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A escrita de notas como artesanato intelectual: Niklas Luhmann e a escrita acadêmica como processo 1 1 Editor responsável: Chantal Medaets <https://orcid.org/0000-0002-7834-3834> 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Camila Pires de Campos Freitas <camilacampos.revisora@gmail.com>

Resumo

A despeito dos inúmeros indícios de que a escrita acadêmica é um meio de descoberta intelectual e não apenas uma representação do pensamento, no contexto brasileiro, tal prática tem sido conceituada mais como produto de pesquisas e disciplinas do que como parte integrante da formação universitária. O objetivo neste artigo é apresentar a tomada de notas, uma atividade aparentemente simples e supostamente arcaica, como um artifício no qual o exercício da escrita acadêmica é orientado eminentemente para a construção de um pensamento autoral. Para tanto, discutimos os recentes achados na historiografia da escrita que expõem a tomada de notas como uma prática essencial no desenvolvimento da intelectualidade moderna, e, em seguida, apresentamos um caso emblemático, no século XX, do profícuo uso de um sistema de tomada de notas do sociólogo alemão Niklas Luhmann. Por fim, apontamos que o valor da tomada de notas vai além da mera curiosidade histórica, constituindo-se como ferramenta auxiliar para um cotidiano no qual a satisfação e o senso de desenvolvimento intelectual estejam no centro da vida acadêmica.

Palavras-chave
escrita acadêmica; letramento acadêmico; Niklas Luhmann; metodologia de pesquisa

Abstract

Despite numerous indications that academic writing is a means toward intellectual discovery and not just a representation of thought, in Brazil, it is seen more as a product of studies and subjects than an integral part of university education. This article presents note-taking, an apparently simple and supposedly archaic activity, as a way through which academic writing is eminently oriented towards constructing an authorial thought. To this end, we discuss recent findings in the historiography of writing that show note-taking as an essential practice in the development of modern intellectuality. We also present an emblematic case, in the 20th century, of the fruitful use of a note-taking system created by German sociologist Niklas Luhmann. Finally, we point out that the value of note-taking goes beyond mere historical curiosity, constituting an additional tool for a daily life in which satisfaction and a sense of intellectual development are at the center of academic life.

Keywords
academic writing; academic literacy; Niklas Luhmann; Research Methodology

A escrita como processo de descoberta

Uma afirmação perpassa os debates acerca do ensino de escrita acadêmica há quase meio século: a escrita acadêmica é um complexo processo de descoberta, e não um mero produto da etapa final de disciplinas e pesquisas (Murray, 1972Murray, D. M. (1972). Teach writing as a process. Not product. The Leaflet, 71(12).; Kellog, 1994; Kellog et al., 2016Kellogg, R. T., Turner, C. E., Whiteford, A. P., & Mertens, A. (2016). The role of working memory in planning and generating written sentences. Journal of Writing Research, 7(3), 397‒416. https://doi.org/10.2307/4149005
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; Peary, 2016Peary, A. (2016). The Terrain of prewriting. Journal of Creative Writing Studies, 2(1), 1‒21.; Elbow, 1998Elbow, P. (1998). Writing without Teachers. Oxford UP.; Boice, 1994Boice, R. (1994). How writers journey to comfort and fluency: a psychological adventure. Prager.; Rose, 1980Rose, M. (1980). Rigid rules, inflexible plans, and the stifling of language: A cognitive analysis of writer’s block. College Composition and Communication, 31, 389‒401. https://doi.org/10.2307/356589
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; Flower & Hayes, 1984Flower, L., & Hayes, J. R. (1984). Images, Plans, and Prose: The Representation of Meaning in Writing. Written Communication, 1(1), 120‒160. https://doi.org/10.1177/0741088384001001006
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; Wrigley, 2019Wrigley, S. (2019). Avoiding ‘de-plagiarism’: Exploring the affordances of handwriting in the essay-writing process. Active Learning in Higher Education, 20(2), 167‒179. https://doi.org/10.1177/1469787417735611
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; Pinto, 2016Pinto, M. G. L. C. (2016). A escrita académica: um jogo de forças entre a geração de ideias e a sua concretização. Signo, 41, 53‒71. https://doi.org/10.17058/signo.v1i.7325
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). Nesse cenário, o caráter processual da escrita acadêmica é interpretado como parte inseparável da formação intelectual, uma vez que a escrita não é mera forma de dizer o que se sabe, mas é, sobretudo, um dos meios mais efetivos para desvelar o que se tem a dizer. Como sugere Baker (1985)Baker, S. (1985). The practical stylist. Harper and Row. , “escrever, na verdade, cria o pensamento e gera a capacidade de pensar: com a escrita você descobre pensamentos que mal sabia que tinha” (p. 2-3).

Tal perspectiva acerca do papel da escrita é igualmente identificada nos discursos de renomados intelectuais, das mais diferentes áreas do conhecimento, quando estes se prestam a explicar os processos de composição de seus textos. Nomes como o do antropólogo Clifford Geertz (Olson, 1991Olson, G. (1991). The social scientist as author: Clifford Geertz on ethnography and social construction. Journal of Advanced Composition, 11(2), 245-268.), do filósofo Slavoj Žižek (Taylor, 2005Taylor, A. (Diretor). (2005). Žižek! [1 DVD]. Zeigeist Films.), do físico Richard Feynman (Gleick, 2011Gleick, J. (2011). Genius: the life and science of Richard Feynman. Open Road: Media.) e do filósofo e historiador Michel Foucault (2010)Foucault, M. (2010). Conversa com Michel Foucault. In M. Foucault, Repensar a política. Ditos & Escritos VI (1ª ed., pp. 289‒347). Forense. figuram entre aqueles que convergem para a mesma opinião acerca da prática escrita: esta é um meio de descoberta, e não um dispositivo a ser acionado depois que já se sabe tudo o que deve ser dito sobre um problema de pesquisa. Ainda que subteorizada, tal visão sobre o papel da escrita difere-se radicalmente da postura da maior parte da população acadêmica que experimenta dificuldades para escrever. Ou seja, os escritores e escritoras fluentes e renomados tendem a se envolver com estratégias prévias de escrita durante todo a pesquisa, por exemplo, por meio da tomada e organização de notas, utilizadas posteriormente em seus textos a serem publicados, enquanto os acadêmicos e acadêmicas que experimentam constantes dificuldades para escrever pouco recorrem a estratégias de pré-escrita, assim como insistem em escrever seus textos, mesmo quando ainda possuem incipiente conhecimento acerca do tema que investigam (Boice, 1994Boice, R. (1994). How writers journey to comfort and fluency: a psychological adventure. Prager.; Hjortshoj, 2001Hjortshoj, K. (2001). Understanding writing blocks. Oxford University Press.; Peary, 2016Peary, A. (2016). The Terrain of prewriting. Journal of Creative Writing Studies, 2(1), 1‒21.). Sobre essa diferença marcante entre aqueles que escrevem de forma fluente e aqueles que sofrem de bloqueio da escrita, Murray (1972)Murray, D. M. (1972). Teach writing as a process. Not product. The Leaflet, 71(12). afirma, em artigo clássico no campo da teoria da composição, que os escritores e escritoras mais profícuos, em qualquer gênero textual, tendem a gastar por volta de 80% do tempo pré-escrevendo, 15% revisando e apenas 5% gerando o texto que virá a público.

