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Inovação política em saúde, tecnologia e recursos humanos

Inovação política em saúde, tecnologia e recursos humanos

Mario Roberto Dal Poz

A Constituição Federal de 1988 - e as normas que a regulamentaram - trouxeram para o setor público brasileiro a responsabilidade de garantir o princípio social do direito à saúde para todos os cidadãos e assegurar as estruturas que sustentassem esse objetivo. Esse processo, considerado como uma inovação política, no mesmo sentido que formulado por Gerschman 1 1 GERSCHMAN, S. Por uma formulação de políticas sociais. In: Reforma sanitária: em busca de uma teoria (TEIXEIRA, S. F., org.), p. 119-138, Rio de Janeiro: ABRASCO/Cortez, 1989. , introduziu modificações expressivas no funcionamento do sistema de saúde brasileiro.

A Carta constitucional dotou ainda os municípios de uma nova missão: a de gestor único no seu nível. Esta missão significou uma inflexão nas normas e práticas até então vigentes, representando também uma inovação no campo da política de saúde através da descentralização2 2 CAMPOS, G. W. S. Reforma da Reforma: Repensando a Saúde. São Paulo: Hucitec, 1992, p. 92. .

A inflexão e a reforma do sistema de saúde, consideradas um processo de inovação, coincidem também com o conceito de Motta3 3 MOTTA, P. R. Gestão Contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente. Rio de Janeiro: Record, 1991. (1991: 229), em todas as três características com que se apresenta, ou seja, sistêmico ou globalístico, cultural e conflitivo.

E, segundo Lenhardt e Offe4 4 LENHARDT, G. & OFFE, C. Teoria do Estado e Política Social: Tentativas de Explicação Político- Sociológica para as Funções e os Processos Inovadores da Política Social. In: Problemas Estruturais do Estado Capitalista (OFFE, C., org.). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 10-53. , independentemente do caráter específico das mudanças ou das inovações sociopolíticas, as conseqüências sociais reais não são determinadas pelo texto da lei ou regulamento, mas são produzidas pelos conflitos sociais, arbitrados pelas regras do jogo estabelecidas.

Para Champagne5 5 CHAMPAGNE, F; PINEAULT, R. & TRüTTIER, L-H., fnlroduelion d'une fnnovalion dans une Organisalion: l'Expérience des DSC au Québec. Montreal: GRISlUdM, 1985. e Doyle6 6 DOYLE, R. E. Conflict, Uncertainty and the Role of Planning and Analysis in Public Policy Innovation. Palie}' Sludies Journal, n. 3, p. 457-473, 1994. , a literatura oferece poucas respostas para as dificuldades, conflitos e incertezas das organizações públicas diante das mudanças de missão ou da introdução de uma inovação política.

Assim é que o conjunto de textos que compõem este número da Physis se orientam pela análise de diversos aspectos desse campo das inovações políticas na saúde.

Em "A Reforma do Sistema de Saúde no Brasil e o Programa de Saúde da Família", são examinadas a formulação e a implementação do Programa de Saúde da Família, com vistas a extrair lições para o aperfeiçoamento da política de saúde no Brasil. Segundo os autores, este programa "se constitui numa estratégia de reforma incremental do sistema de saúde, tendo em vista as importantes mudanças na forma de remuneração das ações de saúde, na forma de organização dos serviços e nas práticas assistenciais no plano local".

O segundo artigo, "Comunidade Solidária: há algo de novo no reino das políticas sociais?", examina as estratégias de combate à fome e à pobreza do Comunidade Solidária, levantando questões que, no plano geral, estão balizadas nos princípios de parceria, solidariedade, descentralização, integração e convergência das ações.

A compreensão do processo de inovação tecnológica em saúde, na perspectiva da autora do terceiro texto, "Paradigmas e Trajetórias do Processo de Inovação Tecnológica em Saúde", é fundamental para que se possa atuar e influir no desenvolvimento de novos produtos em direções socialmente desejáveis. Um exemplo dessa perspectiva, na área de informação em saúde, é analisada a seguir, em "Informação e Tecnologia: desafios para a implantação da Rede Nacional de Informações em Saúde".

