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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA APOSENTADORIA E INTENÇÃO DE CONTINUAR TRABALHANDO

REPRESENTACIONES SOCIALES DE LA JUBILACIÓN Y INTENCIÓN DE SEGUIR TRABAJANDO

SOCIAL REPRESENTATION OF RETIREMENT AND INTENTION OF CONTINUE WORKING

Resumo

O objetivo deste estudo foi analisar representações sociais atribuídas à aposentadoria por servidores públicos federais, identificando os aspectos mais enfatizados e suas implicações no processo de decisão trabalho-aposentadoria. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório e descritivo, realizada com 283 servidores que já faziam jus à aposentadoria ou se encontravam próximos (menos de 05 anos). Os dados coletados foram distribuídos em dois corpora: aposentadoria e expectativas. A análise lexicográfica foi realizada pela técnica de classificação hierárquica descendente, com o auxílio de um software de análise textual. Os resultados indicam a existência de padrões de significados de aposentadoria entre os sujeitos, estando a intenção de aposentar-se vinculada à ideia de usufruir o tempo e viver com mais qualidade, e o adiamento em resposta ao sentir-se atuante no trabalho, não ter atividades substitutivas, e enquanto estratégia contra a ociosidade.

Palavras-chave:
aposentadoria; significado do trabalho; intenção de aposentar-se

Resumen

El objetivo de este estudio es analizar las representaciones sociales atribuidas a la jubilación por parte de los servidores públicos, identificando los aspectos mas destacados y sus implicaciones en el proceso de toma de decisión trabajo-jubilación. Esta es una investigación cualitativa, exploratoria y descriptiva, realizada con 283 servidores que ya tiene derecho a la jubilación o están cerca (menos de 05 años). Los datos colectados se distribuyeron en dos corpus: jubilación y expectativas. El análisis lexicográfico se realizó usando la técnica de clasificación jerárquica descendiente, con la ayuda de software de análisis textual. Los resultados indican la existencia de estándares de significados de jubilación entre los individuos, siendo la intención de jubilarse vinculada a la idea de disfrutar del tiempo y vivir con más calidad, y el aplazamiento en respuesta a la sensación de actividad en el trabajo, no tener actividades sustitutas, y como estrategia contra la ociosidad.

Palabras-clave:
Jubilación; significado del trabajo; intención de jubilarse

Abstract

The aim of this study was to analyze the social representation of public workers' retirement and identify the most emphasized aspects, as well as its implications, for the retirement decision process. This study is a qualitative, exploratory and descriptive research, with 283 already retired public workers, or close to retirement (less than 05 years). Collected data were divided into two corpora: retirement and expectations. The lexical analysis was carried out according to descending hierarchical classification technique, with the aid of a textual analysis software. The results have shown that there were patterns of meaning of retirement among the participants, where retirement intention is linked to the idea of enjoying free time and better quality of life, while postponing of retirement is associated with being active at work and lacking replacement activities, as well as a strategy against idleness.

Keywords:
retirement; work meanings; retirement intention

Introdução

Atualmente, há um crescente debate a respeito do aumento da expectativa de vida e das consequentes implicações para a sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde e previdência social. Em âmbito mundial, políticas têm sido implantadas com o objetivo de aumentar a média de participação de trabalhadores mais velhos no mercado de trabalho (França, 2012França, L. (2012). Envelhecimento dos trabalhadores nas organizações: estamos preparados? In L. França & D. Stepansky (Orgs.). Propostas multidisciplinares para o bem-estar na aposentadoria (pp. 25-52). Rio de Janeiro: Quarter/FAPERJ .), e isso tanto no domínio da gestão pública como privada. O motivo é o envelhecimento da população mundial, Brasil incluso.

Esse novo cenário demográfico tem trazido nova impulsão às pesquisas sobre a decisão trabalho-aposentadoria, considerando o caráter multideterminado, complexo e dinâmico desse fenômeno. Diversas classes de variáveis, tanto relacionadas ao trabalho, a aspectos individuais, como também ao nível das organizações, instituições e cultura, podem atuar nessa decisão, a qual implica três possíveis desfechos: a aposentadoria definitiva, o adiamento da aposentadoria e permanência no mesmo trabalho, ou o trabalho após a aposentadoria (bridge employment) (França, Menezes, Bendassolli, & Macêdo, 2013França, L. H. F. P., Menezes, G. S., Bendassolli, P. F., & Macêdo, L. S. S. (2013). Aposentar-se ou continuar trabalhando? O que influencia esta decisão? Psicologia Ciência e Profissão , 33(3), 548-563.).

Os desfechos acima descritos compõem, na verdade, um processo complexo, no qual os aspectos psicológicos presentes precisam ser melhor esclarecidos. Beehr (1986Beehr, T. A. (1986). The process of retirement: A review and recommendations for future investigation. Personnel Psychology, 39, 31-55.) propôs um modelo de três estágios interconectados para se compreender as decisões relativas à aposentadoria. O primeiro envolve os pensamentos sobre a aposentadoria. O segundo consiste em um estágio de avaliação a respeito da disposição ou relutância diante da aposentadoria, configurando a intenção ou não de aposentar-se. E o último estágio é o próprio ato de aposentadoria, com a transição para uma situação de vida diferente. Esse modelo é sugestivo e foi escolhido porque destaca o papel dos pensamentos como precursores da intenção, e consequentemente da decisão de aposentadoria, realçando que a aposentadoria não acontece abruptamente. Pelo contrário, consiste de um processo e, como tal, sujeito a diversas fases, a ponderações por parte das pessoas, a reflexões sobre perdas e ganhos e, só então, consumando-se na decisão definitiva por aposentar-se. Zanelli (2012Zanelli, J. C. (2012). Processos psicossociais, bem-estar e estresse na aposentadoria. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 12(3), 329-340.) aponta que esse período de transição requer um enfrentamento adequado dos estressores envolvidos, facilitado pelos programas de preparação ou orientação à aposentadoria (PPA), embora haja estigmatização e rejeição social dessa transição pelo significado implícito de término.

