Acessibilidade / Reportar erro

Pirólise de resíduos de borrachas do setor de mineração para a produção de combustíveis: estudos em escala piloto

Pyrolysis of rubber wastes from the mining industry for the production of fuels: pilot scale studies

Resumo

Neste trabalho, estudou-se em escala piloto a pirólise de três diferentes rejeitos de borracha do setor de mineração, i.e. peças de moinho de composição nominal de borracha estireno e butadieno (SBR), peneiras e correias transportadoras com composição nominal à base de borracha natural e butadieno (NR/BR) e pneus offroad de composição complexa (mistura de borracha natural, nitrílica, butadieno e estireno-butadieno) em temperaturas de 450, 600 e 800°C. As reações realizadas a 450°C mostraram uma pirólise incompleta, sendo que a 600 e 800°C os rejeitos de borracha se convertem totalmente em três produtos: 15-25% de gás, 42-44% sólido e 34-45% de líquido. Análises por cromatografia gasosa (CG) dos produtos gasosos mostraram majoritariamente a presença de hidrocarbonetos C1-C4 com valores de poder calorífico inferior (PCI) iguais a 8.496 e 7.325 kcal kg-1, similares ao gás liquefeito de petróleo (GLP). Análise dos sólidos obtidos por análise elementar de carbono, hidrogênio e nitrogênio (CHN), espectrômetria de emissão atômica com plasma induzido (ICP-AES) Spectro Ciros CCD para a determinação de enxofre, análise térmica gravimétrica e diferencial (TG/DTA), carbono fixo, cinzas, voláteis mostraram a presença de 72-89% de carbono com 2% de enxofre. Análises dos produtos líquidos por cromatografia gasosa acoplado a espectrometria de massas (CG-EM) indicaram a presença de misturas complexas de hidrocarbonetos majoritariamente até C20. As amostras NR/BR e pneu produzem líquidos com concentração de compostos aromáticos próxima a 50%, enquanto a amostra SBR resulta na formação de um líquido de concentração próxima a 87%. A mistura dessa fração líquida obtida pela pirólise (sem qualquer purificação) com um diesel comercial nas proporções de 0,5, 1 e 3 vol% mostrou que nenhum parâmetro de qualidade de combustível definido pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) foi alterado significativamente.

Palavras-chave:
resíduos de borracha; mineração; pirólise

Abstract

In this work, the pyrolysis of three different rubber wastes used in the mining industry, i.e. milling (based on styrene butadiene rubber, SBR), sieves and conveyor belts (based on natural and butadiene rubber, NR/BR) and offroad waste tires (based on complex mixture of nitrile, butadiene, styrene and natural rubber) was investigated in a pilot plant at 450, 600 and 800°C. Reactions at 450°C showed incomplete pyrolysis whereas at 600 and 800°C the rubber wastes were completely converted into three products:15-25% gas, 34-45% liquid and 42-44% solids. The gas products analyzed by gas chromatography (GC) showed mainly the presence of C1-C4 hydrocarbons with LHV (Low Heating Value) values between 8496 and 7325 Kcal kg-1, similar to liquefied petroleum gas (LPG). The solid products analyzed by elemental analysis of carbon, hydrogen and nitrogen (CHN), atomic emission spectrometry with inductively coupled plasma (ICP-AES) Spectro Ciros CCD for the determination of sulfur, thermogravimetry and differential thermal analysis (TG/DTA), fixed carbon, ash and volatile compounds showed the presence of 72-89% carbon and 2% sulfur. The liquid products analyzed by gas chromatography applied mass spectrometry (GC-MS) indicated the presence of complex mixtures of hydrocarbons containing mainly compounds up to C20. The NR/BR and waste offroad tire samples produced ca. 50% aromatics whereas SBR rubber resulted in the formation of near 87% aromatics. The mixtures of these liquids products (without any purification) with a commercial diesel fuel at 0.5, 1 and 3 vol% did not significantly change the fuel quality parameters defined by the ANP (Agency National Petroleum, Natural Gas and Biofuels).

