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Sem medo do desemprego: o caso do movimento dos trabalhadores desempregados

Without fear of the unemployment: the case of the movement of unemployded workers

Resumos

Este artigo é uma síntese da pesquisa realizada junto ao Movimento dos Trabalhadores Desempregados - MTD, durante um curso de mestrado no Programa de Pós-graduação em da PUCRS. A investigação objetivou conhecer as articulações psicossociais entre o engajamento no movimento social e a possibilidade de superar o desemprego, a partir de entrevistas semi-estruturadas e observações participante de reuniões gerais dos acampados. O estudo revelou que o engajamento na proposta coletiva está vinculado a um projeto de reforma urbana, que viabilize moradia e trabalho para comunidades de desempregados. Esta pesquisa aponta alterações em níveis micro e macrossociais, advindas de resultados concretos, como a posse de quatrocentos hectares de terra cedidos pelo governo estadual e a proliferação de outras ações coletivas com características semelhantes.

desemprego; ação coletiva e mudança social; movimento social


This article is a synthesis of the research accomplished with the Movement of the Unemployed Workers (MUW), during a master's degree course in the Program of Masters degree in Social Psychology, in the PUCRS. The investigation objectified knows the psychosocial articulations between engagement in the social movement and the possibility to overcome the unemployment. The study centered in interviews semi-structured and participants observations of general meetings of the camped. The approach revealed that the engagement in the collective proposal is entailed to a project of urban reform, which makes possible dwelling and work for unemployed communities. The study points alterations in micro and macro social levels, occurred of concrete results, like the ownership of four hundred hectares of land given by the state government and proliferation of other collective actions with similar characteristics.

unemployment; collective action and social change; movement social


Sem medo do desemprego: o caso do movimento dos trabalhadores desempregados

Without fear of the unemployment: the case of the movement of unemployded workers

Patrícia Martins Goulart

Doutoranda em Psicologia Social Universidad Autônoma de Barcelona

RESUMO

Este artigo é uma síntese da pesquisa realizada junto ao Movimento dos Trabalhadores Desempregados – MTD, durante um curso de mestrado no Programa de Pós-graduação em da PUCRS. A investigação objetivou conhecer as articulações psicossociais entre o engajamento no movimento social e a possibilidade de superar o desemprego, a partir de entrevistas semi-estruturadas e observações participante de reuniões gerais dos acampados. O estudo revelou que o engajamento na proposta coletiva está vinculado a um projeto de reforma urbana, que viabilize moradia e trabalho para comunidades de desempregados. Esta pesquisa aponta alterações em níveis micro e macrossociais, advindas de resultados concretos, como a posse de quatrocentos hectares de terra cedidos pelo governo estadual e a proliferação de outras ações coletivas com características semelhantes.

Palavras-chave: desemprego, ação coletiva e mudança social, movimento social.

ABSTRACT

This article is a synthesis of the research accomplished with the Movement of the Unemployed Workers (MUW), during a master's degree course in the Program of Masters degree in Social Psychology, in the PUCRS. The investigation objectified knows the psychosocial articulations between engagement in the social movement and the possibility to overcome the unemployment. The study centered in interviews semi-structured and participants observations of general meetings of the camped. The approach revealed that the engagement in the collective proposal is entailed to a project of urban reform, which makes possible dwelling and work for unemployed communities. The study points alterations in micro and macro social levels, occurred of concrete results, like the ownership of four hundred hectares of land given by the state government and proliferation of other collective actions with similar characteristics.

Keywords: unemployment, collective action and social change, movement social.

Há alguns anos desenvolvi o hábito de guardar reportagens de jornais, artigos e pesquisas sobre o desemprego. Apesar de algumas folhas se encontrarem amareladas pelo tempo, as transformações no universo laboral representam um tema atual e intrigante, assim como uma preocupação constante para os trabalhadores. Vejamos.

Os dados de uma pesquisa obtidos na Região Metropolitana de Porto Alegre, em maio de 1999 revelam que o desemprego é considerado o maior temor da população, (Zero Hora, 1999). Enquanto, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece que mais de 60% dos brasileiros vivem através da economia informal, a margem da proteção social, e dos correspondentes direitos de representação ante o Estado (Gazeta Mercantil, 2002).

Por outro lado, os estudos psicossociais, evidenciam que o desemprego, não se restringe a fatores econômicos (BLANCH,2002) e sociais (POELKKI, 1997; HOWE et al., 2000), trazendo consigo uma gama de implicações clínicas (MURPHY & ATHANASOU, 1999; WADSWORTH, MONTGOMEY & BARTLEY, 1999; SAUREL et al. ,2000), que vão desde o comprometimento da auto-estima (SARRIERA, 1993; WACKER & KOLOBKOVA, 2000), até casos mais extremos, relacionados a suicídio (GUNNELL et al., 1999).

Mas foi a manchete anunciando que o recém-formado Movimento de Trabalhadores Desempregados (MTD), ocupou uma propriedade particular em Gravataí RS, reivindicando trabalho e moradia (ETCHICHURY, 2000), que me fez ir além das leituras e, literalmente, "por os pés no barro".

