skills of a mother and her autistic child. A scale assessed parent empowerment in the pre- and post-intervention moments. The results showed an increase in both the dyad’s socio-communicative skills and parent empowerment.

Keywords:
Early intervention; Autism Spectrum Disorder; Empowerment

INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por dificuldades na comunicação social e comportamentos, atividades e interesses restritos e repetitivos (American Psychiatric Association [APA], 2013American Psychiatric Association[APA] (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.). Arlington, VA: American Psychiatric Publishing.). Sendo considerado um transtorno do desenvolvimento, a compreensão dessa condição necessita de uma abordagem desenvolvimentista que situe suas diferenças e semelhanças em relação ao desenvolvimento típico. Alguns dos principais sinais precoces e preditivos das dificuldades de comunicação subsequentes desse transtorno podem ser identificados ainda no primeiro ano de vida (Rice, Adamson, Winner, & McGee, 2016Rice, C. E.; Adamson, L. B.; Winner, E.; McGee, G. G. (2016). A cross-sectional study of shared attention by children with autism and typically developing children in an inclusive preschool setting. Topics in Language Disorders, 36(3), 245-265.). De acordo com a abordagem pragmática da comunicação, a base do desenvolvimento sociocomunicativo infantil inicia no primeiro semestre de vida com o reconhecimento e a coordenação recíproca de intenções na interação entre mãe e bebê, denominada intersubjetividade primária (Trevarthen, 1974Trevarthen, C. (1974). Conversations with a two month-old. New Scientist, 2, 230-5.). Essa etapa é caracterizada pela ocorrência simultânea de duas atividades, sendo a primeira a adoção de um foco de atenção compartilhada (AC) por ambos os parceiros e, a segunda, uma concordância quanto à natureza de comunicação entre eles, mas especialmente durante a intersubjetividade secundária, a partir do segundo semestre de vida, é que surgem evidências de comportamentos de compartilhamento de interesses sobre o mundo social, incluindo um terceiro objeto de atenção, além da díade mãe-bebê. Nessa etapa já podem ser observadas as primeiras dificuldades nas crianças com autismo quanto ao uso de gestos e contato visual utilizados para dirigir a atenção de outra pessoa para objetos ou eventos. Essas falhas na reciprocidade e sincronia da atenção compartilhada afetam todo o processo de comunicação subsequente, incluindo a linguagem (Trevarthen, 2016Trevarthen, C. (2016). Sharing joyful friendship and imagination for meaning with infants, and their application in early intervention. In Acquarone, S. (Ed.), Surviving the early years: The importance of early intervention with babies at risk (pp. 19-26). London, UK: Karnak Books.).

A intersubjetividade é construída gradativamente a partir das aquisições de diversas habilidades do bebê ao longo de seu desenvolvimento, seu engajamento em interações sociais que levam ao desenvolvimento de vínculos afetivos e de apego (Trevarthen, 1974Trevarthen, C. (1974). Conversations with a two month-old. New Scientist, 2, 230-5.). Estes últimos são essenciais, pois se constituem como recursos da natureza social humana, capazes de garantir a sobrevivência da espécie. Por essa razão, entende-se que os processos afetivos são indissociáveis dos cognitivos, entrelaçados desde o desenvolvimento inicial da comunicação, justificando que intervenções com crianças com autismo incidam sobre esses aspectos (Bosa, 2002Bosa, C. (2002). Atenção compartilhada e identificação precoce no autismo. Psicologia: Reflexão e Crítica, 15(1), 77-88.).

Apesar da existência de uma variedade de intervenções destinadas a promover o desenvolvimento de habilidades sociocomunicativas de crianças com autismo na literatura, poucas têm sido reconhecidas como realmente efetivas (Camargo & Rispoli, 2013Camargo, S.; Rispoli, M. (2013). Análise do comportamento aplicada como intervenção para o autismo: definição, características e pressupostos filosóficos.Revista Educação Especial, 26(47), 639-650.). O relatório mais recente do NPDC (National Professional Developmental Center) destaca 27 intervenções consideradas efetivas para crianças, jovens e adultos com autismo, chamadas Práticas Baseadas em Evidências (PBE) (Wong et al., 2014Wong, C; Odom, S.; Hume, K.; Cox, A.; Fettig, A.; Kucharczyk, S; Brock, M; Plavnick, J.; Fleury, V; Schultz, T. (2014). Evidence-based practices for children, youth, and young adults with Autism Spectrum Disorder: A Comprehensive Review. Journal of Autism and Developmental Disorders, 45(7), 1951-66. doi: 10.1007/s10803-014-2351-z.
https://doi.org/10.1007/s10803-014-2351-...
). A Intervenção Implementada pelos Pais (Parent Implemented Interventon - PII) tem atendido aos critérios exigidos pela NPDC para ser considerada uma PBE, com nove estudos randomizados ou quase experimentais com crianças entre dois e nove anos de idade (NPDC, 2018National Professional Development Center on Autism Spectrum Disorder[NPDC] (2018). National Professional Development Center on Autism Spectrum Disorder Retrieved from http://autismpdc.fpg.unc.edu.
http://autismpdc.fpg.unc.edu...
).

