Acessibilidade / Reportar erro

AS CONTRIBUIÇÕES DE JÜRGEN HABERMAS PARA A PSICOLOGIA SOCIAL CRÍTICA

THE CONTRIBUTIONS OF JÜRGEN HABERMAS TO THE CRITICAL SOCIAL PSYCHOLOGY

LAS CONTRIBUICIONES DE JÜRGEN HABERMAS PARA LA PSICOLOGÍA SOCIAL CRÍTICA

Lima, A. F. 2015. A teoria crítica de Jürgen Habermas: cinco ensaios sobre linguagem, identidade e Psicologia Social. Porto Alegre: Sulina.

No primeiro capítulo do livro, "Separação epistemológica ou continuidade de uma tradição? Considerações sobre a crítica de Jürgen Habermas ao projeto frankfurtiano", o autor nos convida a analisar a continuidade ou a descontinuidade do pensamento de Jürgen Habermas ao projeto que ficou conhecido no início do século XX como: Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Para construir essa análise, separou o texto em três subcapítulos complementares que seguem a mesma cronologia histórica do movimento da Teoria Crítica.

No primeiro, o autor analisa o estatuto teórico da Teoria crítica, desde a fundação da Escola de Frankfurt, em 1923, passando por uma revisão mais detalhada desse projeto, sobretudo após a publicação do texto "Teoria Tradicional e Teoria Crítica", de autoria de Max Horkheimer em 1937, até chegar ao principal fundamento epistemológico da primeira geração da Escola de Frankfurt: a crítica da Razão Instrumental apresentada na obra A dialética do Esclarecimento, originalmente publicada em 1947, por Theodor W. Adorno e Max Horkheimer.

Seguindo essa cronologia, observamos que o autor se dedica, na segunda sessão do primeiro capítulo, a apontar a novidade trazida pelo texto de Adorno e Horkheimer, ou seja, a ideia de que o preço a pagar pelo advento da razão, segundo os mestres frankfurtianos, seria a alienação humana, espécie de racionalidade "racionalista", em que a criatividade e a espontaneidade perderiam seus valores éticos e estéticos.

Na terceira parte do capitulo, a em guisa de conclusão, Aluísio Lima demonstra como, através da noção de "Ação comunicativa", Habermas aponta possíveis caminhos para o impasse da Razão Instrumental, de modo que, segundo o pensamento habermasiano, o que teria impedido Adorno, Horkheimer e Marcuse de vislumbrar a emancipação para além do pessimismo crítico, que se apresenta como indissolúvel na obra desses autores. Ele conclui, então, que o pensamento de Harbermas, apesar das divergências teóricas, está em consonâncias com fundamentos cruciais da teoria crítica.

No segundo capítulo, "As consequências da adoção do paradigma da linguagem para a Teoria da Ação Comunicativa na Teoria Crítica de Jürgen Habermas", o autor reconstrói todo o caminho feito por Habermas no momento da passagem do "paradigma da consciência" para o "paradigma da linguagem". Retrata de forma contundente a confluência dos entendimentos habermasianos com o método do filósofo Ludwig Wittgenstein. A partir deste diálogo teórico, é possível perceber os diversos jogos de linguagem localizados nas práticas sociais de que fazemos parte.

De acordo com o método wittgensteiniano, os sentidos que damos à linguagem são estabelecidos a partir dos usos que damos às palavras. Daí, termos os elementos que compõem seu cenário metafórico: as peças, como os gestos, as palavras e os símbolos; as regras, que são as possibilidades de jogadas válidas e inválidas e os critérios para julgarem o que é acerto e erro; os jogadores, que são os próprios falantes, nós; e temos ainda as jogadas, como a utilização dos gestos, palavras, símbolos em determinados contextos de práticas sociais, aquilo que fazemos o tempo todo.

Na tentativa de compreender as relações interpessoais, Habermas traz uma interessante aplicação de sua Teoria dos Atos de Fala com influência dos jogos de linguagem de Wittgenstein. Tudo gira em torno da interessante indagação quando é que dizer algo é fazê-lo? Para Austin, nas relações convencionais, quando o indivíduo diz algo ele profere ao mesmo tempo três atos distintos, que Aluísio Lima apresenta como sendo (a) o ato locucionário, quando se emite certos ruídos para proferir uma dada palavra, por exemplo, quando o bebê fala, pela primeira vez, a palavra mamãe; (b) o ato ilocucionário, o ato que levamos a termo ao dizer algo. O texto traz exemplos interessantes, entre eles, o batizar, quando o padre introduz a criança às obrigações da religião, a partir do batismo concretizado; (c) o ato perlocucionário, o ato que concretizamos porque dizemos algo. São dados como exemplos "intimidar, assombrar, convencer, ofender, depreciar, acusar".