Uma classe adicional de fatores que influenciam nessas decisões sobre a aposentadoria são as representações desenvolvidas culturalmente sobre ela. A visão tradicional de que a aposentadoria significa a saída do trabalho remunerado tem sido revisitada. Primeiro, pois a aposentadoria, na atualidade, possui múltiplos significados, os quais se associam a atitudes positivas (favoráveis) ou negativas (desfavoráveis). Por exemplo, alguns estudos indicam que a aposentadoria se relaciona a representações como improdutividade, inutilidade e velhice (e.g., Zanelli, Silva, & Soares, 2010Zanelli, J. C., Silva, N., & Soares, D. H. P. (2010). Orientação para aposentadoria nas organizações de trabalho. Porto Alegre: Artmed .). No trabalho desenvolvido por Cruz (2011Cruz, M. A. G. (2011). Adiando a aposentadoria: um estudo sobre os fatores que levam servidores federais a adiar a aposentadoria em uma instituição de pesquisa. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Administração, Universidade de Taubaté, SP. ), com servidores federais, a aposentadoria é retratada como momento que permite às pessoas terem mais tempo para realizar novas atividades, iniciando uma nova etapa da vida. No entanto, a maioria dos participantes do estudo não se sentia preparada para aposentar-se. O mesmo foi identificado por Bressan, Mafra, França, Melo e Loretto (2012França, L. H. F. P., Menezes, G. S., & Siqueira, A. R. (2012). Planejamento para aposentadoria: a visão dos garis. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 15(4), 733-745.), que também observaram em servidores emoções como medo e insegurança frente às perdas relativas ao trabalho.

Neste estudo, assumimos que o processo de aposentadoria e, dentre as decisões, a do adiamento, são influenciados pelo sentido atribuído à primeira. Em termos teóricos, sentido é aqui entendido como produção coletiva de um grupo, como representações formadas e compartilhadas acerca de um determinado objeto social. Isso inscreve este estudo na tradição de investigações sobre representações sociais (Doise, 1994Doise, W. (1994) Attitudes et représentations sociales. In D. Jodelet (Ed.), Les représentations socialaes (pp. 220-238). Paris: Presses Universitaires.; Jodelet, 2001Jodelet, D. (2001). Representações sociais: um domínio em expansão. In As representações sociais (pp. 18-43). Rio de Janeiro: UERJ.; Moscovici, 2001Moscovici, S. (2001). Das representações coletivas às representações sociais: elementos para uma história. In D. Jodelet (Ed.), As representações sociais (pp. 45-68). Rio de Janeiro: UERJ .). O motivo dessa escolha se deve ao fato de as representações sociais serem recursos utilizados para se definir e interpretar objetos sociais (na forma de repertórios de sentido), auxiliando as pessoas no seu cotidiano a posicionarem-se e, consequentemente, a tomarem decisões. Logo, permitem compreender como as pessoas se comportam e justificam esse comportamento.

Essa premissa também é corroborada pela literatura sobre aposentadoria. Por exemplo, em pesquisa com servidores federais em fase de pré-aposentadoria (aptos ou até cinco anos antes), Fôlha e Novo (2011Fôlha, F. A. S. & Novo, L. F. (2011). Aposentadoria: significações e dificuldades no período de transição a essa nova etapa da vida [Trabalho completo]. In XI Colóquio Internacional sobre Gestão Universitária na América do Sul, II Congresso Internacional IGLU, Florianopólis: Instituto de Pesquisas e Estudos em Administração Universitária. Acesso em 07 de julho, 2014, em Acesso em 07 de julho, 2014, em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/26133
https://repositorio.ufsc.br/handle/12345...
) sugerem haver relação entre os significados atribuídos à aposentadoria e à tomada de decisão de aposentar-se. Esses autores esclarecem que tais significados se modificam e apresentam conotações negativas à medida que o momento da aposentadoria se aproxima. As representações sociais diferem de acordo com a idade, o status de emprego, o grupo social (Roland-Lévy & Berjot, 2009Roland-Lévy, C. & Berjot, S. (2009). Social representations of retirement in France: A descriptive study. Applied Psychology: An International Review, 58(3), 418 -434. ). O estudo de Graeff (2002Graeff, L. (2002). Representações sociais da aposentadoria. Envelhecimento, 4(7), 19-34. ), com aposentados, encontrou três categorias compreensivas referentes à representação social da aposentadoria: prêmio, férias e segunda vida, evidenciando a perspectiva de um evento de vida atrelado ao fim de uma etapa e ao início de uma outra fase, onde o não trabalho predomina. Por sua vez, Silva (1999Silva, M. G. S. (1999). Idosos aposentados: representações do cotidiano. Estudos Interdisciplinares do Envelhecimento, 1, 91-104.) explica que o trabalho é pouco presente nas práticas cotidianas dos aposentados, os quais parecem se tornar menos tolerantes à hierarquia e à disciplina necessária à vida laboral. França, Menezes e Siqueira (2012França, L. H. F. P., Menezes, G. S., & Siqueira, A. R. (2012). Planejamento para aposentadoria: a visão dos garis. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 15(4), 733-745.) encontraram, em um estudo com agentes de limpeza urbana, uma visão da aposentadoria associada às condições de trabalho, relacionamento familiar e promoção de sua saúde.

Considerando esse quadro teórico, o objetivo geral deste artigo é contribuir para a análise da aposentadoria especificamente no contexto do serviço público. A escolha por esse setor se deve ao fato de que quase metade desses servidores estão acima dos 50 anos e próximos da aposentadoria (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos -OCDE, 2010Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos - OCDE. (2010). Avaliação da Gestão de Recursos Humanos no Governo -Relatório da OCDE. Brasília, DF: Autor.). Informações veiculadas pela mídia dão conta de que mais de 95 mil servidores do poder executivo já recebiam incentivo financeiro (abono de permanência) para adiar a aposentadoria (Bonfanti, 2013Bonfanti, C. (04/03/2013). Governo evita aposentadoria de servidores com abono permanência. O Globo. Acesso em 25 de junho, 2013, em Acesso em 25 de junho, 2013, em http://oglobo.globo.com/brasil/governo-evita-aposentadoria-de-servidores-com-abono-permanencia-7742444
http://oglobo.globo.com/brasil/governo-e...
). Em consonância com a pesquisa de França e Soares (2009França, L. H. F. P. & Soares, D. H. P. (2009). Preparação para aposentadoria como parte da educação ao longo da vida. Psicologia Ciência e Profissão, 29(4), 738-751.), esse estímulo à continuidade do trabalho não pode prescindir de um diagnóstico sobre as percepções desses trabalhadores diante da aposentadoria e seu planejamento. Em termos específicos, o estudo visa a analisar as representações sociais da aposentadoria para servidores de uma Instituição de Ensino Superior (IES) e, como anteriormente aludido, explorar possíveis associações entre tais representações e a intenção de se aposentar ou de continuar trabalhando. Espera-se contribuir com subsídios para a gestão de pessoas no setor público.