Neste modelo de intervenção os pais são instruídos sobre como desenvolver habilidades nas áreas da comunicação social, conversação, linguagem espontânea, atenção compartilhada e interação no ambiente da sua casa (Wetherby et al., 2014Wetherby, A. M.; Guthrie, W.; Woods, J.; Schatschneider, C.; Holland, R.; Morgan, L.; Lord, C.(2014). Parent-Implemented Social Intervention for toddlers with autism: An RCT. Pediatrics, 134, 1-10.). Dois pontos são considerados centrais na Intervenção Implementada pelos Pais; o primeiro diz respeito à parceria entre pais e pesquisadores, sendo indicado que se adote uma perspectiva ecológica da intervenção, cuja abordagem seja centrada não somente nas demandas da criança, mas de toda a família. O segundo aspecto é a participação dos pais, que devem envolver-se intensamente na intervenção para que se tornem agentes ativos nesse processo, ou seja, que além dos benefícios à criança a intervenção também possa incrementar os recursos do casal, como o empoderamento parental (Stahmer & Pellecchia, 2015Stahmer, A. C.; Pellecchia, M. (2015). Moving towards a more ecologically valid model of parent-implemented interventions in autism. Autism, 19(3), 259-261.).

Há um consenso na literatura de que as famílias de pessoas com autismo demandam intervenções que, além dos benefícios para seus filhos, considerem a manutenção e fortalecimento da unidade familiar (Franco, 2015Franco, V. (2015). Introdução à intervenção precoce no desenvolvimento da criança. Ed. Aloendro: Évora.; Serrano & Pereira, 2011Serrano, A.; Pereira, A. (2011). Parâmetros recomendados para a qualidade da avaliação em intervenção precoce. Revista Educação Especial, 24(40), 163-180.). A Abordagem Centrada na Família (ACF) parte do entendimento de que a família é a matriz para a promoção do desenvolvimento social e cognitivo da criança e por isso precisa ser considerada como um fator central nas intervenções (Serrano & Pereira, 2011Serrano, A.; Pereira, A. (2011). Parâmetros recomendados para a qualidade da avaliação em intervenção precoce. Revista Educação Especial, 24(40), 163-180.). De acordo com esse tipo de abordagem, além dos benefícios diretos à criança, as intervenções devem ter por objetivo auxiliar os pais quanto às decisões a serem tomadas em prol do filho, como por exemplo, no manejo de seus comportamentos ou até mesmo na escolha de serviços de saúde e educação. Assim, se faz necessário estreitar a parceria entre família e profissionais para que possam ser selecionados serviços individualizados de acordo com as crenças, valores e objetivos de cada família (McConnell, Parakkal, Savage, & Rempel, 2015Mcconnell, D.; Parakkal, M.; Savage, A.; Rempel, G. (2015). Parent-mediated intervention: adherence and adverse effects. Disabilities Rehabilitation, 37(10), 864-72.; Jones & Passey, 2004Jones, J; Passey, J. (2004). Family adaptation, coping and resources: Parents of childrens with developmental disabilities and behaviour problem. Jornal of Developmental Disabilities, 11(1), 31-46.). Resultados animadores têm sido relatados em estudos que utilizam a ACF com pessoas com autismo, incluindo o aumento do envolvimento familiar nas intervenções (Christon, Arnold, & Myers, 2015Christon, L. M.; Arnold, C.; Myers, B. (2015). Professionals’ Reported Provision and Recommendation of Psychosocial Interventions for Youth With Autism Spectrum Disorder. Behavior Therapy, 46, 68-82.; Dunst, Trivette, & Hamby, 2012Dunst, C. J.; Trivette, C. M.; Hamby, D. W. (2012). Effect of Interest-Based Interventions on the Social-Communicative Behavior of Young Children with Autism Spectrum Disorders. CELL Reviews, 5(6), 1-10.; Fernandes, 2009Fernandes, F. D. (2009). Famílias com crianças autistas na literatura internacional. Jornal da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 14(3), 427-32.; Serrano & Pereira, 2011Serrano, A.; Pereira, A. (2011). Parâmetros recomendados para a qualidade da avaliação em intervenção precoce. Revista Educação Especial, 24(40), 163-180.; Weiss, MacMulin, & Lunsky, 2015Weiss, J. A.; Macmullin, J. A.; Lunsky, Y. J. (2015). Empowerment and Parent Gain as Mediators and Moderators of Distress in Mothers of Children with Autism Spectrum Disorders. Child and Family Studies, 24, 2038-2045.).