Keywords:
rubber waste; mining; pyrolysis

1 Introdução

O setor de mineração utiliza equipamentos contendo borrachas vulcanizadas aplicadas em diversos processos, como por exemplo, separação (peneiras e moinhos), transporte de minérios (correias transportadoras) e pneus offroad. Os revestimentos de borrachas têm a finalidade de proteger as estruturas metálicas contra a abrasão e efeitos dos materiais que são transportados e separados durante todo processo de beneficiamento do minério. Devido às distintas aplicações, as peças utilizadas são compostas de diferentes misturas de polímeros tais como borracha natural, estireno, butadieno e nitrílica[11 Martínez, J. D., Murillo, R., García, T., & Veses, A. (2013). Demonstration of the waste tire pyrolysis process on pilot scale in a continuous auger reactor. Journal of Hazardous Materials, 261, 637-645. PMid:23995560. http://dx.doi.org/10.1016/j.jhazmat.2013.07.077.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jhazmat.2013...
].

Atualmente estes resíduos são importantes passivos ambientais, normalmente localizados nos arredores das mineradoras em regiões remotas. Somente em 2010, o acumulado de correias transportadoras em uma grande empresa de mineração de Minas Gerais, foi próximo de 200 mil toneladas[22 Pinto, L. D. (2011). Proposta de diretrizes para a gestão dos resíduos de borracha de correias transportadoras de minérios: um estudo de caso (Dissertação de mestrado). Universidade Federal Fluminense, Niterói. Recuperado em 28 de março de 2014, de http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_arquivos/14/TDE-2012-04-24T111320Z-3208/Publico/Dissertacao%20%20Leonardo%20%20Pinto.pdf
http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_arquivos/...
].

A incineração e o co-processamento são processos utilizados em escala limitada para a destinação desses rejeitos de borracha da mineração. A incineração pode levar à formação de substâncias parcialmente oxidadas, e.g. dioxinas e dibenzofuranos, que apresentam alta toxicidade[33 Kuribayashi, S., Yamakoshi, H., Danno, M., Sakai, S., Tsuruga, S., Futami, H., & Morii, S. (2005). VUV single-photon ionization ion trap time-of-flight mass spectrometer for on-line, real-time monitoring of chlorinated organic compounds in waste incineration flue gas. Analytical Chemistry, 77(4), 1007-1012. PMid:15858979. http://dx.doi.org/10.1021/ac048761y.
http://dx.doi.org/10.1021/ac048761y...
,44 Glinski, C., & Rott, P. (2000). Waste incineration – legal protection in european environmental law. Journal of Environmental Law, 12(2), 129-154. http://dx.doi.org/10.1093/jel/12.2.129.
http://dx.doi.org/10.1093/jel/12.2.129...
]. O co-processamento é uma alternativa que tem sido cada vez mais utilizada para a destinação de rejeitos de borracha, mas devido ao custo relativamente alto, necessidade de trituração e impossibilidade de recuperar as estruturas metálicas, sua aplicação tem sido limitada. Além disso, a presença de ferro é um parâmetro importante que limita o uso desse rejeito devido ao efeito negativo na qualidade do cimento[55 Martínez, J. D., Puy, N., Murillo, R., García, T., Navarro, M.V., & Mastral, A. M. (2013). Waste tyre pyrolysis – a review. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 23, 179-213. http://dx.doi.org/10.1016/j.rser.2013.02.038.
http://dx.doi.org/10.1016/j.rser.2013.02...
]. No entanto, um dos fatores mais críticos para o uso desses rejeitos de borracha é a necessidade de transporte de áreas remotas de mineração para os grandes centros, o que torna o processo extremamente caro e complexo do ponto de vista logístico[66 D’Agosto, M. A., & Souza, C. D. R. (2013). Value chain analysis applied to the scrap tire reverse logistics chain: an applied study of co-processing in the cement industry. Resources, Conservation and Recycling, 78, 15-25. http://dx.doi.org/10.1016/j.resconrec.2013.06.007.
http://dx.doi.org/10.1016/j.resconrec.20...
].

A pirólise é uma alternativa tecnológica muito promissora para o tratamento de resíduos de borracha do setor de mineração, pois produz três frações com diferentes potenciais aplicações[66 D’Agosto, M. A., & Souza, C. D. R. (2013). Value chain analysis applied to the scrap tire reverse logistics chain: an applied study of co-processing in the cement industry. Resources, Conservation and Recycling, 78, 15-25. http://dx.doi.org/10.1016/j.resconrec.2013.06.007.
http://dx.doi.org/10.1016/j.resconrec.20...

7 Murugan, S., Ramaswamy, M. C., & Nagarajan, G. (2009). Assessment of pyrolysis oil as an energy source for diesel engines. Fuel Processing Technology, 90(1), 67-74. http://dx.doi.org/10.1016/j.fuproc.2008.07.017.
http://dx.doi.org/10.1016/j.fuproc.2008....