Quais os propósitos daquele movimento social? Quem integra o MTD? Como pretendem alcançar suas metas? De que forma aquele grupo se organiza?

Aproximar-me destas questões foram os objetivos da pesquisa de Mestrado, desenvolvidos na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS),11 Este estudo teve o apoio do Grupo de Pesquisa em Psicologia Comunitária (GPPC-PUCRS), coordenado pelo Prof. Dr.Jorge Castellá Sarriera, orientador da presente pesquisa. aonde procurei compreender o significado do MTD para os seus protagonistas, mais especificamente, no que se referia ao desemprego.

Penso que ao leitor interessará conhecer o contexto no qual esta pesquisa se originou, o aporte teórico de base, a metodologia adotada e os principais elementos que emergiram desta análise, e que em última instância pretendem ser o registro de uma alternativa laboral concreta, em tempos de incerteza.

MTD: DO PLANEJAMENTO À AÇÃO

Parto do princípio de que o pesquisadortrabalha mais intensamente naquilo que se identifica, e ao aprender mais sobre oseu objeto de estudo, se transforma e pode transformar o seu ambiente. É possível que por esta convicção, desde as práticas acadêmicas em Psicologia até o presente momento, tenho me dedicado ao trabalho clínico, social e de pesquisa estendida a pessoas em situação de desemprego.

Neste caminho participei da Subcomissão de Desemprego, vinculada a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, durante quatro meses. Tratava-se de um espaço de discussão, visando a desenvolver um projeto alternativo de Frentes Comunitárias de Trabalho. Semanalmente realizávamos encontros com desempregados, representantes de comunidades, economistas, políticos e entidades vinculadas ao mercado laboral.

Em linhas gerais o projeto pleiteava a geração de mais de trinta mil postos de trabalho, com apoio do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Os contemplados receberiam uma bolsa auxilio no valor de um salário mínimo, vale-transporte e uma cesta básica de alimentação, por um período de seis meses. Poderiam se inscrever desempregados (as), com idade mínima de dezesseis anos e famílias com integrantes portadores de necessidades especiais ou doenças crônicas.

A Subcomissão de Desemprego foi encerrada com expectativa da aprovação do referido projeto que seria encaminhado para votação e trâmites políticos. Entretanto, para algumas pessoas, aquele fora apenas o início de um projeto de combate ao desemprego. Após o término daquele espaço formal de discussão, um grupo de desempregados continuou a se reunir em Porto Alegre, e no interior do Estado tentando encontrar soluções práticas para esta problemática.

Desde agosto de 1999 até maio do ano de 2000, foram articuladas diversas estratégias para organizar uma ação coletiva de desempregados. O primeiro passo para definir as linhas de atuação da mesma, se baseou nos resultados de uma pesquisa com mais de mil participantes, cuja pergunta central era: "Como você pretende superar o desemprego?" Diante das respostas, em geral pessimistas, o entrevistador, fazia uma outra pergunta: "Você estaria disposto a se engajar num movimento de trabalhadores desempregados e buscar uma solução coletiva?"

A partir dos resultadosda pesquisa realizada pelos próprios desempregados foi construído um cadastro, com mais de trezentas famílias, que viviam em Porto Alegre, e no interior do Rio Grande do Sul, dispostas a participar de um movimento social, com vistas a uma nova forma de viver em sociedade.

O perfil dos cadastrados previa o aceite de famílias (não pessoas sozinhas), dispostas a viver em comunidade e a construir um projeto de vida em comum, pautado na colaboração, disciplina e aderência a regras que seriam construídas coletivamente. O número de interessados crescia na medida em que representantes de comunidades aderiam à proposta, a divulgavam e convenciam outras pessoas a participar.

A meta básica da ação coletiva se centrava na conquista de trabalho e moradia, através da multiplicação de núcleos de desempregados, que se acampariam em terras próximas a regiões urbanizadas da Grande Porto Alegre e arredores, e passariam a pleitear o assentamento nas mesmas. O objetivo destes procedimentos consistia em mobilizar a opinião pública para o quadro de desemprego na atual conjuntura, e adquirir representatividade junto aos órgãos legais competentes.

O projeto de Frentes Comunitárias de Trabalho (FCT) não seria abandonado, pelo contrário, ganharia reforço pela pressão do grupo e marcaria a identidade de trabalhadores urbanos desempregados, pois sua reivindicação não era apenas por terra, mas pelo direito ao trabalho. Nessa direção, a categoria trabalho não implicava necessariamente a concepção de venda da mão-de-obra, mas o exercício de atividades que possibilitassem o bem viver dos cidadãos.

Em vinte e dois de maio de 2000, nascia o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), demonstrando que o verbo se tornara ato, exatamente nove meses após o término da Subcomissão de Desemprego; o tempo necessário para o MTD amadurecer as suas idéias e ganhar vida.