Método

Participantes

Este estudo foi realizado com 283 servidores federais de uma IES do Nordeste (174 mulheres e 109 homens), cujo critério de inclusão (amostragem por conveniência) era o de serem servidores ativos permanentes já fazendo jus à aposentadoria ou há menos de cinco anos do tempo previsto. A idade dos participantes variou de 48 a 69 anos (M = 56,85; DP = 5,1). Quanto ao cargo, 103 servidores eram docentes, e 180 Técnico-administrativos (TA). E a média do tempo de contribuição é de 34 anos (DP = 4,4), com 62,5% dos servidores recebendo o abono de permanência - portanto, já em situação de adiamento da aposentadoria. A maioria (65%) é casada ou possui união estável. O nível de escolaridade é elevado, pois 71% já havia cursado alguma pós-graduação. O Quadro de Referências dos Servidores Técnico-administrativos classifica-os em cinco níveis: A, B, C, D e E, estando os cargos de nível A e B, e grande parte do nível C, extintos ou em extinção. Para este estudo, categorizamos os TAs participantes em duas classes, pela concentração do grau de escolaridade apresentado: TA de nível A, B e C (n = 52), com escolaridade de nível fundamental a médio, e TA de nível D e E (n = 128), de superior incompleto a especialização.

Instrumento

As informações foram obtidas a partir de questões abertas em um questionário autoadministrado em suporte on-line. A construção das questões levou em conta aspectos conceituais de pesquisas com representações sociais (Doise, 1994Doise, W. (1994) Attitudes et représentations sociales. In D. Jodelet (Ed.), Les représentations socialaes (pp. 220-238). Paris: Presses Universitaires.; Jodelet, 2001Jodelet, D. (2001). Representações sociais: um domínio em expansão. In As representações sociais (pp. 18-43). Rio de Janeiro: UERJ.). Operacionalmente, as questões versavam sobre o que era aposentadoria (seu sentido/representação), expectativas sobre a aposentadoria, e a existência de posicionamento favorável ou desfavorável em relação a continuar trabalhando - adiar a aposentadoria ou aposentar-se e voltar a trabalhar. Adicionalmente, foram solicitadas informações de natureza sociodemográfica e profissional, como, por exemplo, sexo, cargo, escolaridade e estado civil.

A presente investigação se deu em conformidade com as exigências éticas e aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa. Os participantes foram convidados, individualmente, por e-mail disponibilizado pelo setor de gestão de pessoas da instituição, e após terem acesso às principais informações sobre a pesquisa, declaravam anuência no termo de consentimento, podendo em seguida responder ao questionário. Foram considerados questionários válidos apenas aqueles totalmente preenchidos e finalizados.

Procedimentos de análise de dados

Os dados foram analisados utilizando-se a técnica lexicográfica de Classificação Hierárquica Descendente (CHD), gerada com o auxílio de um software gratuito de análise textual (IRAMUTEQ) coerente com o referencial teórico adotado (Camargo & Justo, 2013Camargo, B. V. & Justo, A. M. (2013). Iramuteq: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicologia, 21(2), 513-518. ). Esse tipo de análise possibilita maior agilidade na organização de um grande volume de dados textuais, revelando campos de referências semelhantes (classes) em função da frequência das palavras utilizadas e variáveis descritoras dos participantes (sexo, cargo e intenção de continuar trabalhando). Portanto, as classes foram identificadas com base em critérios de semelhança/dessemelhança de palavras, visando à identificação de diferentes narrativas sobre um determinado tema - no caso, a aposentadoria (Kronberger & Wagner, 2008Kronberger, N. & Wagner, W. (2008). Palavras-chave em contexto: análise estatística de textos. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som (pp. 189-217). Petrópolis, RJ: Vozes.). A interface do programa ainda permite a recuperação dos textos constituintes de cada classe no corpus original. O emprego de cálculos estatísticos qualifica o material classificado, mas não exime o pesquisador das etapas subsequentes de análise: exploração das associações encontradas e interpretação do conteúdo simbólico. Na literatura sobre métodos qualitativos, essa característica é apontada como decisiva para rotular essa técnica como pertencente à tradição qualitativa mais amplamente falando (e.g., Flick, 2004Flick, U. (2004). Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed. ).

O conjunto de respostas a cada questão aberta constituiu um corpus de análise, e cada resposta foi definida como um segmento de texto ou unidade de contexto elementar (UCE). Os corpora contribuíram para a compreensão dos significados atribuídos à aposentadoria por permitir: (a) explorar representações sociais da aposentadoria; e (b) inferir sobre as preferências e intenção de continuar trabalhando associadas àquelas representações. As relações entre as classes encontradas na CHD foram representadas em um dendograma, sendo o critério de inclusão a frequência de palavras (maior ou igual à média de ocorrência, ou com 100% de porcentagem na classe), e o χ²(1) ≥ 3,84 (indicador da associação da palavra à classe) com nível de significância de p < 0,05. Além disso, foram incluídos na descrição dos resultados agrupamentos de palavras sinônimas ou com o mesmo radical que não foram reconhecidos pelo programa, e por isso não atingiram o critério de frequência, mas tiveram significância estatística e importância na descrição de classes.

