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Atuação do psicólogo nos “núcleos de acessibilidade” das universidades federais brasileiras

The role of psychologists at the “accessibility centers” from federal universities of Brazil

Actuación del psicólogo en los “núcleos de accesibilidad” de las universidades federales brasileñas

Resumo

O Programa Incluir - Acessibilidade na Educação Superior objetiva o desenvolvimento de políticas institucionais de acessibilidade nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), buscando o desenvolvimento acadêmico de estudantes com deficiência e/ou mobilidade reduzida. Dentre suas ações encontra-se a criação e consolidação dos núcleos de acessibilidade. Este estudo se propõe identificar e discutir as ações da Psicologia nesses núcleos, em especial averiguar como seus coordenadores se manifestam diante desse processo. Participaram 17 coordenadores de núcleos das IFES. A coleta de dados se deu por meio de questionário, via formulário eletrônico. Os resultados identificaram ações para a remoção das barreiras atitudinais realizadas por grande parte desses núcleos, como a efetivação de programas de sensibilização e/ou conscientização, palestras e campanhas. Constatou-se que a Psicologia ocupa papel de destaque, principalmente nas práticas relacionadas aos processos educativos dirigidos aos estudantes com deficiência, favorecendo a permanência de um público ainda pouco presente na Universidade.

Palavras-chave:
Acessibilidade; Educação Especial; Psicologia.

Abstract

Public and institutional actions guide the access and permanence of the person with disabilities in Higher Education. The Programa Incluir - Acessibilidade na Educação Superior [To Include Program - Accessibility in Higher Education] aims at developing institutional policies of accessibility at the Instituições Federais de Ensino Superior - IFES [Federal Institutions of Higher Education], in order to academically develop disabled students and/or those with reduced mobility. Among those actions there is the creation and consolidation of accessibility centers. This study aims at identifying and discussing the role of Psychology in these centers, paying special attention to how it’s coordinators act throughout this process. 17 center coordinators from those IFES have participated. The data was collected through an online questionnaire. The results have identified actions for the removal of attitudinal barriers that are put in motion by a great part of these centers, like the creation and development of awareness programs, speeches and campaigns. It has been noted that the field of Psychology plays one of the main roles on these centers, especially in practices related to educational processes created for those disabled students, favoring the permanence of a still much too rare segment of the population inside the University.

Key words:
Accessibility; Special Education; Psychology.

Resumen

El Programa Incluir - Accesibilidad en la Educación Universitaria objetiva el desarrollo de políticas institucionales de accesibilidad en las IFES (Instituciones Federales de Enseñanza Universitaria), buscando el desarrollo académico de estudiantes con deficiencia y/o movilidad reducida. Entre sus acciones se encuentra la creación y consolidación de los núcleos de accesibilidad. Este estudio se propone a identificar ya discutir las acciones de la Psicología en esos núcleos, en especial averiguar cómo sus coordinadores se manifiestan delante de ese proceso. Participaron 17 coordinadores de núcleos de las IFES. La recolecta de datos se dio por intermedio de cuestionario, vía formulario electrónico. Los resultados identificaron acciones para la remoción de los obstáculos actitudinales realizadas por gran parte de esos núcleos, como la efectividad de programas de sensibilización y/o concientización, ponencias y campañas. Se constató que la Psicología ocupa papel destacado, principalmente en las prácticas relacionadas a los procesos educativos dirigidos a los estudiantes con deficiencia, favoreciendo la permanencia de un público aun poco presente en la Universidad.

Palabras clave:
Accesibilidad; Educación Especial; Psicología.

Introdução

A universidade se constitui como local privilegiado para a transmissão e produção de conhecimento científico, crítico e tecnológico, de forma a promover o desenvolvimento cultural e social e, consequentemente, o do próprio homem. Parte-se do pressuposto de que o sujeito se torna humano à medida que ele se apropria do que a humanidade produziu historicamente, elevando sua capacidade crítica. A participação da pessoa com deficiência no Ensino Superior vem ganhando visibilidade tanto nos discursos e nos debates políticos quanto entre os pesquisadores da área da educação. Os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INPE, 2014Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Censo da Educação Superior {INEP} (2014). Resumo Técnico Censo da Educação Superior. Brasília, DF.) demonstram que as matrículas das pessoas com deficiência no Ensino Superior têm aumentado nos últimos anos, passando de 5.078 em 2003 para 33.337 em 2014, um crescimento de 656%. Isso se deve em parte às legislações criadas para garantir o direito ao acesso e à permanência no ensino superior, atrelada às ações pontuais implantadas por algumas universidades para atender esses estudantes.

Entre estas políticas públicas, voltadas para a acessibilidade da pessoa com deficiência no Ensino Superior, encontra-se o Programa Incluir - Acessibilidade na Educação Superior, criado em 2005 pelo Ministério da Educação (MEC) por meio da Secretaria de Educação Superior (SESU) e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). Sua meta pautou-se no desenvolvimento de políticas institucionais de acessibilidade nas IFES, buscando o pleno desenvolvimento acadêmico de estudantes com alguma deficiência. O Incluir foi executado de 2005 a 20111 1 Em algumas chamadas foi possível a participação de IES de natureza estadual. por intermédio de chamadas públicas concorrenciais, por meio das quais as IFES apresentavam projetos de criação, de reestruturação e de consolidação de Núcleos de Acessibilidade, como forma de eliminar barreiras físicas, pedagógicas, nas comunicações e informações, nos ambientes, nas instalações, nos equipamentos e nos materiais didáticos. De 2012 em diante essa ação foi universalizada, atendendo todas as IFES, induzindo o desenvolvimento de uma Política de Acessibilidade ampla e articulada. Com isso, o Ministério da Educação criou o “Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência - Viver sem Limites”, em apoio à ampliação e fortalecimento de 63 Núcleos de Acessibilidade nas IFES (Ministério da Educação, 2013Ministério da Educação (2013). Documento Orientador Programa Incluir - Acessibilidade na Educação Superior. Brasília: Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão/Sistema de Seleção Unificada.).