DESEMPREGO: APROXIMAÇÕES TEÓRICAS

Quando se trabalha dentro de um contexto comunitário, a carga de emoções é intensa, impondo a constante revisão da nossa principal tarefa: a pesquisa em si. Neste ponto, a melhor alternativa é buscar apoio em quem já trilhou semelhantes caminhos e mergulhar na literatura especializada.

A pesquisa vai adquirindo um colorido especial, na medida em que dialogamos com outros pesquisadores, conhecemos suas escolhas e descobertas. Mas também representam momentos de conflito e contradições, pois temos que fazer nossas próprias escolhas, as quais, nem sempre são as mais fáceis. Neste caso, fiz uma primeira aproximação da literatura a partir dos estudos atuais sobre desemprego, em âmbito psicológico, social e econômico, sem perder a noção do contexto e do momento histórico.

Resgatei o sentido da categoria trabalho desde os tempos remotos, quando o significado desta palavra estava atrelado à escravidão, até a ideológica exaltação do trabalho, advinda da Revolução Industrial, e automação da produção mercantil (CASTELLS, 1999; TOFFLER & TOFFLER, 2000; BLANCH, 2001; MANCEL, 2000).

Acompanhei a análise de psicólogos, economistas e sociólogos (BLANCH, 2000; 2001; DUNLOP, 1997; POCHAMNN, 1999; SINGER, 1999; CASTELL, 1999) sobre as repercussões do intenso uso das tecnologias avançadas de informação e comunicação nas relações laborais. E considerei pertinente a expressão "onda digital" (TOFLER, 1995), por retratar o significado do trabalho humano na atualidade, comparável a uma espécie de máquina ultrapassada e obsoleta.

Neste cenário proliferam os movimentos sociais, lutando por seus direitos, as reivindicações de terra e posse, expressas nas ocupações de terras, casa e prédios abandonados, assim como a articulação de moradores, favelados e desempregados (GONH, 1997 KAUCHAKJE, 1998), impulsionados por um mercado de trabalho saturado, competitivo e excludente.

Estudos de Gohn (2000) e Warren (1993) apontam que, nos anos noventa, a centralidade maior de movimentos sociais passou a ser as redes de ONGs e os mecanismos institucionais da democracia participativa. Segundo estas autoras, muitos movimentos se desarticularam, entraram em crise interna e externa, desencadeando o recrudescimento das lutas no campo, nas quais centena de trabalhadores foi morta em conflitos pela posse de terra, sendo a maioria deles assassinados. Dentre os episódios marcantes, encontra-se a matança de dezenove sem terra no Sul do Pará, em abril de 1996, manchete nos principais jornais do mundo (DRUMMOND, 2000).

O Movimento dos Sem Terra (MST) tem se destacado, em nosso país, pela importante questão da reforma agrária, com propósitos bem delimitados. São apontados por Ribeiro (2000), os objetivos gerais do MST: a garantia de trabalho para todos, distribuição de renda; produção de alimentação farta e barata, como também, atingir o bem-estar social e a melhoria das condições de vida de forma igualitária para todos os brasileiros.

As mudanças aceleradas no processo de globalização da economia, as transições políticas do leste europeu e o declínio do marxismo como modelo teórico e projeto de utopia social são apontados como propulsores do novo enfoque dos movimentos sociais (SANTOS, 2000). E as revitalizações das políticas neoliberais aliadas ao processo de estruturas estatais, também indicam uma alteração nos paradigmas das sociedades (GOHN, 1997; SANTOS, 2000).

Touraine (1997), afirma que os novos movimentos sociais impõem mudanças estruturais no campo das políticas públicas e solidariedade no que diz respeito à repartição do produto do trabalho coletivo, a melhoria do ensino, e o reforço da proteção social. Argumenta que, numa sociedade cada vez mais globalizada, é mister atentar para alguns tópicos:

1. A mundialização da economia não anula a nossa capacidade de ação política;

2. As categorias mais desfavorecidas além de se sublevar contra a dominação, exigem seus direitos com uma concepção inovadora, e não apenas crítica da sociedade;

3. A ordem institucional é ineficaz e mesmo repressiva, quando não se apóia em reivindicações de igualdade e solidariedade.

Ademais destes pressupostos, encontrei suporte teórico na obra de Ignácio Martín-Baró, reconhecida por seu comprometimento com as maiorias populares, à quebra do fatalismo e a desideologização para a liberdade das massas (BLANCO, 1993). Nesta teoria podemos destacar três grandes categorias que se encontram extremamente relacionadas entre si: as condições materiais da existência, a estrutura social e a trama ideológica que a justifica e sustenta (IBAÑEZ, 1998).

As condições de vida, a estrutura social e a ideologia se entrelaçam num determinado regime político, compreendido como algo mais do que um sistema de governo ou conjunto de leis e disposições. Por regime político, Martín-Baró (1998) compreende uma ideologia, constituída num sistema, que organiza e regula as formas de vida, de um conglomerado social em um determinado tempo e circunstância. Neste sentido, o regime político se forma a partir de três componentes essenciais: a ideologia, a organização e regulação e a historicidade.