Apesar de tais constatações, a escrita, enquanto processo e meio de descoberta intelectual, raramente tem sido tema de preocupação no ensino superior brasileiro, contexto no qual se esperaria maior consciência acerca do papel da escrita na formação acadêmica, uma vez que ela possui função central na organização da ciência e na definição da identidade pessoal e profissional de pesquisadores e pesquisadoras de todas as áreas do conhecimento. Pode-se dizer, inclusive, que a postura é, muitas vezes, a inversa. Na universidade brasileira, é justo dizer que a escrita tem sido mantida mais como produto a ser apenas avaliado do que como um processo a ser continuamente desenvolvido (Martín, 2018Martín, E. (2018). Ler, escrever e publicar no mundo das ciências sociais. Sociedade e Estado, 33, 941‒961. https://doi.org/10.1590/s0102-6992-2018330300en1
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). Tendo em vista esse quadro, nosso propósito neste artigo é apresentar ao público acadêmico brasileiro uma modalidade de escrita acadêmica orientada eminentemente para a construção de um pensamento autoral: a tomada de notas.

A tomada de notas pode ser conceituada como uma forma de pré-escrita, é uma escrita que garante ao autor ou à autora um espaço de segurança para escrever de maneira aproximativa, embrionária e experimental, sem que essa fase da escrita precise se tornar pública e avaliada pelos pares, sendo, ao mesmo tempo, etapa essencial para posterior composição de textos acadêmicos de alta qualidade. Desse modo, a escrita de notas diminui a pressão social e psicológica sobre a escrita acadêmica, o que é, muitas vezes, o principal motivo pelo qual muitos acadêmicos e acadêmicas experimentam dificuldades para começar, manter e finalizar seus textos de forma fluente, criativa e confortável (Cruz, 2020Cruz, R. (2020). Bloqueio da escrita acadêmica: caminhos para escrever com conforto e sentido. Artesã. ). Além disso, ao contrário da intuição comum, a permissão para uma escrita aproximativa tende a aumentar a qualidade da escrita formal, ao invés de diminuí-la, como muitos pensariam (Elbow, 2012Elbow, P. (2012). Vernacular eloquence: what speech can bring to writing. Oxford University Press.).

Para introduzir o tema, assim como para discutir o valor atual da escrita acadêmica por meio de tomada de notas, nosso propósito é apresentar duas dimensões de tal prática de escrita. Em primeiro lugar, expomos uma dimensão historiográfica, na qual a escrita de notas é crescentemente localizada, a partir da última década, como prática cultural constituinte da intelectualidade moderna, quando o aumento de informações impressas e uma nova forma de se relacionar com o conhecimento demandaram esforços para a criação de tecnologias da memória que se tornaram altamente disseminadas na Europa. Em segundo, temos uma dimensão prática da escrita de notas ilustrada por meio da exposição de seu emprego singular na segunda metade do século XX: o fichário de notas do sociólogo alemão Niklas Luhmann (1927-1998). Por fim, argumentamos que o interesse pelo tema ultrapassa a mera curiosidade histórica ou adesão irrefletida ao produtivismo acadêmico, constituindo-se em questão essencial para debates que visem a um cotidiano universitário orientado para a satisfação, para o senso de descoberta e para a formação de um pensamento autoral no qual o processo, e não o produto, seja o foco não só da escrita, mas também da vida acadêmica como um todo.

A escrita de notas na modernidade: materialidade, memória externa e novas possibilidades da autoria

É recente o interesse pela dimensão prática, material e cotidiana da escrita na historiografia de tal atividade (Williams, 2014Williams, R. (2014). A produção social da escrita. Editora da Unesp.). Blair (2010)Blair, A. (2010). The rise of note-taking in Early Modern Europe. Intellectual History Review, 20(3), 303-316. https://doi.org/10.1080/17496977.2010.492611
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afirma que a historiografia da tomada de notas se iniciou somente na última década, quando essa prática deixa de ser vista como simples estratégia de estudo individual, ou “prótese da memória”, e começa a ser desvelada enquanto artifício fundamental na formação da mentalidade moderna. Esses fatos sugerem o quanto o exercício da escrita se manteve imune a análises voltadas para a explicitação de suas condições sociais e materiais de produção, assim como a análises voltadas para o papel das mais diversas modalidades de escrita nos rumos da produção do conhecimento moderno.

De modo geral, a historiografia da escrita de notas tem revelado os impactos das tensões entre a cultura oral e a emergente cultura tipográfica no ambiente intelectual moderno do século XVI como central para a compreensão daquele fenômeno histórico. Naquele período, os valores predominantes da Retórica Clássica, na qual a oralidade ocupava o centro da prática intelectual, são gradualmente substituídos pelos valores de uma nova cultura material, calcada em tecnologias da escrita concebidas para suprir a demanda por formas de memórias externas, vistas como indispensáveis para um momento de crescente volume de informações (Cevolini, 2018Cevolini, A. (2018). Where Does Niklas Luhmann’s Card Index Come From? In M. Feingold (Ed.), Erudition and the Republic of Letters (pp. 390‒420)., 2020; Schmidt, 2018Schmidt, J. (2018). Niklas Luhmann's card index: the fabrication of serendipity. Sociologica, 12(1), 53‒60. https://doi.org/ 10.6092/issn.1971-8853/8350.
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).

A invenção da prensa móvel, em meados do século XV, figura como fator determinante para a emergência da prática da escrita de notas. Nesse contexto, a competência de exposição oral do conhecimento, adquirida por meio da memorização, começa a perder seu apelo como prova de capacidade intelectual. Em seu lugar, a “arte dos excertos”, já presente entre os gregos, é retomada, inicialmente com o emprego dos chamados cadernos de notas (commonplace books), caracterizados por anotações originais e cópias de trechos de obras lidas, feitas em ordem cronológica e temática (Cevolini, 2020Cevolini, A. (2020). The art of trascegliere e notare in early modern Italian culture. Intellectual History Review, 1‒22. https://doi.org/10.1080/17496977.2020.1791518
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). Contudo, com o crescente acúmulo de anotações, especialmente no contexto acadêmico, surge a necessidade de recuperação de informações e, com ela, a criação de técnicas e sistemas de indexação cada vez mais sofisticados (Blair, 2010Blair, A. (2010). The rise of note-taking in Early Modern Europe. Intellectual History Review, 20(3), 303-316. https://doi.org/10.1080/17496977.2010.492611
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).

