Acessibilidade / Reportar erro

Caracterização dos constituintes poliméricos da Maytenus ilicifolia por relaxação nuclear de ¹H por RMN no estado sólido

Characterization of Maytenus ilicifolia Samples by ¹H NMR relaxation in the solid state

Resumos

A Maytenus ilicifolia, conhecida como espinheira-santa, é uma planta popular de uso diverso, como chá é empregada no combate a problemas de doenças gástricas e da diabetes, por exemplo. As plantas possuem em sua constituição polímeros naturais como polissacarídeos, politerpenoides, celulose e fibras. O estudo dos constituintes poliméricos nesse tipo de material tem importância fundamental tanto na identificação, ou seja, qualificação quanto na adulteração da planta. É sabido que podem ser encontrados diversos produtos rotulados como sendo originário da mesma planta, entretanto, muitas das vezes a origem da planta é similar, mas não a mesma, o que pode gerar algum desconforto ou não atividade biológica dos chás quando da ingestão destes. Na literatura não são encontrados muitos trabalhos que envolvam a caracterização comparativa dos constituintes poliméricos, como polissacarídeos e fibras presentes em amostras de origens distintas, para comprovação de adulteração destes produtos. Uma técnica que pode ser promissora para este tipo de estudo é a Ressonância Magnética Nuclear (RMN) em estado sólido, já que permite analisar a amostra in natura não sendo um método destrutivo ou invasivo. Esta espectroscopia analisa amostras em campos magnéticos de diferentes potências ou forças. Neste trabalho é apresentado um estudo de caracterização dos constituintes poliméricos majoritários presentes na M. ilicifolia. Três amostras foram estudadas: uma amostra denominada controle e duas comerciais. O estudo envolveu a determinação dos tempos de relaxação spin-rede (T1) do ¹H utilizando a técnica de campo cíclico rápido (FFC), numa gama de frequências que variou de 100 kHz a 10 MHz. Assim, o principal objetivo deste trabalho foi estudar a possibilidade de utilização da RMN de baixo campo magnético na elaboração de um método expedito de análise que permita realizar a caracterização estrutural, verificação de autenticidade e/ou avaliação de eventual adulteração nesse tipo de amostra. Pelos resultados obtidos foi possível diferenciar as duas amostras comerciais por comparação com a amostra controle.

Espinheira-santa; RMN; relaxometria; fast field cycling


The Maytenus ilicifolia (espinheira-santa) is a popular medicinal plant with different uses. It is native of South America and can be found in Brazil. In the Brazilian market it is possible found products labeled as M. ilicifolia. So far, the studies published in the literature involve the modification of the natural materials and do not concern the comparison between commercial the raw natural materials. Different non-destructive NMR techniques can be used to study natural materials. In this work it is presented a characterization study by Fast Field Cycling of the ¹H spin-lattice relaxation time (T1) NMR, in the frequency range 100 kHz-10 MHz. The results obtained in two commercial M. ilicifolia samples and one control sample collected in natura are compared. It was intended to study the possibility to elaborate a characterization method using FFCNMR suitable for the verification of authenticity and/or evaluation of tampering on products. The differences detected by FFCNMR relaxometry were confirmed by thermogravimetric analysis and infrared spectroscopy.

Characterization; NMR; polysaccharides


Caracterização dos constituintes poliméricos da Maytenus ilicifolia por relaxação nuclear de 1H por RMN no estado sólido

Characterization of Maytenus ilicifolia samples by 1H NMR relaxation in the solid state

Mônica S. de M. PretoI; Maria I. B. TavaresI; Pedro J. O. SebastiãoII

ILaboratório de Ressonância Magnética Nuclear, UFRJ

IIDepartamento de Física, Instituto Superior Técnico - Lisboa, Portugal

Autor para correspondência Autor para correspondência: Maria I. B. Tavares Laboratório de Ressonância Magnética Nuclear Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano, UFRJ Av. Horácio Macedo 2030, Bl J, Centro de Tecnologia, Ilha do Fundão CP 68525, CEP 21941-598 Rio de Janeiro, RJ, Brasil e-mail: mibt@ima.ufrj.br