Resultados

Organizamos os resultados em duas seções, coerentes com os objetivos deste estudo. Na primeira, descrevemos o conteúdo das representações de aposentadoria para os participantes, isto é, apresentamos os repertórios utilizados por eles para significarem esse objeto social. Na segunda seção, apresentamos as expectativas dos participantes sobre a aposentadoria, incluindo nessa seção aspectos relativos às intenções em relação ao assunto, isto é, conteúdos de favorabilidade (visão positiva) ou desfavorabilidade (visão negativa) em relação a aposentar-se e as implicações disso para o próprio sujeito.

O significado de aposentadoria

O corpus Aposentadoria foi dividido em 282 UCE, apresentando 1.502 formas gramaticais, que ocorreram 8.237 vezes (M = 5,5). A CHD reteve 82,27% do corpus, ou seja, 232 segmentos de texto. Durante a classificação, o corpus se dividiu por três vezes até ocorrer uma estabilização do conteúdo e contextos das palavras. Como resultado de tais divisões, cinco classes foram originadas. Observa-se uma oposição das classes 2 e 3 em relação às demais.

Figura 1:
Classificação hierárquica descendente do corpus Aposentadoria

Seguindo a ordem de aparecimento das classes, verificamos que a primeira classe a ser composta foi a classe 5, a segunda maior desse corpus. Nesta classe a aposentadoria é representada como uma “nova etapa de vida”. Os docentes foram os que mais contribuíram para a sua formação (χ² = 13,7; p < 0,001). A noção de “etapa” ocorre também com palavras como “fase” e “ciclo”. Na percepção dos respondentes, o “novo” surge como sinônimo de mudanças do modo de viver. Novas atividades (profissionais e de lazer) são pensadas, caracterizando a imagem de um tempo de vida com outras realizações e crescimento pessoal.

Para exprimir o início de outra etapa da vida, os respondentes fazem várias considerações que simbolizam o encerramento formal do ciclo da vida profissional. O “término” (f = 5; 83,33%; χ²= 12,44; p < 0,001) do trabalho é ainda destacado por meio de outros sinônimos (e.g., interrupção, pausa, ruptura, cessar, conclusão, desligamento, retirada, etc.), totalizando 23 ocorrências. Poucos pensam em continuar trabalhando, a não ser que o trabalho tenha um menor grau de exigência. É sinalizado que a mudança radical de ritmo possa ser de “difícil adaptação”, existindo ainda o receio de isolamento e depressão.

Contudo, para a maioria, a aposentadoria surge como uma “oportunidade”, permitindo total “liberdade” para realizar novas escolhas, novos projetos, novos caminhos, em contraste com a vida atual, como ilustra o recorte da resposta de um dos participantes:

A aposentadoria seria apenas o término de uma fase profissional ativa e o início de outra completamente diferente da anterior. Menos exigências, menos pressão por resultados e mais liberdade. Acho que nesse momento se inicia um novo tempo em que podemos associar trabalho de natureza diferente com outras atividades prazerosas, principalmente, viajar, praticar esportes, teatro, cinema, leitura. (Docente, masculino)

Na classe 4, com maior concentração do sexo feminino, a aposentadoria é o “tempo para usufruir a vida”. Aqui, a continuidade do trabalho não é almejada. A noção de “ter tempo” livre do trabalho para “poder aproveitar, usufruir e desfrutar” (f = 3; χ² = 5,08; p < 0,05) a “vida”, o “lazer”, o direito de aposentadoria, parece confirmar a ideia de que as obrigações do trabalho impediam a pessoa de fazer essas coisas, como ilustra esse excerto: “Aposentadoria é deixar de trabalhar e usufruir o tempo livre de forma agradável” (Docente, feminino). Os elementos “mais, maior e melhor” aparecem reforçando a ideia de comparação e intensidade, de forma que estar aposentado implicaria viver o tempo com mais qualidade do que o tempo vivido no trabalho. Os TA de nível D e E foram os que mais contribuíram para a formação dessa classe (χ²=4,03; p < 0,05).

Para a classe 1, também com maior concentração do sexo feminino, a aposentadoria é “ficar em casa ocioso”. As pessoas desta classe compartilham da percepção de que parar de trabalhar significa “ficar sem vida”. Como diz uma servidora: “Não estou preparada, porque para mim aposentadoria é ficar sem fazer nada. Gosto muito do meu trabalho... Enquanto eu puder ir levando, eu vou até o meu limite” (TA - nível D).

Embora a aposentadoria também seja vista como a “hora” de recomeçar, de ter liberdade para fazer o que gosta, de “descansar e repousar”, a maioria considera isso inoportuno e desnecessário, como parece explícito na ilustração: “Para mim, a aposentadoria envolve alguma perda financeira. Como eu não tenho mais filho pequeno, não vejo necessidade de me aposentar e ficar sem ter o que fazer em casa” (TA - nível C, feminino).

Parar de trabalhar é visto como desgastante, existindo o receio de acomodação, isolamento, depressão, doença, morte. Um servidor afirma que: “A pessoa trabalhando vive mais!” (TA - nível C, masculino). O trecho sugere que a intenção é “continuar trabalhando” mesmo após a aposentadoria, evitando-se, assim, a ociosidade. As pessoas desta classe parecem não se sentir preparadas para se afastar do trabalho, não imaginando atividades substitutivas, e sim atividades de trabalho mais leves. Contribuíram para a formação desta classe os servidores que têm a intenção de adiar a aposentadoria e permanecer no emprego atual (χ²=4,71; p<0,05), e TAs de nível A, B e C (χ²=18,05; p<0,0001).

Para a classe 3, a maior desse corpus, a aposentadoria é um “direito do trabalhador”, predominando, nas respostas classificadas, referência aos requisitos legais, conforme esse exemplo: “Aposentadoria é o direito que o trabalhador tem de, após vários anos trabalhando e contribuindo para a previdência social, continuar a receber um salário sem precisar mais trabalhar” (Docente, masculino). A aposentadoria é vista como o encerramento de um vínculo de obrigações para o usufruto de direitos, denotando a relação entre o fim da carreira e o dever cumprido perante a sociedade. A noção de ter completado o tempo de trabalho é bastante destacada com palavras como “cumprir, cumprimento (f = 4; 80%; χ² = 8,24; p < 0,01), serviço, contribuição, contribuir, período e determinado”.