Enquanto na cultura retórica os cadernos de notas tinham a função de memória auxiliar, à qual o erudito se voltava na busca pelo material que deveria memorizar, na cultura tipográfica, anotar em cadernos tem a função psicológica de “aprimorar o esquecimento” (Cevolini, 2018Cevolini, A. (2018). Where Does Niklas Luhmann’s Card Index Come From? In M. Feingold (Ed.), Erudition and the Republic of Letters (pp. 390‒420).). Ou seja, o caderno de anotações permitia ao estudioso retirar da mente o que lhe aparecia como interessante, armazenando-o para uso posterior, a fim de manter a disposição suficiente para continuar a leitura.

Os valores da novidade e da criação apregoados na cultura renascentista, avessos ao colecionismo, diminuem radicalmente o apelo do conhecimento enciclopédico e erudito, até então em voga e disseminado via os cadernos de anotações. Além disso, nesse contexto, inovações materiais — como a produção de papéis de maior duração, o uso de folhas recortadas avulsas e seu arquivamento com base em critérios como tema, cronologia e organização alfanumérica — resultam nos anseios de construção de um conhecimento que vá além da busca pela coleção de informações e, ao mesmo tempo, compatibilizam-se com eles. Essencial nesse processo foi a prerrogativa, amplamente disseminada via extensa pedagogia da escrita de notas, nos séculos XVI a XVIII, em manuais de escrita, de que cada nota deveria ter uma estrutura semântica fechada em si. Também era novidade que tais notas deveriam ser orientadas para os interesses de quem as escreve e para as possíveis associações com as notas existentes no arquivo pessoal (Cevolini, 2018Cevolini, A. (2018). Where Does Niklas Luhmann’s Card Index Come From? In M. Feingold (Ed.), Erudition and the Republic of Letters (pp. 390‒420).).

Além de propiciar a produção de uma memória externa no trabalho intelectual, essa nova maneira de escrever carrega função inovadora na história da prática escrita: uma nota se torna um objeto físico e intelectual destacado do contexto no qual a nota foi concebida (Blair, 2010Blair, A. (2010). The rise of note-taking in Early Modern Europe. Intellectual History Review, 20(3), 303-316. https://doi.org/10.1080/17496977.2010.492611
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), uma operação que permite sua recontextualização por meio de recombinações originais e altamente pessoais (Cevolini, 2018Cevolini, A. (2018). Where Does Niklas Luhmann’s Card Index Come From? In M. Feingold (Ed.), Erudition and the Republic of Letters (pp. 390‒420).). A externalidade e a fisicalidade das notas, assim como o empenho deliberado em construir relações novas entre notas que ligam diferentes temas, são características que constituem versões embrionárias daquilo que hoje conhecemos como Cibernética: um meio de gerar a evolução do pensamento via um aparente caos de informações dispersas e via o recurso da hipertextualidade, possível apenas com o armazenamento, arquivamento e indexação das notas (Maxwell & Armen, 2013Maxwell, J. W., & Armen, H. (2013). A bird in the hand: index cards in the handcraft of creative thinking. Presentation of Canadian Sociological Association Congress, Toronto. http://publishing.sfu.ca/2013/09/bird-in-the-hand-index-cards/
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).

Esse quadro moderno de transformação da relação com o conhecimento inclui a tomada de notas como artifício central na emergência de tecnologias da escrita. Primeiro empenho, nesse sentido, foi realizado por Vincent Placcius, que publicou, em 1689, a descrição de um complexo armário para a organização de notas a serem inseridas e rearranjadas coletivamente (Cevolini, 2018Cevolini, A. (2018). Where Does Niklas Luhmann’s Card Index Come From? In M. Feingold (Ed.), Erudition and the Republic of Letters (pp. 390‒420).). O segundo caso documentado ocorreu em 1740, quando Thomas Harrison inventou um gabinete, com gavetas, que funcionava como arquivo para fichas de papel, organizadas alfabeticamente. A “arca de estudos”, como Harrison a nomeou, criava inúmeras possibilidades de combinação e recombinação de notas e foi apenas uma das invenções similares daquele período, quando o manejo físico do conhecimento acadêmico representou a dúvida crescente sobre a capacidade da memória individual, bem como a busca incessante por novos usos e tecnologias de memória externa (Malcolm, 2004Malcolm, N. (2004). Thomas Harrison and his ‘Ark of Studies’ an episode in the history of the organization of knowledge. The Seventeenth Century, 19(2), 196‒232.).

Não só os hábitos de escrita sofrem transformações quando da crescente adesão a sistemas de escrita de notas, no início da era moderna, mas igualmente os de leitura. Quando estes últimos acompanhavam os cadernos de anotações, por exemplo, serviam à memorização de informações para posterior exposição oral. Na cultura tipográfica, por sua vez, a escrita de notas independentes torna a leitura uma prática cujo propósito vai além do acúmulo de conhecimento, voltando-se principalmente para a construção de conhecimento novo (Cevolini, 2020Cevolini, A. (2020). The art of trascegliere e notare in early modern Italian culture. Intellectual History Review, 1‒22. https://doi.org/10.1080/17496977.2020.1791518
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, p. 14). Desse modo, os hábitos de leitura tornam-se diretamente vinculados aos interesses prévios do leitor ou leitora, pois a possibilidade de combinação e recombinação de notas cria contexto para uma leitura dirigida para suplementar linhas de raciocínio, redes de ideias, e preencher lacunas em argumentos. Os hábitos de leitura são, assim, cada vez mais orientados pelos interesses do leitor ou leitora, que busca, a cada nova escrita de uma nota, tornar-se ele mesmo um autor ou autora por meio de novas relações à medida que novas notas são acrescentadas e manipuladas no fichário de notas.

Um uso profícuo e deliberado da escrita de notas: o caso de Niklas Luhmann

A despeito do avanço dos usos e da difusão de sistemas de escrita por notas entre os séculos XVI e XVIII, a divulgação e a teorização sobre tal prática escrita se extinguem ao longo dos séculos XIX e XX na paisagem da cultura intelectual moderna. Isso não significa, contudo, que a escrita por sistemas de tomada de notas tenha entrado em total desuso. O mais coerente é dizer que a tomada de notas se tornou uma atividade privada e subteorizada no cotidiano da vida acadêmica, provavelmente como resultado do avanço ideológico da divisão social entre o trabalho manual e o intelectual, divisão essa que apaga as relações entre as condições materiais e as atitudes cotidianas da vida acadêmica (Becker, 2015Becker, H. S. (2015). Truques da escrita: para começar e terminar teses, livros e artigos. Zahar.; Löfgren, 2014Löfgren, O. (2014). Routinising research: academic skills in analogue and digital worlds. International Journal of social Research Methodology, 17(1), 73‒86. https://doi.org/10.1080/13645579.2014.854022
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).

