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Caraterísticas dos Professores-Cursistas, Processo e Resultados em Programa Semipresencial de Habilidades Sociais

Teacher-Trainee’s Characteristics, Process and Results in a Blended Social Skills Program

Características de Los Profesores-Cursistas, Proceso y Resultados en Programa Semipresencial de Habilidades Sociales

Resumo

Este estudo (pesquisa-intervenção) avaliou a eficácia e efetividade de um programa semipresencial de formação continuada de professores em habilidades sociais (HS) e a relação entre as características destes (idade, tempo de formação e atuação, autoavaliação e concepções educacionais), variáveis de processo do programa (desempenho nas tarefas e manejo do ambiente virtual) e resultados obtidos (aquisição de repertório e conhecimento em HS). Participaram 11 professores do Ensino Fundamental (1º-5º ano) que responderam a inventário padronizado e questionários antes, durante e depois do programa. Destacam-se os resultados: (a) melhora no conhecimento e repertório de HS (principalmente assertivas); (b) correlações entre os três conjuntos de variáveis, tanto negativas (p. e., do envolvimento e desempenho no programa com manejo do ambiente virtual, tempo de formação, autoavaliação profissional e repertorio de HS), como positivas (p. e., entre habilidades assertivas e manejo de classe). São discutidas implicações para nivelamento/seleção de cursistas e questões de pesquisa.

Palavras-chave:
habilidades sociais; ensino a distância; professor

Abstract

This study (intervention research) evaluated the efficacy and effectiveness of a blended in-service teacher training program on social skills, and the relation between teachers’ characteristics (age, time since graduation and performance, professional self-evaluation, and educational conceptions), variables of process (performance on assessments and management of the virtual environment), and the results obtained (social skills performance and knowledge). Participants included 11 teachers from the 1st to the 5th elementary school grades, who answered a standardized inventory and questionnaires before, during and after the program. As results, we can highlight: (a) improvement in social skills knowledge and performance (mainly assertive skills); (b) correlations between the three sets of variables, both negative (for example, of the involvement and performance in the program with management of virtual environment, time since graduation, professional self-evaluation and performance of social skills), and positive (for example, between assertive skills and class management). Implications for leveling/selecting participants in future programs and research questions are discussed.

Keywords:
social skills; distance learning; teacher

Resumen

Este estudio (investigación-intervención) tuvo por objetivo evaluar eficacia y efectividad de un programa semipresencial de formación continua de profesores en habilidades sociales (HS), y la relación entre las características de los mismos (edad, tiempo de formación y actuación, autoevaluación y concepciones educativas), también las variables de proceso del programa (desempeño en las tareas y manejo de ambiente virtual) y los resultados obtenidos (adquisición de repertorio y conocimiento en habilidades sociales). Participaron 11 maestros de Enseñanza Primaria (1º a 5º año), quienes respondieron un inventario estandarizado y otros cuestionarios; antes, durante y después del programa. Como resultado, podemos destacar: (a) mejoras en el conocimiento y repertorio de HS (principalmente asertivas); (b) correlaciones entre los tres conjuntos de variables, tanto negativas (p. e., participación y desempeño en el programa con manejo de ambiente virtual, tiempo de formación, autoevaluación profesional y repertorio de HS), como positivas (p. e., entre habilidades asertivas y manejo de clase). Se discuten las implicaciones para nivelar la selección de cursistas y las preguntas de investigación.

Palabras clave:
habilidades sociales; enseñanza a distancia; maestro

Introdução

A qualidade das relações sociais nos diversos contextos de vida é um fator para o processo de desenvolvimento do indivíduo e implica desenvolver habilidades e competência sociais. Trata-se, segundo Del Prette e Del Prette (2001Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2001). Psicologia das relações interpessoais: Vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes.), de requisitos indispensáveis para a atuação profissional, principalmente nas práticas que ocorrem por meio da interação entre o profissional e o seu cliente. Esse é especialmente o caso dos educadores em geral e em especial aos professores, foco deste estudo, considerando-se a natureza social do processo de ensino (Del Prette, Paiva, & Del Prette, 2005).

Como implicação, torna-se necessário preparar os professores para lidarem com as demandas interpessoais desse processo e outras que ocorrem no cotidiano de sala de aula. Reforçando esse aspecto, pesquisa realizada com cerca de 700 professores e demais profissionais da educação (Instituto Ayrton Sena e The Boston Consulting Group, 2014) mostrou que a formação inicial do professor pouco inclui desses aspectos e os próprios docentes sinalizavam a necessidade de aprenderem sobre competências não acadêmicas dos alunos e metodologias didáticas e pedagógicas para lidar com elas, pelo menos em programas de formação continuada.