RESUMO

A Maytenus ilicifolia, conhecida como espinheira-santa, é uma planta popular de uso diverso, como chá é empregada no combate a problemas de doenças gástricas e da diabetes, por exemplo. As plantas possuem em sua constituição polímeros naturais como polissacarídeos, politerpenoides, celulose e fibras. O estudo dos constituintes poliméricos nesse tipo de material tem importância fundamental tanto na identificação, ou seja, qualificação quanto na adulteração da planta. É sabido que podem ser encontrados diversos produtos rotulados como sendo originário da mesma planta, entretanto, muitas das vezes a origem da planta é similar, mas não a mesma, o que pode gerar algum desconforto ou não atividade biológica dos chás quando da ingestão destes. Na literatura não são encontrados muitos trabalhos que envolvam a caracterização comparativa dos constituintes poliméricos, como polissacarídeos e fibras presentes em amostras de origens distintas, para comprovação de adulteração destes produtos. Uma técnica que pode ser promissora para este tipo de estudo é a Ressonância Magnética Nuclear (RMN) em estado sólido, já que permite analisar a amostra in natura não sendo um método destrutivo ou invasivo. Esta espectroscopia analisa amostras em campos magnéticos de diferentes potências ou forças. Neste trabalho é apresentado um estudo de caracterização dos constituintes poliméricos majoritários presentes na M. ilicifolia. Três amostras foram estudadas: uma amostra denominada controle e duas comerciais. O estudo envolveu a determinação dos tempos de relaxação spin-rede (T1) do 1H utilizando a técnica de campo cíclico rápido (FFC), numa gama de frequências que variou de 100 kHz a 10 MHz. Assim, o principal objetivo deste trabalho foi estudar a possibilidade de utilização da RMN de baixo campo magnético na elaboração de um método expedito de análise que permita realizar a caracterização estrutural, verificação de autenticidade e/ou avaliação de eventual adulteração nesse tipo de amostra. Pelos resultados obtidos foi possível diferenciar as duas amostras comerciais por comparação com a amostra controle.

Palavras-chave: Espinheira-santa, RMN, relaxometria, fast field cycling.

ABSTRACT

The Maytenus ilicifolia (espinheira-santa) is a popular medicinal plant with different uses. It is native of South America and can be found in Brazil. In the Brazilian market it is possible found products labeled as M. ilicifolia. So far, the studies published in the literature involve the modification of the natural materials and do not concern the comparison between commercial the raw natural materials. Different non-destructive NMR techniques can be used to study natural materials. In this work it is presented a characterization study by Fast Field Cycling of the 1H spin-lattice relaxation time (T1) NMR, in the frequency range 100 kHz-10 MHz. The results obtained in two commercial M. ilicifolia samples and one control sample collected in natura are compared. It was intended to study the possibility to elaborate a characterization method using FFCNMR suitable for the verification of authenticity and/or evaluation of tampering on products. The differences detected by FFCNMR relaxometry were confirmed by thermogravimetric analysis and infrared spectroscopy.

Keywords: Characterization, NMR, polysaccharides.

Introdução

O estudo dos constituintes poliméricos em plantas empregadas na geração de chás hipoglicemiantes tem importância fundamental tanto para a qualificação quanto para a verificação de adulteração e ou uso de planta similar, já que se encontram diversos produtos rotulados como sendo originário da mesma planta, porém muitas vezes são de origem similar planta e podem não apresentar os efeitos terapêuticos desejados, o que pode gerar algum desconforto ou não atividade biológica necessária quando da ingestão dos chás preparados[1].

A Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek é uma espécie nativa da América do Sul e, é também, encontrada no Brasil e conhecida como espinheira santa. Esta vem sendo empregada na medicina popular na forma de chá para o controle de algumas doenças gástricas e da diabetes, por exemplo, além do uso como analgésico e como antiinflamatório[1-5].

