Acessibilidade / Reportar erro

Preparo e caracterização de filmes obtidos a partir de poli(ácido lático) e celulose microcristalina

Preraring films from poly(Lactid Acid) and microcrystalline cellulose and characterization

Resumos

O objetivo deste trabalho foi investigar a produção e as propriedades de compósitos a base de poli(ácido lático) (PLA) e de celulose microcristalina (CMC). Os compósitos foram produzidos por vazamento de solução, gerando filmes contendo diferentes teores de celulose. Neste experimento, a CMC foi previamente intumescida em água e, em seguida, seca por liofilização. O inchamento teve a finalidade de permitir a penetração das cadeias de PLA entre as partículas da celulose. Nos filmes obtidos foram avaliados os efeitos do teor e do inchamento da celulose sobre a dispersão desta na matriz polimérica, a cristalinidade e as propriedades mecânicas sob tração. Os filmes e os materiais utilizados em sua obtenção foram caracterizados por difratometria de raios X, microscopia eletrônica de varreduta, ressônancia magnética nuclear e quanto ao desempenho mecânico sob tração. Os resultados encontrados indicam que o tratamento da CMC por inchamento/liofilização permitiu a obtenção de filmes com melhor dispersão da carga na matriz e melhor desempenho mecânico quando comparados com os filmes contendo CMC sem tratamento.

Celulose; relaxação nuclear; RMN


The goal of this work was to investigate the production and properties of composites based on poly(lactic acid) (PLA) and microcrystalline cellulose (MCC). The composites were obtained by solution casting in the film form, with different amounts of cellulose. In this experiment, MCC was previously swollen in water and then dried by lyophilization. Swelling was aimed at allowing the PLA chains to penetrate between cellulose particles. The effects from the contents and swelling of cellulose were evaluated with regard to its dispersal in the matrix, crystallinity and strain mechanical properties. The materials employed and the resulting films were investigated according to their mechanical properties and by using X-ray diffractometry, scanning electron microscopy and nuclear magnetic resonance. The results indicate that the MCC treatment by swelling/lyophilization led to films with better load dispersion in the matrix and better mechanical performance compared with films obtained with non-treated MCC.

Cellulose; nuclear relaxation; NMR


Preparo e caracterização de filmes obtidos a partir de poli(ácido lático) e celulose microcristalina

Preraring films from poly(Lactid Acid) and microcrystalline cellulose and characterization

Fernanda A. dos Santos; Maria Inês B. Tavares

Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano, UFRJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria Inês B. Tavares Centro de Tecnologia Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Bloco J, Cidade Universitária CEP 21945-970, CP 68525, Rio de Janeiro, RJ, Brasil e-mail: mibt@ima.ufrj.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi investigar a produção e as propriedades de compósitos a base de poli(ácido lático) (PLA) e de celulose microcristalina (CMC). Os compósitos foram produzidos por vazamento de solução, gerando filmes contendo diferentes teores de celulose. Neste experimento, a CMC foi previamente intumescida em água e, em seguida, seca por liofilização. O inchamento teve a finalidade de permitir a penetração das cadeias de PLA entre as partículas da celulose. Nos filmes obtidos foram avaliados os efeitos do teor e do inchamento da celulose sobre a dispersão desta na matriz polimérica, a cristalinidade e as propriedades mecânicas sob tração. Os filmes e os materiais utilizados em sua obtenção foram caracterizados por difratometria de raios X, microscopia eletrônica de varreduta, ressônancia magnética nuclear e quanto ao desempenho mecânico sob tração. Os resultados encontrados indicam que o tratamento da CMC por inchamento/liofilização permitiu a obtenção de filmes com melhor dispersão da carga na matriz e melhor desempenho mecânico quando comparados com os filmes contendo CMC sem tratamento.

Palavras-chave: Celulose, relaxação nuclear, RMN.

ABSTRACT

The goal of this work was to investigate the production and properties of composites based on poly(lactic acid) (PLA) and microcrystalline cellulose (MCC). The composites were obtained by solution casting in the film form, with different amounts of cellulose. In this experiment, MCC was previously swollen in water and then dried by lyophilization. Swelling was aimed at allowing the PLA chains to penetrate between cellulose particles. The effects from the contents and swelling of cellulose were evaluated with regard to its dispersal in the matrix, crystallinity and strain mechanical properties. The materials employed and the resulting films were investigated according to their mechanical properties and by using X-ray diffractometry, scanning electron microscopy and nuclear magnetic resonance. The results indicate that the MCC treatment by swelling/lyophilization led to films with better load dispersion in the matrix and better mechanical performance compared with films obtained with non-treated MCC.