Nesse sentido, o empoderamento dos pais começa a tomar relevo como uma variável importante em diversos estudos que visam o desenvolvimento de pessoas com deficiência (Vivanti et al., 2018Vivanti G.; Kasari, C.; Green, J.; Mandell, D.; Maye, M.; Hudry, K. (2018). Implementing and Evaluating Early Intervention for Children with Autism: Where Are the Gaps and What Should We Do? Autism Research, 11, 16-23.). O termo empoderamento define-se como o processo no qual as pessoas adquirem melhor domínio e controle das suas vidas, contribuindo para que consigam alcançar os objetivos almejados, a partir do acesso ao conhecimento, bem como dos recursos e técnicas de habilidades desenvolvidas (Anuradha, 2004Anuradha, K. (2004). Empowering Families with Mentally Ill Members: A Strengths Perspective. International Journal for the Advancement of Counselling, 26(4), 383-391.; Singh & Titi, 1995Singh, N.; Titi, V. (1995). Empowerment: Towards Sustainable Development. Atlantic Highlands, NJ: Zed Books.; Turnbull & Turnbull, 2001Turnbull, A. P.; Turnbull, H. R. (2001). Families, professionals, and exceptionality: Collaborating for empowerment. Upper Saddle River, NJ: Merrill/Prentice Hall.). No caso do empoderamento parental, esse permite mobilizar os pais de uma posição passiva, de quem recebe e se submete, para sujeitos ativos que conseguem além de discutir sobre seus problemas, buscar soluções para atuar de uma forma ativa no processo de transformação social (Kate, Ross, & Sara, 2014Kate F.; Ross H.; Sara B. (2014). The Parent Empowerment and Efficacy Measure (PEEM): A Tool for Strengthening the Accountability and Effectiveness of Family Support Services. Australian Social Work, 67, 405-418.).

Dessa forma, o empoderamento parental é uma dimensão que acompanha a tendência atual das intervenções em fortalecer as famílias em seus aspectos positivos. Conforme Roux, Sofronoff e Sanders (2013Roux, G.; Sofronoff, K.; Sanders, M. (2013). A randomized controlled trial of group stepping stones triple P: A mixed-disability trial. Family Process, 52, 411-424.), “quando um cuidador é bem informado e treinado são esperados menores comprometimentos de saúde mental dele próprio, além de benefícios de funcionamento adaptativos do filho” (p. 415).

Estudos envolvendo a participação ativa de famílias no contexto da intervenção com autismo são escassos. Por exemplo, a revisão de Fernandes (2009Fernandes, F. D. (2009). Famílias com crianças autistas na literatura internacional. Jornal da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 14(3), 427-32.) revelou que dos 1096 artigos encontrados em uma busca nos periódicos Journal of Autism and Developmental Disorders, Focus on Autism and Other Developmental Disorders e Autism entre os anos de 2005 e 2009, apenas 5% (39) envolviam família e autismo. Desses 39, apenas cinco estudos envolviam intervenções que incluíam ativamente as famílias.

Um dos poucos estudos dessa natureza na realidade brasileira é o de Fernandes, Amato, Balestro e Molini-Avejonas (2011Fernandes, F. D. M.; Amato, C. A.; Balestro, J. I.; Molini-Avejonas, D. R. (2011). Orientação a mães de crianças do espectro autístico a respeito da comunicação e linguagem Ed. Aloendro: Évora. Jornal da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 23(1), 1-7.), o qual teve o objetivo de verificar os resultados obtidos após a realização de dez sessões de orientação específica para mães de crianças com TEA sobre a comunicação e linguagem de seus filhos. As participantes (26 díades mães e filhos) eram pacientes de um serviço de fonoaudiologia especializado em TEA. As mães frequentaram dez sessões, cinco de orientação e cinco de acompanhamento em grupo, concomitante à manutenção do processo de terapia fonoaudiológica das crianças. Filmagens das sessões de terapia identificaram o perfil funcional da comunicação e o desempenho sociocognitivo das crianças, sendo que as mães também foram entrevistadas individualmente. Os resultados mostraram que em relação à comunicação e à linguagem foi possível perceber aspectos relacionados à obtenção de maior atenção da criança, à busca pela realização de atividade conjunta ou iniciativa de comunicação, assim como a utilização de brinquedos de interesse da criança como peça importante para êxito nas interações. A análise individualizada das crianças, mostrou que todos os sujeitos tiveram progresso em uma das áreas investigadas, destacando a importância do envolvimento familiar nas intervenções.

