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Trabalho

Work

Travail

TRADUÇÃO

Trabalho1 1 Este texto é uma tradução do original Travail, escrito por Dominique Lhuilier e publicado no livro Vocabulaire de Psychosociologia (Éditions Érès), organizado por J. Barus-Michel, E. Enriquez e A. Lévy, no ano de 2006. Tal livro segue normas para publicação diferentes das adotadas por esta revista. Optamos por manter o texto em seu formato original.

Travail

Work

Dominique Lhuilier

Conservatório Nacional de Artes e Ofícios, Paris, França

Tradução de Fernanda Spanier Amador

Revisão de Eliana Braga Diniz Costa Pesa

O trabalho é objeto de debate no seio da comunidade científica onde se confrontam concepções diferentes acerca do que este conceito recobre, do lugar do trabalho e suas funções na sociedade e para os sujeitos. Alguns anunciam o fim do trabalho, a erosão da ideologia do trabalho-valor (Gorz, 1988; Méda, 1995), enquanto outros assinalam que o trabalho continua a ser o principal vetor da integração e da coesão sociais, da identidade e da realização de si, passando muito amplamente pelo reconhecimento social ligado ao trabalho (Castel, 1998; Dejours, 1998). Essas controvérsias se instalam em boa parte pela persistência de um etnocentrismo ou de um histórico-centrismo que tende a relacionar a questão do trabalho àquelas do emprego e do assalariamento.

É-nos necessário, entretanto, distinguir o trabalho de suas formas sociais e historicamente determinadas, para levarmos em conta o duplo caráter do trabalho humano: ele se funda sobre uma relação universal entre o homem e a natureza e, também, enquanto suporte de relações sociais específicas. Não se pode dizer que o trabalho nasceu com uma economia de mercado que faz dele uma entidade abstrata, independente de seu conteúdo e concebido como uma mercadoria trocada por um salário. Se "a troca do trabalho por salário, o contrato de subordinação ao empregador, o tempo de trabalho imposto, a execução de tarefas definidas, organizadas e sancionadas por terceiros, em um espaço separado da esfera doméstica e da esfera política, são características do trabalho abstrato e do assalariamento, como forma moderna de relação social" (Billiard, 1993), não existe descontinuidade entre diferentes tipos de atividades e aquelas que são economicamente sancionadas. O assalariamento não recobre todo o trabalho: o trabalho doméstico, o trabalho beneficente, o trabalho sindical, político, convocam a necessidade de lembrar da distinção entre as noções de trabalho e emprego. A questão do trabalho não termina na porta de entrada do mundo do trabalho.

Para propor uma perspectiva mais ampla, é preciso partir da referência à origem etimológica do termo trabalho: ele vem do latim tripalium, que significa instrumento de tortura. Assim, em um sentido originário, ele está associado ao estado daquele que sofre, que é atormentado. Hoje, o sentido certamente evoluiu, mas uma dimensão de limitação, pressão e constrangimento perdura através da noção de esforço: não existe trabalho sem que a atividade se apoie sobre uma mobilização de energia, uma tensão em direção a um objetivo. O esforço está orientado a um objetivo, e a atividade integrada em função deste objetivo está orientada em direção à sua representação. Além disto, a atividade de trabalho tem um caráter fundamentalmente social: ela não pode ser somente uma atividade imediata, solitária, respondendo exclusivamente a uma satisfação de desejos individuais. O trabalho é realizado com os outros, para os outros, ele é subordinado a um objetivo coletivo, organizado, coordenado, canalizado, gerido. Assim sendo, ele é objeto de enfrentamentos e de conflitos.

Deste modo, o trabalho implica sempre uma confrontação ao real, ao real físico, ao real das relações sociais. A confrontação ao real não é diretamente dada, mas passa pela mediação de uma ação sobre este real, ação que permite a experiência do que, no real, faz resistência.

É através da ação que se revela a distância entre as representações da situação de trabalho e a sua realidade. É ainda pela ação que se experimenta o que se apresenta à vontade, ao domínio, à conquista. Os obstáculos encontrados e a ultrapassar fazem da atividade uma colocação à prova do grau de realismo dos desejos, dos fantasmas do sujeito, de sua representação do conteúdo e das finalidades de seu trabalho.

A atividade é, também, colocação à prova das representações socialmente construídas, propondo uma definição de tarefas a realizar, visando a orientá-las e a normalizá-las.

Entre trabalho sonhado e trabalho prescrito, a atividade é sempre o encontro singular de um sujeito e de uma situação concreta, encontro onde o outro é sempre convocado.

O trabalho é bem a cena onde se confrontam, simultânea e dialeticamente, a relação consigo, a relação com o outro e a relação ao real.

O trabalho como uso de si

Relação consigo, porque é o sujeito em seu ser que é convocado, com seus recursos, suas capacidades, mas também suas motivações, desejos conscientes e inconscientes, fantasmas subjacentes a seu engajamento no trabalho.

O lugar concedido ao trabalho na construção ou desconstrução do sujeito nos leva a interrogar a articulação entre representação de si e experiência do trabalho através das modalidades de uso de si.