Keywords: Cellulose, nuclear relaxation, NMR.

Introdução

Ultimamente vem crescendo, de forma notória, o interesse na utilização de polímeros obtidos a partir de fontes biológicas renováveis[1,2].

O interesse nesses materiais está diretamente ligado à obrigação imperiosa de reduzir a dependência da sociedade em relação aos produtos derivados do petróleo[3]. Além disso, esses polímeros, bem como outras matérias-primas de fontes renováveis, apresentam ainda, propriedades como biodegradabilidade, biocompatibilidade, não toxidade, entre outras[4].

Um polímero de fonte renovável que apresenta grande potencial para substituir os plásticos à base de petróleo é o poli(ácido lático) (PLA). Esse biopolímero é muito versátil e é produzido a partir de matérias-primas agrícolas renováveis que são fermentadas para a geração de ácido láctico[2].

Alguns materiais de origem biológica têm sido utilizados como reforço em matrizes de PLA com o objetivo de se obter materiais totalmente biodegradáveis de fontes renováveis. Entre esses materiais encontra-se a quitina, o amido e a celulose.

A celulose tem sido amplamente utilizada como carga de reforço em matrizes de polímeros biodegradáveis como o PLA, pois é o biopolímero mais abundante na natureza e está disponível em diversas fontes de origem vegetal e também pode ser produzida por alguns microrganismos[5,6]. Além disso, esse polímero de origem natural apresenta propriedades mecânicas excepcionais[7].

Um grande desafio na produção de biocompósitos PLA/celulose é alcançar uma boa dispersão da carga na matriz, uma vez que há pouca afinidade entre esses dois materiais. A compatibilidade química entre os componentes de um compósito desempenha um papel fundamental na dispersão das partículas da carga na matriz e na adesão entre ambas às fases[8]. O uso de celulose em materiais com matrizes hidrofóbicas como a de PLA resulta frequentemente em interações carga-matriz fracas[8].

A presença de celulose em matrizes apolares, em função da sua superfície altamente polar, pode conduzir a alguns problemas relativos à baixa compatibilidade interfacial, baixa resistência/barreira à água e a ocorrência de agregados de partículas pela formação de ligações de hidrogênio[9].

Essas ligações de hidrogênio são também responsáveis pela formação de uma estrutura fibrosa com cristalinidade elevada na celulose. Como consequência disso, a celulose possui alta resistência à tração e é insolúvel na maioria dos solventes[10,11].

Algumas técnicas químicas ou físicas podem ser empregadas para melhorar a dispersão de partículas de celulose em matrizes hidrofóbicas, entre as quais se encontram modificação química da superfície da celulose, uso de surfactantes, dispersão e inchamento da celulose em água com posterior troca de solvente e o uso de ultrassom. O objetivo deste trabalho foi obter compósitos a base de poli(ácido lático) e celulose microcristalina, bem como verificar o efeito de tratamentos físicos sobre a dispersão da carga na matriz polimérica, a cristalinidade e as propriedades mecânicas sob tração.

Experimental

Materiais

Os materiais empregados na produção dos compósitos foram: Matriz: PLA Nature WorksTM 2002D na forma de pellets (NatureWorks LLC Product); Carga: CMC PH 102 na forma de pó (Viapharma) e o meio dispersante: Clorofórmio (Merck).

Obtenção dos compósitos PLA/celulose

Os compósitos PLA/celulose foram obtidos na forma de filme por meio da técnica de vazamento de solução contendo a matriz e a carga. Tanto nas dispersões contendo PLA quanto nas contendo celulose utilizou-se clorofórmio como meio dispersante.

Antes de ser dispersa em clorofórmio, a celulose microcristalina foi tratada, sendo submetida a inchamento em meio aquoso e, posteriormente, a secagem por liofilização. A celulose microcristalina também foi utilizada sem tratamento na obtenção de filmes que foram utilizados como materiais de referência.