Outro estudo mais recente também envolveu a família diretamente na intervenção com o filho com autismo (Schmidt, Kubaski, Bertazzo, & Ferreira, 2015Schmidt, C.; Kubaski, C.; Bertazzo, J.; Ferreira, L. (2015). Intervenção precoce e autismo: um relato sobre o Programa Son-Rise.Psicologia Em Revista, 21(2), 413-429.). Contando com apoio de outros profissionais na intervenção (facilitadores), os pais foram protagonistas ao se envolverem diariamente, durante 12 meses, em uma intervenção intensiva com o filho em sua residência. Apesar dos ganhos relatados no desenvolvimento da comunicação e interação da criança com autismo, os resultados apontaram para uma interferência da implementação desse programa sobre a rotina familiar, em grande parte devido à presença diária dos facilitadores na residência da família. Os autores destacaram a importância de preservar as famílias desse estressor, reforçando a importância dos pais como agentes ativos nas intervenções.

Uma revisão sistemática da literatura sobre intervenção implementada pelos pais avaliou 15 artigos sobre o desenvolvimento de habilidades sociais do filho com autismo (Andrade, Ohno, Magalhães, & Barreto, 2016Andrade, A. A.; Ohno, P. M.; Magalhães, C. G.; Barreto, I. S. (2016). Treinamento de Pais e Autismo: Uma Revisão de Literatura. Ciências & Cognição, 21(1), 007-022.). Os resultados reafirmam os benefícios dessa intervenção sobre a comunicação social, resultando no aumento na frequência de atos comunicativos da criança e de seu engajamento social, assim como incremento das respostas sociais espontâneas. Já em relação aos pais, a maioria dos estudos relatou o aumento dos níveis de qualidade de vida, ao passo que os resultados sobre o estresse parental se apresentaram controversos, mostrando que essa variável permaneceu inalterada em alguns estudos e reduzida em outros. Todavia, os autores atentam para o fato de que o empoderamento parental não foi diretamente contemplado enquanto variável por nenhum dos estudos dessa revisão (Andrade et al., 2016Andrade, A. A.; Ohno, P. M.; Magalhães, C. G.; Barreto, I. S. (2016). Treinamento de Pais e Autismo: Uma Revisão de Literatura. Ciências & Cognição, 21(1), 007-022.).

Intervenções com crianças com autismo que são implementadas pelos seus pais mostram resultados promissores, especialmente sobre o desenvolvimento de habilidades sociocomunicativas da criança. Porém, os estudos desconsideram as possíveis influências sobre o empoderamento parental. Assim, tendo em vista o que foi apontado pela literatura, os objetivos do presente estudo foram: 1) avaliar os efeitos de uma intervenção implementada pelos pais sobre as habilidades sociocomunicativas maternas e do filho com autismo; 2) verificar a influência desta intervenção sobre o empoderamento parental.

MÉTODO

Delineamento e Participantes

Para verificar o efeito da intervenção implementada pelos pais (variável independente) sobre as habilidades sociocomunicativas da díade (variável dependente) foi utilizado um delineamento quase experimental de caso único do tipo A-B (Nunes & Walter, 2014Nunes, L.; Walter, C. (2014). Pesquisa experimental em educação especial. In Nunes, L. R. O. P. (Ed.). Novas trilhas no modo de fazer pesquisa em educação especial (pp. 27-52). São Carlos, SP: ABPEE.). Para verificar o efeito dessa intervenção sobre o empoderamento parental, a escala Family Empowerment Scale (FES) foi aplicada antes e depois da intervenção (Sampieri, Colado, & Lucio, 2013Sampieri, R. H.; Collado, C. F.; Lucio, M. P. B. (2013). Metodologia de pesquisa. Porto Alegre: Penso.).

Participaram da pesquisa uma família composta por pai e mãe e seu filho com autismo, residentes em uma cidade no interior do estado do Rio Grande do Sul. A mãe tinha 31 anos e formação de técnica na área da saúde, mas não exercia atividade laboral, enquanto o pai, com 36 anos, trabalhava em uma empresa de viação férrea. O filho dessa família tinha a idade de 15 meses no início do estudo, quando foi avaliado por suspeita de autismo. A criança ainda não frequentava a escola comum, não apresentava linguagem verbal, nem outros transtornos associados (motor, visual, auditivo) ou condição médica conhecida. A falta de aconchego no colo e o contato visual pouco frequentes chamaram a atenção da mãe para buscar uma avaliação médica. O diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista foi confirmado por um neuropediatra com base nos critérios do DSM-5 (APA, 2013American Psychiatric Association[APA] (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.). Arlington, VA: American Psychiatric Publishing.).

Instrumentos

Ficha de dados sociodemográficos da família: Coleta dados gerais da família, como fontes de informações sobre autismo, locais e contexto das interações diárias dos pais com a criança, rotinas familiares, anamnese e comportamentos atuais da criança.

Diário de campo: Preenchido pela pesquisadora após cada encontro com os pais, é composto por quatro eixos: 1) Temas do encontro; 2) Orientações dadas aos pais; 3) Dúvidas parentais; e 4) Engajamento dos pais às orientações.