Para a classe 2, a aposentadoria é um “descanso merecido”, como ilustra esse servidor: “Aposentadoria é o momento em que o trabalhador, depois de cumprir uma jornada de trabalho, tem o seu descanso merecido, o qual poderá gozar com a família” (TA - nível D). O descanso vem em compensação aos anos obrigatórios exigidos pela lei, o que é enfatizado com expressões como “muitos anos”, “tantos anos”, “anos a fio”, “vários anos”, “todos esses anos”, e que se repete com palavras como décadas, jornada, decorrido o tempo, ou citando os 30 ou 35 anos de trabalho. Por isso, a aposentadoria representa um “merecido” (f = 3; 75%; χ² = 10,59; p < 0,01) “prêmio” (f = 3; 60%; χ² = 7,4; p < 0,01), noção que se repete com palavras como “recompensa, coroação, e premiação”, totalizando sete ocorrências.

Expectativas e intenções diante da aposentadoria

Neste corpus, a classificação reteve 81,21%, ou seja, 229 segmentos de texto do total de 282. A análise relacionou 1.683 formas gramaticais, que ocorreram 8.099 vezes, com a média de 4,8 palavras por forma. O corpus se dividiu e, após três partições, constituiu cinco classes diferentes. As partições geraram uma polarização entre as classes 1 e 5, de um lado, e as classes 3, 2 e 4, de outro. O conteúdo do primeiro subcorpus, formado pelas classes 3, 2 e 4, reflete, sobretudo, a questão da continuidade do trabalho. Já o conteúdo do segundo subcorpus apresenta representações positivas relacionadas à aposentadoria e ao uso do tempo em benefício de outras atividades não laborais. As relações interclasses e as palavras mais significativas estão ilustradas no dendograma na Figura 2.

Figura 2:
Classificação hierárquica descendente do corpus Expectativas

A maioria dos participantes da classe 4 destaca que ainda “não pensa na aposentadoria”, como ilustra essa resposta: “Como não penso ainda na aposentadoria, simplesmente não coloco a aposentadoria como um passo muito próximo de mim” (TA - E, feminino). Pensar na aposentadoria é desvincular-se do trabalho, é a inatividade. A esquiva desse assunto se evidencia ao se mencionar a falta de preparo e de planos concretos para esse momento. Consequentemente, há certa dificuldade de criar possibilidades futuras, existindo ainda o receio de não se adaptar ou de não conseguir fazer o que gostaria: “Não estou pronta, embora tenha mais de 40 anos de contribuição...” (TA - nível E, feminino). Aqueles que conseguem elencar alguma atividade terminam por eleger o trabalho voluntário ou iniciar outro ciclo profissional, evidenciando a importância do trabalho em suas vidas. Embora a maioria já tenha adquirido o direito à aposentadoria, se veem como pessoas joviais, novas, atuantes e em condições de continuar a contribuir. Servidores que parecem não estar certos quanto ao fácil ajustamento à aposentadoria contribuíram para a formação dessa classe (χ² = 6,2; p < 0,05), demonstrando a incerteza sobre o momento da aposentadoria.

Para a classe 3, “não ter atividades substitutivas ao trabalho” (proporcionalmente, a menos expressiva desse corpus), revela, diferentemente da classe anterior, expectativas positivas e o planejamento de algumas atividades (fazer cursos, viajar, visitar, viver com a família, viver de forma saudável, viver sem hora marcada...). Mas, com exceção de continuar trabalhando menos horas ou num negócio próprio, as palavras associadas à aposentadoria parecem revelar atividades pouco planejadas, sem rotina estabelecida, como evidenciam alguns elementos como: “hora, semanal, profissional, fazer, ser.”. Os respondentes que não se sentem confiantes quanto ao fácil ajustamento à aposentadoria (χ² = 6,68; p < 0,01) e os que concordam em adiar a aposentadoria e permanecer no emprego atual (χ² = 4,5; p < 0,05) foram os que mais contribuíram para a formação desta classe.

Na classe 2, a maioria dos respondentes enfatiza que pretende “continuar trabalhando”, seja até a idade da aposentadoria compulsória, ou mesmo após a aposentadoria. O trabalho que visualizam pode ser em outro lugar, de forma autônoma, ou até o trabalho voluntário, surgindo como uma das estratégias para evitar a ociosidade, a depressão e o adoecimento, considerados consequência do parar totalmente. Somado a isso, há o pensamento de manter a capacidade física e mental, praticando atividades físicas e outras atividades que tragam bem-estar, tais como trabalhos manuais, arte, leituras, estudos. Para os participantes, o ritmo de trabalho ideal poderia ser conciliado com essas outras atividades. A possibilidade de se aposentar não é descartada, mas se reconhece a necessidade de preparo, de atingir antes alguns objetivos traçados e de se ter outras atividades para preencher o vazio. Os servidores TAs do nível A, B e C foram os que mais contribuíram para esta classe (χ² = 5,68; p < 0,05). Adicionalmente, 70% dos respondentes concordam em adiar a aposentadoria, contudo não há uma significância estatística para esse dado.

Para a classe 5, “poder ter mais tempo” é o atrativo e o principal ganho relacionado à aposentadoria. Nesta classe destaca-se a intenção de investir nos relacionamentos afetivos. Essa noção é apresentada em palavras que sugerem a importância de ter mais tempo para “cuidar”, dar mais “atenção, curtir, visitar”. São mencionadas, além dos amigos, várias relações de parentesco. As pessoas que se aglutinam nesta classe esperam realizar atividades que eram restringidas ou impedidas até então, como ilustra este exemplo: “pretendo viajar bastante, ler, ouvir música, ir ao cinema, visitar os amigos, curtir a família, sobrinhas... Tudo que o trabalho não me permitiu fazer” (TA - nível E, feminino). A continuidade do trabalho também é mencionada (f=14), mas surge apenas como mais uma das atividades a serem realizadas, contribuindo com o propósito de se manter ativo.