8 Unapumnuk, K., Lu, M., & Keener, T. C. (2006). Carbon distribution from the pyrolysis of tire-derived fuels. Industrial & Engineering Chemistry Research, 45(26), 8757-8764. http://dx.doi.org/10.1021/ie051397o.
http://dx.doi.org/10.1021/ie051397o...

9 Butler, E., Devlin, G., & McDonnell, K. (2011). Waste polyolefins to liquid fuels via pyrolysis: review of commercial state-of-the-art and recent laboratory research. Waste Biomass Valor, 2(3), 227-255. http://dx.doi.org/10.1007/s12649-011-9067-5.
http://dx.doi.org/10.1007/s12649-011-906...
-1010 Adhikari, B., Maiti, S., & De, D. (2000). Reclamation and recycling of waste rubber. Progress in Polymer Science, 25(7), 909-948. http://dx.doi.org/10.1016/S0079-6700(00)00020-4.
http://dx.doi.org/10.1016/S0079-6700(00)...
]. A fração sólida, constituída de um carbono amorfo e cargas inorgânicas, pode ser usada como combustível, como carvão fino em siderurgia ou mesmo como carga para substituir negro de fumo em formulações de novas borrachas[66 D’Agosto, M. A., & Souza, C. D. R. (2013). Value chain analysis applied to the scrap tire reverse logistics chain: an applied study of co-processing in the cement industry. Resources, Conservation and Recycling, 78, 15-25. http://dx.doi.org/10.1016/j.resconrec.2013.06.007.
http://dx.doi.org/10.1016/j.resconrec.20...

7 Murugan, S., Ramaswamy, M. C., & Nagarajan, G. (2009). Assessment of pyrolysis oil as an energy source for diesel engines. Fuel Processing Technology, 90(1), 67-74. http://dx.doi.org/10.1016/j.fuproc.2008.07.017.
http://dx.doi.org/10.1016/j.fuproc.2008....

8 Unapumnuk, K., Lu, M., & Keener, T. C. (2006). Carbon distribution from the pyrolysis of tire-derived fuels. Industrial & Engineering Chemistry Research, 45(26), 8757-8764. http://dx.doi.org/10.1021/ie051397o.
http://dx.doi.org/10.1021/ie051397o...

9 Butler, E., Devlin, G., & McDonnell, K. (2011). Waste polyolefins to liquid fuels via pyrolysis: review of commercial state-of-the-art and recent laboratory research. Waste Biomass Valor, 2(3), 227-255. http://dx.doi.org/10.1007/s12649-011-9067-5.
http://dx.doi.org/10.1007/s12649-011-906...

10 Adhikari, B., Maiti, S., & De, D. (2000). Reclamation and recycling of waste rubber. Progress in Polymer Science, 25(7), 909-948. http://dx.doi.org/10.1016/S0079-6700(00)00020-4.
http://dx.doi.org/10.1016/S0079-6700(00)...

11 Undri, A., Meini, S., Rosi, L., Frediani, M., & Frediani, P. (2013). Microwave pyrolysis of polymeric materials: Waste tires treatment and characterization of the value-added products. Journal of Analytical and Applied Pyrolysis, 103, 149-158. http://dx.doi.org/10.1016/j.jaap.2012.11.011.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jaap.2012.11...
-1212 Undri, A., Meini, S., Rosi, L., Frediani, M. & Frediani, P. (2014). Upgraded fuel from microwave assisted pyrolysis of waste tire. Fuel, 115, 600-608. http://dx.doi.org/10.1016/j.fuel.2013.07.058.
http://dx.doi.org/10.1016/j.fuel.2013.07...
]. Toda a estrutura metálica dos rejeitos de borracha pode ser recuperada depois da pirólise e reutilizada na produção de novas peças (como por exemplo peneiras e moinhos) ou mesmo recicladas na produção de novos aços. As frações líquidas e gasosas constituídas essencialmente de hidrocarbonetos podem ser utilizadas como combustíveis[1212 Undri, A., Meini, S., Rosi, L., Frediani, M. & Frediani, P. (2014). Upgraded fuel from microwave assisted pyrolysis of waste tire. Fuel, 115, 600-608. http://dx.doi.org/10.1016/j.fuel.2013.07.058.
http://dx.doi.org/10.1016/j.fuel.2013.07...