Family Empowerment Scale - FES - Modified version (Koren, Dechillo, & Friesen, 1992Koren, P. E.; Dechillo, N.; Friesen, B. J. Measuring empowerment in families whose children have emotional disabilities: A brief questionnaire.Rehabilitation Psychology, 37(4), 305-321 1992.): Escala likert de 5 pontos que totalizam 34 itens que avaliam a percepção de empoderamento em famílias cujos filhos possuem alguma deficiência, composta originalmente por duas dimensões: nível de empoderamento (familiar, serviços e comunidade); e expressão do empoderamento (atitude, conhecimento e comportamento). A presente pesquisa utilizou apenas o nível de empoderamento familiar da primeira dimensão e as três formas da segunda (atitude, conhecimento e comportamento), totalizando 12 itens. Foi empregada a metodologia de tradução, retrotradução e avaliação de equivalência semântica da escala. O instrumento foi traduzido do inglês para o português (forward) por um tradutor bilíngue. Em seguida, outro tradutor cego à versão original realizou a tradução de retorno do português para o inglês (backtranslation). A etapa final consistiu na apreciação formal da equivalência semântica em que foram avaliados os significados geral e referencial dos termos e expressões dos 12 itens da escala adaptada. As duas versões foram comparadas e as dúvidas dirimidas por um juiz externo, constatando-se uma boa equivalência entre os itens.

Roteiro de Entrevista sobre o conhecimento e expectativas dos pais sobre habilidades de comunicação do filho: Investiga o conhecimento prévio da família sobre autismo e intervenção, bem como suas expectativas sobre o desenvolvimento do filho, incluindo a percepção sobre suas habilidades e dificuldades.

Protocolo para observação da interação pais-criança: Utilizado para codificar duas classes de comportamentos sociocomunicativos (Compartilhamento de Tópicos e Atenção Compartilhada) durante os episódios de interação pais-criança, com base em um manual de observação adaptado de Bosa e Sousa (2007Bosa, C. A.; Sousa, A. (2007). Interação Mãe-Criança e Desenvolvimento Atípico: A contribuição da observação sistemática. In Piccinini, C. A.; Moura, M. L. S. (Orgs.), Observando as primeiras interações pais-bebê-criança (pp. 237-258). São Paulo: Casa Psi Livraria, Editora e Gráfica Ltda.). A categoria Compartilhamento de Tópicos incluem gestos e comportamentos verbais e não verbais usados pela mãe para compartilhar um tópico com o filho, engajar a criança em brincadeiras/atividades, além de focalizar a atenção em atividades já iniciadas pela criança, mantendo a interação através de objetos e eventos. A categoria Atenção Compartilhada é caracterizada por comportamentos infantis em que a criança tem por objetivo iniciar uma atividade/brincadeira, compartilhar interesses e descobertas com os pais, ou responder aos seus estímulos.

Procedimentos

Os pais responderam a Ficha de Dados Sociodemográficos da Família e a escala FES, em sua residência, antes de iniciar a intervenção, seguido pela entrevista sobre conhecimentos e expectativas das habilidades de comunicação do filho. No segundo encontro a pesquisadora e os pais combinaram sobre a padronização das filmagens, definindo conjuntamente que a interação da mãe com a criança seria filmada pelo pai, no local eleito como mais apropriado da casa (sala de brinquedos), com a provisão de objetos de seu interesse que favorecessem a interação (brinquedos, mesinha, cadeira...). Cada episódio filmado teve a duração de 5 minutos, ocorrendo com frequência semanal durante 3 meses (total de 16 encontros). A linha de base compreendeu os quatro primeiros episódios, e foi encerrada após verificação da estabilidade dos comportamentos sociocomunicativos da díade (variância <50%). A fase de intervenção totalizou 12 encontros entre pesquisadora, assistente de pesquisa e os pais.

A pesquisadora conduziu as reuniões, organizando espaço para relatos de ambos os pais, enquanto a assistente de pesquisa registrou através de áudio gravação e auxiliava com materiais e outros recursos (ex. apresentação das filmagens). Os encontros ocorreram na sala da casa da família, em um ambiente silencioso que dispunha de um televisor para visualização das filmagens das intervenções, durante aproximadamente 1h e 30 minutos. As reuniões dividiam-se em: 1) relato da rotina familiar daquela semana; 2) discussão dos temas previamente combinados para aquele encontro; 3) discussão das estratégias e comportamentos maternos presentes nos episódios filmados através de autoscopia. A metodologia de autoscopia, utiliza-se do recurso de videogravação de ações para análise e autoavaliação por um ou mais protagonistas dessa prática (Sadalla & Larocca, 2004Sadalla, A. M.; Larocca, P. (2004). Autoscopia: um procedimento de pesquisa e de formação. Educação e Pesquisa, 30(3), 419- 433.).