A classe 1 compartilha a expectativa de “viver com mais qualidade” na aposentadoria. Uma vida sem cobranças, sem hora marcada, sem estresse, com mais autonomia e o sentimento de dever cumprido. Semelhantemente à classe 5, as respostas sugerem a noção de aproveitar melhor o tempo antes destinado ao trabalho. Na classe 1 fica evidente uma oposição entre trabalho e qualidade de vida, uma vez que a condição de continuar trabalhando se relaciona ao fato de que o trabalho não atrapalhe uma vida com mais qualidade. Contribuíram para a formação desta classe, predominantemente, os servidores que estão confiantes quanto ao seu fácil ajustamento à aposentadoria (χ² = 9,78; p < 0,01) e respondentes que discordam em adiar a aposentadoria (χ² = 7,34; p < 0,01).

Discussão

O presente estudo buscou analisar as representações sociais da aposentadoria para servidores públicos federais, partindo do pressuposto que tais representações orientam preferências, intenções e decisão de aposentar-se. A seguir, fazemos uma síntese dos principais achados e articulamos sua relação com a questão central desta investigação, relacionada ao processo de aposentar-se (preferências e intenção).

A análise dos dados textuais produzidos pelos servidores públicos indica a existência de cinco categorias de representações da aposentadoria: direito do trabalhador, descanso merecido, ociosidade, nova etapa de vida, e tempo para usufruir. Revela, assim, uma ampliação no repertório cultural voltado à significação desse objeto social, uma vez que não se verifica apenas uma única significação para aposentadoria - por exemplo, como a tradicional “saída do mercado de trabalho remunerado”, aludida na introdução deste artigo.

O que esta pesquisa revela é uma pluralidade semântica para o termo, com suas respectivas repercussões psicossociais. Com isso, nota-se correspondência desse resultado com outros já apontados na literatura. Por exemplo, Sargent, Bataille, Vough e Lee (2011Sargent, L. D., Bataille, C. D., Vough, H. C., & Lee, M. D. (2011). Metaphors for retirement: Unshackled from schedules. Journal of Vocational Behavior, 79(2), 315-324.) identificaram o sentido do trabalho para 35 executivos canadenses aposentados. Encontram oito metáforas para descrever o sentido de aposentadoria para essas pessoas, incluindo tanto sentido negativos (como perda de propósito e identidade) como sentidos positivos, como a maior liberdade e autonomia propiciadas pelo término da vida laboral. Em estudo mais recente, Sargent, Lee, Martin e Zikic (2013) argumentam sobre o fato de que novos significados em relação à aposentadoria envolvem novos arranjos sociais, novas formas de conceber a vida, o tempo e a relação com a sociedade - levando a decisões como se envolver em empreendedorismo social, ou ao voluntariado, ao à exploração de novas potencialidades. Assim, os sentidos da aposentadoria estão intimamente ligados à ação nessa etapa da vida.

Sentidos, aposentadoria e trabalho

A representação da aposentadoria como um direito do trabalhador reflete a visão dessa como uma troca justa. Atesta que o indivíduo cumpriu o seu dever perante a sociedade pelo tempo determinado, podendo então receber o seu benefício como acordado em lei. Essa concepção foi desenvolvida ao longo do século XX, fruto do processo de organização social do trabalho e das lutas sindicais (Sargent, Lee, Martin, & Zikic, 2013Sargent, L. D., Lee, M. D., Martin, B., & Zikic, J. (2013). Reinventing retirement: new pathways, new arrangements, new meanings. Human Relations, 66(1), 3 -21.). Semelhantemente, a aposentadoria representada como um descanso merecido simboliza uma recompensa em contraponto aos longos anos dedicados ao trabalho - visto como esforço, emprego de tempo e energia. Embora essas representações não tenham se vinculado, significativamente, à intenção de aposentadoria (Beehr, 1986Beehr, T. A. (1986). The process of retirement: A review and recommendations for future investigation. Personnel Psychology, 39, 31-55.), elas exprimem pensamentos de cumprimento do dever, de legalidade e de alívio da fadiga do trabalho como justificativas sociais para a aposentadoria.

A representação da aposentadoria como uma nova etapa de vida e um tempo para usufruir foram apresentadas como uma conotação positiva. Aqui a aposentadoria é vista como um recomeço, um período de liberdade e oportunidade para se dedicar a outras esferas da vida restringidas pelo trabalho. Esse tipo de representação pode sinalizar uma tendência favorável à decisão de aposentar-se, como já verificado por Sargent, Lee, Martin e Zikic (2013Sargent, L. D., Lee, M. D., Martin, B., & Zikic, J. (2013). Reinventing retirement: new pathways, new arrangements, new meanings. Human Relations, 66(1), 3 -21.). Reafirmando essas representações, destaca-se a formação de duas classes de expectativas referindo-se à aposentadoria como um período marcado pela existência de mais tempo para investir nos relacionamentos familiares e viver com mais qualidade. Esta última encontra-se vinculada à intenção de aposentar-se e à percepção de um fácil ajustamento na aposentadoria. Os achados até aqui relatados podem sugerir novos insights sobre os fatores que influenciam na decisão pela aposentadoria, indo além do modelo das “perdas e ganhos” que se disseminou no Brasil, por exemplo, com o trabalho de França e Vaughan (2008França, L. & Vaughan, G. (2008). Ganhos e perdas: Atitudes dos executivos brasileiros e neozelandeses frente à aposentadoria. Psicologia em Estudo, 13(2), 207-216.).

Observa-se, a partir do conteúdo das representações sintetizado por essas classes, que a ideia de trabalhar não é uma atividade que se extingue em definitivo com a aposentadoria, mas como algo que perde sua centralidade diante das outras esferas da vida. Esses participantes continuam a pensar no trabalho como fonte de realização, de desenvolvimento pessoal, mas não como uma ocupação essencial ou de valor puramente econômico/instrumental. Parecem esperar do trabalho, após se aposentarem, resultados mais intrínsecos, tais como autonomia, flexibilidade e satisfação na interação interpessoal que pode ser proporcionada por um trabalho voluntário, ou em novos projetos profissionais que não restrinjam a dedicação aos outros espaços da vida. Com isso, podemos sugerir haver uma conexão entre representação social da aposentadoria e uma percepção de mudança de aspectos da identidade, na medida em que, gradativamente, ela vai se descolando do trabalho e passa a incorporar outros papéis, outras possibilidades existenciais (Zanelli, Silva, & Soares, 2010Zanelli, J. C., Silva, N., & Soares, D. H. P. (2010). Orientação para aposentadoria nas organizações de trabalho. Porto Alegre: Artmed .).