No processo de inchamento da celulose microcristalina, preparou-se uma suspensão desse material em meio aquoso a 1% em massa a qual permaneceu sob agitação pelo período de 7 dias a 60 °C. Posteriormente, a celulose microcristalina inchada (ICMC) foi seca por liofilização.

O processo de inchamento da celulose em água destilada com posterior liofilização visa aumentar o espaçamento entre suas cadeias, permitindo a penetração das cadeias de PLA nesses espaços para uma melhor dispersão da carga na matriz polimérica.

O inchamento da celulose em água é consequência da substituição de ligações de hidrogênio entre suas hidroxilas por outras, envolvendo agora as do grupo glicopiranosídico e as do solvente, fazendo com que com que a distância entre as cadeias celulósicas aumente de maneira proeminente[12].

A escolha do processo de liofilização ao invés de outro método de secagem convencional teve como finalidade preservar o espaçamento entre as cadeias de celulose alcançado por inchamento em água. Em outros métodos de secagem, as cadeias se aglomeram, voltando a sua forma original.

Após o tratamento da celulose, foram preparadas as dispersões contendo ICMC e as contendo CMC. Cada uma dessas dispersões apresentou concentração adequada de celulose para se obter os filmes de acordo com as formulações programadas (Quadro 1).


Essas dispersões permaneceram sob agitação por 24 horas. Durante esse período, foram feitas pausas eventuais no processo de agitação para que as misturas fossem submetidas à aplicação de ultrassom. A sonicação das dispersões teve duração de 30 minutos, sendo esse procedimento repetido por 3 vezes, com intervalos de 1 hora. Essa etapa foi realizada em um equipamento USC 800A Unique com frequência ultrassônica de 40 kHz e foi utilizado com o objetivo de promover a quebra de possíveis agregados de partículas de celulose microcristalina.

Concomitantemente a esses procedimentos descritos foram preparadas as soluções de PLA em clorofórmio contendo 3 g de polímero cada. Essas soluções permaneceram sob agitação por um período de 24 horas e, após esse tempo, cada solução formada foi adicionada a uma das dispersões de celulose em clorofórmio. Os sistemas resultantes foram submetidos à agitação por mais 24 horas e, posteriormente, foram vertidos em placa de petri e o solvente foi evaporado em capela à temperatura ambiente para se obter os filmes.

Caracterização

Análise por difração de raios X

Na caracterização dos materiais por difração de raios X, as amostras foram colocadas no porta-amostra e analisadas com a emissão de radiação de CuKα (λ = 1,5418 Å), a temperatura ambiente em 40 kV e 30 mA. As curvas de difração de raios X foram obtidas em um difratômetro Rigaku Miniflex, modelo DMAX 2200.

Além dos filmes produzidos por vazamento, os pellets de PLA, a CMC e a ICMC também foram caracterizados por essa técnica. A análise do PLA comercial fornecido na forma de Pellets teve por finalidade identificar os picos de difração característicos desse material para efeito de comparação com o resultado encontrado nessa análise para o PLA na forma de filme.

Para analisar os pellets de PLA, foi necessário proceder a sua pulverização com o auxílio de um moinho de facas. A diminuição das partículas de PLA garante sua aderência no porta-amostra.

As amostras dos filmes foram fixadas com fita adesiva em um porta-amostra metálico vazado. Já as amostras na forma de pó foram colocadas sobre um porta-amostra de vidro adequado para esse tipo de material. A fixação desses materiais foi realizada por prensagem manual utilizando uma placa de vidro semelhante ao porta-amostra.

Os padrões de difração foram coletados numa taxa de varredura de 5° < 2θ < 40°. Os índices de cristalinidade foram calculados por deconvolução dos picos das curvas de difração de raios X, tomando-se uma função de distribuição gaussiana como formato dos picos cristalinos e halos amorfos. Utilizando-se o software Origin 7.5, foram estimados os índices de cristalinidade com base nas áreas sob os picos cristalinos e o halo amorfo após a correção da linha base.

Análise por microscopia eletrônica de varredura

A morfologia das superfícies dos filmes PLA/CMC e PLA/ICMC foi examinada por MEV para se avaliar a dispersão das partículas de CMC na matriz polimérica. A análise por microscopia eletrônica de varredura foi realizada em um microscópio Jeol JSL 5300 (Jeol Instruments), operando em 5-15 keV. As amostras foram seccionadas e, posteriormente, revestidas com uma fina camada de ouro com a finalidade de evitar o acúmulo de carga eletrostática na superfície do material.