A expressão de Yves Schwartz (1992), retomada aqui, interroga sobre a equivocidade do termo uso. Se, em um primeiro sentido, o uso é inicialmente aquele que os outros querem fazer de nós, colocando assim reforço sobre as dimensões sócio-históricas do trabalho, o segundo sentido remete ao uso que se faz de si mesmo em uma busca por realização de si. A maneira como se agencia a relação entre os dois sentidos, onde se constrói um equilíbrio dinâmico entre esses dois polos contraditórios, não acontece, certamente, sem efeito sobre a representação de si.

Esta dualidade do uso de si remete ao encontro de uma história singular e de um contexto social, mas é necessário destacar que esta história não pode ser lida unicamente como adaptação, ou como interiorização, em um processo de sentido único. O sujeito não pode ser compreendido pelo modelo de "esponja" no sentido em que ele não teria mais nada a fazer do que absorver o social.

Não se trata de uma adaptação ao estado de coisas existentes, mas sim da construção da capacidade de colocar em questão esta ordem.

Esta dualidade do uso de si, por um lado remetendo à história singular e, por outro, ao contexto social, pode ser colocada em perspectiva com a pluralidade das concepções do trabalho, que aparecem, muito frequentemente, cindidas. Destacando os valores positivos do trabalho, o acento será colocado sobre sua essencial contribuição à vida comum, sobre o acesso que ele oferece à realização de si no campo social. Associado à criação, à liberdade, o trabalho é a atividade pela qual o homem, transformando a natureza, transforma também sua própria natureza (Marx). Inversamente, sua versão negativa faz dele uma condenação ligada ao pecado original ou, para outros, o lugar por excelência da heteronomia e da alienação (Gorz, 1988), onde as atividades escapam ao livre arbítrio do indivíduo. O trabalho, então, perde sua dimensão emancipatória para não conservar nada mais do que seu caráter de necessidade, de ordem. Ordem que se refere menos aos esforços necessariamente empreendidos para domesticar a natureza (do homem, de si mesmo) e mais ao modo da organização social instituída, quer dizer da divisão social e técnica do trabalho. Resta, então, essencialmente, a dominação social.

O duplo valor do trabalho, por vezes espaço privilegiado da construção do sujeito e, por outras, universo de pressões e de exploração, pode ser reportado ao que escrevia Freud (1929) em O Mal-Estar da Civilização. Ele assinala, em um primeiro momento, "o grande valor do trabalho na economia da libido. A possibilidade de transferir os componentes narcísicos, agressivos, mesmo eróticos da libido para o trabalho profissional e para as relações sociais que ele implica, dá ao trabalho um valor que não deve nada àquele que lhe confere o fato de ser indispensável ao indivíduo para manter e justificar sua existência no seio da sociedade". E, entretanto, continua ele "a grande maioria dos homens trabalha somente pela pressão da necessidade, e desta aversão natural pelo trabalho, nascem os problemas sociais mais árduos".

A concepção de trabalho como pena (tripalium) oculta o trabalho como criação, como desvio, como ultrapassamento de pressões e como desenvolvimento de si. O lugar que ocupa o trabalho para cada sujeito depende das saídas favoráveis que esse sujeito poderá encontrar, criar por seu desejo, por sua história, por sua personalidade. Essas saídas dependem da "ressonância simbólica" (Dejours, 1990) entre o teatro da situação de trabalho atual e o teatro interno herdado do passado. É a ressonância simbólica que permite mudar o objetivo da pulsão no processo de sublimação, e que permite, também, que a atividade tenha um sentido para o sujeito, sob o ponto de vista de sua história singular.

No melhor dos casos, o trabalho oferece, assim, satisfações substitutivas aos desejos forjados pela história infantil. Quando a construção desses compromissos é impossível, a atividade de trabalho aparece como apartada do passado. O trabalho pode ter uma função essencialmente defensiva. Ele é um meio de luta contra si, de fuga de conflitos e da angústia intrapsíquica. A hiperatividade aparece como contrainvestimento: sustentá-la supõe um dispêndio energético incessante, um sobreativismo que não suporta nenhuma parada. Esta posição defensiva é reforçada pela ideologia da ação, que oculta a questão do sentido e lhe substitui pela valorização de um dinamismo constante medido em comparação a uma prioridade sempre de acordo com o fazer (Lhuilier, 1997).

Quando o trabalho se faz não sem o desejo, mas contra ele, quando o peso das pressões é tal que não há nenhum espaço para o jogo da sublimação, acontece uma luta contra si. A repressão conduz a um tipo de anestesia do funcionamento psíquico e a um empobrecimento vivido como despersonalização pela instrumentalização. O trabalho em migalhas exige renunciar a seus sonhos, a seus fantasmas, salvo se subverter os modos operatórios impostos e religar com "a inteligência astuta" (Détienne & Vernant, 1974), inteligência fundamentalmente transgressiva que se manifesta através da imaginação, da invenção, da inovação, da bricolagem. Esta mistura em ação é uma das fontes maiores de prazer no trabalho.

Assim, pode-se entender a questão do sofrimento ou do prazer no trabalho como aquela de um mau uso de si ou, inversamente, como um uso que satisfaz as exigências de afirmação de um Eu, de uma identidade.