13 Gupta, V. K., Nayak, A., Agarwal, S., & Tyagi, I. (2014). Potential of activated carbon from waste rubber tire for the adsorption of phenolics: effect of pre-treatment conditions. Journal of Colloid and Interface Science, 417, 420-430. http://dx.doi.org/10.1016/j.jcis.2013.11.067.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jcis.2013.11...

14 Choi, G. G., Jung, S. H., Oh, S. J., & Kim, J. S. (2014). Total utilization of waste tire rubber through pyrolysis to obtain oils and CO2 activation of pyrolysis char. Fuel Processing Technology, 123, 57-64. http://dx.doi.org/10.1016/j.fuproc.2014.02.007.
http://dx.doi.org/10.1016/j.fuproc.2014....
-1515 Quek, A., & Balasubramanian, R. (2013). Liquefaction of waste tires by pyrolysis for oil and chemicals - a review. Journal of Analytical and Applied Pyrolysis, 101, 1-16. http://dx.doi.org/10.1016/j.jaap.2013.02.016.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jaap.2013.02...
]. Neste contexto, a obtenção de combustíveis para mineradoras localizadas em áreas remotas a partir da pirólise de seus rejeitos é de grande interesse, visto que essas mineradoras são consumidoras intensivas de combustíveis, por exemplo diesel, que representa um custo elevado devido às longas distâncias. Assim, rejeitos de borracha das mineradoras podem ser transformados em uma mistura de hidrocarbonetos líquidos que pode ser misturada ao diesel para alimentar caminhões offroad, maquinários, geradores ou mesmo locomotivas.

Neste trabalho estudou-se a pirólise de três diferentes rejeitos do setor de mineração, i.e. peças de moinho de composição nominal de borracha estireno e butadieno (SBR), peneiras e correias transportadoras com composição nominal à base de borracha natural e butadieno (NR/BR) e pneus offroad de composição complexa (mistura de borracha natural, nitrílica, butadieno e estireno-butadieno). Esses estudos foram conduzidos em escala piloto com o objetivo de se produzir um derivado líquido com potencial de ser adicionado ao diesel para uso como combustível no próprio setor de mineração. Os produtos gasosos e sólidos foram também caracterizados e avaliados para diferentes usos.

2 Parte Experimental

As pirólises foram feitas em sistema composto de um forno elétrico de 30 cm de diâmetro e 180 cm de altura acoplado a um sistema de condensação constituído de quatro trocadores de calor de aço. A Figura 1 apresenta o esquema do sistema de pirólise para as peças de borrachas. As temperaturas foram monitoradas em três pontos: na parte externa do reator, na parte interna do reator e no interior da amostra.

Figura 1
Sistema piloto de pirólise e coleta de gases, líquidos e sólidos.

Os experimentos foram realizados com 20-40 kg de amostra de cada tipo de borracha. O forno foi pré-aquecido à temperatura programada (10°C min-1 até 450, 600 ou 800°C). O reator foi fechado e introduzido no forno por 1 hora na temperatura de pirólise definida. Após a pirólise, o reator foi retirado do forno e mantido fechado até atingir temperatura ambiente. O produto sólido foi coletado do interior do reator, os produtos líquidos coletados na saída inferior do condensador e os gases coletados em cilindros para análise.

As análises TG/DTA foram obtidas na termo-balança DTG-60 da Shimadzu Instruments com fluxo de 50 mL min-1, faixa de temperatura de 25-900°C e razão de aquecimento de 10°C min-1.

Os compostos voláteis das frações líquidas foram caracterizados por Cromatografia Gasosa acoplada a Espectrometria de Massas (GC-MS) utilizando um cromatógrafo, GCMS-QP5050A, Shimadzu, modelo, GCMS-QP2010S.

As análises dos produtos gasosos foram realizadas em um equipamento GC2010 Shimadzu com detectores de condutividade térmica (TCD) e de ionização por chama (FID) ligados em série e argônio como gás de arraste. Injetor: 110°C, split ratio 1:10; Coluna: capilar modelo Carboxen1010-Plot (Supelco), 75°C; Detectores: TCD e FID, ambos a 110°C.

As análises de poder calorífico inferior (PCI) e superior (PCS) dos produtos líquidos da pirólise das borrachas foram realizadas no Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais seguindo as normas ABNT MB-2850 ABNT NBR 8628.