Ressonância magnética nuclear

A ressonância magnética nuclear no estado sólido foi utilizada para a caracterização de materiais através da medição do tempo de relaxação spin-rede (T1H) usando RMN de baixo campo[13-15]. Essa análise foi utilizada na caracterização tanto dos filmes produzidos como na dos materiais utilizados em sua obtenção.

O equipamento utilizado para a determinação dos tempos de relaxação spin-rede, com constante de tempo T1H, foi o Maran Ultra 23 MHz, Resonance/Oxford-UK operando a 23 MHz para o núcleo de hidrogênio. A técnica de inversão-recuperação (intervalo de reciclo 180°- τ - 90° aquisição) foi empregada na determinação dos valores deste parâmetro. As condições usadas foram: temperatura de 25 °C, faixa de τ = 0,1 a 5000 ms, com 5 segundos de intervalo de reciclo, usando 40 pontos com 04 acúmulos cada.

Ensaios mecânicos sob tração

Os filmes produzidos foram avaliados quanto ao seu desempenho mecânico sob tração. Foram determinados o módulo elástico e a resistência à tração. Para os ensaios de tração foi utilizada uma máquina Universal de Ensaios Instron, modelo 4204. Os ensaios foram realizados de acordo com a norma ASTM D882, a temperatura de 22 °C. A partir do resultado do ensaio mecânico dos materiais, avaliou-se o efeito do teor e o do tratamento da celulose sobre as propriedades mecânicas sob tração dos filmes.

Resultados e Discussão

Difração de raios X

As curvas de DRX obtidas a partir da análise da CMC, da ICMC, do PLA na forma de pellet e dos filmes produzidos estão representadas na Figura 1.


Nas curvas resultantes da análise da CMC e da ICMC pode-se observar 3 picos de difração de raios X. Tanto no resultado da CMC como no da ICMC, observou-se um pico alargado em torno de 14,9° e outros dois nos ângulos 22,6° e 34,5°. Esses picos de difração de raios X são característicos de celulose I[16,17].

Esses resultados indicam que o tratamento ao qual a celulose microcristalina foi submetida não implicou em mudanças em sua estrutura cristalina, o que ocorreu em função do intumescimento da celulose em água ter sido intercristalino, no qual o agente intumescedor penetra apenas nas regiões amorfas da microfibrila de celulose e nos espacos entre elas, não sendo capaz de penetrar nas regiões cristalinas[18].

O resultado da análise por DRX para o filme de PLA sem carga aponta que este material apresenta natureza amorfa, visto que seu espectro de raios X não apresentou qualquer pico de difração. Entretanto, o resultado desta análise para o PLA na forma de pellets mostrou que, neste caso, o material é semicristalino, apresentando picos de difração em 16,9° e 19,0°.

A diferença encontrada no resultado da análise para esses dois materiais é, provavelmente, função do tipo de moldagem utilizada. Os filmes foram moldados por vazamento de solução que pode desfavorecer a formação de arranjo ordenado das cadeias poliméricas por dificultar sua aproximação e, consequentemente, inibir o surgimento de cristalinidade.

Já para os sistemas PLA/CMC e PLA/ICMC observam-se picos de difração referentes à celulose e outros ao PLA. Os resultados de DRX para os sistemas PLA/celulose indicam que tanto a CMC como a ICMC atuaram como agente nucleante, conduzindo ao aparecimento de cristalinidade na matriz polimérica na forma de filme. Esse efeito sobre a cristalinidade de materiais poliméricos é reportado em algumas pesquisas, nas quais foram utilizados polímeros como PLA[2], PCL[19], PVA[20] e PHBV[21]. Esses resultados sugerem que esse efeito produzido pela celulose sobre a cristalinidade em materiais poliméricos é independente do tipo de matriz polimérica utilizada, estando, portanto, relacionado majoritariamente à natureza dessa carga.

A partir das curvas de difração de raios X dos materiais foram calculados os percentuais de cristalinidade que se encontram no Quadro 2.