A aposentadoria como perda se caracteriza a partir da ociosidade, mas, em nosso estudo, diferentemente de Fôlha e Novo (2011Fôlha, F. A. S. & Novo, L. F. (2011). Aposentadoria: significações e dificuldades no período de transição a essa nova etapa da vida [Trabalho completo]. In XI Colóquio Internacional sobre Gestão Universitária na América do Sul, II Congresso Internacional IGLU, Florianopólis: Instituto de Pesquisas e Estudos em Administração Universitária. Acesso em 07 de julho, 2014, em Acesso em 07 de julho, 2014, em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/26133
https://repositorio.ufsc.br/handle/12345...
) e Bressan et al. (2012Bressan, M. A. L. C., Mafra, S. C. T., França, L. H. F. P., Melo, M. S. S., & Loretto, M. D. S. (2012). Aposentadoria e trabalho: percepções de servidores públicos de uma universidade federal. In L. França & D. Stepansky (Orgs.), Propostas multidisciplinares para o bem-estar na aposentadoria (pp. 199-221). Rio de Janeiro: Quarter/FAPERJ.), há pouquíssimas referências, implícitas ou explícitas, ao envelhecimento. Os primeiros autores encontraram que, à medida que a aposentadoria se aproximava, aumentavam as conotações negativas a ela associadas, especialmente o sentido de inutilidade e de “velhice”. Inferimos que o ócio indicado pelos servidores participantes do presente estudo está associado à inatividade, acomodação, depressão, reafirmado pela expectativa de não se ter atividades substitutivas ao trabalho, independentemente da idade que se tenha.

Outro ponto relevante dos achados é que a ausência de trabalho remete ao retorno ao ambiente doméstico, algo que não é atrativo para alguns devido às dificuldades familiares ou à percepção de que as atividades domésticas não são significativas. Esse tipo de representação parece levar a pessoa a vislumbrar potenciais dificuldades de ajustamento na aposentadoria, refletindo, na prática, em sua intenção de adiar a decisão e permanecer trabalhando. Esse achado é convergente com o encontrado por Pires et al. (2013Pires, A. S., Ribeiro, L. V., Souza, N. V. D. O., Sá, C. M. S., Gonçalves, F. G. A., & Santos, D. M. (2013). A permanência no mundo do trabalho de profissionais de enfermagem com possibilidade de aposentadoria. Ciência, Cuidado e Saúde, 12(2), 338-345.), cujos participantes tenderam a associar ociosidade e monotonia ao espaço doméstico. Voltar para esse espaço, portanto, é algo não desejado pelas pessoas. Ao mesmo tempo, novas investigações poderiam explorar o modo como se constroem os sentidos sobre o espaço doméstico, especialmente porque outros estudos têm apontado a importância da avaliação da qualidade das relações familiares na aposentadoria (e.g., Azevedo & Carvalho, 2006Azevedo, R. P. C. & Carvalho, A. M. A. (2006). O lugar da família na rede social do lazer após a aposentadoria. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 16(3), 76-82.; França, 2012França, L. H. F. P., Menezes, G. S., & Siqueira, A. R. (2012). Planejamento para aposentadoria: a visão dos garis. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 15(4), 733-745.).

Das representações às práticas

Os resultados deste estudo mostram que a intenção de se aposentar e a confiança quanto ao ajustamento estão relacionadas, significativamente, a uma imagem positiva da aposentadoria, e à expectativa de viver com mais qualidade. Semelhantemente, aqueles que representam a aposentadoria como um tempo para usufruir com atividades que tragam bem-estar, e esperam investir nos relacionamentos familiares, também estão mais confiantes e inclinados à aposentadoria. Em contrapartida, a decisão de adiar esta última está significativamente relacionada à representação da aposentadoria como ociosidade, à ausência de atividades que pareçam consistentes ou suficientes para substituir o trabalho (em termos de conteúdo significativo), e à perspectiva de retorno a um ambiente doméstico não atrativo, o que reduz a confiança de um fácil ajustamento. Além disso, para servidores que se percebem ainda como novos e atuantes, com condições de contribuir, a aquisição do direito não é uma circunstância determinante para desvincular-se do trabalho.

Assim, os achados deste estudo sugerem haver uma relação negativa (inversa) entre as representações sociais da aposentadoria e a intenção de continuar trabalhando, de modo que, quando as representações assumem um conteúdo mais negativo, o trabalho assume um valor central para o sujeito e a intenção de continuar trabalhando persiste. Do contrário, quando as representações sociais da aposentadoria são mais positivas, o trabalho divide espaço com outras atividades e dimensões da vida do sujeito e a intenção de aposentar-se revela-se mais evidenciada. Porém, seria a representação social da aposentadoria, tal como discutida neste artigo, algo estruturado, coerente e, como tal, definitivo? No campo das representações sociais, embora algumas de suas abordagens sugiram a existência de “núcleos centrais” para essas representações (e.g, Sá, 1996Sá, C. P. (1996). Representações sociais: teoria e pesquisa do núcleo central. Temas de Psicologia, 4(3), 19-33.), isso não implica que elas sejam definitivas, “blocos” fechados de sentidos. Primeiro, pois, como apresentado nesta pesquisa, há várias significações para a aposentadoria, mesmo para uma mesma pessoa - e elas não compõem, necessariamente, um ordenamento rígido, mas são compostas por distintas elaborações significativas. Segundo, pois as próprias representações/significações são processos dinâmicos, em contínua elaboração/reelaboração. Embora não tenha sido o propósito deste estudo investigar o núcleo central dessas representações, e em que pesem as ponderações anteriores, podemos notar certas tendências, certas convergências nas falas e posições das pessoas (algo contido na própria ideia de classes, conforme explicitado no método), levando a associações com a decisão da aposentadoria. Tal associação, cuja compreensão depende não apenas da técnica de análise empregada, mas da interpretação dos pesquisadores, sugere possibilidades, eventuais tendências ou direcionamentos, embora não de tipo “causais”.