O trabalho é bem a cena onde se prossegue esta busca identitária que impulsiona o sujeito a criar, a manifestar e a fazer reconhecer sua singularidade através de suas práticas.

O prazer no trabalho está ligado à ação, mas não a qualquer ação: liga-se à ação que a pessoa pode reconhecer como sua, que responde a seus valores, a seu ideal, uma ação na qual ela se sinta responsável e autônoma, que responda ao duplo jogo da relação ao trabalho: encontrar sentido nesta ação e extrair dela um duplo reconhecimento, por um lado a seus próprios olhos (em termos de imagem de si) e por outro lado aos olhos dos outros.

A identidade, concebida aqui como um processo e não como um produto, é o objeto de uma busca constante através de um duplo movimento de identificação e de individuação. É nesta tensão que se prossegue na busca de um equilíbrio que permite a emergência de um sentimento consciente de especificidade individual, a partir e para além da diversidade das identificações.

Esta busca identitária, que implica sempre uma relação a outro sentido sem que o sujeito não possa nem se definir, nem se reconhecer, supõe a existência de espaços sociais a investir. Os coletivos de trabalho constituem um espaço privilegiado de construção identitária pela confrontação com a similitude e com a diferença de práticas e de traços da atividade.

Trabalhar junto requer poder se referir a representações comuns da situação e de suas modalidades de tratamento não somente para assegurar as condições cognitivas de uma articulação das atividades singulares, mas também para permitir a cooperação dos sujeitos (Dejours, 1993). Além da relação operatória ao objeto de trabalho, é sempre importante uma relação simbólica entre sujeitos. A inscrição social em um grupo de pertencimento é a condição do reconhecimento social e da validação das práticas. O efeito desse reconhecimento é duplo, por vezes social e pessoal: é porque o grupo social oferece e reconhece um lugar a seus membros que ele legitima sua contribuição ao objeto do trabalho, que eles, por sua vez, podem investir neste lugar e nesta comunidade de pertencimento. Esta formação contratual remete aqui ao contrato narcísico (Aulagnier, 1975), que é o suporte da construção identitária no trabalho, assim como da manutenção do estar junto.

A formação inicial, quando ela existe, constitui o primeiro tempo da construção da identidade profissional, entendida como representação de si em situação de trabalho. Referida a um modelo profissional, esta formação representa uma oferta de encontros identificatórios e permite uma articulação entre o pulsional e o social, entre a história singular de um sujeito e a história social do grupo de referência.

O ato do trabalho é em seguida colocado à prova pelas representações do trabalho, pelos ideais profissionais, pela parte de si engajada no encontro com o modelo inicial. Essas representações se chocam com a experiência da realidade, com a singularidade das situações impossibilitando a modelização das práticas.

Se a ação não pode ser somente execução, conformidade às prescrições, ela não pode se reduzir à aplicação do saber e do saber-fazer adquiridos quando da socialização profissional. Se o engajamento, a ação, a criação favorecem, também, a afirmação e a transformação da identidade, é a partir de um desengajamento das construções anteriores e de uma reelaboração coletiva que se possibilitam ora identificações novas, ora afirmação das singularidades. O pertencimento a um coletivo de trabalho solicita a elaboração de uma maneira de ser e de fazer com os outros, na diferença, a fim de poder ser reconhecido, o que especifica cada um em sua contribuição ao projeto comum.

Esta elaboração coletiva é permitida por um apoio mútuo onde se experimentam a unidade e a divisão, o pertencimento e a autonomia, a conformidade e a singularidade. Assim, a identidade se constrói não somente na distância ao papel e à tarefa acordados, mas também na distância à modelização das práticas, quer elas sejam produzidas pela formação profissional ou pelo grupo de trabalho. Esta distância, esta décalage supõe, entretanto, um apoio comum, uma referência partilhada a partir da qual a individuação poderá se engajar. A busca identitária parte sem dúvida das exigências narcísicas, mas ela se apoia, necessariamente, sobre o laço social e suas mediações, neste caso o trabalho.

Trabalho e ordem simbólica

O trabalho é fundamentalmente relação ao outro porque a atividade supõe uma coordenação, um reconhecimento e uma validação pelo outro. O trabalho compreende sempre uma referência ao outro como destinatário, como coautor, como prescritor.

A organização do trabalho define a divisão das tarefas e as modalidades de sua realização. Essas tarefas estão necessariamente em ligação com aquelas tarefas atribuídas aos outros e elas constituem para cada um a tradução operatória do lugar atribuído em um conjunto. A significação dessas tarefas não pode ser desconectada deste conjunto, como a palavra não pode ser desconectada da frase.

A medida do que cada um realiza é submetida a essa referência aos resultados e aos modos operatórios prescritos. As prescrições são definidas pela organização formal do trabalho, tais como apresentadas no organograma, os regulamentos, os procedimentos ensinados e controlados. Elas são, também, aquelas prescrições construídas pelo coletivo de trabalho para otimizar as capacidades de ação frente às situações reais enfrentadas. A experiência profissional ensina os limites do quadro prescrito e solicita a engenhosidade. Para ultrapassar as dificuldades, para ganhar tempo, para se proteger do perigo, para economizar penosidade, para se ajustar às especificidades da situação a tratar é necessário fazer de outra maneira o que previam os procedimentos oficiais. Resulta que os reparos e as referências são essenciais para definir na matéria o que é correto, justo, para não se perder no labirinto de ensaios-erros e encontrar o sentido do que se faz.