A reestruturação produtiva e as novas formas de organização do trabalho no contexto das mudanças tecnológicas são examinadas no texto "A Qualificação de Trabalhadores de Saúde e as Mudanças Tecnológicas". O mundo do trabalho tem assistido a mudanças com impacto no processo de trabalho em saúde. A contradição contida no paradigma tecnológico, na perspectiva da qualificação e das novas competências, produz implicações para o campo de recursos humanos em saúde.

No campo dos recursos humanos, no artigo "Novos Desafios das Escolas Técnicas de Saúde do SUS", é examinado o papel estratégico das escolas técnicas na profissionalização dos trabalhadores de nível médio sem qualificação específica para o setor saúde. E, por último, em "Recursos Humanos nas Conferências Nacionais de Saúde (1941-1992)", seus autores procuram identificar o destaque dado à questão dos recursos humanos nas Conferências Nacionais de Saúde, em cada momento considerado da história recente.

Acreditamos que não só esses textos, mas as respectivas referências bibliográficas, possam contribuir para o enriquecimento do debate sobre os processos de inovação das políticas em saúde, tecnologia e recursos humanos.

  • 1 GERSCHMAN, S. Por uma formulação de políticas sociais. In: Reforma sanitária: em busca de uma teoria (TEIXEIRA, S. F., org.), p. 119-138, Rio de Janeiro: ABRASCO/Cortez, 1989.
  • 2 CAMPOS, G. W. S. Reforma da Reforma: Repensando a Saúde. São Paulo: Hucitec, 1992, p. 92.
  • 3 MOTTA, P. R. Gestão Contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente. Rio de Janeiro: Record, 1991.
  • 4 LENHARDT, G. & OFFE, C. Teoria do Estado e Política Social: Tentativas de Explicação Político- Sociológica para as Funções e os Processos Inovadores da Política Social. In: Problemas Estruturais do Estado Capitalista (OFFE, C., org.). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 10-53.
  • 5 CHAMPAGNE, F; PINEAULT, R. & TRüTTIER, L-H., fnlroduelion d'une fnnovalion dans une Organisalion: l'Expérience des DSC au Québec. Montreal: GRISlUdM, 1985.
  • 6 DOYLE, R. E. Conflict, Uncertainty and the Role of Planning and Analysis in Public Policy Innovation. Palie}' Sludies Journal, n. 3, p. 457-473, 1994.
  • 1
    GERSCHMAN, S. Por uma formulação de políticas sociais. In:
    Reforma sanitária: em busca de uma teoria (TEIXEIRA, S. F., org.), p. 119-138, Rio de Janeiro: ABRASCO/Cortez, 1989.
  • 2
    CAMPOS, G. W. S.
    Reforma da Reforma: Repensando a Saúde. São Paulo: Hucitec, 1992, p. 92.
  • 3
    MOTTA, P. R.
    Gestão Contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente. Rio de Janeiro: Record, 1991.
  • 4
    LENHARDT, G. & OFFE, C. Teoria do Estado e Política Social: Tentativas de Explicação Político- Sociológica para as Funções e os Processos Inovadores da Política Social. In:
    Problemas Estruturais do Estado Capitalista (OFFE, C., org.). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 10-53.
  • 5
    CHAMPAGNE, F; PINEAULT, R. & TRüTTIER, L-H.,
    fnlroduelion d'une fnnovalion dans une Organisalion: l'Expérience des DSC au Québec. Montreal: GRISlUdM, 1985.
  • 6
    DOYLE, R. E. Conflict, Uncertainty and the Role of Planning and Analysis in Public Policy Innovation.
    Palie}' Sludies Journal, n. 3, p. 457-473, 1994.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 1998
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