Entende-se que cada núcleo de acessibilidade se estrutura de uma maneira específica para atender a demanda da sua universidade. É importante notar que entre seus representantes, integrantes e coordenadores vê-se uma presença significativa de profissionais - professores e/ou pesquisadores - com formação em Psicologia, favorecendo questionamentos como: Qual o papel e a importância da Psicologia para a inclusão das pessoas com deficiência nas IES? Quais seriam as ações realizadas pela Psicologia que poderiam favorecer a inclusão da pessoa com deficiência no ensino superior? Como a Psicologia atua nos núcleos de acessibilidade?

Grandes avanços foram obtidos para a promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência, sobretudo em consequência da militância constante dos movimentos representativos da pessoa com deficiência desde meados de 1970. Segundo Braddock e Parish (2001Braddock, D. L.; & Parish, S. L. (2001). An Institutional History of Disability. Em: G. L., Albrecht; K. D., Seelman; & M., Bury (Orgs.), Handbook of disability studies. (pp. 11-68) United States: Sage Publications. , pp. 50-51), tais grupos, cansados de serem tratados como cidadãos de segunda categoria, aproveitaram-se do surgimento de movimentos reivindicatórios de minorias desprivilegiadas para se unirem e elaborarem uma pauta de reivindicações em que o usufruto dos direitos civis, políticos e sociais ocupava lugar de destaque. A expansão e a força do movimento trouxeram visibilidade à causa e as reivindicações contribuíram para a transformação de algumas leis, a criação de decretos e de declarações na luta pela cidadania e pelo respeito aos Direitos Humanos à pessoa com deficiência. Destaque-se a aprovação, em 2006, da Convenção da ONU sobre as Pessoas com Deficiência que, entre seus avanços, passou a compreender a deficiência como uma questão social, combate à discriminação e direito à educação e ao trabalho em igualdade de condições a pessoas com deficiência. Essa Convenção, em seu Artigo 8º, estabelece o compromisso dos Estados-partes em adotar medidas imediatas, efetivas e apropriadas para: a) conscientizar toda a sociedade... sobre as condições das pessoas com deficiência e fomentar o respeito pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência; b) combater estereótipos, preconceitos e práticas nocivas em relação a pessoas com deficiência, inclusive aqueles relacionados a sexo e idade, em todas as áreas da vida; c) promover a conscientização sobre as capacidades e contribuições das pessoas com deficiência. Nesse sentido, pensando o psicólogo como um profissional atrelado às políticas públicas e cuja formação relaciona-se diretamente com tais compromissos, cabe refletir sobre quais práticas e instrumentos são compatíveis com os novos modos de se compreender a deficiência numa perspectiva de direitos humanos (Oliveira, Nuerberg, & Nunes, 2013Oliveira, C. M.; Nuernberg, A. H.; & Nunes, C. H. S. S. (2013). Desenho universal e avaliação psicológica na perspectiva dos direitos humanos. Avaliação Psicológica, 12(3), 421-428.).

O Conselho Federal de Psicologia (1992) Conselho Federal de Psicologia (1992). Atribuições profissionais do psicólogo no Brasil. Brasília, DF. Recuperado: 10 nov. de 2013. Disponível: Disponível: http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/atr_prof_psicologo.pdf
http://site.cfp.org.br/wp-content/upload...
orienta que o psicólogo deve promover o respeito à dignidade e integridade do ser humano. Sua atuação deve se pautar na identificação e intervenção nas ações dos sujeitos, em sua história pessoal, familiar e social, levando em consideração as condições políticas, históricas e sociais. Dentre os princípios fundamentais do Código de Ética do Psicólogo (2005)Conselho Federal de Psicologia (2005). Resolução CFP Nº010/05. Código de ética profissional do psicólogo. Brasília, DF., em relação à pessoa com deficiência, destacam-se os relacionados em I, II e III:

  1. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

  2. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

  3. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural (CFP, 2005Conselho Federal de Psicologia (1992). Atribuições profissionais do psicólogo no Brasil. Brasília, DF. Recuperado: 10 nov. de 2013. Disponível: Disponível: http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/atr_prof_psicologo.pdf
    http://site.cfp.org.br/wp-content/upload...
    , p. 7).

Cabe então ao psicólogo atuar a favor das pessoas marginalizadas e excluídas com vistas a sua participação social, de forma a garantir que sua autonomia e seus direitos sejam respeitados na luta contra preconceitos, estigmas e discriminações. As pessoas com deficiência se enquadram nessa perspectiva. Desse modo a que se pensar em um modo de favorecer o seu trânsito nas instâncias sociais diversas, e a universidade se configura como um desses espaços plurais.

Ao ingressar na universidade, as pessoas com deficiência se deparam com um novo contexto onde é necessária a disponibilização de condições pedagógicas e tecnológicas adequadas para seu desenvolvimento acadêmico. Rocha e Miranda (2009Rocha, T. B.; & Miranda, T. G. (2009). Acesso e permanência do aluno com deficiência na instituição de ensino superior. Revista Educação Especial, 22(34), 197-212.) pontuam a necessidade de investimento na comunidade universitária, com ações que promovam a sensibilização de equipes gestoras e a criação de laboratório de apoio pedagógico com suporte técnico e humano - pedagogos, psicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos, profissionais da computação - capaz de criar soluções tecnológicas e pedagógicas para o atendimento às necessidades específicas desses estudantes.