O sentido não se prescreve, não se decreta. Ele é sempre coconstruído em um duplo movimento de investimento de desejos inconscientes e de validações sociais.

A busca do sentido reenvia à questão do lugar deixado ao desejo em suas articulações com a energia pulsional e à sublimação como expressão socializada da pulsão.

A sublimação só pode acontecer no engajamento que encontra um reconhecimento social e se o objeto que orienta o desejo está validado e apreciado através de um sistema de valores próprio a uma sociedade, a uma comunidade de trabalho, a uma equipe.

Também o sentido da ação não pode ser exclusivamente construído por aquele que a realiza. O sentido está certamente ligado à história individual, mas ele é, também, sempre o produto de uma construção intersubjetiva. Tal construção necessita mudanças, debates, confrontações, permitindo-se, por vezes, a orientação do contexto organizacional, das posições ocupadas por cada um e, também, das modalidades de ação sobre este conjunto.

Esta elaboração implica a existência de uma "área de jogo", de um "espaço transicional" (Winnicott, 1971) que favorece a criatividade, o pensamento, a palavra livre e o desejo de construir.

Por vezes encontrado e criado, o sentido do trabalho não pode se reduzir nem à singularidade de uma subjetividade, nem à "oferta de sentido", contida nos discursos da organização.

O sentido, entendido como direção e significação, emerge somente na linguagem. Ao contrário, a privação da palavra, da deliberação em torno de questões postas pelo trabalho favorece o "mundo do nonsense" (Enriquez, 1972).

Quando se está privado de trocar no trabalho, quando não se pode mais dizer o que se faz, esta falta de conteúdo simbólico envia a uma confrontação solitária com o real, sem meios de torná-lo seu, sem meios de significá-lo.

A avaliação do trabalho efetuado no cotidiano é suspendida aos olhos dos outros. Como ser assegurado da pertinência, da eficácia, da qualidade, da utilidade, da validade do que se faz fora das reações deste terceiro que se interpõe entre si e o traço de sua atividade? A avaliação pode ser feita pelos usuários, pelos clientes, pela hierarquia, pelos colegas. Cada um recorre a seus diferentes critérios, em função das necessidades e das expectativas de cada um. Elas são todas necessárias à orientação dos compromissos a construir entre diferentes exigências para encontrar "o bom lugar" e a "boa maneira de fazer".

A coordenação das atividades repousa sobre o prosseguimento de um projeto comum fundado sobre uma interpretação da situação. O agir comunicacional, orientado à intercompreensão, supõe um saber implícito comum que está designado como mundo vivido (Habermas, 1981). Para o ator confrontado a uma situação, a um problema a resolver, este mundo vivido constitui um recurso na medida em que lhe oferece interpretações já dadas, um fundo de evidências saídas das tradições culturais e das solidariedades do grupo integrado ao meio de valores e de normas.

Este conceito de mundo vivido remete ao conceito de representação, ao menos em algumas de suas funções, tais como o "prêt a penser", ou sistema de interpretação e de orientação no ambiente material e social; um contexto de pré-compreensão, suporte à interação e à comunicação e, enfim a função socializadora. Todas essas funções estão ligadas às identificações mútuas que o trabalho favorece.

Mas, desde o instante em que um fragmento do mundo vivido torna-se o contexto de uma situação de ação, ele se desvela como aquilo que ele é: um sistema de evidências.

No trabalho, concebido como conjunto de atividades coordenadas, as representações são problematizadas, testadas. Além da coordenação, a cooperação implica um engajamento subjetivo no trabalho e uma dinâmica intersubjetiva de construção e de desconstrução das representações iniciais problematizadas na ação e na mudança em torno da ação.

O objeto do trabalho, quer dizer o objeto desejado, construído, criado, está na encruzilhada de uma representação individual e coletiva.

Representação no sentido de interpretação de objeto e de expressão do sujeito: ela envia, por um lado, à realidade pertencente ao mundo exterior e também à realidade interior projetada pelo sujeito, se constituindo, se situando assim, diferentemente do que uma submissão radical ao mundo exterior.

Mas o objeto não é somente cobiçado, desejado por ele mesmo. É o desejo do outro que faz nele o valor e que o designa como socialmente desejável.

Trabalhar dá acesso a um espaço social e se inscreve na troca com os outros. O princípio social da troca, ciclo do dar e do receber (Mauss, 1950), se manifesta na cena do trabalho em torno da associação contribuição-retribuição. Tal associação não se reduz ao conteúdo do contrato de trabalho que liga o assalariado a seu empregador. Ela acontece na relação com cada um dos destinatários da atividade. Aquele que trabalha dá seu savoir-faire, sua experiência, suas habilidades, sua expertise, seu gosto pela manutenção de uma convivência que lubrifica a engrenagem do coletivo de trabalho. Ele recebe, em retorno, uma retribuição material e simbólica, na medida ou não de suas expectativas.