O funcionamento real, não teórico, dos três poderes tradicionais dos regimes políticos (legislativo, executivo e judicial) revela, de forma sintomática, quais são as forças que determinam e ordenam as formas possíveis de vida em sociedade. Na nossa sociedade, a unidade de sentido fundamental é a econômica, o princípio ordenador fundamental da unidade sócio política e de determinante último de que uma pessoa ou classe social se encontre localizada em um ponto, e não em outro, da estrutura. Ademais, todo regime político é uma realidade histórica, de tempo e circunstância, herdado de um processo determinado e cravado em um contexto geográfico, social e internacional.

Argumenta ainda Martín-Baró (1983) que as pessoas incorporam psiquicamente a ideologia social, em forma de atitudes, como um conjunto psicológico de crenças sobre o mundo, nas quais três instituições funcionam como catalisadores: a família, a escola e a moral.

A família, desde o tradicional corte patriarcal, expressa, através de suas atitudes, padrões dinâmicos e dicotômicos que transcendem sua realidade enquanto indivíduos. Neste espectro, a figura do pai é habitualmente machista, autoritária e psicologicamente ausente do lar e dos trabalhos domésticos, enquanto a mãe mantém uma postura feminina, dadivosa e presente no lar e tarefas domésticas. Estes padrões vão configurando o estado atual da família e dificultam a maturidade emocional dos filhos, produzindo uma insegurança psíquica, que culmina num padrão de dependência física e emocional.

A segunda instituição abordada por este autor é a escola, com sua estrutura bancária, vertical e seletiva, na qual se destacam dois traços importantes: a competitividade e a verticalidade autoritária. Pautado em estudos da Pedagogia da Libertação refere que, mediante a competitividade, a escola ensina os alunos a considerarem os outros como rivais e a aspirar o sucesso próprio como única meta desejável, sendo que a fomentação da competência escolar induz o aluno ao individualismo mais feroz, como norma e critério de vida. Por outro lado, a verticalidade autoritária e a imposição dogmática inculcam neste uma passividade, unida muitas vezes a um certo fatalismo, pré-determinista e ahistórico.

Finalmente, a moral, segundo Martín-Baró (1998), a mais desprezada das três instituições, pode ser compreendida como as normas reais que regem o comportamento concreto e a moral real de nossa sociedade, pautadas no autoritarismo, individualismo e formalismo, sendo este último a síntese do autoritarismo e do individualismo.

Estes elementos contribuem para formar o que o autor denomina de "mentalidade fatalista". Fatalismo, um termo proveniente do latim fatum, que significa, fado, predição, oráculo ou destino inevitável. Em última instância, traduz-se na compreensão da existência humana como força do destino, em que tudo ocorre de modo iniludível e pré-determinado. Suas concepções sobre o que circunscreve a mentalidade fatalista têm os seguintes elementos:

1. Os principais aspectos da vida das pessoas estão definidos no seu destino, desde o nascimento: as pessoas têm escrito o que podem ser e o que não podem fazer. Por isso, a existência individual não é mais do que o desenvolvimento deste projeto de vida pré-determinado pelo destino de cada um.

2. As pessoas não podem fazer nada para fugir ou alterar o seu destino fatal. A vida está regida por forças superiores, alheias ao próprio controle e poder.

3. O marco de referência predominantemente religioso do povo latino-americano se define pela atribuição do destino a um deus sábio e poderoso, que não deve ser questionado.

Para Ignácio Martín-Baró a ruptura da mentalidade fatalista se dá através da consciência histórica, desideologização e manutençãode uma atitude altruísta, no sentido de solidário, pressupondo esquemas conceituais que vinculem o altruísmo aos próprios ideais de vida. De outro modo, a pessoa se voltará pouco menos sensível às necessidades alheias que aparecem diariamente.

MÉTODO PARA LEVANTAMENTO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES

De acordo com os objetivos desta pesquisa, circunscrito no conhecimento de uma comunidade que acabava de se formar e com o intuito de aprofundar as percepções de seus integrantes no que se refere à superação do desemprego, realizeium enfoque qualitativo de investigação.

Durante o período de pesquisa, utilizei uma combinação de técnicas, que consistiram na observação participante, no uso de diário de campo com registros descritivos e em entrevistas semi-estruturadas. Os dois primeiros procedimentos pretenderam conhecer e sistematizar a organização coletiva do MTD, destacando as suas estratégias de ação, que abarcavam desde as articulações empreendidas para sobrevivência dos acampados até a forma de convivência grupal para enfrentar o desemprego. As entrevistas semi-estruturadas objetivaram conhecer a trajetória de emprego-desemprego dos seus integrantes, os motivos que os levaram a aderir a proposta coletiva e suas expectativas de futuro.

Concederam entrevistas pessoas adultas, de ambos os sexos e variado grau de escolaridade, e solicitei a participação de pelo menos um membro do MTD com função explícita de coordenação, de modo a prover a heterogeneidade do grupo.