O teor de cristalinidade da ICMC apresentou-se discretamente inferior ao encontrado para CMC. A cristalinidade da celulose microcristalina, em geral, encontra-se entre 65-83%[22]. Esses valores são normalmente mais elevados do que os encontrados para celulose não hidrolisada. A celulose de árvores, por exemplo, apresenta cristalinidade próxima a 40%[11].

Isso se justifica, pois com a hidrólise ácida, a celulose sofre perda de massa referente às regiões amorfas, gerando consequentemente um material mais cristalino. A variação na cristalinidade da celulose microcristalina está associada à sua origem e também às condições de hidrólise utilizadas em sua produção[23].

A adição de celulose aos filmes de PLA induziu ao aumento do teor de cristalinidade com o aumento do teor da carga. Esse efeito é observado tanto nos materiais contendo CMC como para aqueles contendo ICMC. Lu, Wang e Drzal[20], em seu estudo sobre as propriedades de compósitos a base de PVA e celulose microfibrilada, observaram o aumento da cristalinidade desses materiais com a adição da celulose. Esses pesquisadores atribuiram esse efeito de aumento da cristalinidade nos compósitos à atuação dessa carga como agente nucleante em função do tamanho nanométrico de suas partículas. Nesse estudo, o aumento na cristalinidade ocorreu para teores até 5% em massa de celulose.

Os valores de cristalinidade encontrados para os sistemas PLA/CMC apresentaram-se, de maneira geral, ligeiramente inferiores aos encontrados para os sistemas PLA/ICMC, de mesmo teor de celulose. Ese resultado pode estar associado a uma melhor dispersão da ICMC devida ao tratamento de inchamento/liofilização que gerou um maior espaçamento entre as microfibrilas de celulose permitindo uma maior interação entre essas e as cadeias de PLA.

Microscopia eletrônica de varredura

As micrografias do pó de CMC e de ICMC obtidas por microscopia eletrônica de varredura estão exibidas na Figura 2. Na imagem gerada a partir da CMC (Figura 2a) e na da ICMC (Figura 2b) nota-se que as partículas dos materiais apresentam uma grande variedade de tamanhos e formas, sendo a maioria delas de perfil alongado.



No entanto, a maior ampliação das imagens (Figuras 2c, d) revela que muitas dessas partículas são, na realidade, compostas de pequenos feixes de fibras de celulose. Isso ocorre, pois há uma tendência de partículas de celulose microcristalina sofrerem auto-agregação em função da presença de grupos hidroxila em sua superfície.

Esse perfil alongado observado na análise da CMC e na da ICMC é um aspecto inerente às suas partículas, não tendo dependência com as condições utilizadas na sua obtenção. Em seu estudo sobre as propriedades físicas e mecânicas de celulose microcristalina de fontes agrícolas, El-Sakhawy e Hassan[23] observaram que a variação da origem da celulose e também do tipo de ácido empregado na sua hidrólise não produziu diferença na morfologia das partículas de cada material observado por microscopia eletrônica de varredura.

A Figura 3 mostra as micrografias para os sistemas PLA/CMC (Figura 3a) e PLA/ICMC (Figura 3b). Verificou-se na análise dessas imagens que a dispersão da celulose microcristalina é relativamente pobre em função da auto-agregação de suas partículas e também em função da natureza hidrofóbica da matriz polimérica. Contudo, na imagem relativa ao sistema PLA/ICMC pode-se notar um menor número de partículas agregadas o que aponta para uma melhor dispersão da celulose microcristalina tratada na matriz polimérica.


Essa melhora na distribuição de partículas de celulose no filme de PLA pode ser atribuída à eficácia do tratamento de inchamento/liofilização a que a celulose microcristalina foi submetida, ou seja, esse tratamento demonstrou ter atuado sobre a celulose ocasionando um maior espaçamento entre essas partículas. Esse maior espaçamento provalmente foi o responsável pela dissolução de grande parte dos agregados de partículas de celulose visíveis no filme com celulose não tratada.

Ressonância magnética nuclear

Os resultados exibidos no Quadro 3 referentes à análise dos materiais por ressonância magnética nuclear mostram que houve uma diminuição de T1H com o aumento do teor de celulose nos materiais. Os resultados encontrados para os materiais com CMC foram pouco menores em relação aqueles com ICMC, exceto para o filme PLA-7CMC cujo tempo de relaxação apresentou diferença considerável em relação ao do filme PLA-7ICMC. Os resultados da CMC e da ICMC isoladamente apontam um valor menor de T1H para a celulose tratada. O menor valor de tempo de relaxação spin-rede para a ICMC constitui um indicativo de que as cadeias da celulose após tratamento permaneceram afastadas o que conferiu maior mobilidade molecular.