As análises elementares dos produtos sólidos, CHN, foram realizadas em um equipamento Perkin-Elmer CHN2400 (para a determinação de carbono, hidrogênio e nitrogênio) e espectrômetro de emissão atômica com plasma induzido, ICP-AES, Spectro Ciros CCD (para a determinação de enxofre).

Para a determinação do teor de voláteis e cinzas foram realizados três experimentos seguindo o procedimento da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para a Análise Imediata de carvão vegetal NBR-8112 (MB1857). O cálculo do teor de carbono fixo foi realizado pela diferença da massa inicial (considerado 100%) de carvão e a soma dos teores de materiais voláteis e cinzas (% m/m).

A aplicação do produto líquido da pirólise das borrachas como aditivos ao diesel comercial foi estudada para concentrações de 0.5, 1 e 3% v/v. As misturas foram feitas utilizando um diesel urbano misturado ao produto líquido da pirólise e mantido sob agitação magnética por 1 h a temperatura ambiente. A qualidade das misturas como combustível foi analisada no Laboratório de Ensaios de Combustíveis do Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais, seguindo os parâmetros de referência ANP para diesel, resolução ANP 042/2009[1616 Resolução ANP nº 42, de 16.12.2009. (2009, 17 de dezembro). Estabelece, consoante às disposições contidas no Regulamento Técnico ANP nº 8/2009, as especificações do óleo diesel de uso rodoviário, para comercialização pelos diversos agentes econômicos em todo o território nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 3 de janeiro de 2017, de http://www.sindtrr.com.br/download/arq_716.pdf
http://www.sindtrr.com.br/download/arq_7...
]. Os parâmetros testados foram cor (ASTM D1500), massa específica (ASTM D4052), destilação (ASTM D86), índice de cetano (ASTM D4737), teor de enxofre (ASTM D4294) e ponto de fulgor (ASTM D93).

3 Resultados e Discussão

Nesse trabalho foram utilizadas três amostras de diferentes borrachas fornecidas por empresa fabricante de peças de moinho, peneiras e correias transportadoras com composição nominal à base de SBR, NR/BR e uma amostra de pneu offroad de composição complexa (mistura de borracha natural, nitrílica, butadieno e estireno-butadieno). Esses tipos de borracha representam perto de 90% dos artefatos utilizados na mineração.

A decomposição térmica das amostras de borracha foi inicialmente estudada por análise termogravimétrica em atmosfera de N2, como mostrado na curva TG (Figura 2).

Figura 2
Curva TG em atmosfera inerte de N2 das borrachas SBR, NR/BR e pneu.

As curvas de TG mostraram que a decomposição térmica das borrachas NR/BR e SBR ocorre de forma similar com maior perda de massa em aproximadamente 200-500°C. Observa-se também uma pequena perda e massa que se inicia próximo a 600°C, provavelmente relacionada com alguma carga inorgânica presente no material. A amostra de pneu apresentou uma perda de massa de ca. 13% entre 150 e 350°C, seguido de uma perda mais intensa em 450°C. Baseados nos resultados das curvas TG as pirólises em escala piloto foram realizadas nas temperaturas 450°C (final das principais decomposições térmicas observadas por TG), a 600°C onde o material foi completamente decomposto e a 800°C após a decomposição observada no TG em 750°C.

Após as reações em escala piloto foram coletadas três frações: sólida, líquida e gás. Os balanços de massa obtidos são mostrados na Figura 3.

Figura 3
Balanço de massa das pirólise de NR/BR, SBR e Pneu a 450, 600 e 800°C.

Observa-se que a 450°C forma-se uma grande quantidade de sólido, i.e. 85% com apenas 11% líquido e 4% gás. Este resultado sugere uma pirólise incompleta, visto que o TG indica teores de sólidos finais da ordem de 40%. De fato, o material sólido obtido apresenta um aspecto de borracha original, especialmente para peças grandes, sugerindo que a temperatura no interior dessas peças pode não ter atingido 450°C. Para as pirólise realizadas a 600 e 800°C observou-se um balanço de massa de aproximadamente 42-44% sólido, 34-45% produto líquido e 15-25% de gás. Devido às semelhanças nos balanços de massas, investigou-se a natureza dos produtos da pirólise realizada a 600°C. A Tabela 1 mostra as composições dos produtos gasosos obtidos pela pirólise a 600°C identificadas por GC-MS.