Em relação à observação participante, acompanhei reuniões gerais dos acampados, nas quais havia em torno de quarenta a cinqüenta pessoas com características semelhantes às dos entrevistados. As observações categorizadas e analisadas foram duas, após a participação em mais de oito reuniões de coordenação, núcleos e setores.

A entrevista semi-estruturada foi utilizada por consistir numa conversação informal, alimentada por perguntas abertas, proporcionando uma maior liberdade ao informante (GIL, 1999). A duração aproximada das entrevistas foi de quarenta a sessenta minutos, sendo solicitada autorização formal para gravação e transcrição das mesmas, e observadas as demais normas éticas de pesquisa.

Através deste procedimento, objetivei conhecer: os elementos motivadores para o engajamento ao MTD, as causas atribuídas à situação de desemprego e as expectativas do entrevistado junto a este movimento social.

Sobre a observação participante, é importante salientar, existe uma certa polêmica em torno de sua definição. A concepção antropológica concebe o contato irrestrito do pesquisador no ambiente natural de pesquisa, sendo este considerado mais um elemento do grupo (SERVA, 1997). Por outro lado, também configura observação participante o envolvimento com grupos ou comunidades, no qual predomina uma diferença discernível entre seus comportamentos e os do sujeito (BOGDAN & BICKLEN, 1994). Neste caso, estabeleci uma relação de proximidade comedida com os integrantes do MTD, através de encontros sistemáticos decorridos em um ano de investigação, tomando o cuidado de não perder minhas intenções iniciais (BOGDAN & BICKLEN, 1994).

Mantive um registro de anotações, no qual constavam motivo da reunião, clima, metodologia, posicionamento dos participantes, conflitos, etc. Nas reuniões, fui acompanhada por uma auxiliar de pesquisa do GPPC-PUCRS, objetivando a troca e discussão das informações levantadas.

Especificamente, na ocasião das entrevistas, apresentei-me, explanei os propósitos da investigação e o tempo médio do trabalho, comprometendo-me a devolver os dados no término da investigação. Solicitei autorização para a gravação e publicação dos dados através do termo de consentimento, na qual dei garantia do sigilo e preservação dos nomes dos participantes. Para realizar as observações participante, segui a mesma sistemática.

Durante o processo de estudo, procurei repassar o material escrito para discussão junto aos integrantes do MTD, revendo minhas colocações. Este procedimento buscou sintonizar as informações históricas e contextuais com as minhas percepções. Na medida em que se solidificava o contato com os integrantes do MTD e amadurecia nesta caminhada, pude ir modificando e implementando o presente estudo.

Os registros do diário de campo, com os conteúdos sobre a forma de organização, e demais informações pertinentes ao contexto do MTD, foram agrupados e sistematizados, através das reflexões que emergiram das anotações. Tais dados contribuíram para descrever o contexto do acampamento e analisar a sua relevância, no que se refere aos propósitos do MTD.

Para a análise das entrevistas, o primeiro passo consistiu na escuta atenta das fitas de entrevistas, transcrição e leitura do material. De acordo com um artigo científico escrito por Jacques (1993), optei pela possibilidade de organizar os dados como um fluxo de relações encadeadas entre si e não como um conjunto de partes de um conteúdo isolado. Este procedimento objetivou respeitar as individualidades dos participantes e contemplar o que se reflete no conjunto das falas, conforme o esquema a seguir:

Dividi as falas por temas e fiz a identificação de unidades de registro de acordo com as categorias que os abrangiam. As categorias referentes às entrevistas foram homogêneas e pertinentes às questões norteadoras. Após esse procedimento, elaborei tabelas referentes à análise dos depoimentos de cada participante, identificando-os, conforme o exemplo a seguir:

TEMA: Desemprego

UNIDADE DE REGISTRO: Atribuições do Desemprego

S1 – Eu era desempregada por questão de ser militante, por causa desses movimentos. Ainda que às vezes nem era eu quem tinha feito o “bolo”, mas “estourava no meu” em alguns momentos, por isso eu fiquei desempregada várias vezes.

O próximo passo foi reunir as quatro tabelas equivalentes ao número dos entrevistados e organizá-las conforme os temas gerados que, neste caso, foram os seguintes: trabalho, desemprego e movimento social. Este processo resultou em novas tabelas, constituídas pelo temas e respectivas unidades de registro, a partir do discurso de cada participante. Foram destacados (sublinhados) os discursos que diziam respeito às unidades de registro, de forma a verificar os diferentes posicionamentos em torno do mesmo tema para cada sujeito e, ao mesmo tempo, para o conjunto.

Para a análise das observações participante, destaquei em negrito as falas pertinentes aos objetivos da pesquisa e contidas no registro de anotações. Concatenei as frases destacadas de cada reunião, de onde provieram pontos comuns que se somaram aos dados advindos das entrevistas, tornando-se material de análise e discussão.