A Figura 4 mostra as curvas de domínio do filme de PLA, da CMC, da ICMC e de cada sistema PLA/celulose. É possível observar que não ocoreu alteração significativa na largura dos picos com adição de celulose em relação à largura do pico referente ao filme de PLA sem carga. Nas concentrações de celulose em estudo também não foi possível notar deslocamento dos picos referentes aos filmes com CMC ou ICMC quanto comparados ao filme de PLA. Esses resultados indicam interações carga-matriz fracas.


As curvas referentes aos compósitos e aos outros materiais em estudo apresentaram somente um domínio de mobilidade.

No entanto, nos resultados para os filmes de PLA-7CMC e PLA-7ICMC é possível observar um segundo domínio, o que indica que provavelmente a partir deste teor de celulose começa a ocorrer insuficiência de dispersão da carga na matriz.

Ensaios mecânicos sob tração

Os resultados encontrados para as propriedades mecânicas sob tração dos filmes estão presentes no Quadro 4. Nos compósitos PLA/CMC verificou-se um decréscimo bastante expressivo na resistência à tração com a presença da carga de celulose. Os valores da propriedade encontrados para os filmes PLA-3CMC e PLA-5CMC apresentaram-se bastante próximos, já o filme PLA-7CMC exibiu o menor valor de resistência à tração. Contudo, nos compósitos contendo ICMC nota-se um aumento no valor dessa propriedade para os materiais PLA-3ICMC e PLA-5ICMC, sendo o maior valor encontrado para o filme com 5% em massa de ICMC. A resistência à tração desse filme apresentou-se aproximadamente 12% maior em relação à do filme de PLA sem carga.


Resultado semelhante a esse foi encontrado por Petersson e Oksman[24] em seu estudo sobre as propriedades de filmes a base de PLA e celulose microcristalina tratada por inchamento em água e liofilização. Os autores também observaram aumento da resistência à tração em material contendo 5% em massa de carga. Esses autores associaram o aumento da resistência à tração do filme contendo celulose em relação ao material puro a uma boa dispersão das partículas da carga na matriz polimérica em função do tratamento feito na celulose microcristalina.

Porém no compósito PLA-7ICMC, a resistência à tração foi aproximadamente 35% inferior ao valor da propriedade para o filme de PLA sem carga. Esse decréscimo na propriedade para o compósito PLA-7ICMC pode estar associada à dificuldade em conseguir uma distribuição homogênea desse teor mais elevado de carga nas condições experimentais utilizadas. Portanto, a adição de ICMC foi capaz de aumentar a resistência à tração dos filmes de PLA com teor de até 5% em massa de ICMC.

A adição de CMC ou de ICMC não foi capaz de produzir incremento no módulo elástico. Os valores encontrados para o módulo dos filmes com adição de celulose apresentaram-se inferiores ao do filme de PLA sem carga. Pode-se verificar também que não houve variação expressiva no módulo sob tração com o aumento do teor de celulose, seja CMC ou ICMC. A diminuição do módulo elástico com a adição de celulose é um indicativo de uma dispersão pobre e também da presença de grandes agregados da celulose microcristalina na matriz de PLA. Apesar do tratamento da celulose ter permitido uma melhor dispersão da carga tratada na matriz, em relação à carga não tratada, o que provavelmente foi o fator responsável por maiores valores de resistência à tração dos filmes com ICMC, no caso do módulo elástico, a dispersão não foi suficientemente adequada para que houvesse acréscimo nessa propriedade.

Esse resultado não implica em falta de capacidade de reforço da celulose microcristalina quanto ao módulo elástico, uma vez que em outros sistemas PLA/carga de celulose foi possível observar resultados diferentes dos apresentados neste trabalho, como na pesquisa realizada por Mathew, Oksman e Sain[25], na qual foram obtidos materiais a base de PLA/CMC por extrusão. Nessa pesquisa, os resultados para as propriedades mecânicas sob tração, mostraram um incremento no módulo elástico, porém houve perda de resistência à tração dos materiais com o aumento do teor de celulose microcristalina. A capacidade de reforço da celulose microcristalina pode estar associada a fatores como sistema matriz/carga e condições e tipo de processamento.