Assim, o trabalho tem uma função social essencial: é uma atividade que liga aos outros e que implica se ajustar a eles para produzir algo útil. Ele tem, também, uma função psicológica essencial, pela qual ele é "o operador simbólico indispensável do separar-se de si mesmo, da delimitação de si" (Clot, 1999). Trabalhar é se livrar das preocupações pessoais para se engajar em uma outra história que não a sua própria, para cumprir suas obrigações sociais. É o que permite não se viver como um inútil no mundo.

Trabalho e prova do real

Para além das representações iniciais da função e das atividades associadas, para além dos desejos e identificações primeiras que presidiram o tipo de engajamento no trabalho ou em um trabalho, seu exercício se acompanha sempre de um encontro com o imprevisto, com situações, com problemas para os quais não se está preparado, com questões às quais, não se pode responder, com faltas.

Os recursos dos quais dispõe o sujeito para realizar a tarefa se revelam então insuficientes, inadaptados: a definição dos modos operatórios, os savoir-faireconstruídos ao longo de sua experiência profissional, os sistemas de normas e as regras que enquadram sua atividade, os conhecimentos, ferramentas e técnicas desvelam seus limites.

A insuficiência conduz a uma reavaliação das representações que orientam a atividade. Ela solicita, também, invenção. O real se apresenta pela resistência sempre oposta ao domínio como produção imaginária. Ele é uma prova a viver para o sujeito, uma prova dolorosa, mas também uma possibilidade de ultrapassamento, de descoberta, de criatividade, para além da reprodução-repetição. O desembaraçamento das representações iniciais se impõe por ocasião deste encontro com o real.

Podemos ser tentados a privilegiar uma abordagem que seria como que escalonada sobre um eixo que vai da fantasmática à ação pelos intermediários da ordem do imaginário e da representação. Ora, o movimento inverso não pode ser descartado: o psiquismo não funciona em sentido único. Um ato, na confrontação que ele supõe com o real, é suscetível de operar uma remodelação a mais no eixo em questão. As representações mudam, novos mecanismos de defesa atraem o imaginário anterior ou chamam ao primeiro plano outras representações.

Nesta perspectiva, se as práticas são construídas em função da representação que os sujeitos se dão da situação recorrendo, por vezes, à sua história pessoal e também ao discurso das organizações do trabalho, essas práticas são, também, suscetíveis, pelo fato do confronto com o real que elas implicam, de transformar a situação e/ou suas representações.

Esta dupla relação de determinação e de efeito entre representações e práticas pode ser conseguida a partir do estudo clínico de situações de trabalho. A clínica do trabalho se interessa pela dupla inscrição da subjetividade: inscrição simbólica na cadeia das atividades sociais mas também inscrição material na eficácia operacional de uma atividade que exige o tratamento do real tal como revelado por sua resistência (Clot, 1995).

O real aparece, então, como "aquilo sobre o que desmorona a simbolização, o que não pode ser simbolizado" (Dejours, 1996). O que, no mundo objetivo, escapa à sua estruturação e à sua dominação.

A confrontação ao fracasso, às dificuldades, por ocasião da atividade laboriosa desvela também a irredutibilidade da distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real, entre a tarefa e a atividade.

A tarefa sucede da representação tal qual dividida pela organização formal do trabalho. A atividade comporta sempre a colocação à prova desta representação pela confrontação ao real. O trabalho não pode se reduzir a um puro processo de reprodução, de execução de prescrições.

Trabalhar de outra maneira torna possível o trabalho, porque, como assinala Y. Schwartz (1992), "para que a produção se complete, para que os objetos sejam vendáveis nas condições do mercado, para que os trens cheguem na hora certa, para que os dossiês sejam corretamente fechados em tempo hábil, os prescritores do trabalho não somente não encontram mas não devem, imperativamente, encontrar autômatos ou mortos vivos".

Os objetivos de racionalização do trabalho pela normalização e a estandartização das tarefas (Taylor) ou de racionalização da organização geral (Fayol) se traduzem pela colocação em uso de dispositivos de controle dos homens no trabalho.

A utopia prescritiva visa ao domínio dos comportamentos dos operadores. Esta tentação dos gerentes, dos organizadores, funciona como uma denegação de irredutibilidade das práticas à sua conceitualização operatória.

Na tradição taylorista, os organizadores tentam dividir as práticas a partir das prescrições que provêm do escritório de métodos: as atividades são, neste quadro, percebidas como o puro produto de regras prescritas.

Os trabalhos de Elton Mayo na Western Electric (1927-1932) como aqueles da escola das relações humanas questionam a concepção dos homens como simples engrenagens da empresa. Colocando ênfase sobre as relações afetivas, sobre as normas produzidas pelos grupos, sobre a organização como sistema social, eles visam a uma humanização do mundo da produção sem necessariamente interrogar os princípios organizadores da divisão social do trabalho.

É a Friedman que se deve a introdução, na França, dos trabalhos americanos sobre o trabalho, em particular a crítica da organização tayloriana das tarefas, as experiências feitas para modificar a natureza delas (alargando as tarefas) e a organização coletiva do trabalho. Essas pesquisas foram, em seguida, desenvolvidas na Inglaterra, notadamente por Emery e Trist – estudos sobre equipes autônomas nas minas de carvão, e foram originárias do movimento de democracia industrial nos países do Norte (sistemas sociotécnicos, equipes semiautônomas).