Além de atender às demandas do processo de ensino e aprendizagem, em interações satisfatórias e produtivas com os alunos, o programa se assenta na proposta de Del Prette e Del Prette (2014">Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2014) Programa de apoio à formação de profissionais no campo das competências socioemocionais. Encaminhado e aprovado no Edital CAPES nº 44/2014 e disponível com os autores.) de começar com o aperfeiçoamento do repertório de habilidades do professor para lidar com demandas interpessoais, independentemente da sala de aula, com amigos, familiares e colegas de trabalho, como forma de melhorar a qualidade das relações interpessoais e qualidade de vida do professor e motivá-lo para investir posteriormente nas habilidades dos alunos. A relação entre habilidades sociais e qualidade de vida do professor foi verificada por Esteves (2018Esteves, M. M. (2018). Habilidades sociais e qualidade de vida de professores do ensino fundamental (Dissertação de mestrado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil). Recuperado de https://repositorio.ufscar.br
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), em uma amostra de 85 docentes, evidenciando correlações positivas entre habilidades sociais (conversação e desenvoltura social, expressão de sentimento positivo e escore geral do instrumento) e qualidade de vida (domínio psicológico e de relações sociais).

Considerando a modalidade presencial, há evidências de eficácia e de efetividade de programas de habilidades sociais na formação continuada de professores do Ensino Fundamental, desde o estudo pioneiro de Del Prette e Del Prette (1997Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (1997). Um programa de desenvolvimento de habilidades sociais na formação continuada de professores. Em Associação Nacional de Pesquisa Em Educação (Eds.), CD-Rom dos trabalhos selecionados para apresentação. (29 p.) 20ª Reunião Anual da ANPED, Caxambu. Recuperado de http://betara.ufscar.br:8080/pesquisa/rihs/armazenagem/pdf/artigos/artigo-anped-2007
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) até outros mais recentes, como os de Lessa (2017Lessa, T. C. R. (2017). Atividade curricular em habilidades sociais para professores de alunos público do alvo da educação especial (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil. Recuperado de https://repositorio.ufscar.br
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), Lopes (2013Lopes, D. C. (2013). Programa universal de habilidades sociais aplicado pelo professor: Impacto sobre comportamentos sociais e acadêmicos (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil. Recuperado de https://repositorio.ufscar.br), Pinar e Sucuoglu (2013Pinar, E. S., & Sucuoglu, B. (2013). The outcomes of a social skills teaching program for inclusive classroom teachers. Educational Sciences: Theory & Practice, 13(4), 2247-2261. doi: 10.12738/estp.2013.4.1736
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) e Vila (2005Vila, E. M. (2005). Treinamento de Habilidades Sociais em grupo com professores de crianças com dificuldades de aprendizagem: Uma análise sobre procedimentos e efeitos da intervenção (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil. Recuperado de https://repositorio.ufscar.br
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) (ver detalhamento dos estudos em Cintra, 2018Cintra, A. B. (2018). Programa semipresencial de habilidades sociais para professores: Características dos cursistas e indicadores de processo e resultado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil. Recuperado de https://repositorio.ufscar.br
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). Segundo Del Prette e Del Prette (2011), a eficácia está vinculada à validade interna do estudo, embasada no controle de variáveis, enquanto a efetividade está relacionada à validade externa, ou seja, à viabilidade de implementar a intervenção e promover generalização e manutenção dos resultados obtidos do ambiente controlado para o ambiente natural dos participantes.

Com o advento das tecnologias de informação e comunicação, Del Prette e Del Prette (2014">Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2014) Programa de apoio à formação de profissionais no campo das competências socioemocionais. Encaminhado e aprovado no Edital CAPES nº 44/2014 e disponível com os autores.) passou a considerar a potencialidade de programas em formato semipresencial e a distância (EaD) como alternativa para a capacitação do professor em interações sociais educativas via ambientes virtuais de aprendizagem. Contudo, não foram encontrados, na literatura do campo teórico-prático das habilidades sociais, programas destinados a professores nessas modalidades. Explorá-las foi visto, por esses autores, como importante também no sentido de disseminação desses programas, ampliando-se o acesso dos docentes aos conhecimentos dessa área. No entanto, tratava-se de um processo que não podia ser dissociado da avaliação de eficácia, efetividade e outros aspectos pertinentes ao compromisso de ampliar as práticas baseadas em evidência (PBE).