NOTAS SOBRE A ORGANIZAÇÃO INTERNA DO MTD

Para aquele que vai pela primeira ou mesmo segunda vez num acampamento como o MTD, é surpreendente deparar-se com o funcionamento interno do mesmo. Alheia ao dia a dia dos acampamentos, não poderia supor que o MTD se organizava ao estilo do MST. Porém, os achados de pesquisa de Ribeiro (2000), levaram-me a perceber que o MTD comunga praticamente da mesma estrutura de base, mas com diferentes metas.

Há elementos na estrutura do MST, como a valorização da coordenação horizontal, na qual todas as decisões são tomadas em conjunto, discutidas de forma planificada e objetiva, até o consenso grupal. É possível clarificar as semelhanças entre ambos movimentos sociais, se acompanharmos as suas divisões hierárquicas, formadas pela Coordenação geral e pelas Equipes de Trabalho.

A Coordenação Geral é constituída por um conjunto de líderes que são à base da organização do acampamento, formando os núcleos. Estes são incumbidos de captar os anseios mais prementes dos acampados e representá-los nas Assembléias Gerais. A escolha dos representantes de núcleos é democrática, através de votação geral dos acampados, na qual são eleitos um líder e vice-líder, que no caso do MTD é sempre um casal.

A Assembléia Geral é organizada, com periodicidade quinzenal ou quando há um assunto urgente, sendo preparadas conforme a discussão dos assuntos nos núcleos e da coordenação geral. Os debates são livres, normalmente intensos, e as decisões são votadas depois que todos têm claro o que está decidido.

A Comissão Executiva, é uma equipe externa encarregada de agilizar as negociações junto ao Governo Estadual, sendo que existem dez equipes internas, com distintas funções, representadas por um integrante de cada núcleo:

1. A Equipe de Saúde prevê esquema de atendimento e orientação de primeiros socorros e busca recursos alternativos (cultivo de chás e ervas) para a manutenção da saúde dos acampados.

2. A Equipe de Barracos se responsabiliza pela distribuição e construção dos barracos, e por medidas preventivas contra as chuvas e temporais, que dependendo da intensidade podem alagar o acampamento.

3. A Equipe de Alimentação se encarrega da distribuição de alimentos conforme a necessidade dos acampados, também pelo estudo e orientação da melhor forma de preparação e conservação dos mesmos, organizando-se para conseguir suprimentos, quando do seu término.

4. A Equipe de Segurança prima pelo bom relacionamento entre acampados e cumprimento do regulamento interno.

5. A Equipe da Lenha assume a tarefa de procurar, conseguir, cortar e repartir lenha entre os acampados.

6. A Equipe de Higiene zela pela limpeza do acampamento, localiza as latrinas e preserva as fontes das águas.

7. Equipe da Educação se dedica ao ensino das crianças e adultos, organizando escolas itinerantes, onde os professores são do próprio acampamento. Em geral os responsáveis por essa tarefa recebem treinamento pedagógico para exercerem estas funções.

8. A Equipe de Religião, elabora e faz celebrações, missas. Procura conjugar a vida de fé com a realidade de luta do acampamento. Porém não há esta equipe dentro do MTD, pois uma das regras do acampamento consiste em não trazer assuntos ligados à religião ou política partidária.

9. A Equipe de Lazer e Esporte, se responsabiliza pela organização do futebol nos finais de semana e atividades recreativas. Atualmente, não há atividades de lazer no MTD, em função de estar em fase inicial de organização, e abarcar uma série de tarefas urgentes a serem realizadas, apesar de já ser um projeto para o futuro.

10. A Equipe de Mulheres se centra no debate de questões políticas e organiza ações para participar do Movimento das Trabalhadoras Rurais Sem Terra, em nível estadual.

Para garantir a manutenção dos gastos, as atividades de trabalho realizadas fora do MTD contam com dez por cento do montante da remuneração para um caixa comum no movimento. As doações de entidades religiosas ou associações que se mobilizem pela causa completam a receita, e possibilitaram alguns avanços.

Em menos de seis meses, o grupo adquiriu os equipamentos necessários à montagem de uma pequena padaria. Foram empreendidos cursos para atuação nesta área, viabilizando o suprimento básico do pão, assim como cursos para a manutenção de pequenas hortas e de formação política, ministrada por pessoas capacitadas. O amparo para a aquisição de elementos para ações de protesto (carro de som, microfones, divulgação, ônibus, etc.) provém da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, mais especificamente com o apoio do Partido dos Trabalhadores (PT).

As regras que mantém a coesão do MTD são bastante rígidas. É proibido o uso de armas, o consumo de substâncias químicas, as brigas corporais e/ou entrada e saída do acampamento sem autorização prévia. Além disso, pelo menos um dos membros da família necessita exercer atividades que contribuam com o todo do acampamento. No caso de infração há advertência, punição e até a expulsão do MTD.