Embora o valor da escrita de notas esteja presente nos discursos de intelectuais dos séculos XX e XXI, tal prática raramente é teorizada ou apresentada como elemento constituinte essencial da produção de conhecimento (Wilken, 2010Wilken, R. (2010). The card index as creativity machine. Culture Machine, 11, 7‒3. ). Quando mencionados, os discursos sobre a escrita de notas se fazem presentes quase sempre em meios de comunicação informais, como entrevistas, documentários ou relatos biográficos e autobiográficos (e.g. Barthes, 1977Barthes, R. (1977). Roland Barthes by Roland Barthes. Papermac.; Benjamin, 2006Benjamin, W. (2006). Walter Benjamin and the Arcades project. Continuum. ; Moisés, 1999Moisés, B. P. (1999). Claude Lévi-Strauss, aos 90. Revista De Antropologia, 42(1-2), 9‒25. https://doi.org/10.1590/S0034-77011999000100002
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; Skinner, 1981Skinner, B. F. (1981). How to discover what you have to say - talk to students. The Behavior Analyst, 4(1), 1‒7. https://dx.doi.org/10.1007%2FBF03391847
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; Taylor, 2005Taylor, A. (Diretor). (2005). Žižek! [1 DVD]. Zeigeist Films.).

Mesmo entre autores e autoras de áreas do conhecimento nas quais a escrita de notas é parte essencial da atividade acadêmica, como é o caso da Antropologia, o tema tem sido subteorizado. Esse é precisamente o caso do antropólogo Clifford Geertz, que, mesmo sendo um dos principais responsáveis pela explicitação do papel essencial da escrita na construção dos fenômenos sociais, não teoriza em momento algum de sua obra a função desempenhada pelas notas de campo e de leituras (Emerson, Fretz & Shaw, 2010Emerson, R. M., Fretz, R. I., & Shaw, L. L. (2010). Writing ethnographic fieldnotes. University of Chicago Press.). Isso é ainda mais surpreendente quando se constata ter o próprio Geertz afirmado que, antes de iniciar a escrita de seus mais importantes livros, havia acumulado notas de leitura e de campo ao longo de quase uma década (Olson, 1991Olson, G. (1991). The social scientist as author: Clifford Geertz on ethnography and social construction. Journal of Advanced Composition, 11(2), 245-268.).

Luhmann e o caso da “caixa de fichas”

Niklas Luhmann (Lüneburg, Alemanha, 1927-1998) foi um dos últimos autores do século XX a se dedicar à produção de uma grande teoria social. Luhmann estudou Direito entre 1946 e 1949 e trabalhou na administração pública por cerca de dez anos (Bechmann & Stehr, 2002Bechmann, G., & Stehr, N. (2002). The legacy of Niklas Luhmann. Soc, 39, 67‒75. https://doi.org/10.1007/BF02717531
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). Nesse período, antes mesmo de qualquer vinculação institucional como docente universitário, praticava a escrita por notas, tendo certa ciência de que aquela atividade seria útil não apenas para a escrita de algum projeto pontual, mas para um programa de pesquisa de longo prazo (Schmidt, 2018Schmidt, J. (2018). Niklas Luhmann's card index: the fabrication of serendipity. Sociologica, 12(1), 53‒60. https://doi.org/ 10.6092/issn.1971-8853/8350.
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).

A carreira acadêmica de Luhmann se inicia na década de 1960, quando, ainda funcionário da administração pública, candidata-se ao cargo de professor na universidade de Bielefeld. Ao assumir o cargo, em 1968, Luhmann propôs, como parte de seu plano de trabalho, um programa de pesquisa com duração de 30 anos, o qual tinha como finalidade desenvolver uma teoria geral da sociedade, proposta cumprida pelo sociólogo, que ainda deixou inúmeros artigos e livros a serem publicados postumamente. Em sua profícua trajetória, Luhmann publicou cerca de 550 artigos e 50 livros, números que o tornam um fenômeno editorial sem precedentes na história da Sociologia do século XX (Schmidt, 2016Schmidt, J. (2016). Niklas Luhmann’s card index: thinking tool, communication partner, publication machine. In A. Cevolini (Ed.), Library of the written word: Vol. 53. Forgetting Machines. Knowledge Management Evolution in Early Modern Europe (1. Auflage, pp. 289‒311). Brill.).

Além da produtividade, o que distingue o trabalho de Luhmann é a intrínseca e deliberada vinculação de seu ambicioso programa de pesquisa com seu método de escrita e leitura. Como Luhmann (1992)Luhmann, N. (1992). Communicating with slip boxes: an empirical account. http://luhmann.surge.sh/communicating‐with‐slip‐boxes
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afirmou, o que explicava seu pensamento e sua produção era a sua “caixa de fichas” (zettelkasten). Mais do que um arquivo para a recuperação de memórias, para ele, seu fichário de notas constituía um poderoso “parceiro de comunicação”. Com uma perspectiva de que a escrita é uma forma de descoberta, ele argumenta que seu fichário de notas lhe evidenciava constantemente que seria “impossível pensar sem escrever, ao menos no caso de qualquer pensamento sofisticado, em rede” (Luhmann, 1992Luhmann, N. (1992). Communicating with slip boxes: an empirical account. http://luhmann.surge.sh/communicating‐with‐slip‐boxes
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, p. 3).

A construção de um fichário de notas como o empreendido por Luhmann é um caso raro na história intelectual do século XX, pois foi não apenas executado, mas teorizado, publicizado e assumido pelo sociólogo como central para a construção de sua obra. Ao fazer isso, Luhmann se distingue da norma nas ciências humanas e sociais do século XX, na qual a prática da escrita é, como sugere Becker (2015)Becker, H. S. (2015). Truques da escrita: para começar e terminar teses, livros e artigos. Zahar., uma atividade eminentemente privada cujo processo é desprovido de teorizações.

Luhmann explicitava a materialidade e a lógica de seu ofício de pesquisador a quem o procurava na esperança de encontrar em seu famoso fichário de notas o Santo Graal da escrita acadêmica (Schmidt, 2016Schmidt, J. (2016). Niklas Luhmann’s card index: thinking tool, communication partner, publication machine. In A. Cevolini (Ed.), Library of the written word: Vol. 53. Forgetting Machines. Knowledge Management Evolution in Early Modern Europe (1. Auflage, pp. 289‒311). Brill.). No entanto, como o próprio Luhmann observa, quase todas as pessoas que o procuravam se mostravam decepcionadas logo que viam um velho e simples armário de madeira, cheio de gavetas ocupadas por notas aparentemente comuns, muitas vezes amareladas pelo tempo, com informações que não pareciam ser capazes de explicar sua impressionante produção intelectual. “As pessoas aparecem, veem tudo e nada mais do que isto, assim como nos filmes pornográficos; consequentemente, saem desapontadas” (Luhmann, citado em Cevolini, 2018Cevolini, A. (2018). Where Does Niklas Luhmann’s Card Index Come From? In M. Feingold (Ed.), Erudition and the Republic of Letters (pp. 390‒420)., p. 393). De fato, não há nada de especial no método de escrita de Luhmann para além de ser um resgate, no século XX, de um sistema de memória externa capaz de proporcionar condições para a geração, ao longo de décadas, de uma escrita autoral de artigos e livros coerentes com seu programa de pesquisa.