Sabe-se que as plantas possuem em sua constituição polímeros naturais como polissacarídeos, politerpenoides, celulose e fibras[6,7]. Entretanto poucas são as plantas que possuem seus constituintes principais caracterizados de forma que possam ser usados como impressão digital destas e serem parâmetros de reconhecimento da planta. Na literatura, poucos estudos relacionam a caracterização comparativa de plantas de origem distintas para a comprovação de sua autenticidade, qualidade e/ou adulteração. Este tipo de estudo é muito importante para o cadastramento das plantas e consequentemente de sua ação terapêutica. Assim, faz necessário um estudo preciso sobre a natureza / origem de plantas empregadas com fins terapêuticos, e pode inferir o modo pelo qual as amostras estão sendo colocadas no mercado para a população.

As principais técnicas e análises utilizadas na avaliação da autenticidade de alimentos são as técnicas espectroscópicas, tais como: ultravioleta (UV), infravermelho e RMN de alta resolução; as análises de reação enzimáticas; as análises térmicas; e as análises cromatográficas. No entanto, poucos trabalhos dedicados ao estudo da planta M. ilicifolia foram publicados. Alguns destes estudos focavam a caracterização estrutural de compostos presentes na planta (arabinogalactanos tipo II)[8]. Existem também trabalhos relacionados com a investigação da ação ácido heteroxilano e da ação dos polissacarídeos pécticos presentes na planta como agentes antiulcerogênico[6,7]. Uma técnica que pode ser promissora para este tipo de estudo é a Ressonância Magnética Nuclear em estado sólido, que pode analisar amostras em alto e baixo campo magnético e permite a utilização de um conjunto de técnicas não destrutivas que informam tanto sobre a estrutura química quanto a dinâmica molecular[9,10].

A autenticidade dos alimentos é uma questão de grande preocupação para as autoridades que fazem o controle dos alimentos vendidos à população. A rotulagem incorreta dos alimentos, por exemplo, pode c'onfigurar um problema comercial. Por outro lado, a substituição de um ingrediente por outro similar, de menor valor comercial, pode também constituir uma ameaça à saúde dos consumidores. Muitos alimentos necessitam de análises precisas que contribuam para o conhecimento das suas características, por exemplo, a estabilidade estrutural, a capacidade de absorção de água em processo de estocagem, a textura e as propriedades funcionais. Algumas adulterações e/ou contaminações podem ser causadas, quando o material vegetal é colocado no mercado durante os processos de produção. Em ambos os casos, podem não ser detectadas prontamente. Por isso, são necessárias técnicas de controle de qualidade que permitam uma correta comercialização dos produtos naturais autênticos vendidos.

Várias são as técnicas de análises utilizadas no controle de qualidade para a identificação de fraudes ou adulteração e também em geral na caracterização de produtos alimentícios. No entanto, algumas apresentam limitações quando se trata da análise de material complexo, como são os polímeros de fontes naturais. Um exemplo disso ocorre com os estudos de controle de qualidade em diversos tipos de cafés utilizando as técnicas de cromatografia líquida e gasosa. No entanto, estas técnicas cromatográficas, utilizadas extensivamente na determinação da composição química de produtos alimentares, podem revelar-se morosas uma vez que em cada análise somente um número limitado de compostos são identificados[11].

A análise termogravimétrica (TGA) é uma análise utilizada para determinar, dentre outros, o perfil de perda de massa dos diferentes materiais em função do aumento da temperatura de análise. Além das diferenças de perfil de degradação apresentado pelos diferentes materiais, esta técnica permite, em particular, determinar a temperatura inicial e final do processo de degradação térmica, bem como a temperatura de degradação máxima além da detecção de resíduos.

Outra técnica utilizada é a análise pela espectroscopia na região do infravermelho, FTIR. Esta se baseia no estudo do comportamento vibracional associado às ligações químicas das moléculas e é constantemente utilizada no estudo de diversos tipos de alimentos, como por exemplo, amidos de milho e de soja[12]. No entanto estas técnicas utilizadas pelas indústrias para a avaliação da autenticidade dos alimentos podem apresentar algumas limitações e/ou desvantagens quando utilizadas como análises de rotina de materiais complexos. Uma poderosa ferramenta de análise também utilizada em estudo de alimentos é a Ressonância Magnética Nuclear em estado sólido. As análises de RMN podem ser realizadas em amostras in natura, uma vez que não são destrutivas e quando das determinações de relaxação do núcleo de hidrogênio são rápidas, quando comparadas a outras análises investigativas[10,13,14].