Além dos citados núcleos de acessibilidade, presentes nas universidades federais, as IES estaduais têm desenvolvido ações com a participação do psicólogo para minimizar as dificuldades enfrentadas por estudantes com deficiência. Alguns exemplos: a Universidade Estadual de Londrina (UEL) criou o PROENE - Programa de Acompanhamento a Estudantes com Necessidades Educacionais Especiais (NEE)2 2 Segundo as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (CNE/CEB nº 02/2001), são considerados estudantes com necessidades educacionais especiais aqueles que apresentam grandes dificuldades de aprendizagem ou restrição no desenvolvimento, que prejudiquem o acompanhamento das atividades curriculares. Tais necessidades estão associadas a causas orgânicas específicas, limitações, disfunções ou deficiências, dificuldades de comunicação e sinalização diferenciada dos outros alunos, altas habilidades e/ou superdotação (Leite & Martins, 2012). , composto por profissionais das áreas de Serviço Social, Educação e Psicologia, responsáveis por identificar as dificuldades e necessidades especiais concernentes ao processo de ensino-aprendizagem-avaliação apresentadas pelo estudante, e por propor recursos e estratégias que reduzam ou eliminem as dificuldades e demandas especiais identificadas (Ferreira, 2007Ferreira, S. L. (2007). Ingresso, permanência e competência: uma realidade possível para universitários com necessidades educacionais especiais. Revista Brasileira de Educação Especial, 13(1), 43-60.); a Universidade de São Paulo (USP) criou em 2001, por docentes do Instituto de Psicologia, a “USP Legal”, programa de conscientização e sensibilização destinado a funcionários, docentes e estudantes com deficiência, com vistas à acessibilidade física e pedagógica e inserção do tema deficiência nos espaços regulares de ensino, pesquisa e extensão; a Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), pelo seu Departamento de Apoio à Inclusão (DAIN), favorece a promoção da Educação Inclusiva a partir do acesso de estudantes com deficiência e/ou NEE aprovados no Processo Seletivo Vocacional (PSV) nos diversos cursos oferecidos pela instituição - são membros da equipe, entre outros, psicólogo, psicopedagogo, médico, assistente social, pedagogo, técnico de informação, advogado.

Face às considerações apresentadas este texto relata os resultados de um estudo que procurou identificar e discutir as ações da Psicologia nos núcleos de acessibilidade. Ainda buscou averiguar quais as ações que seus coordenadores realizam para possibilitar a participação de pessoas com deficiência nas universidades federais e qual a atuação do profissional psicólogo para auxiliar nesse processo.

Procedimentos

Foram convidados a participar desta pesquisa os 55 coordenadores dos núcleos de acessibilidade atuantes no núcleo das universidades beneficiadas pelo Programa Incluir. No entanto, contou-se com a participação de apenas 17 coordenadores, sendo 14 do sexo feminino e três do sexo masculino. Desses, cinco possuíam formação inicial em Psicologia; dois em Pedagogia, em Terapia Ocupacional e em Educação Física; um em Arquitetura e Urbanismo, em Educação Artística, em Educação Especial, em Fisioterapia, em Fonoaudiologia e em Letras. Sete possuíam mestrado na área da Educação e/ou Educação Especial, seis tinham doutorado em diferentes áreas (sendo novamente a área da Educação a mais recorrente), dois possuíam especialização em psicopedagogia institucional e um em altas habilidades. Quase a totalidade dos participantes atuava na coordenação dos núcleos a mais de cinco anos.

Cumpre informar que a coleta de dados foi iniciada após os participantes acordarem com o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE - Res. 466/12) e que esta pesquisa, cadastrada na Plataforma Brasil, teve parecer favorável do Comitê de Ética da Faculdade de Ciências da Unesp - Bauru (nº 501.728/2012).

Coleta e análise de dados

Utilizou-se para a coleta de dados um questionário com 18 questões abertas que buscavam identificar as ações do núcleo de acessibilidade, com destaque para a atividade do psicólogo. Disponibilizada por formulário eletrônico on-line pelo recurso do Google Docs3 3 Trata-se de um serviço oferecido pela empresa Google que permite aos usuários criar e editar documentos on-line, ao mesmo tempo colaborando em tempo real com outros usuários. , a carta-convite a todos os coordenadores explicava a pesquisa e a importância da participação, com indicação de endereço eletrônico para acesso ao questionário no corpo da mensagem. No total foram obtidas 19 respostas, 17 delas concordando em participar do estudo e duas declinando do convite.

Para cada questão foram criadas categorias para análise dos relatos, sendo examinados e classificados seus excertos. Neste texto será priorizada a análise das questões que buscavam compreender a atuação dos núcleos de acessibilidade, com destaque para dois focos. O primeiro consistiu em identificar as ações promovidas para eliminação das barreiras atitudinais dentro do contexto universitário e o outro, averiguar as contribuições da Psicologia para a inclusão no Ensino Superior.

Os dados referentes à remoção de barreiras com vistas à acessibilidade atitudinal contemplavam aspectos relacionados à categoria Estrutura humana - que envolve ações de comunicação, administração, didática, formação de professores e funcionários, entre outros. Esta categoria foi subdividida em três subcategorias: “ações de sensibilização”; “ações de formação/pesquisa” e “ação programática”.