A escolha do conjunto de temas distribuídos em cada encontro foram compostos de forma mista, definidos parte a priori (conhecimentos, ou falta de, em autismo, identificados previamente na Entrevista sobre o conhecimento e expectativas dos pais sobre habilidades de comunicação do filho, acrescidos das estratégias e comportamentos maternos para desenvolvimento de habilidades sociocomunicativas, identificadas nos vídeos da linha de base) e parte a posteriori (demandas familiares surgidas ao longo da intervenção). Ao final, os encontros contemplaram os seguintes conteúdos: conhecimentos em autismo (características sociais e comportamentos específicos); reconhecimento e desenvolvimento das habilidades sociocomunicativas (compartilhamento de tópicos, atenção compartilhada); estratégias para engajamento e expansão da interação social.

Registro e análise de dados

As habilidades sociais da díade (comportamentos de Atenção Compartilhada e Compartilhamento de Tópicos) foram codificadas nas filmagens através do Protocolo para observação da interação pais-criança, de forma independente por dois avaliadores cegos ao objetivo do estudo. Foi desconsiderado o primeiro minuto de cada filmagem por questões de ambientação dos participantes (warming up), sendo codificados os 4 minutos restantes de cada episódio (Silva, Santos, & Rhodes, 2014Silva, N. M. V.; Santos, C. V. M.; Rhodes, C. D. A. A. (2014). Do vídeo para o texto escrito: Implicações para a análise da interação. Psicologia em Revista, 20(3), 513-528.). As quatro filmagens que compunham a linha de base também foram utilizadas para a familiarização das avaliadoras com o instrumento. Discordâncias entre avaliadores sobre os comportamentos codificados foram discutidos e os respectivos vídeos reanalisados. Após a reanálise, o cálculo da taxa de confiabilidade entre os observadores (total de concordâncias/total de comportamentos x 100) resultou em um índice de concordância de 75%, o que é considerado aceitável para estudos dessa natureza (Sampieri et al., 2013Sampieri, R. H.; Collado, C. F.; Lucio, M. P. B. (2013). Metodologia de pesquisa. Porto Alegre: Penso.). Já as influências da intervenção sobre o empoderamento familiar foi realizado pela análise comparativa do escore total da FES entre as fases pré e pós intervenção.

CONSIDERAÇÕES ÉTICAS

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Maria (Protocolo Nº CAAE: 49198115.2.0000.5346).

RESULTADOS

A Figura 1 apresenta as frequências dos comportamentos maternos (Compartilhamento de Tópicos) e infantis (Atenção Compartilhada) da díade durante os quatro episódios da linha de base e 12 de intervenção.

Figura 1
Frequência das habilidades sociocomunicativas da díade.

Observa-se um aumento na frequência de comportamentos interativos da díade a partir da fase de intervenção. Os comportamentos de infantis de atenção compartilhada obtiveram mais de oitenta por cento de aumento entre a linha de base (f=27; m=6,7) e a intervenção (f=393; m=32,7). Os comportamentos maternos de Compartilhamento de Tópicos também apresentaram uma curva ascendente entre a fase de linha de base (f=95; m=23,7) para a intervenção (f=666; m=55,5).

Há picos de frequências de comportamentos maternos e infantis entre os episódios 7 a 9 e 10 a 12. As descrições dos vídeos referentes a estes intervalos mostram que a interação ocorreu de forma lúdica, envolvendo brincadeiras como “esconder a face e dar um susto”, “correr e abraçar a mãe, dando um beijo quando ela pede” e “fazer cócegas”. Tais trocas implicam em comportamentos como o contato visual direto e o uso de gestos indicativos, como o apontar, os quais refletem o compartilhamento da atenção mútua em relação da díade.

Já entre os episódios 9 e 10 e no intervalo entre 13 e 15 observa-se uma queda dessas frequências, quando a mãe buscava interagir com a criança utilizando uma bola, a qual não se mostrou objeto de interesse da criança. Consequentemente, a mãe reduziu suas inciativas à medida que a criança se afastou da interação, reciprocamente, refletindo a diminuição destes comportamentos.

A frequência de cada comportamento materno que compõe as habilidades sociocomunicativas é apresentada conjuntamente na Figura 2.

Figura 2
Frequência dos comportamentos maternos de compartilhamento de tópico.

A inspeção visual mostra que as subcategorias de Compartilhamento de Tópico mais frequentes na fase de intervenção foram os Comentários (f=381; m=31,8), Gestos com as Mãos (f=180; m=15) e Perguntas (f=68; m=5,6). Os relatos dos vídeos mostram o quanto a mãe foi desenvolvendo maior habilidade para o engajamento do filho nas brincadeiras interativas ao longo das intervenções, utilizando iniciativas como perguntas ou comentários pertinentes que atuaram como reforço para o engajamento com o filho. Os Gestos com as Mãos, por sua vez, começaram a ser utilizados mais frequentemente pela mãe, seguindo as orientações de direcionar a atenção da criança para objetos de seu interesse utilizando o apontar.