Na literatura, encontram-se vários estudos de caracterização por RMN de produtos naturais. Esta técnica espectroscópica é referida em análises de autenticidade e estudos de avaliação de adulteração em produtos como purês, por exemplo,[15-20]. Os resultados apresentados demonstram a potencialidade desta técnica. Em outros estudos, feitos em alimentos, por RMN, pretendeu-se determinar os tempos de relaxação dos sistemas de spins nucleares destacando-se as técnicas de relaxometria clássicas[1,21,22] e a técnica de relaxação de campo cíclico rápido (Fast Field Cycling NMR ou FFC)[23]. A relaxometria por RMN de FFC é utilizada na identificação e caracterização da dinâmica molecular de sistemas complexos[24,25].

O fenômeno da ressonância magnética ocorre quando um núcleo atômico de spin não nulo, na presença de um campo magnético, absorve a energia da radiação eletromagnética incidente numa freqüência específica, dita frequência de ressonância. Após a absorção da energia, o sistema constituído pelos spins dos núcleos atômicos, quando da retirada da rediofrequência estes spins relaxam retornando ao equilíbrio. No processo de relaxação por RMN consideram-se normalmente os tempos de relaxação spin-rede e spin-spin, T1 e T2, respectivamente. A absorção de energia eletromagnética por parte dos núcleos (por exemplo, os prótons dos átomos de hidrogênio, 1H) pode ocorrer em frequências de ressonância distintas, dependendo do ambiente eletrônico nos quais os núcleos estão inseridos[26-28]. A relaxometria permite estudar diferentes materiais, como por exemplo, produtos alimentícios, sendo possível em alguns casos, determinar os tempos de relaxação T1 e T2 correspondentes a núcleos de hidrogênio de diferentes componentes químicos presentes nas amostras. Ambas as relaxações podem fornecer informações sobre a mobilidade e heterogeneidade de sistemas complexos[29,9,30].

Neste trabalho é apresentado um estudo de caracterização do comportamento molecular dos constituintes presentes nas amostras de M. ilicifolia. Para tanto foram investigadas três amostras duas amostras comerciais e uma foi coletada, sendo denominada de controle. Foram realizadas análises de determinação dos tempos de relaxação spin-rede (T1) do 1H utilizando a técnica de campo cíclico rápido, na gama de frequências 100 kHz-10 MHz. O objetivo geral deste trabalho foi estudar a possibilidade de utilização da técnica de FCC na elaboração de um método expedito de análise que possa permitir a caracterização estrutural, verificação de autenticidade e/ou avaliação de eventual adulteração em amostras de plantas. Pelos resultados obtidos foi possível diferenciar as duas amostras comerciais em face da amostra controle.

Materiais e Métodos

Materiais

Neste trabalho, foram estudadas duas amostras comerciais e uma controle (A) da planta M. ilicifolia. As amostras comerciais das marcas dadinany (B) - Dadinany Indústria e Comércio de Produtos Alimentícios, localizado em Campo Grande, Cidade do Rio de Janeiro, e Cangeri (C) – Indústria farmacêutica Laboratório Cangeri - Cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul - Brasil, foram adquiridas em pontos de venda de produtos naturais nas cidades do Rio de Janeiro e Niterói, respectivamente. As amostras comerciais estavam embaladas em sacos plásticos, protegidas contra umidade, e em estado natural com folhas e galhos. A planta M. ilicifolia adquirida em mercado livre sob a forma natural íntegra, foi reservada contra calor e umidade até a preparação da amostra de controle.

Os materiais foram desidratados em estufa em 120 °C, por uma hora. Todo o material desidratado para cada amostra foi moído. Todas as amostras foram mantidas sob condições laboratoriais de temperatura constante de 20 °C (±2) durante todo procedimento de preparação para as análises.

Análise de TGA

No intuito de se determinar a temperatura máxima de degradação para que se pudesse efetuar a desidratação das amostras em estufa evitando a degradação das amostras durante este processo. Assim, foram efetuadas análises por TGA, utilizando um equipamento TG_Q500, TA Instruments. A perda de massa, nas amostras previamente moídas, foi determinada entre 30 a 700 °C, a uma taxa aquecimento de 10 °C/min sob atmosfera de nitrogênio e uma taxa de fluxo de 60 mL/min.