Para o outro conjunto de respostas, dadas as questões relacionadas à contribuição da Psicologia na inclusão da pessoa com deficiência no Ensino Superior e sua função nos núcleos de acessibilidade, a análise se pautou nas prescrições apresentadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia (Resolução nº5, de 15 de março de 2011, 2011), em particular nas ênfases curriculares. Tal medida se fez importante uma vez que esse documento orienta os projetos de cursos de graduação para uma formação generalista do psicólogo, subsidiando teórico e metodologicamente para uma atuação profissional em diversos contextos (clínico, organizacional, educacional, científico, docente etc). Achou-se interessante adotar as seis ênfases descritas nas Diretrizes no procedimento de análise para se investigar que tipo de contribuição e função do psicólogo os coordenadores acham importante para atuar juntos aos núcleos de acessibilidade. As respostas foram classificadas em sete categorias, que buscaram compreender a atuação do psicológico em diversas áreas, sendo assim definidas: Categoria 1 - “Psicologia e processos de investigação científica”, que engloba competências, conhecimentos e habilidades para o desenvolvimento de pesquisa crítica de distintas naturezas; Categoria 2 - “Psicologia e processos educativos”, voltada para diagnosticar necessidades, planejar condições e realizar procedimentos que envolvam o processo de ensino-aprendizagem em grupos sociais distintos; Categoria 3 - “Psicologia e processos de gestão”, que envolve o diagnóstico, o planejamento e o uso de procedimentos e técnicas específicas voltadas para analisar criticamente e aprimorar os processos de gestão organizacional, em distintas organizações e instituições; Categoria 4 - “Psicologia e processos de prevenção e promoção da saúde”, que consiste em ações de caráter preventivo, em âmbito individual e coletivo, voltadas à capacitação de indivíduos, grupos, instituições e comunidades para proteção e promoção da saúde e da qualidade de vida; Categoria 5 - “Psicologia e processos clínicos”, que envolve processos psicodiagnósticos, de aconselhamento, psicoterapia e outras estratégias clínicas, frente a questões e demandas de ordem psicológica apresentadas por indivíduos ou grupos em distintos contextos; Categoria 6 - “Psicologia e processos de avaliação diagnóstica”, que implica o uso e desenvolvimento de diferentes recursos, estratégias e instrumentos de observação e avaliação úteis para a compreensão diagnóstica em diversos domínios e níveis de ação profissional; Categoria 7 -“Atuação geral da Psicologia” que envolve atividades mais amplas, porém voltadas ao favorecimento da participação da pessoa com deficiência na universidade, sem especificar uma atuação contemplada nas diretrizes curriculares.

Resultados e Discussão

Em relação às Ações de Acessibilidade Atitudinal, verificou-se que todos os núcleos e/ou comitês4 4 Ressalte-se que alguns núcleos de acessibilidade ainda se encontram em fase inicial de operacionalização, sendo nomeados então como Comitês de Acessibilidade. de acessibilidade as promovem. Dentre elas destacam-se as classificadas na categoria Estrutura Humana, nas subcategorias: (a) Ações de sensibilização - realização de Eventos, Palestras e Seminários, Rodas de Conversa e Semanas Temáticas que discutiam a acessibilidade no Ensino Superior, a realização de Campanhas como a campanha educativa de trânsito dentro do campus, momento de confraternização entre pessoas com deficiência e pessoas sem deficiência, e atividades de interação entre os funcionários que trabalham no setor, realizadas em 13 núcleos; (b) Ações de formação/pesquisa: ações de formação, capacitação e orientação junto a coordenadores de curso, diretores de Unidade, professores do Colégio de Aplicação da Universidade, docentes, estagiários, familiares, funcionários e estudantes, promoção de estágios interdisciplinares, estimulação de atividades de ensino (na graduação, nos diversos cursos) em que se discute a questão da acessibilidade, realização de pesquisas e tutoria, oferta de cursos de extensão e capacitação que trabalhem com a temática inclusiva, atividades de ensino de Libras por um estudante bolsista aos funcionários, realizadas em onze núcleos; (c) Outros: ação programática: criação do Comitê de Inclusão e Acessibilidade intitulado Grupo de Acessibilidade Atitudinal, que desenvolve ações de conscientização da comunidade acadêmica em relação à pessoa com deficiência, realizada somente em um núcleo.

Na retomada do processo histórico da relação que a sociedade teve com a pessoa com deficiência (Amaral, 1992Amaral, L. A. (1992). Espelho convexo: o corpo desviante no imaginário coletivo pela voz da Literatura Infanto-Juvenil. Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia da USP. Universidade de São Paulo, São Paulo - SP. ; Amaral, 1998; Omote, 2004Omote, S. (2004). Estigmas em tempos de inclusão. Revista Brasileira de Educação Especial, 10(3), 287-308.), evidencia-se um processo social marcado pelos interesses de uma classe que determinava os padrões e culturas dominantes para toda a sociedade, indicando padrões, normas, condutas e valores a serem seguidos. Nesse direcionamento pessoas ou determinados grupos que, por apresentarem condições funcionais diferenciadas, às quais foram atribuídas conotações negativas, foram excluídos, marginalizados, abandonados, sendo muitas vezes segregados dos espaços comuns da sociedade. Tal processo está diretamente implicado na formação de atitudes de preconceito, medo, indiferença, menos-valia, rejeição, piedade, ignorância etc., dirigidos a essas pessoas.

O acesso dessas pessoas pode ser dificuldade pela presença de barreiras, que em termos normativos são definidas, pela Lei nº 10.098/00 (2000) (que dispõe sobre os critérios para a promoção de acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida), como “... qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento e a circulação com segurança das pessoas”. Para a reversão do processo de exclusão é necessário atentar-se às barreiras, que podem ser de várias natureza, como: (a) arquitetônicas - falta de rampas, piso tátil, elevadores, etc.; (b) comunicacionais - não contratação de Tradutores/Intérprete de Libras, falta de material adaptado etc.; (c) metodológicas - falta de adaptação e flexibilização curricular, de materiais didáticos e pedagógicos acessíveis etc.; (d) instrumentais - falta de materiais e recursos tecnológicos acessíveis etc.; (e) programáticas - falta de políticas de acessibilidade dentro e fora do campus; (f) atitudinais - a presença de preconceitos, estereótipos, estigmas para com a pessoa com deficiência por parte de docentes, funcionários e outros estudantes. Percebe-se pelos relatos dos coordenadores que as ações do núcleo se pautam na remoção da maioria das barreiras previstas na norma citada, com exceção da arquitetônica, envolvendo a categoria Estrutura Humana. Numa análise mais detalhada evidencia-se uma preocupação na garantia de ações que promovam a eliminação das barreiras atitudinais, as quais serão objeto de detalhamento.