Importante observar que o aumento da frequência desses comportamentos maternos na fase de intervenção acompanha a curva ascendente dos comportamentos infantis de atenção compartilhada nessa mesma fase, os quais são apresentados separadamente na Figura 3.

Figura 3
Frequência dos comportamentos infantis de atenção compartilhada.

Dentre os comportamentos de Atenção Compartilhada, o Direcionamento do Olhar à Face da Mãe obteve aumento de frequência importante na fase de intervenção (f=112; m=11,2), assim como o Sorriso da criança (f=105; m=10,2). É importante destacar que esses comportamentos são de natureza não verbal, manifestados aqui pelo fato de a criança não ter linguagem verbal desenvolvida.

Os relatos dos vídeos da intervenção mostram que a frequência desses comportamentos parece estar relacionada ao tipo de atividade e os recursos lúdicos que a mãe utiliza para brincar com o filho. As brincadeiras como “esconder o rosto e aparecer” ou “brincar de susto” foram o tema central dos episódios em que a categoria Sorriso apareceu com maior frequência, assim como o agito de pernas e braços como sinal de empolgação.

Os resultados da intervenção sobre o empoderamento parental são apresentadas na Figura 4.

Figure 4
Frequências da escala de empoderamento parental.

Percebe-se um aumento do nível geral de empoderamento da fase pré para a fase pós intervenção. Antes de iniciar a IIP, os pais somaram um total de 30 pontos na escala de empoderamento (M=2,5; SD=1,5) sendo que ao final da intervenção esta pontuação elevou-se para 54 (M=4,5; SD=0,52). A dimensão do empoderamento que apresentou maior aumento foi a segurança na habilidade parental de ajudar no desenvolvimento do seu filho (item 2). Não é de surpreender que essa tenha obtido maior aumento, já que o item endereça diretamente o quanto esses pais sentem-se capacitados e aptos a tomar decisões para auxiliar seu do filho a partir das orientações recebidas. Nesse sentido, parece que as orientações auxiliaram estes pais a compreender melhor não somente o desenvolvimento infantil, mas também como podem auxiliar o filho a desenvolver as habilidades que se mostram deficitárias no autismo.

Observa-se que as questões 1, 3, 4 e 6 foram pontuadas na escala likert como “completamente falso” antes das orientações, ao passo que, ao final da intervenção, passaram a ser consideradas como “maioritariamente verdadeiro”. Tais questões envolviam respectivamente perguntas sobre: 1) Quando surgem problemas com meu filho/filha, eu lido com eles muito bem; 3) Eu sei o que fazer quando surgem problemas com meu filho/filha 4) Eu acredito que a vida da minha família está sob controle; e 6) Eu acredito que eu posso resolver problemas com meu filho/filha quando eles acontecem. Essas assertivas endereçam pontos essenciais do construto de empoderamento parental, pois tratam especificamente da aquisição de domínio e controle sobre suas vidas e do filho para alcançar os objetivos compartilhados durante as orientações. Em suma, os resultados mostraram que a percepção de empoderamento dos pais aumentou a partir do início das orientações.

DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos de uma intervenção implementada pelos pais sobre as habilidades sociocomunicativas maternas e do filho com autismo, assim como verificar as influências desta intervenção sobre o empoderamento parental. Os resultados mostram que a intervenção teve um efeito positivo sobre as habilidades sociocomunicativas da mãe e da criança, observado através do aumento na frequência de comportamentos de compartilhamento de tópicos e atenção compartilhada da díade após o início das orientações. Além disso, observou-se que o nível de empoderamento parental mostrou-se sensivelmente maior após a intervenção do que antes dela.

Esse resultado vem ao encontro do que a literatura que investiga esta modalidade de intervenção vem mostrando. Uma revisão sistemática sobre Intervenção Implementada pelos Pais (IIP) cujos filhos com autismo tinham entre um e seis anos de idade mostrou que os estudos relatavam ganhos nas habilidades comunicativas dos filhos e no estilo interativo materno, e no conhecimento parental sobre o transtorno e diminuição de depressão materna (McConachie & Diggle, 2007Mcconachie, H.; Diggle, T. (2007). Parent implemented early intervention for young children with autism spectrum disorder: A systematic review.Journal of Evaluation in Clinical Practice, 13(1), 120-129.). De fato, a IIP não apenas preocupa-se com a instrumentalização dos pais para atuarem na intervenção, mas promove o acesso às informações sobre o autismo para que esses atuem como mediadores diretamente com o filho.