Análise por FTIR

As análises por FTIR foram feitas em um espectrômetro Excalibur 3100 FT – IR, na faixa de 4000 a 400 cm–1, utilizando as amostras na forma de pó.

Relaxometria

As medidas de T1 foram efetuadas nas freqüências entre 100 kHz e 10 MHz utilizando um equipamento de FFC construído no Instituto Superior Técnico, Departamento de Física e no Centro de Física da Matéria Condensada, Portugal[31]. A temperatura de análise das amostras foi de 24 °C (±1).

Em FFC a amostra é submetida a ciclos de campo BPolarização (BP) → BEvolução (BE) → BDetecção (BD) (em geral BP = BD). Em cada ciclo, a amostra permanece sujeita ao campo BE durante um intervalo de tempo τ. Após a transição BE → BD é aplicado um impulso de rádio frequência em ressonância, fE= / 2π, após o qual a amostra relaxa até o equilíbrio durante um tempo de estabilização. O tempo de ciclo é sempre superior ao tempo de estabilização. A amplitude inicial do sinal de indução livre detectado (FID) é proporcional a Mz (τ). O decaimento de Mz (τ) pode ser mono exponencial ou multiexponencial dependente do número de componentes, cada uma com um tempo de relaxação T1. Para o caso de 2 componentes, Mz (τ) tem a forma (Equação 1):

em que: Mz0 = Mz (τ = 0) e M01e M02 os pesos das contribuições com tempos de relaxação T1,1 e T1,2, respectivamente.

O T1 é determinado para diferentes valores de campo BE, ou seja, para diferentes valores de frequência de ressonância f.

Em todos os casos, a amostragem de Mz (τ) foi feita com 25 valores de τ entre 4 ms e 5 segundos. O tempo de estabilização foi de 5 segundos e sempre superior a 5 vezes o valor de T1 de cada amostra. Devido a pouca amplitude dos sinais FID medidos, foram efetuadas 20 repetições para cada experimento.

Resultados e Discussão

As curvas de TGA apresentadas na Figura 1 para as amostras de M. ilicifolia comerciais, B e C, e a controle, A, não apresentaram perda de massa significativa até 200 °C. De 200 a 320 °C, o comportamento de perda de massa é praticamente o mesmo para as três amostras, estas perdas de massa foram atribuídas tanto à água adsorvida quanto a presença de componentes voláteis. Em torno de 320 °C há uma similaridade entre as curvas de degradação das amostras A e C. Estas são referentes à presença de polissacarídeos. A amostra B, apresenta uma perda de massa mais acentuada entre 300 e 500 °C em relação às amostras A e a C, que é associada às fibras e a celulose. Acima de 500 °C o comportamento de degradação da amostra B indica uma quase completa degradação do vegetal. Este comportamento não foi observado para as demais amostras que apresentaram uma perda de massa até 700 °C, provavelmente devido à presença de grupos que possuem forte interação intermolecular, como ligação de hidrogênio. Assim, de acordo com estes resultados sugere-se que as amostras A e C tenham composições químicas semelhantes devido à similaridade organizacional entre ambas.


A análise pela espectroscopia de infravermelho foi utilizada para a avaliação da estrutura molecular das amostras de espinheira-santa, controle e comerciais. Na Figura 2 estão apresentados os espectros de FTIR das amostras A, B e C com bandas relativas às vibrações angulares dos grupos funcionais presentes na composição da planta, em torno de 653; 1030; 1234; 1608; 2355; 2924; 3313 e 3724 cm–1. Quando se analisam as amostras A e C observa-se uma similaridade entre as principais bandas presentes nos espectros dessas com exceção da banda 3726 cm–1, que corresponde à deformação axial do NH + OH não associado. Ambos os espectros apresentam a presença de uma banda em 2918 cm–1, referente deformação axial do CH2. Quando se comparam as amostras A e B, observa-se diferenças nas posições das bandas localizadas em 3726 e 2926 cm–1. Esta última banda está praticamente ausente no espectro para a amostra B. Quando se analisa a amostra B observa que a região correspondente à impressão digital (abaixo de 1500 cm–1) é diferente quando comparada com as mesmas regiões observadas para as amostras A e C. Estas bandas correspondentes às impressões digitais podem corresponder às bandas característica do amido que apresentam às deformações angulares fora do plano C-H e C-C de anel. Estes resultados sugerem uma maior diferenciação entre as amostras A e B do que entre as amostras A e C. Os resultados de FTIR suportam o resultado encontrado por TG.