Castro (2011Castro, S. F. (2011). Ingresso e permanência de alunos com deficiência em universidades públicas brasileiras. Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP., p. 192) define como barreiras atitudinais “aquelas oriundas das atitudes das pessoas diante da deficiência como consequências da falta de informação e do preconceito, o que acaba resultando em discriminação, mais preconceito e, por consequência, a exclusão”. Essas atitudes são fortemente influenciadas pelo contexto histórico-social, não sendo de caráter individual, visto que a condição diferenciada apresentada por uma pessoa é dada como negativa, como uma deficiência ou incapacidade por um grupo social quando comparado a outros pares, sendo essa visão reproduzida e propalada no meio cultural. Em termos operacionais, Lima e Tavares (2007Lima, F.; & Tavares, F. (2007). Barreiras atitudinais: obstáculos à pessoa com deficiência na escola. Rede Saci. Recuperado: 28 nov. 2014. Disponível: Disponível: http://saci.org.br/
http://saci.org.br/...
) pontuam que as barreiras atitudinais surgem à medida que a sociedade se transforma, em decorrência de novas dificuldades em lidar com as demandas diversas. Para os autores, essas atitudes nem sempre são intencionais ou percebidas.

Entende-se então que a crença negativa difundida em relação à pessoa com deficiência potencializa outras dificuldades encontradas por esse segmento populacional, como nos contextos físico, comunicacional e instrumental, por exemplo. Esse processo tem sido designado na literatura internacional pelo termo “capacitismo” (ableism). Trata-se da naturalização do pressuposto de inferioridade da pessoa com deficiência, afirmando ser a exclusão e o fracasso uma consequência de seus impedimentos e lesões. O capacitismo é um dos pilares da cultura ocidental e do capitalismo, de tal modo que as próprias pessoas com deficiência se julgam, muitas vezes, em dívida com os padrões normativos (Wolbring, 2008Wolbring, G. (2008). The Politics of Ableism. Development, 51(2), 252-258., 2012Wolbring, G. (2012). Expanding Ableism: Taking down the Ghettoization of Impact of Disability Studies Scholars. Societies, 2(3), 75-83.). Na educação, o capacitismo se expressa por meio de toda estrutura que considera como condição de participação e acesso apresentar as capacidades de ver, ouvir, andar, atender aos padrões intelectuais vigentes e relacionar-se conforme as referências normativas (Hehir, 2002).Interpretar os dados obtidos com este estudo reforça o empenho e a importância dos coordenadores dos núcleos e/ou comitês de acessibilidade em promover ações de combate ao capacitismo, exigindo a remoção das barreiras atitudinais e o reconhecimento da diversidade como constituinte do humano, onde as pessoas com deficiência se configuram num segmento com os mesmos direitos e garantias legais do que qualquer outro na realidade brasileira.

A partir desses indicativos, profissionais de diferentes áreas, com destaque para o psicólogo, devem ser formados para atuarem com esse público de forma a garantir os seus direitos. Contudo, apesar desses avanços em termos legislativos, podemos afirmar que o capacitismo, como processo que gera a desvalorização daqueles percebidos como incapazes de atender às exigências sociais e funcionais padronizadas, ainda constitui a formação e a prática dos profissionais dessa área. O olhar focado nos déficits e dificuldades das pessoas com deficiência ainda vigoram na maior parte das teorias de desenvolvimento psicológico, de personalidade e nos instrumentos de avaliação e intervenção em Psicologia (Olkin & Pledger, 2003Olkin, R.; & Pledger, C. (2003). Can Disability Studies and Psychology Join Hands? American Psychologist, 54(4), 296-304.). Outro fato, apontado por Velden e Leite (2013Velden, H. F. V.; & Leite, L. P. (2013). Método de pesquisa da temática deficiência nos currículos de psicologia. Psicologia em Estudo, 18(3), 497-507. ) em pesquisa sobre a ocorrência de disciplinas que versassem sobre o tema deficiência em 35 cursos públicos de graduação de Psicologia no país, mostra que de um montante de 3.664 disciplinas analisadas, 85 abordavam a questão da deficiência, correspondendo a pouco mais de 2% do total, sendo dessas 54 de caráter obrigatório e 31 optativas, evidenciando que a temática ainda é pouco explorada nos cursos.

No contexto universitário em geral não é diferente. Portanto, a oferta de cursos de sensibilizações, de conscientizações, de palestras e de campanhas que possibilitem a reflexão crítica, que extrapolem o senso comum sobre a participação de pessoas com deficiência no Ensino Superior brasileiro é importante, pois tais ações podem contribuir para que o estudante com deficiência possa ser visto como um usufruidor de direitos comuns, mesmo que para isso necessite de providências diferenciadas. Entende-se que ações como essas fazem parte da atuação do psicólogo, pois é dever desse profissional agir em favor das pessoas marginalizadas e excluídas da sociedade nos diferentes contextos históricos.