No contexto educacional, a PBE é definida por Spencer, Detrich e Slocum (2012Spencer, T. D., Detrich, R., & Slocum, T. A. (2012). Evidence-based practice: A framework for making effective decisions. Education and Treatment of Children, 35(2), 127-151. doi: 10.1353/etc.2012.0013
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) como processo de tomada de decisão que ocorre pela integração entre as melhores evidências disponíveis, o julgamento profissional e aos valores do cliente e contexto. Tais decisões precisam ser tomadas com base na investigação e sustentação científica de tratamentos e intervenções que demonstrem evidências de eficácia e efetividade.

No Brasil, a busca por caracterizar as práticas baseadas em evidência na Educação ainda é recente, por iniciativa de algumas instituições e grupos de pesquisa. Por exemplo, o Instituto Alfa e Beto, desde 2006, busca promover o debate da PBE na educação trazendo evidências, análises e soluções sobre práticas educacionais efetivas. Del Prette et al. (2012Del Prette, Z. A. P., Domeniconi, C., Amaro L. , Benitez, P. , Laurenti, A., & Del Prette, A. (2012). Tolerância e respeito às diferenças: Efeitos de uma atividade educativa na escola. Psicologia: Teoria e Prática. 14(1), 168-182. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v14n1/v14n1a13.pdf
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) discorrem sobre a temática e sustentam a importância de investimento em pesquisas rigorosas, para que procedimentos e estratégias educacionais sejam adotadas com base em sua eficácia e efetividade.

A literatura sobre avaliações de programas aponta inúmeros métodos para investigar sua eficácia e a efetividade. Segundo Rossi, Lipsey e Freeman (2004Rossi, P. H., Lipsey, M. W., & Freeman, H. E. (2004). Evaluation: A systematic approach. Thousand Oaks: Sage Publications.), a avaliação de um programa envolve considerar um ou mais dos seguintes aspectos: necessidade, estrutura, processo, impactos e resultados e eficiência (custo do programa). Murta e Tróccoli (2004Murta, S. G., & Tróccoli, B. (2004). Avaliação de intervenção em estresse ocupacional. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20(1), 39-47. doi: 10.1590/S0102-37722004000100006
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) dão destaque para as avaliações de necessidades, processo e de resultado.

Além de aferir os resultados obtidos com a intervenção, a perspectiva da PBE contempla a avaliação de aspectos do processo de implementação do programa. Quando as condições do processo são avaliadas, a interpretação dos resultados é facilitada, possibilitando compreender os aspectos a serem aperfeiçoadas em intervenções futuras (Berkel, Mauricio, & Sandler, 2011Berkel, C., Mauricio, A. M., Schoenfelder, E., & Sandler, I. N. (2011). Putting the pieces together: An integrated model of program implementation. Prevention Science, 12, 23-33. doi: 10.1007/s11121-010-0186-1
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).

Essa avaliação pode incluir diferentes aspectos e ainda não há consenso na literatura da área sobre quais os mais relevantes a serem considerados. Linnan e Steckler (2002Linnan, L., & Steckler, A. (2002). Process evaluation for public health interventions and research: An overview. Em Steckler, A. & Linnan, L. (Eds.), Process evaluation for public health interventions and research (pp.1-23). San Francisco: Jossey-Bass.) propõem a avaliação dos seguintes indicadores de processo: contexto (aspectos do ambiente que podem influenciar na intervenção), alcance (proporção de indivíduos que participaram da intervenção), dose fornecida (número adequado de sessões), dose recebida (engajamento dos participantes na intervenção e o uso dos conteúdos recebidos), fidelidade ou integridade (aplicação do programa de acordo com o planejamento) e recrutamento (fontes utilizadas para atrair os participantes em potencial). Os termos “dose fornecida e recebida” vêm sendo estendidos do campo da saúde para outros.

Dada a importância de avaliar o processo de intervenções aplicadas em diversos contextos, alguns estudos apresentaram esse objetivo, ainda que não voltado para professores (Luz, 2015Luz, J. M. O. (2015). Avaliação de resultado e processo de uma intervenção para prevenção do vazio existencial entre adolescentes (Dissertação de mestrado). Universidade de Brasília, Brasília, Brasil. Recuperado de http://repositorio.unb.br
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; Luz, Murta, & Aquino, 2017; Pereira, 2010Pereira, C. S. (2010). Programa de habilidades sociais profissionais para pessoas com deficiência física desempregadas: Necessidades, processo e efeitos (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil. Recuperado de https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/2861
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). Como exemplo no campo teórico-prático das habilidades sociais, Pereira (2010) avaliou indicadores de necessidade, processo e resultados associados a um programa de habilidades sociais destinado às pessoas desempregadas, com deficiência física. Os indicadores de processo incluíram a assiduidade dos participantes, comportamentos apresentados durante as sessões (elogiar o colega, oferecer apoio e relatar problema), engajamento ao cumprir a tarefa de casa, envolver-se nas atividades, relatar progressos e relatar generalização.