Conclusões

O estudo dos materiais por difração de raios X mostrou que a celulose atuou como agente de nucleação na cristalização do PLA. Esse efeito pode ser observado tanto nos materiais contendo celulose não-tratada como também naqueles com adição da celulose tradada por inchamento/liofilização. Os teores de cristalinidade encontrados mostram que houve um acréscimo na propriedade com o aumento do teor de celulose. Esse aumento é bem expressivo quando se compara o teor de cristalinidade dos filmes com 3% em massa de celulose com o filme de PLA sem carga, porém com os aumentos subsequentes esse efeito mostrou-se pouco significativo. O estudo da morfologia dos compósitos indicou que o tratamento da CMC facilita o processo de dispersão da carga na matriz de PLA, porém ainda não é possível alcançar uma distribuição suficientemente homogênia a ponto de não ser possível verificar mais a auto-agregação de partículas de celulose. A análise por ressonância magnética nuclear mostrou que houve uma diminuição nos valores de T1H dos filmes com o acréscimo de CMC ou de ICMC, indicando aumento da mobilidade molecular das cadeias de PLA com a adição dessas cargas, devido à geração de novas interações intermoleculares, visto que uma reorganização molecular ou estruturação deva ter ocorrido. A CMC foi capaz de diminuiu a rigidez das cadeias poliméricas de PLA, reduzindo os tempos de relaxação spin-rede em relação ao do polímero puro, ou seja, aumentando a sua mobilidade molecular. Esse resultado indica a ocorrência de interações intermoleculares carga-matriz fracas. Apesar da tendência de auto-agregação de celulose, os resultados mostram que é possível obter uma dispersão razoavelmente boa da CMC até 7% em massa, sem adição de qualquer agente de acoplamento ou ter que se submeter a celulose a algum tipo de tratamento químico. A avaliação do desempenho mecânico dos materiais mostrou uma queda bastante acentuada no módulo elástico sob tração com a adição de celulose. Os valores de módulo encontrados foram muito próximos para os materiais contendo CMC e ICMC. A resistência à tração para os compósitos com ICMC até 5% em massa de carga apresentou um aumento em relação à do filme sem carga. Os resultados encontrados para o módulo elástico corroboram com os encontrados para o tempo de relaxação, visto que ambos apontam para um aumento na mobilidade molecular. Os resultados mostraram que, de maneira geral, o tratamento da celulose por meio do inchamento em meio aquoso seguido da liofilização contribui para a melhor dispersão da carga na matriz.