Habermas demonstra o emprego linguístico na comunicação humana e ação comunicativa passa a ser vista, portanto, como uma categoria que funda a sociabilidade. A lógica de compreensão do texto se fecha com a concepção husserliana de Mundo da Vida (lenbenswelt) (Habermas, 1987Habermas, J. (1987). Teoria de la acción comunicativa (Vol. 2). Madrid: Taurus. ), que o autor expõe de um modo muito interessante. O sistema, ou seja, a racionalidade sistêmica, locus da esfera econômica e burocrática tem como meio de controle o dinheiro e o poder. Estes elementos tomam o lugar da linguagem nos processos de entendimento e inserem uma lógica reducionista de construção das relações. A locução, esta forma de articular, pronunciar, de se expressar, da qual a todo momento fazemos uso nas nossas relações interpessoais, não seria um elemento da linguagem, nos dias atuais, completamente atravessada por uma lógica mediada pelo dinheiro e pelas relações de poder? A leitura deste capítulo é um bom começo para responder a questionamentos como este.

No terceiro ensaio, intitulado "O debate entre Jürgen Habermas e Hans-Georg Gadamer e a (im)possibilidade de conciliação entre Teoria Crítica e Hermenêutica", são resgatados dois teóricos de grande influência no pensamento do século XX. O autor expõe especificamente a hermenêutica tradicional e filosófica, principalmente a desenvolvida por Gadamer. Quanto à Habermas, que é o mote central da obra, Lima o situa entre os principais teóricos da Escola de Frankfurt, dando mais algumas relevantes informações sobre a história desse profícuo grupo de estudos e investigações sociais.

Adentrando o debate que ocupou esses dois grandes teóricos alemães, Lima inicia enumerando as duas tarefas do pensamento habermasiano: (a) evitar a redução da racionalidade ao tipo instrumental e (b) solucionar a questão da ordem social mediante um conhecimento alternativo. Em linhas gerais, podemos sintetizar que as proposições trazidas por Habermas (que agem a partir de uma ação comunicativa livre de dominação) apresentam-se como engrenagens para uma teoria transformadora comprometida com um ideal democrático que inclui: razão universal, liberdade, autodeterminação, autonomia e emancipação.

Os filósofos alemães se encontrariam no interesse por uma linguagem com capacidade de derrubar a rigidez da concepção wittgensteiniana a respeito das dimensões da linguagem. Sobre os dois planos possíveis de comunicação, o autor destaca que ambos demandam a mediação da comunicação com a interpretação, o que Gadamer denomina "fusão de horizontes", compreendendo que todo conhecimento tem um componente hermenêutico.

De acordo com Lima, Habermas, ao mesmo tempo que tece críticas à pretensão de universalidade da hermenêutica, acusa Gadamer de cair num idealismo relativo que inviabiliza a tomada de uma distância crítica. Ao formular uma síntese, Habermas entenderá que nem toda teoria social, nem a hermenêutica podem lidar com a demanda social, sobrando como única saída a via da "pragmática universal", que possibilitaria reconstruir a competência comunicativa da espécie humana. Lima assevera que a hermenêutica e a dialética ultrapassam a mera utilização instrumental do pensamento e expressam a inelutável condição de participação da razão em tudo o que ela conhece.

Fica em evidência, a partir desses autores, saber se a reflexão sempre dissolve relações substanciais (como pensa Habermas) ou se também é possível assumi-las conscientemente e como conhecimento de causa (como pensa Gadamer). Tanto a crítica das ideologias proposta por Habermas, quanto a hermenêutica de Gadamer põem em questão a influência da tradição e da autoridade na construção das identidades e na manutenção ou transformação da realidade. Ao longo desse terceiro capítulo, portanto, Lima constata que as aproximações desses dois teóricos, como os leitores poderão ver no livro, são muito maiores que os seus distanciamentos.