Discussões, brigas e desistências estão presentes no seu dia-a-dia, e, conforme os relatos, os atritos diminuem à medida que as pessoas aderem ao espírito comunitário, ou "pegam a faixa preta", isto é, abandonam o movimento e a utopia de uma sociedade melhor naquelas condições

No intuito de preparar e sensibilizar os seus integrantes para enfrentar os obstáculos diários, existe a mística. Neste caso, a mística não diz respeito à doutrina religiosa (FERREIRA,1993), mas a momentos de reflexão, que se dão através de uma música, palavras de ordem, um poema, enfim, recursos que ensejem a força e coesão do grupo.

Para realizar alcançar os seus propósitos, os integrantes do MTD prescindiram de métodos convencionais, como referido em uma das reuniões de Assembléia Geral: "se precisar é pé na cerca", ou seja, se for necessário, novas propriedades particulares serão ocupadas. Neste aparte, cabe fazer uma distinção conceitual entre os termos ocupação e invasão. O primeiro traz consigo a idéia de arrebatar o que é do outro, o que, conseqüentemente, causas reações adversas. A ocupação, por sua vez, apresenta-se como forma de pressionar os poderes governamentais, através de uma ação política organizada, para a resolução de um problema social (RIBEIRO, 2000).

O cotidiano do acampamento revela uma organização política não-partidária, são vedados, pois segundo as diretrizes internas, o partido é o próprio MTD. A dedicação é incondicional, com vistas à proliferação de novos assentamentos.

Em função desta organização, é possível inferir que o acampamento é uma aprendizagem preparatória para futuros assentamentos, nos quais, através da união, se mantém viva a chama da luta pelos seus propósitos.

ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E OBSERVAÇÕES PARTICIPANTE

A análise das entrevistas evidenciou um fio condutor comum entre os processos individuais de engajamento no MTD. O movimento coletivo representou umaalternativa derradeira, empreendida, quando reiteradas investidas junto a um mercado formal de trabalho considerado discriminatório, excludente e saturado, se mostraram ineficientes.

A trajetória de trabalho percorrida, antes da inserção no MTD, previa o suprimento de necessidades emergentes, sem qualquer tipo de realização pessoal, por outro lado, as atividades desenvolvidas junto à comunidade de desempregados adquirem um caráter emancipatório. As tarefas divididas de forma eqüitativa requererem dedicação e autonomia reforçando a auto-estima de seus integrantes, que passam a se sentir importantes e valorizados neste contexto. E na medida em que os acampados se comprometem com as suas atividades de trabalho, crescem qualitativamente e apóiam aos demais a avançarem e absorverem os propósitos do MTD.

Mas, três elementos distintos, se destacaram nas entrevistas, no que dizia respeito aos motivos que levaram à ação coletiva: a precariedade financeira, a violência das ruas e a utopia de fazer uma reforma urbana de desempregados.

A miséria imposta pela falta de ingressos, arrebatando a esperança de concretizar o provimento da família e a desesperança de uma mudança a curto ou médio prazo deste quadro econômico, impulsionou várias pessoas a subirem no caminhão que levava ao "Barro Vermelho". Alguns relataram sem pudor que não imaginavam o que lhes esperava; mas entre o temor do desconhecido e a possibilidade de garantir a sobrevivência da prole, aceitar o inusitado foi à decisão final:

Lá fora de repente, poderia não ter meu arroz e feijão, como já aconteceu, infelizmente. E muitas vezes tinha que levantar com fome e deitar com fome, sem ter uma saída. Eu sinto que o MTD pode me ajudar tanto a mim quanto às crianças se eu ficar aqui sozinha e tal, ter a oportunidade que eu nunca tive né, principalmente de estudar e aprender alguma coisa.

O temor frente a um cotidiano truculento e a impossibilidade de recorrer a medidas sofisticadas de proteção individual, resultou na procura de soluções práticas, contra a violência urbana. E a violência não pode ser discutida prescindindo de aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos, sob pena de ignorarmos a natureza relacional nela contida (Mello, 1999). Deste modo, buscar proteção junto a um movimento de desempregados, além de configurar um modo de escapar da violência provocada por grupos isolados, revela um sistema de segurança público débil no cumprimento de suas funções legais:

Como deram um tiro naquele cara, quem sabe se amanhã ou depois não pega uma bala perdida num dos meus filhos, quando eu não estiver em casa ou até mesmo quando eu estiver em casa. Então eu vim pro MTD mais pela segurança, que talvez aqui tenha e lá não tem, lá a gente não tinha mais segurança.

O projeto que culminou no MTD, foi articulado por pessoas que se consideram "militantes". Diz-se militante aquele que está engajado na luta por uma causa, uma idéia ou um partido, e/ou quem adere e participa sem restrições de uma organização política (Ferreira, 1993). Os relatos daqueles que desencadearam a ação coletiva de desempregados, não deixaram dúvidas quanto as suas motivações, firmemente centradas na formação de uma reforma estrutural de combate ao desemprego: A Reforma Urbana. O que é a Reforma Urbana? A proliferação de comunidades como o MTD, espalhadas pelo país, como uma alternativa de trabalho, capaz de prover uma vida digna aos seus integrantes:

O desafio do MTD é fazer a reforma urbana e isso implica moradia, em pensar uma nova cidade, onde não tenha centro de periferia, mas que seja uma organização diferenciada, para a construção do novo tipo de trabalho, que passa assim, na cooperação, na autogestão.