Este estudo também mostrou que a presença ou ausência de planos e objetivos mais detalhados para a época da aposentadoria está significativamente associada ao nível de confiança quanto ao ajustamento nessa fase, influenciando nessa decisão - como também apontado por Fretz, Kluge, Ossana, Jones e Merikangas (1989Fretz, B. R., Kluge, N. A., Ossana, S. M., Jones, S. M., & Merikangas, M. W. (1989). Intervention targets for reducing preretirement anxiety and depression. Journal of Counseling Psychology, 36(3), 301-307.). Nesse contexto, a preparação para a aposentadoria se apresenta como um desafio político, econômico, coletivo e subjetivo. Se, por um lado, o governo utiliza estratégias para incentivar os trabalhadores a adiar a aposentadoria, por outro, ele tem a responsabilidade, ressaltada em lei, de fornecer o apoio necessário aos que desejam aposentar-se. Apesar disso, como aponta França (2012França, L. H. F. P., Menezes, G. S., & Siqueira, A. R. (2012). Planejamento para aposentadoria: a visão dos garis. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 15(4), 733-745.), são poucos os programas de preparação para a aposentadoria implantados, além de faltarem pesquisas que comprovem seus reais benefícios.

Cumpre destacar que características específicas do serviço público federal tenham contribuído para alguns achados apresentados neste artigo. Diferentemente do setor privado, esses servidores gozam de um vínculo empregatício estável, sendo comum que permaneçam muitos anos em uma mesma instituição, o que pode favorecer o adiamento e a dificuldade de enfrentamento da transição de aposentadoria. O fato de serem servidores de uma IES e o grau de escolaridade elevado apresentado denota que a maioria exerce um trabalho intelectual. Diversas características do grupo profissional podem ter contribuído para a composição de algumas classes, tais como: “ociosidade”, por TA de nível A, B e C; “tempo de usufruir a vida”, principalmente pelos TA de nível D e E; e “nova etapa de vida”, por docentes. Embora não tenha sido propósito do estudo, tais resultados podem estar associados à influência de diversas variáveis, como o nível de escolaridade, fatores econômicos, o estado civil, atributos do próprio trabalho ou o sentido do trabalho compartilhado pelo grupo. Assim, novos estudos poderiam considerar o papel social e o grupo profissional como aspectos a serem a avaliados na composição das representações sociais da aposentadoria e na decisão de aposentar-se.

Com a perspectiva de longevidade, espera-se um crescente estímulo ao prolongamento da vida de trabalho. Assim, o foco das preocupações na decisão trabalho-aposentadoria tem se centrado mais nas dificuldades ou pretensão de equilíbrio entre as diferentes áreas da vida do que sobre o próprio envelhecimento, confirmando a gradativa dissociação aposentadoria-velhice que outros autores têm observado (e.g., Gracia, González, & Peiró, 1996Gracia, F., González, P., & Peiró, J. M. (1996). El trabajo en relación con otros âmbitos de la vida. In J. M. Peiró & F. A. Prieto (Eds.), Tratado de psicologia del trabajo: aspectos psicosociales del trabajo (pp. 187-223). Madrid: Editorial Sintesis.). Esse fato se traduz em demanda de intervenção, no sentido do desenvolvimento da reflexão gradativa sobre o tema junto aos envolvidos, notadamente sobre o próprio envelhecimento como uma etapa do ciclo vital, situando a aposentadoria nesse contexto. Cumpre aos responsáveis por tais intervenções contribuir para o desenvolvimento de concepções realistas sobre o aposentar-se, minimizando o impacto de representações negativas e, por vezes, distorcidas.

Considerações finais

Para finalizar, podemos nos questionar sobre as contribuições práticas deste estudo. Em que pesem as sugestões que foram feitas, no decorrer desta seção, sobre novas explorações sobre o tema, identificamos ao menos duas contribuições principais. A primeira diz respeito à confirmação de achados já apresentados na literatura nacional sobre os sentidos da aposentadoria. Conforme pontuado nesta discussão, a maioria dos estudos brasileiros que se voltaram à exploração deste mesmo tema junto a servidores foi realizada em desenhos qualitativos com amostras reduzidas. O fato de um estudo como este, com amostra relativamente grande, ter chegado a constatações similares sobre os sentidos da aposentadoria contribui para a consolidação do conhecimento e para a integração de distintas metodologias.

Isso leva à segunda contribuição deste estudo, igualmente respaldada em achados de pesquisadores prévios. Trata-se da menor importância que pode ter, no âmbito dos programas de preparação para a aposentadoria (PPA), o quesito econômico da relação sujeito-trabalho. Como vimos, outro sentidos são produzidos sobre a aposentadoria, os quais dizem respeito à relação com o tempo, com a “liberdade” pessoal que se abre a partir do momento em que o trabalho não é mais vivenciado em seus aspectos restritivos (ligados às condições de trabalho, por exemplo), com os familiares, e com a própria atividade. Assim, uma ênfase nas dimensões instrumentais relacionadas à aposentadoria pode deixar de lado importantes fatores subjetivos que levam à decisão por aposentar-se. Portanto, uma contribuição central deste estudo é em alertar os envolvidos com PPAs sobre a importância central dos processos de produção de sentidos/representações sobre a aposentadoria, no que endossa a agenda de pesquisa proposta por Sargent, Lee, Martin e Zik (2013Sargent, L. D., Lee, M. D., Martin, B., & Zikic, J. (2013). Reinventing retirement: new pathways, new arrangements, new meanings. Human Relations, 66(1), 3 -21.).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    19 Jan 2015
  • Revisado
    10 Maio 2015
  • Aceito
    26 Jun 2015
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