Após uma breve contextualização, o interesse de Habermas pelo tema da identidade humana é evidenciado no capítulo "Acepções de identidade na obra de Jürgen Habermas: subsídios para uma Psicologia Social criticamente orientada". Para tanto, o autor divide o texto em: (a) Tentativas de compreensão da identidade a partir da articulação entre o marxismo e a psicanálise; (b) Implicações na compreensão da identidade após a proposição da Teoria da Ação Comunicativa; e (c) A compreensão habermasiana da identidade após a guinada linguística e as contribuições para uma Psicologia Social Crítica.

Na primeira parte, Lima discute o texto Conhecimento e interesse (Habermas, 1982Habermas, J. (1982). Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro: Zahar.) para expor as possibilidades e os limites da psicanálise, bem como as dificuldades do filósofo alemão na apropriação desta teoria - o que levou a duras críticas, sobretudo por Gadamer, tal como discutido por Lima no capítulo anterior, e a tentativa de Habermas em superar tais problemas em outro texto, o Para a reconstrução do Materialismo Histórico (Habermas, 1983Habermas, J. (1983). Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo: Brasiliense .), que enfatiza o sistema de comunicação ao tratar do ser social, para chegar à familiarização do homem, à moralização dos motivos de ação e tentar provar, assim, que a ação comunicativa é o único elemento exclusivo ao ser social.

A partir desses temas de interesse e de estudo, Habermas desenvolve o que Lima considera como os embriões para a compreensão crítica da identidade humana e seu desenvolvimento, passíveis de articulação com a Teoria de Ação Comunicativa em três tradições teóricas psicológicas em destaque: a analítica do Eu, a cognitiva do desenvolvimento e a da ação definida através do interacionismo simbólico, todas bem descritas no capítulo, assim como os principais expoentes de cada uma dessas tradições.

Na segunda parte, o autor conceitua Ação Comunicativa e traz suas características, bem como as articulações dessa teoria e a concepção habermasiana de lógica sistêmica com a ideia de Mundo da Vida desenvolvida por Husserl, analisa a sociedade capitalista e expõe a instrumentalização e a violência estrutural como processos indissociáveis daquele. Na terceira e última parte desse capítulo, Lima apresenta elementos mais aprofundados da teoria de Mead e articula-os com as apropriações habermasianas, identificando as influências do primeiro na construção e desenvolvimento teórico deste último e apresenta aos leitores como os frutos disso podem contribuir para o desenvolvimento de uma Psicologia Social Crítica brasileira.

No último capítulo do livro, "Contribuições de Jürgen Habermas para a Psicologia Social: sobre a fundamentação linguística do conceito identidade pessoal", Lima apresenta as proposições de Georg Herbert Mead para a fundamentação linguística do conceito de identidade pessoal, que será importante para Habermas em sua proposição de uma concepção pós-metafísica de identidade. Com uma linguagem simples, abordando uma temática complexa, este último ensaio, escrito com José Umbelino Gonçalves Neto, traz a importância de se discutir a intersubjetividade na constituição da identidade, envolvendo o papel do reconhecimento social, com base em uma fundamentação habermasiana pós-metafísica sobre o conceito.

Os autores trazem a teoria da identidade de Ciampa (1987Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina: um ensaio de psicologia social. São Paulo: Brasiliense.) apresentando a identidade humana como metamorfose em busca de emancipação. Almeida (2005Almeida, J. A. M. (2005). Sobre a Anamorfose: identidade e emancipação na velhice. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. ) e Lima (2010Lima, A. F. (2010). Metamorfose, anamorfose e reconhecimento perverso: a identidade na perspectiva da psicologia social crítica São Paulo: FAPESP; Educ. ) são colocados como estudiosos que vêm atualizando essa teoria de modo a trazerem a intersubjetividade como questão central de seus estudos. Desse modo, para os três autores citados, a construção da identidade deve ser associada sempre ao reconhecimento recíproco. Para Habermas (2010Habermas, J. (2010). Preleções para uma fundamentação linguística da sociedade. In Obras escolhidas de J. Habermas: fundamentação linguística da sociologia (Vol. 1, pp. 29-136). Lisboa: Edições 70.), o saber-se a si mesmo é formado de modo intersubjetivo por meio das relações comunicativas.