Uma caixa de notas e seus usos

Luhmann escreveu por volta de 90 mil notas ao longo de sua carreira. Esse trabalho era feito à mão em cartões tamanho A6 e organizado em duas grandes coleções. Uma primeira coleção, produzida entre 1951 e 1962, com cerca de 23 mil notas, e uma segunda, entre 1963 e 1997, com cerca de 67 mil notas. A primeira coleção é composta dos interesses iniciais de Luhmann no campo da Ciência Política, Teoria da Organização, Filosofia e Sociologia. A segunda coleção é orientada para a expansão de seus interesses em uma tentativa de uma teoria geral da sociedade, com temas das mais diversas ordens, como as teorias da comunicação, os processos de tomada de decisão, a cibernética, o amor, entre outros (Cevolini, 2018Cevolini, A. (2018). Where Does Niklas Luhmann’s Card Index Come From? In M. Feingold (Ed.), Erudition and the Republic of Letters (pp. 390‒420).; Schmidt, 2016Schmidt, J. (2016). Niklas Luhmann’s card index: thinking tool, communication partner, publication machine. In A. Cevolini (Ed.), Library of the written word: Vol. 53. Forgetting Machines. Knowledge Management Evolution in Early Modern Europe (1. Auflage, pp. 289‒311). Brill.).

No sistema de Luhmann, as notas consistem em frases ou parágrafos curtos que expressam seja uma ideia original, seja um comentário sobre ideias de outros autores. Luhmann é radical na proposição de que a nota deve ser escrita com as próprias palavras e sintetizar ao máximo o que se busca expressar. No canto superior esquerdo, Luhmann inseria um código de identificação para a nota. No campo superior direito, escrevia uma ou duas palavras-chave. O autor redigia a ideia apenas de um lado da nota, de modo a facilitar o manuseio e o processo de leitura de seu extenso arquivo. Referências bibliográficas eram adicionadas no verso de cada nota, quando necessário. Assim, uma nota é sempre autocontida, uma unidade semântica redigida de modo a poder ser compreendida isoladamente e a qualquer tempo no futuro. Porém, uma nova nota quase sempre visa a se articular com outras notas existentes no fichário, de modo a gerar constantes formulações e reformulações de argumentos, definições, perguntas e respostas de seu programa de pesquisa (Schmidt, 2018Schmidt, J. (2018). Niklas Luhmann's card index: the fabrication of serendipity. Sociologica, 12(1), 53‒60. https://doi.org/ 10.6092/issn.1971-8853/8350.
https://doi.org/10.6092/issn.1971-8853/8...
). Para Luhmann (1992)Luhmann, N. (1992). Communicating with slip boxes: an empirical account. http://luhmann.surge.sh/communicating‐with‐slip‐boxes
http://luhmann.surge.sh/communicating‐wi...
, esse processo implicava que suas leituras, a escrita de novas notas e a organização do fichário eram atividades sempre interdependentes. “Por isso, ao ler, sempre tenho a questão em mente de como os livros que leio podem ser integrados ao sistema de arquivamento de notas” (Luhmann, 1992Luhmann, N. (1992). Communicating with slip boxes: an empirical account. http://luhmann.surge.sh/communicating‐with‐slip‐boxes
http://luhmann.surge.sh/communicating‐wi...
, p. 3).

A nota como pensamento materializado

Para Luhmann, uma nota é a manifestação física do pensamento, um objeto passível de ser fisicamente manipulado, de modo a gerar novas ideias e ser conectado com novas notas. Assim, por exemplo, uma nota acerca do tema política pode ser conectada a uma nota do tema educação, outra do tema arquitetura e outra do tema nutrição, sem que tais notas tenham relações explícitas entre si, pois tais relações são estabelecidas pelo autor ou autora ao tentar dar respostas a suas questões de pesquisa. Essa perspectiva, segundo Luhmann, é compatível com o conceito de Estrutura Geral do Cérebro, formulado pelo neurologista W. R. Ashby, um dos pioneiros no campo da Cibernética. Ashby (1970)Ashby, W. R. (1970). Introdução à cibernética. Editora Perspectiva. argumenta que a capacidade do cérebro em lidar com grandes quantidades de informações resulta não do acúmulo de conhecimento ponto a ponto, mas de sua capacidade de produzir relações entre infinitas categorias (Ashby, 1970Ashby, W. R. (1970). Introdução à cibernética. Editora Perspectiva. ). Na atualidade, estudos, especialmente no campo da Psicologia, corroboram tal perspectiva, indicando que a linguagem humana, especialmente na atividade acadêmica, desenvolve-se significativamente à medida que as pessoas empregam esforços deliberados de conectar conceitos, teorias, exemplos e experiências das mais diversas ordens (Ambrose et al., 2010Ambrose, S., Bridges, M., DiPietro, M., Lovett, M., & Norman, M. (2010). How learning works: 7 research-based principles for smart teaching. Jossey-Bass.; Lang, 2016Lang, J. M. (2016). Small teaching: everyday lessons from the science of learning. Jossey-Bass.).

Como exposto, para desempenhar a função de propiciar conexões e não apenas arquivar ideias, tornando-se propriamente uma memória externa, Luhmann concebeu seu sistema com elementos que possibilitam efetivamente o armazenamento, a conexão e a recuperação de informações. Esses três elementos são materializados a partir de um registro alfanumérico unitário em cada nota, da criação de palavras-chave compartilhadas por diferentes notas e de links entre as notas, formando um conjunto que permite a composição de um índice, que funciona como um sistema de referências e consultas.

O registro alfanumérico concede à nota uma posição fixa no fichário, de modo a ser recuperada e associada a outra nota, a qualquer momento no futuro. As palavras-chave estão presentes em cada nota, permitindo a recuperação das notas a partir do índice e a conexão espontânea entre notas que foram escritas em momentos diferentes, mas que compartilham de uma mesma palavra-chave. Notas recuperadas a partir do índice com as palavras-chave são, assim, automaticamente associadas em aglomerados de notas relacionadas. Adicionalmente, a conexão das notas é feita com a criação de links entre diferentes notas, separadas espacialmente no fichário, o que é efetuado ao escrever, em uma dada nota, o código identificador de outra que se quer associar a ela.

O arquivamento de uma nota em uma posição fixa no fichário é o nível mais fundamental de organização no sistema de Luhmann. Para tanto, ele organizava as notas em uma sequência que respeitava o desenvolvimento mais adequado de um tema, sempre atribuindo a cada nota um código alfanumérico. Assim, a princípio, qualquer nota no arquivo estaria concretamente próxima de outras notas com conteúdo relacionado pelo autor.