Estudos realizados por Castro (2011Castro, S. F. (2011). Ingresso e permanência de alunos com deficiência em universidades públicas brasileiras. Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP.) e Nuernberg (2009Nuernberg, A. H. (2009). A Psicologia no contexto da educação inclusiva: rompendo barreiras atitudinais no contexto do ensino superior. Em: A. A,. Anache; & I. R., Silva (Orgs.), Educação Inclusiva: experiências profissionais em psicologia. (pp. 153-166). Brasília: Conselho Federal de Psicologia.) sobre as condições de acessibilidade em contextos universitários destacam que estudantes com deficiência têm como principais barreiras atitudes discriminatórias de professores em sala de aula, dificuldade no relacionamento com colegas, desrespeito às vagas reservadas nos estacionamentos e obstáculos nas calçadas. Na pesquisa aqui retratada, não foi possível a investigação de dados mais específicos, mas sim uma preocupação mais geral por parte dos coordenadores dos núcleos em agir junto a comunidade universitária (estudantes com deficiência, professores, colegas e funcionários) em prol da remoção das barreiras atitudinais.

Ações semelhantes foram relatadas por Nuernberg (2009Nuernberg, A. H. (2009). A Psicologia no contexto da educação inclusiva: rompendo barreiras atitudinais no contexto do ensino superior. Em: A. A,. Anache; & I. R., Silva (Orgs.), Educação Inclusiva: experiências profissionais em psicologia. (pp. 153-166). Brasília: Conselho Federal de Psicologia.), quando realizou reuniões periódicas com os professores que tinham em sua turma estudantes com deficiência, de forma a trabalhar aspectos relativos à inclusão; a participação desses estudantes em algumas dessas reuniões com todos os envolvidos mostraram caminhos para melhoria de sua condição de aprendizagem, diluindo tanto as barreiras atitudinais como as informacionais. Outra forma de ações voltadas para a eliminação de barreiras atitudinais encontrada na literatura é o trabalho de Vilela (2013Vilela, L. O. (2013). Concepções sobre o trabalho da pessoa com deficiência: avaliação dos efeitos de uma intervenção realizada com funcionários de uma universidade pública. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista, Bauru - SP.) com os funcionários e gestores de uma universidade pública em que pela realização de cursos de sensibilização, provocou mudanças no modo de pensar e nas atitudes sociais desses profissionais em relação à participação das pessoas com deficiência no ambiente de trabalho.

Ainda visando a acessibilidade atitudinal é oportuno mencionar , entre as ações de um dos núcleos investigados, a criação de um Comitê de Inclusão e Acessibilidade intitulado Grupo de Acessibilidade Atitudinal que, segundo seu coordenador, tem como objetivo a promoção de ações de conscientização da comunidade acadêmica em relação à pessoa com deficiência. A criação de órgãos representativos dentro das universidades se configura uma iniciativa interessante uma vez que ganha visibilidade do tema na comunidade acadêmica.

Quanto à análise dos dados sobre as contribuições da Psicologia e atuação do psicólogo foi possível identificar que sete núcleos de acessibilidade os incluem em suas equipes, e sete não, representando ambos 41,2%. No entanto, três núcleos possuem suporte e parceria com psicólogos que não trabalham na equipe, representando 17,6% da amostra. Ainda, 15 das universidades participantes (88,2% da amostra) responderam que é importante a presença dele na equipe e apenas duas (11,8%) disseram que não, pois acreditam que não há demanda específica da área. Em relação às funções ou às especialidades indicadas para o exercício da função, sobressai-se o psicólogo com foco na Educação Especial: três participantes indicaram essa função (17,6%); o psicólogo escolar, o psicopedagogo e a atuação geral do psicólogo obtiveram duas indicações cada (11,8%); em menor número (com a manifestação de somente um respondente para cada especialidade), encontra-se o psicólogo ambiental, com formação especializada, com experiência com pessoas com deficiência, com formação em acessibilidade, com atuação no viés cognitivo Comportamental ou Histórico-Cultural; dois participantes preferiram não especificar as funções ou especialidades esperadas do psicólogo.

Tais resultados mostram que os participantes julgam importante a presença desse profissional na equipe, o que reafirma a importância do psicólogo em trabalhar com a inclusão no Ensino Superior. Parece ainda não haver consenso sobre as funções ou as especialidades indicadas para o exercício da função de psicólogo em núcleo e/ou comitê de acessibilidade, visto que são várias as citadas pelos participantes; contudo, observa-se um destaque para a atuação com foco na educação por grande parte dos participantes.

Tal fato pode ser entendido em função da criação recente dos núcleos de acessibilidade no Brasil, além de a variação das funções ocorrer em consequência de demandas específicas de cada universidade. Atrelado a isso, parece não ser de conhecimento geral o que é de fato objeto de atuação da Psicologia - principalmente no campo da educação -, ocasionando a perda de espaço desse profissional em detrimento de outros profissionais que vêm ocupando o seu lugar nessa área tão fundamental para quaisquer processos de mudança na sociedade e no país (Bastos, Gondim, & Andrade, 2010Bastos, A. V. B.; Gondim, S. M. G.; & Andrade, J. E. B. (2010). O psicólogo brasileiro: sua atuação e formação profissional. O que mudou nestas últimas décadas? Em: O. H., Yamamoto; & A. L. F., Costa (Orgs.), Escritos sobre a profissão de psicólogo no Brasil. Natal: EDUFRN.).

Ao se investigar as contribuições da Psicologia para a inclusão no Ensino Superior, os respondentes destacam que a maior contribuição da Psicologia para a inclusão de estudantes com deficiência no Ensino Superior é a promoção de ações elencadas na categoria Psicologia e processos educativos, com seis respostas (26,1% da amostra). Em seguida, encontram-se as ações da categoria Atuação geral da Psicologia, contemplando todas as ênfases, com cinco respostas (21,7%). Esperam-se também do psicólogo contribuições voltadas para a ênfase em Psicologia e processos de gestão, por três participantes (13%). Em menor número, dois participantes esperam as contribuições voltadas à ênfase da Psicologia e processos clínicos (8,7%) e um participante à ênfase da Psicologia e processos de investigação científica (4,3%). Já a categoria Proposta de atuação da psicologia não prevista nas diretrizes curriculares foi respondida por um participante (4,3%) da classificação geral, em que foi explicitada a contribuição da Psicologia Ambiental. Além disso, três participantes responderam que a Psicologia contribui para a inclusão no Ensino Superior, mas não souberam especificar as suas contribuições (13%), e dois participantes (8,7%) deixaram de responder à questão.