Lima e Gonçalves Neto apontam que, tomando como base uma perspectiva pós-metafísica e pragmatista, é necessário que as tradições cartesianas e kantianas sejam superadas. Para uma Psicologia Social Crítica, o sujeito é empírico, natural, histórico e se constitui nas relações. A formação do self em Mead, colocada como experiência de si-mesmo através da comunicação, é outro ponto discutido no texto pela influência exercida na teoria habermasiana. Para Mead (1934)Mead, G. H. (1934). Mind, Self & Society: from the standpoint of a social behaviorist. (Ed. C. W. Morris). Chicago: The University of Chicago. , o self é algo que se desenvolve no processo da atividade e da experiência social, dependendo fundamentalmente do processo linguístico, de modo que o sujeito é capaz tomar-se, duplamente, como sujeito e objeto.

Abordando a identidade pessoal em Habermas, os autores apontam que o que possibilita o reconhecimento mútuo e recíproco das regras de comunicação é a relação paradoxal entre reconhecer-se como sujeito, portanto idêntico aos demais, ao mesmo tempo em que distinto na sua singularidade. Assinalam que a identidade e sua autoconsciência se formam desde a infância por meio das interações que exigem autoreferenciação, com base nisso, os autores discutem a dupla função da linguagem desenvolvida por Habermas, a referencial e a performática. Após essa apresentação, separada por questões didáticas entre a teoria meadiana e habermasiana, os autores, de forma sucinta, trazem uma síntese entre elas, apontando que a identidade é, desde sempre, social. Nas considerações finais, Lima e Gonçalves Neto trazem para seus leitores, de forma embasada, as contribuições significativas da teoria de Jürgen Habermas nos processos que visam à compreensão da identidade humana.

À guisa de conclusão, como foi observado, o livro é uma coletânea de cinco ensaios que possibilita o acesso a uma amostra contínua do trabalho realizado pelo pesquisador ao longo de 10 anos de estudo sobre a Teoria Crítica de Jürgen Habermas. Este último, conhecido como um dos maiores intelectuais europeus das últimas décadas, abrange, com sua obra, temas como identidade, ação comunicativa, linguagem e psicologia social. Tal como Lima destaca na nota preliminar desse trabalho, a reunião dos textos, outrora publicados de maneira esparsa, podem oferecer aos leitores "a possibilidade de apresentação de uma amostra geral da continuidade de um determinado trabalho do pesquisador e a riqueza das diversas contribuições desse autor [Habermas]" (Lima, 2015, p. 8Lima, A. F. (2015). A teoria crítica de Jürgen Habermas: cinco ensaios sobre linguagem, identidade e Psicologia Social Porto Alegre: Sulina.).

Agências de fomento

Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FUNCAP. Edital 01/2015 (válido de março 2015 a fevereiro 2016) renovado pelo Edital 11/2015 (válido de março 2016 a fevereiro 2017): bolsas - Brígia da Silva Amaro Lima e Thiago Sousa Felix. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES: bolsas de Demanda Social - Emanuel Messias de Aguiar Castro e Yuri Marcondes Lisbão.

Referências

  • Almeida, J. A. M. (2005). Sobre a Anamorfose: identidade e emancipação na velhice Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
  • Ciampa, A. C. (1987). A estória do Severino e a história da Severina: um ensaio de psicologia social. São Paulo: Brasiliense.
  • Habermas, J. (1982). Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro: Zahar.
  • Habermas, J. (1983). Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo: Brasiliense .
  • Habermas, J. (1987). Teoria de la acción comunicativa (Vol. 2). Madrid: Taurus.
  • Habermas, J. (2010). Preleções para uma fundamentação linguística da sociedade. In Obras escolhidas de J. Habermas: fundamentação linguística da sociologia (Vol. 1, pp. 29-136). Lisboa: Edições 70.
  • Lima, A. F. (2010). Metamorfose, anamorfose e reconhecimento perverso: a identidade na perspectiva da psicologia social crítica São Paulo: FAPESP; Educ.
  • Lima, A. F. (2015). A teoria crítica de Jürgen Habermas: cinco ensaios sobre linguagem, identidade e Psicologia Social Porto Alegre: Sulina.
  • Mead, G. H. (1934). Mind, Self & Society: from the standpoint of a social behaviorist (Ed. C. W. Morris). Chicago: The University of Chicago.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2015
  • Aceito
    19 Dez 2015
Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: revistapsisoc@gmail.com