Por exemplo, uma primeira nota com o conteúdo acerca de um tema — a Escrita Acadêmica — inicia-se com o código 1.1, no qual 1 identifica um tema novo no fichário e 1.1 reconhece a primeira nota daquele tema. Uma segunda nota sobre o mesmo tema é numerada 1.2, com o .2 mostrando que se trata da segunda nota sobre o tema, e assim em diante. Se em dado momento, a partir da leitura de qualquer outra fonte, de um insight sobre o tema ou de uma nova ideia, é escrita uma nova nota cuja posição mais adequada está entre a nota 1.1 e a nota 1.2, à nova nota se atribui o código 1a, e ela é inserida fisicamente no fichário após a nota 1.1. Com esse sistema alfanumérico, Luhmann abre possibilidades intermináveis de inserções de novas notas, em qualquer momento e localização do fichário, expandindo a profundidade de seus pensamentos com o fichário a cada nova inserção.

Para ilustrar tal possibilidade, a seguir apresentamos um breve exemplo derivado do fichário de notas de um dos autores do presente artigo. Em tal exemplo, expomos como uma elaboração teórica nova surge à medida que notas redigidas com base em diferentes leituras são conectadas e organizadas. No fichário em questão, a seção de notas que se inicia com a nota 1.1 é dedicada à temática da Escrita Acadêmica. Nas notas 1.10a e 1.10b, encontra-se o seguinte conteúdo, organizado em sequência:

Figura 1
Nota 1.10a
Figura 2
Nota 1.10b

No mesmo dia em que gerou e codificou as notas 1.10a e 1.10b, um dos autores do presente artigo leu um texto relacionado, a princípio, com outra temática de seu fichário: Psicologia da Criatividade. Tratava-se do texto de Freud (2019/1908)Freud, S. (2019). Escritores criativos e devaneios. Vol. IX. Autêntica. (Trabalho original publicado em 1908) “Escritores criativos e devaneios”. Essa leitura resultou em uma nova nota que o autor arquivou após a nota 1.10a. Portanto, a nova nota foi inserida fisicamente entre as notas 1.10a e 1.10b, recebendo o código 1.10a1:

Figura 3
Nota 1.10a1

Nessas ocasiões, é comum que uma ou mais notas novas sejam escritas como resultado do ato de organizar o fichário. Essas notas, geralmente, expressam desenvolvimentos de argumentos resultantes de comparações, insights e conclusões autorais. Como foi o caso para o autor, expresso na seguinte nota:

Figura 4
Nota 1.10a2

Essa nota propiciou a geração de outra.

Figura 5
Nota 1.10a3

A inserção de novas casas alfanuméricas no código das notas representa ramificações e aprofundamentos do pensamento que podem ser indefinidamente desenvolvidos ao longo de extensos períodos, uma vez que a qualquer momento uma nova nota pode ser arquivada e conectada no fichário. Com isso, no fichário de notas de Luhmann, é comum notas codificadas como 1.3a72b1 que denotam a extensão que a conexão entre notas pode adquirir no interior do fichário.

Conexões e possibilidades intermináveis de descobertas

Em conjunto com o trabalho de organização física e de codificação das notas, Luhmann também criava links entre notas distantes no interior do fichário. Esses links são efetuados ao escrever, em uma dada nota, o código identificador de outra nota que se quer associar a ela. Isso é útil porque, dada a disposição física das notas no fichário, uma nota é seguida imediatamente apenas por uma nota. Mas, com a criação de links, ela pode ser seguida por qualquer outra nota, participando, assim, de múltiplas sequências de notas e dando origem a diferentes conversas entre distintas partes do fichário.

Um tipo complementar de conexão inerente ao sistema de notas de Luhmann é a produção de um índice que traz o conjunto das palavras-chave atribuídas às diversas notas. Nesse índice, cada palavra-chave é seguida pelos códigos das notas que a contém. Tais notas atuam como ponto de entrada a uma sequência de notas organizadas no fichário. Assim, se o fichário tem uma sequência de dez notas organizadas para representar o desenvolvimento de uma dada ideia, e todas as dez notas compartilham de uma mesma palavra-chave, o índice associa a palavra-chave apenas à primeira nota dessa sequência. Com essa estratégia, Luhmann organizava a indexação de temas existentes em seu fichário, não de modo a catalogar com precisão cada nota, mas sim de forma a identificar uma rede interna de notas relacionadas entre si, o que continuamente abria um leque de possibilidades de relações entre novas e velhas notas e entre temas a princípio desconexos em termos de categorias conceituais.

A recuperação das notas cria contexto para conexões complexas e inesperadas que não aconteceriam de outras formas. Por exemplo, enquanto a recuperação de uma nota a partir do índice dá acesso a uma sequência de notas, uma recuperação de duas ou mais notas organizadas sob uma mesma palavra-chave dá ao leitor-escritor acesso a pelo menos duas sequências de notas que, até aquele momento, não haviam sido colocadas em paralelo. Isso permite a leitura conjunta de notas que não foram previamente relacionadas entre si pelo escritor. Esse tipo de conexão intensifica as possibilidades de novas relações teóricas, pois conta com o elemento da serendipidade: uma surpresa oriunda de relações até então inexistentes, algo muito próximo daquilo que Roland Barthes nomeia de acidente controlado com a escrita e organização de notas (Wilken, 2010Wilken, R. (2010). The card index as creativity machine. Culture Machine, 11, 7‒3. ).

Por último, sobre a organização das notas e o sistema de referência de Luhmann, Schmidt (2018)Schmidt, J. (2018). Niklas Luhmann's card index: the fabrication of serendipity. Sociologica, 12(1), 53‒60. https://doi.org/ 10.6092/issn.1971-8853/8350.
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identifica, nos arquivos do sociólogo alemão, que todos os recursos organizados propiciavam condições para que ele gerasse expressiva fluência nos sumários a serem utilizados para a escrita de livros e artigos. Nesses casos, a ideia era menos formar uma rede de conexões, como aquelas internas a seu fichário de notas, e mais a de estabelecer uma lógica linear e estrutural de notas, já existentes e conectadas, de modo a gerar um texto coeso e coerente a ser escrito, editado e publicizado.

Uma breve síntese sobre o valor do fichário de notas no trabalho intelectual

Os procedimentos adotados por Luhmann evidenciam que grande parte de seu tempo era dedicado à organização de seu fichário de notas. Com todo aquele processo, Luhmann (1992)Luhmann, N. (1992). Communicating with slip boxes: an empirical account. http://luhmann.surge.sh/communicating‐with‐slip‐boxes
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alega que sempre escrevia seus livros e artigos munido de um senso de conhecimento e direção, salientando que, quando experimentava dificuldades para dar continuidade a algum texto, sua decisão era não insistir na escrita, como a maioria das pessoas faz. Sua atitude imediata era de se voltar para o fichário de modo a gerar mais notas, mais conexões, e maior organização de seu pensamento, de forma que a retomada da escrita ocorresse o mais satisfatoriamente possível.