No que se refere à atuação específica do psicólogo nos núcleos de acessibilidade, os coordenadores indicaram que o seu papel deve voltar-se ao descrito na ênfase Psicologia e Processos Educativos, com quinze respostas (71,4% da amostra). Em seguida encontram-se a Atuação geral da Psicologia, contemplando todas as ênfases, com quatro respostas (21%), e em menor número, com uma resposta para cada item (5%), o papel do profissional voltado à ênfase Psicologia e processos de investigação científica e Psicologia e Processos de Gestão.

Os resultados deste estudo podem subsidiar a promoção de ações profissionais na área de Psicologia no ensino superior que favoreçam o bem-estar e o desenvolvimento dos indivíduos, explorando suas potencialidades e fornecendo condições para o pleno exercício de sua cidadania dentro do ambiente universitário. Segundo um dos coordenadores o psicólogo pode ser visto como um mediador entre os estudantes com deficiência e os personagens que configuram o ambiente universitário, auxiliando na apropriação e no compartilhamento dos conhecimentos produzidos historicamente. Outra contribuição destacada pelos participantes é atuação pedagógica do psicólogo para auxiliar no processo de ensino e de aprendizagem de estudantes com deficiência. Destaque foi dado a uma atuação de conscientização da comunidade acadêmica em relação à deficiência. Ainda, acredita-se ser função desse profissional o trabalho voltado ao combate ao capacitismo, à desmistificação das deficiências e à garantia dos direitos e deveres da pessoa com deficiência.

O psicólogo se configura, portanto, como um profissional de responsabilidade teórica e operacional para auxiliar na promoção de ações inclusivas, estabelecendo formas de participação das pessoas com deficiência nos diferentes contextos - na educação, na saúde, no trabalho, no lazer - atuando diretamente com esses indivíduos, seus familiares e os sujeitos que os cercam. E o papel que o psicólogo exerce nos núcleos e/ou comitês de acessibilidade merece atenção, pois evidencia as reais ações que estão sendo realizadas por essa área num local de atuação praticamente novo.

De acordo com as respostas dos participantes, entre as ações mais importantes do psicólogo dentro dos núcleos e/ou comitês de acessibilidade destacam-se: o suporte psicológico, individual ou em grupo, aos estudantes que enfrentam dificuldades em se adaptar e se manter no ensino superior; o trabalho com toda a comunidade acadêmica por meio de ações como sensibilizações, conscientizações, palestras, campanhas que visem à remoção de barreiras atitudinais e ao reconhecimento da diversidade; a promoção de orientações e planejamento de estratégias voltadas ao ensino e aprendizagem do estudante com deficiência; a promoção de intervenções visando à independência, autonomia e autoestima dos estudantes com deficiência; a contribuição para um clima organizacional saudável dentro do núcleo e na instituição em si. Trata-se de ações focalizadas principalmente nos processos educativos, na atuação geral da Psicologia e nos processos de gestão.

O papel maior do psicólogo talvez possa se efetivar no âmbito da “psicologia e processos educativos”, pois se trata de uma área que busca instrumentos para apoiar o progresso acadêmico adequado do estudante, respeitando suas diferenças individuais, e busca promover a saúde da comunidade acadêmica a partir de trabalhos preventivos que visem a um processo de transformação pessoal e social. Além disso, a participação do psicólogo escolar na equipe multidisciplinar mostra-se fundamental para

[...] respaldá-la com conhecimentos e experiências científicas atualizadas na tomada de decisões de base, como a distribuição apropriada de conteúdos programáticos, a seleção de estratégias de manejo de turma, o apoio ao professor no trabalho com a heterogeneidade presente na sala de aula, o desenvolvimento de técnicas inclusivas para alunos com dificuldades de aprendizagem e/ou comportamentais, programas de desenvolvimento de habilidades sociais e outras questões relevantes no dia-a-dia da sala de aula, nas quais os fatores psicológicos tenham papel preponderante (CRP, 2007Conselho Regional de Psicologia (2007). Manual de Psicologia Escolar/Educacional. Curitiba, PR. Recuperado: 10 nov. 2013. Disponível: Disponível: http://www.portal.crppr.org.br/download/157.pdf
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, p. 17).

Conforme Zavadiski e Facci (2012)Zavadski, K. C.; & Facci, M. G. D. (2012). A atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior e a formação de professores. Psicologia USP, 23(4), 683-705., o ensino superior é um contexto complexo e desafiador para a atuação do psicólogo educacional, em que cabem atuações focadas não apenas nos estudantes, mas também nos professores, promovendo, por exemplo, a formação docente em nível institucional. Em referência a temática aqui retratada é fundamental que esse profissional conheça as políticas públicas que indicam as ações da Educação Especial no Ensino Superior.