Tabela 1
Composição média dos gases de pirólise para as borrachas SBR, NR/BR e Pneu obtidos a 600°C.

Observa-se que as misturas gasosas obtidas são compostas majoritariamente por hidrocarbonetos C1-C4 com a presença de menores quantidades de CO e CO2 entre 9-15%. As misturas gasosas formadas nas pirólises das borrachas SBR e NR/BR apresentaram valores de PCI (Poder Calorífico Inferior) iguais a 8.496 e 7.325 kcal/kg, respectivamente. Esses valores de PCI são próximos ao do GLP (10.997 kcal/kg) e por isso têm potencial para o uso como combustíveis gasosos, substituindo o GLP ou até mesmo ser a fonte de calor para o próprio processo de pirólise dos rejeitos de borrachas.

Os carvões obtidos de cada amostra pirolisada a 600oC foram caracterizados por análise elementar CHN, enxofre, teor de carbono fixo, voláteis e cinzas (Tabela 2).

Tabela 2
Análise Elementar CHN, enxofre, carbono fixo, voláteis e cinzas dos carvões obtidos na pirólise a 600°C das borrachas SBR, NR/BR e Pneu.

Os resultados obtidos mostram a presença de ca. 84-89% de carbono para a amostra NR/BR e pneu com teores de enxofre próximos de 2%. No entanto, a amostra SBR apresentou um menor teor de carbono de 72%, o que está relacionado com a presença de maiores quantidades de cargas inorgânicas. Estes resultados estão de acordo com a determinação de carbono fixo. Análises desses produtos sólidos por termogravimetria em ar mostraram perdas de massa exotérmicas que confirmam os elevados teores de carbono nas amostras. Embora a natureza desses carvões não tenha sido investigada profundamente, provavelmente são constituídos essencialmente de negro de fumo que normalmente é utilizado como aditivo nas formulações de borrachas. Outras possibilidades para o uso desses carvões, que não foram testadas, são na queima para produzir energia ou como finos de carvão para alto fornos.

Os processos de pirólise das borrachas a 600°C formaram de 34-45% de produto líquido. A composição desses produtos líquidos foi investigada por cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas (GC-MS). Estas análises indicam que as frações líquidas de todas as reações são compostas por misturas muito complexas de substâncias. A Tabela 3 mostra a composição aproximada das misturas (definida pelas áreas dos picos cromatográficos) de acordo com o número de carbonos da cadeia nos compostos identificados por GC-MS.

Tabela 3
Teores de compostos quanto ao número de carbono nos líquidos da pirólise para a pirólise a 600°C.

A Tabela 4 mostra a concentração de alguns dos principais compostos identificados por GC-MS.

Tabela 4
Principais componentes dos líquidos obtidos nas pirólises para as borrachas SBR, NR/BR e Pneu para a pirólise a 600°C.

Vários compostos encontrados apresentam estruturas muito semelhantes, com variação de grupos e tamanho da cadeia. Nenhum composto das misturas obteve concentração superior a 19%, em média os mais significativos estão entre 3 a 5% na mistura. Entre os compostos identificados há uma predominância a formação de compostos aromáticos. A Tabela 5 apresenta os teores de substâncias aromáticas e alifáticas.

Tabela 5
Teores de compostos alifáticos a aromáticos nos líquidos da pirólise.

Observa-se para os produtos da pirólise da amostra SBR um maior teor de aromáticos devido à presença de estireno no polímero precursor.

A purificação da fração líquida com a separação dos componentes, em larga escala, as baixas concentrações dos componentes das misturas, o baixo valor comercial possível e o custo do processo de separação necessário podem ser um entrave para o uso dos componentes separadamente. Assim, o uso da fração sem purificação apresenta-se como alternativa economicamente viável para sua aplicação.

A fração líquida da pirólise da amostra NR/BR obtida a 600°C foi testada como aditivo ao diesel urbano nas concentrações 0,5, 1 e 3 vol% comercial. A mistura obtida foi analisada em um laboratório credenciado pela Agencia Nacional do Petróleo ANP (Laboratório de Ensaios de Combustíveis do Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais). A Tabela 6 apresenta os parâmetros de referência ANP para o diesel típico usado em mineradoras (S1800 com 1800 ppm de enxofre), o diesel original utilizado no estudo e sua mistura com 0.5, 1 e 3%.

Tabela 6
Parâmetros ANP testados para o diesel aditivado com líquido da pirólise.