Para melhor entender o comportamento destes tipos de materiais pode-se aplicar a ressonância magnética nuclear, via relaxometria, que é uma técnica muito usada para estudar alimentos, visto que é uma técnica não destrutiva e rápida, já que as medidas são realizadas no núcleo de hidrogênio, por meio da determinação do tempo de relação spin-rede desses tipos de materiais. A relaxometria pode ser realizada tanto por meio de medidas em alto quanto baixo campo magnético. Neste trabalho foram determinados os tempos de relaxação spin-rede do núcleo de hidrogênio por meio do uso de um espectrômetro de RMN de campo ciclado, variando-se as frequências de determinação do tempo de relaxação T1.

Na Figura 3, apresenta-se, como exemplo, o decaimento da magnetização da amostra A Mz em função do tempo de permanência no campo de evolução τ, (Figura 3) a linha cheia corresponde ao melhor ajuste da Equação 1 aos pontos experimentais. As linhas tracejadas correspondem às três contribuições consideradas na Equação 1. O fato de, na maioria dos casos, a contribuição com tempo de relaxação T1,2, ter um menor peso, dificultou a determinação de T1,2 a várias frequências. Esse resultado deveu-se principalmente a pouca intensidade e à presença de ruído no sinal detectado, devida à constituição básica das amostras serem polissacarídeos e fibras.


Na Figura 4, estão mostradas as evoluções de T1,1 e T1,2 com a frequência. Todas as amostras apresentaram dois tempos de relaxação sendo que T1,2 › T1,1, referentes aos componentes majoritários, como óleos fixos e os polissacarídeos/fibras. A evolução dos valores de T1,1 e T1,2 correspondentes às amostras A e C (amostras M. ilicifolia controle e M. ilicifolia comercial cangeri) é semelhante entre si, devido a similaridade dos constituintes majoritários e ligeiramente distinta da evolução de T1,1 e T1,2 da amostra B. Na amostra B, a evolução de T1, 1, é ligeiramente mais acentuada do que para as demais amostras.


Na Figura 5 apresenta-se o gráfico com a evolução dos pesos M01 e M02 com a frequência correspondente às contribuições, com tempos de relaxação T1,1 e T1,2, para a amostra A e às amostras comerciais B e C. A contribuição correspondente aos valores de T1,1 tem um maior peso para a amostra B, do que para as amostras A e C. Os valores dos pesos das contribuições M01 e M02 em T1,1 e T1,2 correspondentes as amostras A e C, apresentaram uma evolução semelhante, devido à constituição química das plantas em observação.


A análise dos resultados das evoluções obtidos pela relaxometria permite distinguir a amostra dadinany (B) com relação às amostras A (controle) e C (Cangeri) e estão em concordância com os resultados obtidos por TGA e FTIR.

Conclusões

Neste trabalho efetuou-se um estudo de caracterização por TGA, FTIR e RMN, via relaxometria, de amostras da planta M. ilicifolia visando se detectar diferenças e/ou semelhanças entre estas e pode correlacionar estes resultados com a autenticidade e/ou qualidade dos produtos estudados. Assim, pretendeu-se verificar em que medida por RMN de baixo campo pode ser utilizado na caracterização e distinção de amostras da planta com diferenças de origem. Os resultados obtidos por relaxometria foram comparados com análises complementares de FTIR e TGA. Verificou-se por relaxometria de RMN, que uma das amostras comerciais (cangeri) apresentou um comportamento semelhante à amostra controle, enquanto a segunda amostra comercial, dadinany, apresentou um resultado distinto. As diferenças detectadas entre as amostras observadas por TGA e FTIR foram confirmadas pela espectroscopia de RMN. A possibilidade de utilizar a relaxometria por RMN para diferenciar amostras de diferentes proveniências se mostra muito promissora, com a vantagem desta técnica, poder ser utilizada com amostras íntegras.