Com a modernidade e seus modelos participativos, para fazer frente à descoberta do lugar que ocupa o social na construção da realidade (organização e práticas informais, transgressões), se desenvolvem outras estratégias de domínio, sempre sobre fundo de denegação do real. Trata-se de fazer advir o prescrito a partir da realidade das práticas (Dassa & Maillard, 1996). Mas prescrever o que é realmente praticado (ou ao menos o que foi dito ou escrito da realidade das práticas) não faz, contudo, desaparecer os devires e as transgressões. Vê-se aparecer outras aberturas, novas práticas informais que constituem ajustamentos às provas do real. A ordem do real resiste a toda fusão integral com a ordem da realidade procedural.

A prescrição porta nela uma instrumentalização de operadores, de relações sociais de dependência e de controle. As regras não são somente técnicas e instrumentais: elas carregam a marca de conotações sociais e de cargas simbólicas em termos de poder hierárquico e de assujeitamento às lógicas da organização.

Visando em um mesmo movimento à padronização do produto (ou do serviço) e do trabalho, a ideologia prescritiva persegue um projeto de domínio dos corpos, de atitudes, de relações e de representações. Projeto que supõe uma ocultação do real em proveito da construção de uma nova realidade ilusória, originária no imaginário do tudo-posso.

A delimitação dos lugares e dos modos operatórios e a instrumentalização dos indivíduos a serviço de objetivos produtivos definidos sem eles tendem a recobrir a questão do trabalho por aquela da organização. A otimização desta última viria resolver as falhas da atividade. A atenção é então deslocada para a definição dos postos, das funções, a distribuição de poderes e de competências, as escalas de qualificações e de remunerações, a adesão aos objetivos e aos discursos da organização.

"A partir do momento em que o trabalho se esvazia de suas significações e onde os membros da empresa são separados das técnicas que eles utilizam, do saber que eles manipulam, da cultura na qual eles vivem, não resta nada mais como realidade do que a estrutura organizacional e as instituições que a fundam" (Enriquez, 1978). No entanto, esta realidade não pode mais do que se desvelar como máscara pela ocasião da experiência do trabalho e dos desmentidos do real. A relação à organização fica mediatizada pelo trabalho, mesmo se o discurso organizacional tende a ocultar este terceiro em proveito da construção de uma relação dual favorecendo a identificação, a adesão pela instauração de uma hegemonia de pensamento e de referências. A estratégia tecida à maneira da aranha (Linhart, 1995) visa à construção de uma nova ordem social que tende a ocultar a questão do trabalho que escapa sempre à ordem estabelecida.

Trabalhar implica sair do discurso, reconhecer sobre o que o discurso falha, porque, então, não se trata mais de falar, de se representar, mas de fazer e de provar o que resiste, tanto na ordem simbólica quanto nas produções imaginárias.

Da atividade à ação

O trabalho não é somente organizado pelas direções e pelo regulamento. Ele é reorganizado por aqueles que o realizam, de um lado para responder as exigências do real e por outro para desembaraçar-se das relações sociais de dependência e controle contidas em suas prescrições. Esta reorganização é uma construção coletiva que supõe deliberações e decisões para regular as atividades individuais e inscrevê-las em um corpus de regras compartilhadas e em um quadro significativo comum.

O coletivo de trabalho, diferentemente do grupo ou da equipe formalmente constituídos, é o espaço deste trabalho de reorganização. Os laços tecidos não se dão por afinidades seletivas desconectadas do trabalho. O coletivo é, "por um lado, um reagrupamento de produção e por outro, de luta. É porque eles têm a resolver em comum problemas de organização de seu trabalho, cujos diversos aspectos se comandam reciprocamente, que os trabalhadores formam, obrigatoriamente, coletividades elementares que não são mencionados no organograma de nenhuma empresa. É porque sua situação na produção cria entre eles uma comunidade de interesses, de atitudes e de objetivos opondo-se, irremediavelmente, àqueles da direção que os trabalhadores se associam espontaneamente, ao nível o mais elementar, para resistir, se defender, lutar" (Castoriadis, 1974).

A mobilização subjetiva neste trabalho coletivo torna-se possível pelo reconhecimento das contribuições singulares na busca de objetivos comuns. Ela permite a cada um aceder e contribuir para um mundo comum onde a atividade não é somente atividade produtiva mas ação. A luta para conquistar sua autonomia, para preservar uma margem de liberdade no trabalho supõe, de um lado, uma atividade sobre si mesmo (trabalho de subjetivação) e, por outro, uma ação comum entendida como práxis, prática social.

A experiência de autonomia tal como a descreve, por exemplo, M. Haraszti (1976), é aquela do poder conquistado sobre sua atividade. A propósito do "desvio", ele assinala que através dele "nós reencontramos nosso poder sobre a máquina, nossa liberdade em relação à máquina, a competência profissional ficando aqui subordinada ao sentido da beleza".