Os parâmetros de qualidade de combustível avaliados para a mistura contendo a fração líquida da pirólise na concentração de 3 vol% mostraram-se todos dentro das faixas estabelecidas pela ANP. O único resultado que chamou a atenção foi o aspecto visual devido à coloração escura da mistura, estes resultados podem representar um aspecto negativo ao uso desses combustíveis. Por tanto, misturas com concentrações de 0,5 e 1% foram preparadas e testadas para o parâmetro cor (norma ASTM D1500). As amostras apresentaram classificação de cor de valor igual a 2, que está dentro do parâmetro aceitável para a ANP (ver detalhe Tabela 6). Além disso, medidas do teor de enxofre mostraram valores entre 620-850 ppm que estão dentro da faixa permitida pela ANP para uso em mineradoras (S1800).

4 Conclusões

O processo de pirólise das borrachas SBR, NR/BR e pneu de peças oriundas do setor de mineração foram investigados em escala piloto e os produtos obtidos caracterizados por diferentes técnicas. Entre as temperaturas testadas, os experimentos a 450°C mostraram-se ineficientes para todos os tipos de borracha, devido à pirólise incompleta, restando ainda uma grande fração de borracha no reator.

Os experimentos a 600 e 800°C foram capazes de pirolisar todo material polimérico com balanços de massas dos produtos líquidos e sólidos, semelhantes. A composição da fração gasosa C1 a C4 (56%) e PCI da ordem de 8.000 kcal/kg, semelhante ao GLP comercial, o que mostra seu potencial para uso em geração de energia. A composição da fração sólida mostrou a presença de 72-89% de carbono com 2% de enxofre o que mostra seu potencial de aplicação como carga na formulação de novas borrachas, fino de carvão para a siderurgia ou mesmo como combustível. Análises dos produtos líquidos por CG-EM indicam a presença de misturas complexas de hidrocarbonetos majoritariamente até C20 contendo perto de 50% de compostos aromáticos para NR/BR e pneu e 87% aromáticos para SBR. As misturas dessas frações líquidas obtidas pela pirólise (sem qualquer purificação) nas proporções 0.5 e 1 vol% com um diesel comercial mostraram-se dentro dos parâmetros de qualidade de combustível definido pela ANP. Mistura contendo 3 vol% da fração líquida mostrou apenas alteração significativa da cor, estando todos os outros parâmetros dentro da conformidade.

5. Agradecimentos

Os autores agradecem a Capes, CNPq e Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais por todo apoio financeiro e técnico.