Agradecimentos

O presente trabalho foi apoiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo Ministério da Educação, Brasil, em projeto de bolsa de doutorado sanduíche em parceria com o Instituto Superior Técnico, Departamento de Física e com o Centro de Física da Matéria Condensada-UL, Lisboa – Portugal sob a supervisão do Professor Dr. Pedro Sebastião.

Enviado: 13/09/10

Reenviado: 25/03/11

Aceito: 26/03/11

  • 1. Assifaoui, A.; Champion, D.; Chiotelli, E. & Verel, A. - Carbohydr. Polym., 64, p.197 (2006). http://dx.doi.org/10.1016/j.carbpol.2005.11.020
  • 2. Camparoto, M. L.; Teixeira, R. O.; Mantovani, M. S. & Vicentini, V. E. P. - Genet. Mol. Biol., 25, p.85 (2002).
  • 3. Jorge, R. M.; Leite, J. P. V.; Oliveira, A. B. & Tagliati, C. A. - J. Ethnopharmacol., 94, p.93 (2004). http://dx.doi.org/10.1016/j.jep.2004.04.019
  • 4. Gonzalez, F. G.; Portela, T. Y.; Stipp, E. J. & Di Stasi, L. C. - J. Ethnopharmacol., 77, p.41 (2001). http://dx.doi.org/10.1016/S0378-8741(01)00268-9
  • 5. Born, G. C. C. - "Plantas medicinais da Mata Atlântica (Vale do Ribeira-SP): extrativismo e sustentabilidade", Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo (2000).
  • 6. Cipriani, T. R.; Mellinger, C. G.; Souza, L. M.; Baggio, C. H.; Freitas, C. S.; Marques, M. C. A.; Gorin, P. A. J.; Sassaki, G. L. & Lacomini, M. - Carbohydr. Polym., 74, p.274 (2008). http://dx.doi.org/10.1016/j.carbpol.2008.02.012
  • 7. Cipriani, T. R.; Mellinger, C. G.; Souza, L. M.; Baggio, C. H.; Freitas, C. S.; Marques, M. C. A.; Gorin, P. A. J.; Sassaki, G. L. & Iacomin, M. - Carbohydr. Polym., 78, p.361 (2009). http://dx.doi.org/10.1016/j.carbpol.2009.03.026
  • 8. Cipriani, T. R.; Mellinger, C. G.; Souza, L. M.; Baggio, C. H.; Freitas, C. S.; Marques, M. C. A.; Gorin, P. A. J.; Sassaki, G. L. & Iacomini, M. - J. Nat. Prod., 69, p.1018 (2006). http://dx.doi.org/10.1021/np060045z
  • 9. Silva N. M.; Tavares M. I. B. & Stejskal E. O. - Macromolecules, 33, p.115 (2000). http://dx.doi.org/10.1021/ma980798v
  • 10. Nascimento A. M. R. & Tavares M. I. B. - int. J. Polym. Mater., 56, p.115 (2007). http://dx.doi.org/10.1080/00914030600735213
  • 11. Charlton, A. J.; Farrington, W. H. H. & Brereton, P. - J. Agric. Food Chem., 50, p.3098 (2002).http://dx.doi.org/10.1021/jf011539z
  • 12. Rohman, A. & Che Man, Y. B. - Food Res. Int., 43, p.886 (2010). http://dx.doi.org/10.1016/j.foodres.2009.12.006
  • 13. Tavares M. I. B.; Bathista A.L. B. S, Silva E. O.; Filho N. P. & Nogueira J. S. - Carbohydr. Polym., 53, p.213 (2003). http://dx.doi.org/10.1016/S0144-8617(03)00049-3
  • 14. Resende, D K; Dornelas, C B; Tavares, M. I. B. - Polímeros, 20, p.231 (2010). http://dx.doi.org/10.1590/S0104-14282010005000031
  • 15. Reid, L. M.; O'Donnell, C. P. & Downey, G. - Trends Food Sci. Technol., 17, p.344 (2006). http://dx.doi.org/10.1016/j.tifs.2006.01.006