Apesar do envolvimento parental na implementação de estratégias de intervenções para crianças com autismo possui um histórico de mais de quatro décadas (Schopler & Reichler, 1971 Schopler, E.; Reichler, R. J. (1971). Parents as cotherapists in the treatment of psychotic children. Journal of autism and childhood schizophrenia, 1(1), 87-102.), a IIP tem sido predominantemente avaliada através de variáveis parentais (ex.: aumento de suas habilidades, confiança, bem-estar e redução de estresse) ou do filho (ex.: habilidades sociocomunicativas, engajamento na interação). O presente estudo avança o conhecimento da área nesse sentido ao corroborar os ganhos nas habilidades comunicativas da díade mãe-criança, mas especialmente destacando os benefícios sobre o empoderamento parental.

A percepção de empoderamento dos pais implica nesses sentirem-se mais confiantes em lidar com as demandas de seus filhos, habilitando-os a avaliar e acessar os serviços de saúde e educação com maior segurança e autonomia. Portanto, trata-se um construto amplo, capaz de abarcar diversas variáveis indiretamente correlatas, anteriormente investigadas na IIP, como promoção de autoestima, bem-estar, conhecimento em autismo e habilidades específicas para intervenção. Considerando a relevância dos desafios que o autismo impacta sobre as famílias, o empoderamento toma relevo ao acionar recursos de resiliência parentais, tais como otimismo e autoeficácia, fortalecendo as habilidades da dupla parental para manterem-se física e emocionalmente adaptados em situações de estresse. Portanto, ao verificar as influências da IIP sobre o empoderamento parental, somado à importância deste no contexto das famílias de pessoas com autismo, sugere-se que esta variável seja considerada como parte inerente das medidas de efetividade nos estudos sobre intervenções.

Destaca-se ainda que a utilização da metodologia de autoscopia mostrou-se especialmente adequada para este fim ao disponibilizar um espaço para (auto)observação conjunta de pais e técnicos sobre o comportamento parental e do filho durante os vídeos das intervenções. As discussões resultantes desses encontros serviram para refinar as estratégias parentais, algumas das quais já estavam presentes no repertório dos pais, adaptando-as aos objetivos da intervenção, assim como propor novas estratégias a partir das orientações dadas pelos profissionais.

De fato, a presente intervenção teve como objetivo que os pais pudessem adquirir parâmetros sobre desenvolvimento infantil e sobre o autismo de modo a desenvolver e utilizar estratégias personalizadas para seu filho, criadas por eles mesmos. Dunst ressalta que, nas diferentes abordagens existentes na prática do trabalho com famílias o modelo de corresponsibilização é quando “criam oportunidades para as famílias exercitarem capacidades existentes ou para desenvolver novas competências” (Dunst, 2000Dunst, C. J. (2000). Revisiting “Rethinking Early Intervention”. Topics in Early Childhood Special Education, 20(2), 95-104., p. 12). Ao possibilitar que os pais possam construir estratégias de intervenção para com o filho, oportuniza-se que eles se sintam mais seguros e capazes para colaborar no desenvolvimento do seu filho (Dunst & Trivette, 1996Dunst, C. J.; Trivette, C. M. (1996). Empowerment, effective helpgiving practices and family-centered care. Pediatric Nursing, 22, 334-337.; Jones & Passey, 2004Jones, J; Passey, J. (2004). Family adaptation, coping and resources: Parents of childrens with developmental disabilities and behaviour problem. Jornal of Developmental Disabilities, 11(1), 31-46.).

Destaca-se cautela na interpretação desses resultados, levando em consideração algumas limitações do estudo. A escolha de estudo de caso único, apesar dos resultados animadores, ainda é uma evidência preliminar da intervenção. Além disso, não foi realizada uma mensuração das orientações dadas aos pais, impossibilitando a verificação de suas frequências entre linha de base e intervenção para identificar o quanto essas foram de fato seguidas na intervenção e, consequentemente, responsáveis pelos efeitos sobre as habilidades sociocomunicativas.

Considera-se importante também propor na ampliação dos resultados desse estudo, como por exemplo, utilizando orientações coletivas a pais através de grupos. Nessa modalidade os pais poderiam se complementar, em termos de estratégias possíveis, além do fato de que somente um profissional poderia orientar diversos pais, economizando tempo e recursos e facilitando sua possível utilização em políticas públicas de larga escala.

Por fim, sugere-se que estudos dessa natureza possam ser replicados com um número maior de participantes, dando maior confiabilidade aos dados. Assim como também, os dados desse estudo possam ser utilizados para a divulgação dos benefícios em que a intervenção centrada na família pode trazer para o desenvolvimento de pessoas com autismo, e consequentemente sobre o empoderamento das famílias.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2019
  • Aceito
    20 Dez 2019
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