6. Referências

  • 1
    Martínez, J. D., Murillo, R., García, T., & Veses, A. (2013). Demonstration of the waste tire pyrolysis process on pilot scale in a continuous auger reactor. Journal of Hazardous Materials, 261, 637-645. PMid:23995560. http://dx.doi.org/10.1016/j.jhazmat.2013.07.077
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.jhazmat.2013.07.077
  • 2
    Pinto, L. D. (2011). Proposta de diretrizes para a gestão dos resíduos de borracha de correias transportadoras de minérios: um estudo de caso (Dissertação de mestrado). Universidade Federal Fluminense, Niterói. Recuperado em 28 de março de 2014, de http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_arquivos/14/TDE-2012-04-24T111320Z-3208/Publico/Dissertacao%20%20Leonardo%20%20Pinto.pdf
    » http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_arquivos/14/TDE-2012-04-24T111320Z-3208/Publico/Dissertacao%20%20Leonardo%20%20Pinto.pdf
  • 3
    Kuribayashi, S., Yamakoshi, H., Danno, M., Sakai, S., Tsuruga, S., Futami, H., & Morii, S. (2005). VUV single-photon ionization ion trap time-of-flight mass spectrometer for on-line, real-time monitoring of chlorinated organic compounds in waste incineration flue gas. Analytical Chemistry, 77(4), 1007-1012. PMid:15858979. http://dx.doi.org/10.1021/ac048761y
    » http://dx.doi.org/10.1021/ac048761y
  • 4
    Glinski, C., & Rott, P. (2000). Waste incineration – legal protection in european environmental law. Journal of Environmental Law, 12(2), 129-154. http://dx.doi.org/10.1093/jel/12.2.129
    » http://dx.doi.org/10.1093/jel/12.2.129
  • 5
    Martínez, J. D., Puy, N., Murillo, R., García, T., Navarro, M.V., & Mastral, A. M. (2013). Waste tyre pyrolysis – a review. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 23, 179-213. http://dx.doi.org/10.1016/j.rser.2013.02.038
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.rser.2013.02.038
  • 6
    D’Agosto, M. A., & Souza, C. D. R. (2013). Value chain analysis applied to the scrap tire reverse logistics chain: an applied study of co-processing in the cement industry. Resources, Conservation and Recycling, 78, 15-25. http://dx.doi.org/10.1016/j.resconrec.2013.06.007
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.resconrec.2013.06.007
  • 7
    Murugan, S., Ramaswamy, M. C., & Nagarajan, G. (2009). Assessment of pyrolysis oil as an energy source for diesel engines. Fuel Processing Technology, 90(1), 67-74. http://dx.doi.org/10.1016/j.fuproc.2008.07.017
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.fuproc.2008.07.017
  • 8
    Unapumnuk, K., Lu, M., & Keener, T. C. (2006). Carbon distribution from the pyrolysis of tire-derived fuels. Industrial & Engineering Chemistry Research, 45(26), 8757-8764. http://dx.doi.org/10.1021/ie051397o
    » http://dx.doi.org/10.1021/ie051397o
  • 9
    Butler, E., Devlin, G., & McDonnell, K. (2011). Waste polyolefins to liquid fuels via pyrolysis: review of commercial state-of-the-art and recent laboratory research. Waste Biomass Valor, 2(3), 227-255. http://dx.doi.org/10.1007/s12649-011-9067-5
    » http://dx.doi.org/10.1007/s12649-011-9067-5
  • 10
    Adhikari, B., Maiti, S., & De, D. (2000). Reclamation and recycling of waste rubber. Progress in Polymer Science, 25(7), 909-948. http://dx.doi.org/10.1016/S0079-6700(00)00020-4
    » http://dx.doi.org/10.1016/S0079-6700(00)00020-4
  • 11
    Undri, A., Meini, S., Rosi, L., Frediani, M., & Frediani, P. (2013). Microwave pyrolysis of polymeric materials: Waste tires treatment and characterization of the value-added products. Journal of Analytical and Applied Pyrolysis, 103, 149-158. http://dx.doi.org/10.1016/j.jaap.2012.11.011
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.jaap.2012.11.011
  • 12
    Undri, A., Meini, S., Rosi, L., Frediani, M. & Frediani, P. (2014). Upgraded fuel from microwave assisted pyrolysis of waste tire. Fuel, 115, 600-608. http://dx.doi.org/10.1016/j.fuel.2013.07.058
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.fuel.2013.07.058
  • 13
    Gupta, V. K., Nayak, A., Agarwal, S., & Tyagi, I. (2014). Potential of activated carbon from waste rubber tire for the adsorption of phenolics: effect of pre-treatment conditions. Journal of Colloid and Interface Science, 417, 420-430. http://dx.doi.org/10.1016/j.jcis.2013.11.067
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.jcis.2013.11.067
  • 14
    Choi, G. G., Jung, S. H., Oh, S. J., & Kim, J. S. (2014). Total utilization of waste tire rubber through pyrolysis to obtain oils and CO2 activation of pyrolysis char. Fuel Processing Technology, 123, 57-64. http://dx.doi.org/10.1016/j.fuproc.2014.02.007
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.fuproc.2014.02.007
  • 15
    Quek, A., & Balasubramanian, R. (2013). Liquefaction of waste tires by pyrolysis for oil and chemicals - a review. Journal of Analytical and Applied Pyrolysis, 101, 1-16. http://dx.doi.org/10.1016/j.jaap.2013.02.016
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.jaap.2013.02.016
  • 16
    Resolução ANP nº 42, de 16.12.2009. (2009, 17 de dezembro). Estabelece, consoante às disposições contidas no Regulamento Técnico ANP nº 8/2009, as especificações do óleo diesel de uso rodoviário, para comercialização pelos diversos agentes econômicos em todo o território nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 3 de janeiro de 2017, de http://www.sindtrr.com.br/download/arq_716.pdf
    » http://www.sindtrr.com.br/download/arq_716.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2017
  • Data do Fascículo
    2017

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2015
  • Revisado
    08 Set 2015
  • Aceito
    16 Dez 2016
Associação Brasileira de Polímeros Rua São Paulo, 994, Caixa postal 490, São Carlos-SP, Tel./Fax: +55 16 3374-3949 - São Carlos - SP - Brazil
E-mail: revista@abpol.org.br