A despeito de todos os esforços de organização interna do fichário, isso não significa que o trabalho de geração e organização de notas acontecia de maneira totalmente ordenada, sem percalços e sem esforços desperdiçados. Na realidade, as análises do sistema de escrita de Luhmann indicam que muitas notas entravam em “becos sem saída”, uma vez que nunca mais eram recuperadas ou conectadas a seu sistema de referências (Schmidt, 2018Schmidt, J. (2018). Niklas Luhmann's card index: the fabrication of serendipity. Sociologica, 12(1), 53‒60. https://doi.org/ 10.6092/issn.1971-8853/8350.
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). Esse fato, Luhmann não percebia como prova de falibilidade ou total perda de tempo de seu trabalho, mas sim como desperdício necessário de notas “ruminantes” ou conglomerados de notas ainda sem destino certo, que poderiam ou não ser adequadamente conectadas em seu fichário.

A princípio, esse fenômeno pode ser visto como desperdício de tempo no trabalho de geração de notas. Todavia, parece que esse tipo de exercício é componente inevitável de atividades literárias de alto nível (Louise, 2014Louise, D. (2014). The art of slow writing: reflections on time, craft, and creativity. St. Martins Griffin. ). Ele seria, inclusive, muitas vezes, essencial para a compreensão de conceitos, teorias e problemas de pesquisa, assim como para descobrir quais caminhos não seguir em uma investigação intelectual. Por isso, esse aparente desperdício da escrita não deve ser desprezado como inútil (Schmidt, 2016Schmidt, J. (2016). Niklas Luhmann’s card index: thinking tool, communication partner, publication machine. In A. Cevolini (Ed.), Library of the written word: Vol. 53. Forgetting Machines. Knowledge Management Evolution in Early Modern Europe (1. Auflage, pp. 289‒311). Brill.).

Vale retomar, neste ponto, as implicações de um sistema de notas como o de Luhmann sobre o papel da leitura na prática da escrita acadêmica, pois a leitura orientada para a tomada de notas vai além da concepção tradicional de tal atividade como meio de acumulação de conhecimento a ser recuperado no futuro, como se a leitura fosse um processo distanciado temporalmente da escrita e incorporada à memória individual, tomada de modo ingênuo como um sistema computacional de armazenamento de informações. Na perspectiva do sistema de escrita de Luhmann, a leitura e a escrita tornam-se processos próximos, em termos temporais e espaciais, e se retroalimentam continuamente. Assim, a leitura orientada pela tomada de notas situa o leitor e a leitora numa posição eminentemente ativa, pois os coloca em constante busca por gerar respostas a questões de interesse de sua pesquisa.

Quando a leitura é deliberadamente orientada para se associar a outros conteúdos previamente escritos, o efeito em termos de recuperação de memórias conectadas tende a se amplificar, refletindo em grande medida a formação de um pensamento autoral, em vez de mera repetição do pensamento de outros autores e autoras. Sobre esse efeito, lembramos que estudos em psicologia da aprendizagem têm indicado que a formação de memórias de longo prazo de conteúdos abstratos, como é caso do conhecimento científico e filosófico, ocorre principalmente quando há o esforço deliberado, por parte dos leitores e leitoras, em produzir conexões entre aquilo que se estuda no presente e aquilo que se estudou no passado. Ao mesmo tempo, a literatura sobre o tema salienta que a capacidade de fazer conexões teóricas é um dos principais preditores de desenvolvimento intelectual efetivo de estudantes de qualquer área do conhecimento (Lang, 2016Lang, J. M. (2016). Small teaching: everyday lessons from the science of learning. Jossey-Bass.).

Ao ler esta síntese sobre o sistema de escrita de notas de Luhmann, muitos leitores e leitoras podem concluir que o processo de conectar ideias já acontece mentalmente e não demanda a escrita de notas. De fato, a capacidade de gerar conexões entre pensamentos inesperados é uma característica da própria linguagem humana (Barnes-Holmes et al., 2004Barnes-Holmes, Y., Barnes-Holmes, D., McHugh, L., & Hayes, S. C. (2004). Relational Frame Theory: Some implications for understanding and treating human suffering. International Journal of Psychology and Psychological Therapy, 4, 355‒375.). Todavia, o que o fichário de notas propicia é o aumento da capacidade de conexões não só acontecerem, mas de acontecerem de forma mais frequente, sofisticada e com ramificações típicas da construção de estruturas argumentativas complexas. E, tão relevante quanto isso, o fichário de notas permite a recuperação daquelas conexões ao longo de extensos períodos, no caso de Luhmann, ao longo de décadas.

Outra questão que a leitura deste artigo provavelmente suscita é a relação entre a escrita de notas e o uso de tecnologias digitais, como processadores de texto, softwares para leitura e aplicativos para arquivamento, recuperação e organização de informações conhecidos como sistemas de Gestão Pessoal do Conhecimento (Personal Knowledge Management, PKM). Especialmente sobre esses sistemas, na última década, foram desenvolvidos uma série de aplicativos com o propósito de emular o sistema de escrita de Niklas Luhmann, como o The Archive e o Zkn3. Além disso, outros aplicativos como o Notion, o Roam Research e Obsidian, embora não tenham como propósito declarado emular o fichário de notas de Luhmann, possuem ferramentas compatíveis com muitos dos princípios do sistema de escrita do intelectual alemão.

Chama a atenção que o debate acerca dessas tecnologias digitais se faz mais presente no ambiente informal da internet do que na literatura acadêmica. Assim, tecnologias da escrita têm sido difundidas e debatidas principalmente em fóruns virtuais e redes sociais, nos quais profissionais e estudantes das mais diversas áreas do conhecimento compartilham informações por meio da exposição de tutoriais, dicas e relatos de experiência. Uma análise inicial dessas fontes sugere, contudo, que, apesar da frequente referência ao sistema de notas de Luhmann em tais contextos, não é possível afirmar com segurança se o uso de tecnologias computacionais reproduz em todos os aspectos aquele sistema de escrita e arquivamento de notas. Isso porque parte substancial das propostas de uso desses softwares está orientada mais para o fácil armazenamento e recuperação de informações organizados em categorias fechadas do que para o propósito central da escrita de notas para Luhmann: a construção, no longo prazo, de um trabalho intelectual autoral complexo que abre mão da lógica linear de pensamento e de categorias fechadas.