Enviado: 04/07/11

Reenviado: 15/04/12

Aceito: 23/04/12

  • 1. Petersson, L.; Mathew, A. P. & Oksman, K. J. - Appl. Polym. Sci., 112, 4, p.2001 (2009). http://dx.doi.org/10.1002/app.29661
  • 2. Suryanegara, L.; Nakagaito, A. N. & Yano H. - Comp. Sci. and Technol., 69, p.1187 (2009). http://dx.doi.org/10.1016/j.compscitech.2009.02.022
  • 3. Goetz L.; Mathew, A.; Oksman, K.; Gatenholm, P. & Ragauskas, A. J. - Carbohydr. Polym., 75, p.85 (2009). http://dx.doi.org/10.1016/j.carbpol.2008.06.017
  • 4. Feng, L.; Zhou, Z.; Dufresne, A.; Huang, J.; Wei, M. & An, L. - Appl. Polym. Sci., 112, p.2830 (2009). http://dx.doi.org/10.1002/app.29731
  • 5. Nakagaito, A. N.; Iwamoto, S. & Yano, H. - Appl. Phys. A: Mater. Sci. Process, 80, p.93 (2005). http://dx.doi.org/10.1007/s00339-004-2932-3
  • 6. Samir, M. A. S. A.; Alloin, F. & Dufresne, A. - Biomacromolecules, 6, p.612 (2005).
  • 7. Rosa, M. F.; Medeiros, E. S.; Malmonje, J. A.; Wood, D. F.; Mattoso, L. H. C.; Orts, W. J. & Imam, S. H. - "Extração e Caracterização de Whiskers de Celulose de Fibra de Coco", in: Anais do 18ş Congresso Brasileiro de Engenharia e Ciência dos Materiais, Porto de Galinhas-PE, nov (2008).
  • 8. Hubbe, M. A.; Rojas, O. J. Lucia, L. A. & Sain, M. - Bioresour., 3, p.929 (2008).
  • 9. Freire, C. S. R.; Silvestre, A. J. D.; Pascoal Neto, C.; Gandini, A.; Martin, L. & Mondragon, I. - Comp. sci. and Technol., 68, p.3358 (2008).
  • 10. Klock, U. & Muniz, G. I. B. - "Química da Madeira", Fupef, Curitiba (2005).
  • 11. Silva, R.; Haraguchi, S. K.; Muniz E. C. & Rubira, A. F. - Quím. Nova, 32, p.661 (2009). http://dx.doi.org/10.1590/S0100-40422009000300010
  • 12. Behrens, M. D. D. & Netto-Ferreira, J. C. - Quím. Nova, 29, p.5 (2006). http://dx.doi.org/10.1590/S0100-40422006000100002
  • 13. Resende, D. K.; Dornelas, C. B.; Tavares, M. I. B.; Gomes, A. S. & Moreira, L. A. - Polímeros, 20, p.231 (2010). http://dx.doi.org/10.1590/S0104-14282010005000031
  • 14. Passos, A. A.; Tavares, M. I. B.; Cucinelli Neto, R. P.; Moreira, L. A. & Ferreira, A. G. - Polímeros, 21, p.98 (2011). http://dx.doi.org/10.1590/S0104-14282011005000023
  • 15. Canevarolo, S. V.; Galland, G. B. & Tavares, M. I. B. - "Técnicas de Caracterização de Polímeros", Artliber, São Paulo (2004).
  • 16. Rong, M. Z.; Zhang, M. Q.; Liu, Y.; Yang, G. C. & Zeng, H. M. - Comp. Sci. Technol, 61, p.1437 (2001). http://dx.doi.org/10.1016/S0266-3538(01)00046-X
  • 17. Siqueira, G.; Abdillahi, H.; Bras, J. & Dufresne. A. - Cellulose, 17, p.289 (2009). http://dx.doi.org/10.1007/s10570-009-9384-z
  • 18. Marques, M. P. - "Estudo da Hidrólise do Bagaço da Cana-de-Açúcar por Fungos Filamentosos", Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista, Brasil (2010).
  • 19. Siqueira, G.; Bras, J. & Dufresne, A. - Biomacromolecules, 10, p.425 (2009). http://dx.doi.org/10.1021/bm801193d
  • 20. Lu, J.; Wang, T. & Drzal, L. T. - Compos.: Part A, 39, p.738 (2008). http://dx.doi.org/10.1016/j.compositesa.2008.02.003
  • 21. Jiang, L.; Morelius, E.; Zhang, J.; Wolcott, M. & Holbery, J. - J. Compos. Mater., 42, p.2629 (2008). http://dx.doi.org/10.1177/0021998308096327
  • 22. Terinte, N.; Ibbett, R. & Schuster, K. C. - Lenzinger Berichte, 89, p.118 (2011).
  • 23. El-Sakhawy, M. & Hassan, M. L. - Carbohydr. Polym., 67, p.1 (2007).
  • 24. Petersson, L. & K. Oksman, K. - "Preparation and Properties of Biopolymer-Based Nanocomposite Films Using Microcrystalline Cellulose", in: Cellulose Nanocomposites, cap.10, Kristiina Oksman and Mohini Sain (eds.), ACS Symposium Series (2005).
  • 25. Mathew, A. P.; Oksman, K. & Sain, M. - Appl. Polym. Sci., 97, p.2014 (2006). http://dx.doi.org/10.1002/app.21779
  • Endereço para correspondência:
    Maria Inês B. Tavares
    Centro de Tecnologia
    Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano
    Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Bloco J, Cidade Universitária
    CEP 21945-970, CP 68525, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Fev 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      04 Jul 2011
    • Aceito
      23 Abr 2012
    • Revisado
      15 Abr 2012
    Associação Brasileira de Polímeros Rua São Paulo, 994, Caixa postal 490, São Carlos-SP, Tel./Fax: +55 16 3374-3949 - São Carlos - SP - Brazil
    E-mail: revista@abpol.org.br