Se trabalho e ação são dois conceitos distintos, eles não são, entretanto, indissociáveis. Trabalhar não é somente dedicar-se a uma atividade. É também estabelecer relações com os outros, é engajar-se em formas de cooperação e de mudança, é se inscrever em uma repartição de lugares e de tarefas, confrontar os pontos de vista e as práticas, experimentar e dar visibilidade às capacidades e recursos de cada um, transmitir saberes e saber-fazer, validar as contribuições singulares. É, enfim, estar em condições de marcar com sua influência, seu ambiente e o curso das coisas.

O poder do ato é, também, um poder sobre o ato (Mendel, 1992): o movimento de apropriação do ato traduz essa busca de preservação do poder de agir sobre nossos próprios atos para transformar a realidade do trabalho. Ele se manifesta, assim, através das resistências às despossessões que impedem o sujeito de "ver a finalização de seus atos". Mas este movimento não pode se desenvolver senão no espaço social e através da relação com os outros.

A preservação de um "trabalho para si" e o reconhecimento de marcas singulares da atividade supõem a cooperação com o outro.

A ação, no sentido mais geral, significa tomar uma iniciativa, empreender, colocar em movimento. Ela não é jamais possível na solidão: estar isolado é estar privado da capacidade de agir. Agir junto permite aceder a um papel social, se desvencilhar de sua história pessoal para possibilitar as atividades que ligam cada um aos outros e que concernem ao mundo comum.

A ação supõe inscrição social em um conjunto social movido por interesses compartilhados. "Esses interesses constituem, no sentido mais literal da palavra alguma coisa que inter-é, que está entre as pessoas e que por consequência pode aproximá-las e ligá-las. A maior parte da ação e da palavra se refere a esse entre-dois que varia com cada grupo, de maneira que a maior parte das palavras e dos atos estão além da realidade objetiva do mundo, sendo totalmente revelação do agente que age e fala". Este entre-dois constitui a rede de relações humanas. Existe por tudo onde os homens vivem juntos. "Agindo e falando, os homens fazem ver quem eles são, revelam ativamente suas identidades pessoais únicas e fazem, assim, sua aparição no mundo humano".

A concepção de ação, inseparável da palavra, tal como definida por H. Arendt (1961), é a atividade que dá acesso à vida pública, à comunidade de cidadãos. É neste espaço que os homens podem se distinguir e manifestar sua individualidade.

Os excluídos do trabalho são excluídos deste espaço. Ora, o que funda o sentimento de identidade íntima e único é precisamente seu apoio sobre uma outra ordem, comum, pública.

O impedimento da atividade é, assim, fundamentalmente privação do poder de ação, e o sofrimento que disto resulta contribui ainda para a diminuição do poder de agir evocado por P. Ricoeur (1994). Ser privado de trabalho, quer seja desempregado ou "isolado" (Lhuilier, 2002), é estar amputado de condições necessárias, por um lado, para a construção identitária e, por outro, para a construção do viver junto.

As transformações do trabalho

Desde os anos 1980, as exigências do mundo do trabalho tornaram-se mais fortes enquanto que, ao mesmo tempo, os meios necessários para responder a essas exigências foram reduzidos. Este duplo processo carregado de pressões e de fragilização dos indivíduos gera uma marginalização progressiva de assalariados no exterior, mas também no interior mesmo do mundo do trabalho (Abécassis & Roche, 2001). A empresa aparece como uma máquina de produzir sem cessar, mais gulosa em eficácia e mais anoréxica em mão-de-obra. Em um contexto sempre apresentado como aquele de uma concorrência generalizada, a turbulência dos mercados, a rapidez das evoluções tecnológicas, a multiplicação das fusões-aquisições, todos esses fatores tendem a reforçar a ideia de que a mão-de-obra é um custo de montante modulável em função das necessidades conjunturais da empresa. Esta visão do pessoal assalariado está relacionada por uma degradação do valor do trabalho produtivo em proveito de uma rentabilização do capital pelo jogo dos investimentos financeiros.

A flexibilidade se tornou o maior eixo da estratégia das empresas; ela recai sobre os assalariados, sobre as leis da incerteza de mercado e sobre as exigências de competitividade.

A flexibilidade interna se traduz por profundas transformações da organização do trabalho, as quais concorrem para sua precarização. A flexibilidade externa se traduz por uma redução dos efetivos, pelo desenvolvimento da subcontratação e pela precarização do emprego.

Paradoxalmente, enquanto as exigências de produtividade se avolumam, se observa uma tendência geral à desqualificação. O fracionamento da experiência profissional em uma multitude de missões sucessivas ou paralelas, a promoção de uma polivalência que dissolve a referência aos corpos de saberes e saber-fazer definindo os métiers, a degradação das condições de aprendizagem pela intensificação do trabalho e a precariedade dos pertencimentos são fatores que, por seus efeitos cumulativos, desenham uma margem sempre maior de marginalizados.

Esta precarização crescente do trabalho e do emprego, como a intensificação dos ritmos e a carga produtiva, contribuem para uma "desconstrução do mundo do trabalho" (Boltanski & Chiapello, 1999) e para "uma crise do reconhecimento das atividades de trabalho" (De Bandt, Dejours, & Dubar, 1995).