  • 16. Noteborn, H. P. J. M.; Lommen, A.; Van Der Jagt, R. C. & Weseman, J. M. - J. Biotechnol., 77, p.103 (2000). http://dx.doi.org/10.1016/S0168-1656(99)00210-2
  • 17. Lommen, A.; Weseman, J. M.; Smith, G. O. & Noteborn, H. P. J. M. - Biodegradation, 9, p.513 (1998). http://dx.doi.org/10.1023/A:1008398321079
  • 18. Sacchi, R.; Mannina, L.; Fiordiponti, P.; Barone, P.; Paolillo, L.; Patumi, M. & Segre, A. - J. Agric. Food Chem., 46, p.3947 (1998).http://dx.doi.org/10.1021/jf970666l
  • 19. Zamora, R.; Gomez, G. & Hidalgo, F. J. - J. Am. Oil Chem. Soc., 79, p.267 (2002). http://dx.doi.org/10.1007/s11746-002-0472-z
  • 20. Mannina, L.; Cristinzio, M.; Ragni, P.; Sobolev, A. P. & Segre, A. - J. Agric. Food chem., 52, p.7988 (2004). http://dx.doi.org/10.1021/jf048917v
  • 21. Straadt, I. K.; Rasmussen, M.; Andersen, H. J. & Bertram, H C. - Meat Sciec., 75, p.687 (2007). http://dx.doi.org/10.1016/j.meatsci.2006.09.019
  • 22. Granizo, D. P.; Reuhs, B. L.; Stroshine, R. & Mauer, L. J. - LWT, 40, p.36 (2007).
  • 23. Conte, P. - "Tridimensional molecular assembly of the major components of extra-virgin olive oils", in: Proceedings of the 6ş FFC NMR Relaxometry, Turino (2009).
  • 24. Anoardo, E.; Galli, G. & Ferrante, G. - Appl. Magn. Reson., 20, p.365 (2001). http://dx.doi.org/10.1007/BF03162287
  • 25. Kimmich, R. & Anoardo, E. - Prog. Nucl. Magn. Reson. Spectrosc., 44, p.257 (2004). http://dx.doi.org/10.1016/j.pnmrs.2004.03.002
  • 26. Preto, M.; Tavares, M. I. B. & Silva, E. P. - Polym. Test., 26, p.501 (2007). http://dx.doi.org/10.1016/j.polymertesting.2007.01.009
  • 27. Tavares, M. I. B.; Nogueira, R. F.; San Gil, R. A. S.; Preto, M.; Silva, E. O.; Rocha, M. B. & Miguez, E. - Polym. Test., 26, p.1100 (2007). http://dx.doi.org/10.1016/0142-9418(94)00017-9
  • 28. Pedroza, O. J. O.; Tavares, M. I. B. & Preto, M. - Polym. Test., 25, p.246 (2006). http://dx.doi.org/10.1016/j.polymertesting.2005.10.003
  • 29. Zhang, Q.; Matsukawa, S. & Watanabe, T. - Food Hydrocoll., 18, p.441 (2004). http://dx.doi.org/10.1016/j.foodhyd.2003.08.002
  • 30. Tavares M. I. B. & Monteiro E. E. C. - Polym. Test., 14, p.273 (1995). http://dx.doi.org/10.1016/0142-9418(94)00017-9
  • 31. Sousa, D. M.; Marque, G. D.; Cascais, J. M. & Sebastião, P. J. Desktop Fast Field Cycling Nuclear Magnetic Resonance Spectrometer. Solid State NMR. (2010). In press.
  • Autor para correspondência:
    Maria I. B. Tavares
    Laboratório de Ressonância Magnética Nuclear
    Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano, UFRJ
    Av. Horácio Macedo 2030, Bl J, Centro de Tecnologia, Ilha do Fundão
    CP 68525, CEP 21941-598
    Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      13 Set 2010
    • Revisado
      25 Mar 2011
    • Aceito
      26 Mar 2011
    Associação Brasileira de Polímeros Rua São Paulo, 994, Caixa postal 490, São Carlos-SP, Tel./Fax: +55 16 3374-3949 - São Carlos - SP - Brazil
    E-mail: revista@abpol.org.br