Considerações finais

O crescente e intenso avanço do neoliberalismo no âmbito universitário mundial intensifica formas de relação com a vida acadêmica que transformam suas atividades essenciais, como a escrita, em produtos a serem gerados o mais rápido possível (Davies & Bansel, 2005Davies, B., & Bansel, P. (2005). The time of their lives? Academic workers in neoliberal time(s). Health Sociology Review, 14(1), 47‒58. https://doi.org/10.5172/hesr.14.1.47
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). O debate sobre a escrita de notas representa uma posição contrária a essa lógica, uma vez que tal prática é eminentemente orientada para o processo da escrita e para a construção de um pensamento autoral no longo prazo. Ainda nesse sentido, é necessário dizer que o propósito de introduzir o modelo de escrita por notas de Niklas Luhmann tem menos a função de propor um modelo a ser rigidamente seguido e mais a função de expor como ele preserva em seu uso do fichário de notas princípios da escrita fluente e criativa, presentes nos primórdios da cultura material europeia moderna — mas de grande valor ainda atual —, principalmente quando constatamos que o sistema de escrita do sociólogo alemão é coerente com a massa da produção contemporânea sobre processos de aprendizagem de habilidades acadêmicas complexas.

Obviamente, como já exposto, não é possível falar do uso de notas nos dias de hoje sem considerar o papel das novas tecnologias de informação e comunicação, como o computador, e suas possibilidades de usos para a geração e arquivamento de notas. À primeira vista, a propensão é supor que tais tecnologias da escrita seriam indiscutivelmente mais eficientes e produtivas para escrever. No entanto, assumir sem questionamentos que ferramentas digitais levariam a um maior, melhor e mais eficiente controle do processo de escrita é uma extrapolação que não tem encontrado base totalmente segura na literatura atual sobre algumas dimensões da prática da escrita. Blair (2010)Blair, A. (2010). The rise of note-taking in Early Modern Europe. Intellectual History Review, 20(3), 303-316. https://doi.org/10.1080/17496977.2010.492611
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, por exemplo, levanta a hipótese de que arquivos para notas de papel, em muitos casos, podem durar mais do que arquivos em computadores, os quais estariam mais suscetíveis a danos, perdas e obsolescência. Já o manuseio físico das notas e a organização de um fichário como um todo, bem como o papel da escrita à mão, têm sido identificados, nos últimos anos, como formas mais efetivas de aprendizagem de conteúdos complexos do que o uso da escrita digitada (Maxwell & Armen, 2013Maxwell, J. W., & Armen, H. (2013). A bird in the hand: index cards in the handcraft of creative thinking. Presentation of Canadian Sociological Association Congress, Toronto. http://publishing.sfu.ca/2013/09/bird-in-the-hand-index-cards/
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). Sobre esse ponto, ainda vale mencionar a constatação de que, diferentemente do presumido, a escrita digitada estaria mais relacionada ao aumento das dificuldades da escrita acadêmica do que ao aumento de sua fluência ou benefícios para a aprendizagem (James, 2017James, K. H. (2017). The Importance of Handwriting Experience on the Development of the Literate Brain. Current Directions in Psychological Science, 26(6), 502‒508. https://doi.org/10.1177/0963721417709821
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; Mueller & Oppenheimer, 2014Mueller, P. A., & Oppenheimer, D. M. (2014). The pen is mightier than the keyboard: advantages of longhand over laptop note taking. Psychological Science, 25(6), 1159‒1168. https://doi.org/10.1177/0956797614524581
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; Wrigley, 2019Wrigley, S. (2019). Avoiding ‘de-plagiarism’: Exploring the affordances of handwriting in the essay-writing process. Active Learning in Higher Education, 20(2), 167‒179. https://doi.org/10.1177/1469787417735611
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).

Ainda sobre o esforço envolvido no modo analógico de escrever, como aquele presente no sistema de escrita de notas de Luhmann, é preciso notar que ele envolve uma significativa complexidade psicomotora. Logo, escrever, organizar, arquivar, combinar e recombinar, criar links e índices é muito mais do que maneiras mecânicas de lidar com o conhecimento, constitui formas de pensar por meio de uma maior integralidade do corpo. Sobre isso, há cada vez mais provas de que os usos sofisticados das mãos, por exemplo, não apenas refletem os processos cognitivos do escritor ou escritora, mas igualmente produzem processos cognitivos novos. Logo, as mãos são bem mais do que servas da mente ou do cérebro, são parte ativa da possibilidade de geração de pensamentos originais (Sennett, 2009Sennett, R. (2009). O artífice. Record.; Shapiro, 2019Shapiro, L. (2019). Embodied Cognition. Routledge.; Tallis, 2003Tallis, R. (2003). The hand: a philosophical inquiry in human being. Edinburgh University Press.).

Essas questões, no mínimo, sugerem que a prática da escrita acadêmica está permeada de pressupostos que naturalizam uma atividade tão importante que é, na verdade, profundamente psicossocial. No caso da escrita de notas, tal fato fica evidente quando explicitamos como tal prática é constituída por condições sociais, históricas e culturais raramente tratadas como fatores relacionados a nossa capacidade de escrever e pensar de forma inovadora.

Nesse sentido, o debate sobre a escrita de notas empreendido aqui vincula-se a questões enraizadas e naturalizadas no âmbito acadêmico desde os primórdios da modernidade, como a ideia de gênio intelectual, isto é, um sujeito que seria capaz de pensar e escrever de forma criativa e inovadora em função de alguma sensibilidade especial, desvinculada de qualquer materialidade e domínio técnico da escrita. O papel central da escrita e o arquivamento de notas como parte constituinte da emergência do pensamento moderno denotam a impossibilidade de manter tal visão romantizada da vida acadêmica como desvinculada das relações dos homens e mulheres com o mundo material e sua manipulação como parte de suas capacidades de fazerem coisas admiradas culturalmente, tal qual escrever e pensar de forma aprimorada. O tratamento dessas questões neste artigo visa a recuperar a imagem da escrita acadêmica enquanto um trabalho artesanal, um processo que entrelaça a vida de quem escreve, e seu engajamento manual com o universo da linguagem escrita para gerá-la de forma criativa, motivadora, acessível, satisfatória e atraente. Foi justamente isso que buscamos ao escrever este artigo por meio de emprego da escrita, arquivamento e organização de notas, claro, inspirados pelo sistema de escrita de Niklas Luhmann.

ERRATA

  • No artigo “A escrita de notas como artesanato intelectual: Niklas Luhmann e a escrita acadêmica como processo”, DOI: https://doi.org/10.1590/1980-6248-2021-0123, publicado na Revista Pro-Posições, Vol. 34 2023, e-location ID e20210123, página 01, por solicitação da Pro-Posições:
    Onde se lia:
    Cruz, Robson Nascimento da Cruz (i)
    Leia-se:
    Cruz, Robson Nascimento da (i)

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Editor responsável: Chantal Medaets <https://orcid.org/0000-0002-7834-3834>

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2021
  • Revisado
    12 Maio 2022
  • Aceito
    12 Jun 2022
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