Neste contexto, a ideologia gerencial para mobilizar os assalariados aposta na difusão do culto da excelência que alimenta as ilusões de desejos narcísicos. Ela tende, assim, a oferecer mitos suscetíveis de substituir uma realidade menos exultante.

O imaginário está no centro da formação de ideologias que tendem, por um lado, a distorcer a realidade e, por outro, a suscitar a passagem à ação.

A inflação imaginária é tão potente que o tecido social relaxa suas tramas simbólicas e a ocultação do real é crescente. Ora, o mundo do trabalho conhece hoje um processo de redução simbólica e uma abordagem gestionária do trabalho cada vez mais desconectada das realidades entendidas como conjunto de confrontações ao real, ao que resiste ao domínio. A distância do trabalho concreto cresce, enquanto o imaginário social, que combina individualismo e desinstitucionalização, ganha terreno e deixa cada um sozinho nas investidas com a organização e seus representantes (Lhuillier, 1998).

A diluição de referências institucionais é perceptível através de múltiplos sinais: o apagamento das relações hierárquicas em proveito da instauração de relações entre "iguais" em que se definem os objetivos a perseguir, a descentralização de estruturas e a colocação de unidades autônomas ou de grupos de projetos que repetem e embaralham os poderes e as responsabilidades, a valorização da aproximação e a familiaridade, a extensão da informalidade e a confusão de gêneros entre o trabalho e a vida privada, a inversão de papéis que consiste em fazer crer aos assalariados que eles são, enfim, livres para decidir.

A empresa seria uma comunidade consensual e homogênea. O mito de uma união fraternal que mascara as diferenças de interesses, de responsabilidades, de funções, de uns e de outros. Ela mascara, ainda, a violência das relações de competição, os desgastes produzidos pela pressão crescente sobre cada um, pelo crescimento de desvios gerenciais de todo gênero, desgastes da humilhação pelo isolamento (Lhuillier, 2001) passando pelo assédio moral (Hirigoyen, 1998). A desagregação dos grupos de pertencimento enfraquece as capacidades de resistência. Estes grupos exercem um papel essencial de mediação entre o indivíduo e a organização, entre o sujeito e sua ação. A diluição da referência ao métier em proveito de princípios de mobilidade, de polivalência, de adaptabilidade conduz a uma maior indeterminação de funções e a uma fragilização de referências associadas às inscrições no mundo do trabalho. O desenvolvimento da individualização dos modos de remuneração e de gestão das carreiras se inscreve no mesmo movimento, travestido como promoção de valores de realização de si. A qualificação e as competências entendidas como atributos pessoais, como capacidades operatórias e relacionais, estabelecem uma naturalização de diferenças e apagam as dimensões coletivas e organizacionais da experiência profissional.

O conjunto dessas evoluções assegura o desenvolvimento de relações binárias na empresa, não mediatizadas pela referência a um terceiro (a instituição, a lei, a comunidade profissional, o coletivo de trabalho) que permite a diferença, o distanciamento, o pensamento crítico e a palavra viva.

A dominação da economia e da gestão, o questionamento da política e da racionalidade crítica, as desregulamentações e a desconstrução dos coletivos de trabalho constituem tanto fragilizações dos quadros simbólicos e sociais, quanto ataques aos apoios que sustentam os funcionamentos organizacionais e grupais, como regulam as relações interpessoais e que protegem cada um da alienação.

Restaurar o lugar do trabalho real no espaço público e se interessar não somente pela subjetividade, mas também pela atividade dos trabalhadores, permite subverter o silêncio sobre o trabalho e submeter à prova de realidade os sistemas de representação que tendem a ocultar o que está no coração da experiência de trabalho: a busca de nossa própria humanidade, no encontro das exigências pulsionais e existenciais e dos determinismos sociais.

Nota

Referências

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Recebido em: 27/06/2012

1ª. Revisão em: 28/08/2012

2ª. Revisão em: 11/09/2013

Aceite em: 11/09/2013

Dominique Lhuilier é Professora Emérita de Universidades e Professora da cadeira de Psicologia do Trabalho no Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), em Paris. Endereço: 41, rue Gay-Lussac - 75005. Paris, France. E-mail: dominique.lhuilier@cnam.fr

Fernanda Spanier Amador é Psicóloga, Pós-Doutora em Educação/UFRGS, Professora Adjunta do Departamento de Psicologia Social e Institucional e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional/UFRGS. Endereço: R. Silva Jardim, 475/302, Mont’Serrat. Porto Alegre/RS, Brasil. CEP 90450-071 E-mail: feamador@uol.com.br

Revisão por Eliana Braga Diniz Costa Pesa é Professora Mestre em Letras-Literatura Francesa/UFRGS. Sócia Fundadora do Curso de Língua Estrangeira "Só Francês", em Porto Alegre/RS, Brasil. E-mail: elianapesa@sofrances.com.br

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    Este texto é uma tradução do original
    Travail, escrito por Dominique Lhuilier e publicado no livro
    Vocabulaire de Psychosociologia (Éditions Érès), organizado por J. Barus-Michel, E. Enriquez e A. Lévy, no ano de 2006. Tal livro segue normas para publicação diferentes das adotadas por esta revista. Optamos por manter o texto em seu formato original.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      2013
    Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
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