Compreendo que há dois processos em desenvolvimento no MTD: um, no qual as pessoas fomentam a luta para a sublevação devida uma consciência prévia, e o outro no qual esta conscientização se desenvolve na aprendizagem cotidiana do acampamento. Ambos estão profundamente relacionados, mas o segundo não existiria sem o primeiro.

As observações participante revelaram que os integrantes do MTD rompem com o fatalismo e agem em prol de seu projeto, atacando as bases nas quais se fundamenta o conjunto psico-ideológico de crenças do mundo, do qual referia Martín-Baró (1998).

No MTD, as famílias mantêm a sua unicidade, percebida objetivamente através dos barracos individuais, todavia, a participação e representatividade de pelo menos um membro da família em atividades de coordenação do MTD, configura um dos pilares desta organização. Os atos e protestos do grupo, abrangem toda a família, uma experiência que tende a incitar independência física e emocional dos filhos, que desde cedo aprendem a lutar pelas suas convicções.

Opositores dos moldes tradicionais de educação, os integrantes do MTD se guiam por pressupostos libertários. Amparados no método construtivista de Paulo Freire, os acampados valorizam no ensino a reflexão crítica sobre a prática, o reconhecimento da identidade cultural, a pesquisa, a ética, o respeito e a autonomia do educando (FREIRE, 2000), preparando-se para as batalhas que terão de enfrentar contra o descaso, a hipocrisia e a desigualdade.

A moral, no MTD adquire um modelo atípico, pois não se pauta nos parâmetros tradicionais impostos pelo autoritarismo, individualismo e formalismo comumente apreendidos pelo regime legal em que estamos imbricados. O Estado não é renegado, uma vez que esta comunidade, estabelece negociações com esta Instituição, porém, não lhe outorga poder de decisão ou incorpora os padrões de ação convencionados pelas hierarquias governamentais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O SIGNIFICADO DO MTD PARA OS SEUS INTEGRANTES

Inegavelmente o MTD soma forças aos novos movimentos sociais, ensejando uma tendência em nosso meio, de luta organizada e coletiva por direitos cívicos. Constitui-se num espaço de expressão ao povo desempregado, excluído de bens, serviços e maravilhas tecnológicas desfrutadas por uma privilegiada minoria.

Outrossim desvelou uma esfera de atuação aos trabalhadores informais, que adquirem representatividade coletiva, garantida pela identidade do MTD, possibilitando a reivindicação de benefícios e direitos fundamentais para o exercício da cidadania.

A reforma urbana de desempregados talvez seja um dos maiores desafios que se impõe aos integrantes desta comunidade e que merece atenção, uma vez que falamos de uma ação concreta, e não de uma utopia. Os princípios gerais de justiça que permeiam o MTD, congregam, ao seu redor, forças majoritárias calcadas em estratégias, regras e organização. Após a consolidação do primeiro movimento de desempregados, outros grupos com características semelhantes proliferaram no interior do Estado do Rio Grande do Sul, pressionando as diretrizes governamentais e a população em si para a causa laboral.

Chego assim, ao final desta reflexão, não sem antes registrar que em meados de 2001, o projeto político de Frentes de Trabalho, foi vetado por inconveniência administrativa (CAMPOS, 2001), enquanto o MTD comemorava a conquista de posse e assentamento de quatrocentos hectares de terra, em Eldorado do Sul. Neste sentido, podemos dizer que há sinais de mudanças em níveis micro e macrossociais, passíveis de ocasionar alterações na superestrutura (CASTELLS, 1999b), ao final de alguns anos.

Mas, como diz Touraine (1999), enquanto a pessoa acreditar na dominação implacável das forças econômicas, não vislumbrará as possibilidades de câmbio num movimento social. No máximo, identificará as contradições internas do sistema e a manifestação de um sofrimento, o que pode conduzir ao pessimismo radical. A conduta oposta repousa na crença de que a ação é possível e leva a transformações, não somente necessárias como eficazes da organização social.

Depois desta caminhada me pergunto: aquelas pessoas que tantas vezes são pejorativamente chamadas de "massa de manobra", não serão os "manobristas" de sua própria história?

Recebido: 24/02/2003

1ª revisão: 9/6/2003

Aceite final: 30/6/2003

Patrícia Martins Goulart é Mestre em Psicologia Social e da Personalidade, Doutoranda em Psicologia Social Universidad Autônoma de Barcelona, Espanha. O endereço eletrônico da autora é: patgoulart@hotmail.com

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  • 1
    Este estudo teve o apoio do Grupo de Pesquisa em Psicologia Comunitária (GPPC-PUCRS), coordenado pelo Prof. Dr.Jorge Castellá Sarriera, orientador da presente pesquisa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      Jan 2003

    Histórico

    • Aceito
      30 Jun 2003
    • Revisado
      09 Jun 2003
    • Recebido
      24 Fev 2003
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