Cumpre dizer ainda que tanto o Código de Ética Profissional da Psicologia como as “Diretrizes para Avaliação e Intervenção com Pessoas com Deficiência” (APA, 2011Amaral, L. A. (1992). Espelho convexo: o corpo desviante no imaginário coletivo pela voz da Literatura Infanto-Juvenil. Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia da USP. Universidade de São Paulo, São Paulo - SP. ) orientam o psicólogo que: 1) Aproprie-se dos paradigmas e modelos diversos de deficiência e suas implicações para a prestação de serviços; 2) Examine suas crenças e reações emocionais em relação a diferentes tipos de deficiências, evitando impor barreiras atitudinais na sua relação social; 3) Avalie como a deficiência pode influenciar o seu trabalho, buscando otimizar seus recursos e instrumentos e evitar preconceitos, estigmas e estereótipos; 4) Amplie seus conhecimentos e habilidades sobre como trabalhar com pessoas com deficiência através da formação, consulta, supervisão, educação; 5) Conheça as leis federais e estaduais que apoiam e protegem as pessoas com deficiência; 6) Oferte um ambiente sem barreiras físicas e de comunicação em que estudantes, professores, servidores com deficiência possam acessar os serviços psicológicos de natureza institucional prestados; 7) Use linguagem adequada e adote comportamento respeitoso em relação aos indivíduos com deficiência (Oliveira, Nuernberg, & Nunes, 2013Oliveira, C. M.; Nuernberg, A. H.; & Nunes, C. H. S. S. (2013). Desenho universal e avaliação psicológica na perspectiva dos direitos humanos. Avaliação Psicológica, 12(3), 421-428.).

Cabe ainda lembrar a importância de o trabalho do psicólogo articular-se em rede tanto no contexto institucional quanto no contexto mais amplo de atenção integral ao estudante com deficiência. Fato pouco relatado pelos participantes desse estudo, que se concentraram em descrever ações de caráter mais pontuais e isoladas da Psicologia. Ademais, tomando ainda os documentos de referência produzidos pelo Conselho Federal de Psicologia por meio do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CFP, 2013Conselho Regional de Psicologia (2007). Manual de Psicologia Escolar/Educacional. Curitiba, PR. Recuperado: 10 nov. 2013. Disponível: Disponível: http://www.portal.crppr.org.br/download/157.pdf
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), cabe ao psicólogo engajar-se na luta por espaços educacionais democráticos, de qualidade, que garantam os direitos de cidadania a todos, incluindo os profissionais da Educação. Por isso, é fundamental que o psicólogo educacional coadune competência técnica e política, pautando sua prática nos princípios éticos que afirmam os direitos humanos.

Considerações Finais

Este estudo teve por objetivo identificar e discutir as ações da Psicologia nos núcleos de acessibilidade, em prol da participação de pessoas com deficiência nas universidades federais. Ao traçar o perfil das ações para a remoção das barreiras atitudinais, foi possível verificar uma tendência dos núcleos e/ou comitês de acessibilidade pela realização de programas de sensibilização e/ou conscientização, palestras e campanhas que possibilitem a reflexão crítica sobre a importância da acessibilidade no Ensino Superior brasileiro, de forma a combater práticas discriminatórias recorrentes na Educação e tornar o contexto educacional mais favorável à participação de estudantes com deficiência.

Foi constatado que a participação do psicólogo na equipe dos núcleos de acessibilidade mostra-se essencial para trabalhar com a superação dessas barreiras, uma vez que ele é o profissional qualificado para realizar uma análise crítica dos estigmas, preconceitos e estereótipos presentes no contexto universitário em relação à pessoa com deficiência.

Entende-se que a Psicologia possui um compromisso social com aqueles que por muito tempo tiveram seus direitos negados, sendo estigmatizados e por muitas vezes excluídos, como é o caso da pessoa com deficiência. É tempo, portanto, de um fazer do psicólogo que assuma práticas e pesquisas comprometidas com a inclusão social, com projetos sociais e políticos com vistas à garantia da cidadania. Para tanto, cumpre enfrentar o capacitismo hegemônico nesse campo do conhecimento, que faz da deficiência um tema quase que exclusivamente da relação da Psicologia com as áreas do conhecimento biomédico que tratam da reabilitação ou da educação especial, quando, em realidade, é uma temática ampla e transversal, inerentemente de direitos humanos e de inclusão social.

Apesar de o instrumento de pesquisa adotado ser composto de questões abertas, acredita-se que o formato online favoreceu a apresentação de respostas objetivas, implicando diretamente numa generalidade da atuação ampla do psicólogo com “foco na educação”. Fica-se com a sensação de que o papel do psicólogo se confunde com o papel do próprio núcleo, em termos de suas responsabilidades no âmbito da acessibilidade educacional. Talvez o uso de outros métodos de investigação, como entrevistas pessoais ou observação de campo, possa contemplar os achados aqui descritos. Mesmo no limite do instrumento e da amostra selecionada, esta pesquisa permitiu identificar como coordenadores dos núcleos e/ou comitês de acessibilidade investigados percebem que essas instâncias muito podem contribuir para práticas sociais transformadoras de uma realidade complexa e desigual e que os psicólogos podem atuar como “novos quixotes”, para a consolidação de passos necessários para uma sociedade mais justa.

Espera-se, portanto, que este estudo ofereça subsídios para futuras pesquisas e ações da Psicologia que colaborem com a participação das pessoas com deficiência no Ensino Superior brasileiro.

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  • 1
    Em algumas chamadas foi possível a participação de IES de natureza estadual.
  • 2
    Segundo as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (CNE/CEB nº 02/2001), são considerados estudantes com necessidades educacionais especiais aqueles que apresentam grandes dificuldades de aprendizagem ou restrição no desenvolvimento, que prejudiquem o acompanhamento das atividades curriculares. Tais necessidades estão associadas a causas orgânicas específicas, limitações, disfunções ou deficiências, dificuldades de comunicação e sinalização diferenciada dos outros alunos, altas habilidades e/ou superdotação (Leite & Martins, 2012).
  • 3
    Trata-se de um serviço oferecido pela empresa Google que permite aos usuários criar e editar documentos on-line, ao mesmo tempo colaborando em tempo real com outros usuários.
  • 4
    Ressalte-se que alguns núcleos de acessibilidade ainda se encontram em fase inicial de operacionalização, sendo nomeados então como Comitês de Acessibilidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2016
  • Aceito
    19 Jan 2017
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