Tendo em vista que alguns aspectos do processo, como o envolvimento do participante, dependem, de certo modo, das condições do aprendiz, pode-se defender que, para avaliar a eficácia e a efetividade de uma intervenção, é relevante incluir também a identificação de características específicas dos participantes e do contexto da intervenção. De acordo com Del Prette e Del Prette (2011">Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2011). Práticas baseadas em evidência e treinamento de habilidades sociais. Em Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. P. (Eds.). Habilidades Sociais: Intervenções efetivas em grupo (pp. 57-82). São Paulo: Casa do Psicólogo.), esse detalhamento permite identificar para qual cliente, ou quais características do cliente, determinada intervenção apresenta evidências de eficácia e efetividade.

A avaliação das características dos participantes de intervenções ainda é pouco explorada nas pesquisas de avaliação de programa e pode-se entender que é de extrema importância, sob a perspectiva da PBE, para a seleção de procedimentos e estratégias mais pertinentes e efetivos. Essa avaliação pode incluir diversas variáveis que possivelmente impactam na motivação para realizar determinado curso de formação, bem como indicadores de envolvimento e aproveitamento. No caso de professores do Ensino Fundamental, é possível supor o impacto, sobre o processo e os resultados, de características sociodemográficas (idade, formação profissional, domínio tecnológico) e concepções prévias (sobre o próprio desempenho profissional, manejo em sala de aula e desenvolvimento socioemocional dos alunos).

O presente estudo teve como objetivo avaliar os resultados e relacionar indicadores de processo (indicadores de engajamento), resultados (aquisição de conhecimentos e habilidades sociais) e características dos participantes de um Programa de Habilidades Sociais (PHS) para professores do Ensino Fundamental, conduzido na modalidade semipresencial.

Método

Este trabalho está vinculado a um projeto mais amplo de pesquisa e intervenção, intitulado “Educação a Distância: Articulando a promoção de habilidades sociais educativas do professor ao desenvolvimento socioemocional dos alunos na escola”, que foi aprovado pelo Comitê de Ética/CONEP (CAAE: 50409115.4.0000.5504) e no Edital CAPES no 44/2014

Participantes

Participaram 11 professores, do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental, da rede pública da cidade de São Carlos-SP, que realizaram integralmente o Programa de Habilidades Sociais - PHS. Dos 11 professores, 91% (n = 10) eram do sexo feminino, com idade média de 45 anos (dp = 8,9). Todos os participantes apresentam Ensino Superior completo em Pedagogia e 54% possui pós-graduação completa (maioria Lato Sensu). Referente à condição socioeconômica, 45,4% pertence à classe econômica B1, 27,3% à classe econômica B2 e 9,1% às classes A, C1 e C2, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas (2016).

Instrumentos

Para avaliar as variáveis de resultado do programa, foram utilizados o IHS-Del-Prette e o Questionário de Conhecimento sobre Habilidades Sociais, descritos a seguir:

Inventário de Habilidades Sociais (IHS- Del-Prette). Instrumento de autorrelato, que avalia habilidades sociais. No presente estudo, foi utilizada uma estrutura prévia do IHS-Del-Prette (Braz, Fontaine, Del Prette, & Del Prette, 2016Braz, A. C., Fontaine, A. M. V., Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2016). IHS-Del-Prette: Análise fatorial exploratória e confirmatória para 18 a 60 anos. Arquivo disponível com os autores.), obtida por análise fatorial exploratória, que manteve 25 itens, em cinco fatores razoavelmente equivalentes aos da atual estrutura (Del Prette & Del Prette, 2018). O respondente deve indicar a frequência com que age ou sente, em uma escala de cinco pontos variando de 0 (nunca ou raramente) a 5 (sempre ou quase sempre). Os itens produzem um escore total (α = 0,838) e cinco escores fatoriais: Fator 1 - Conversação e desenvoltura social (α = 0,825); Fator 2 - Expressão de sentimentos positivos (α = 0,741); Fator 3 - Assertividade de autodefesa (α = 0,663); Fator 4 - Assertividade de autoexposição social (α = 0,664); Fator 5 - Assertividade afetivo-sexual (α = 0,654).

Questionário de Conhecimento sobre Habilidades Sociais. Elaborado para o presente estudo, continha questões fechadas e abertas para identificar o conhecimento dos participantes com relação aos conceitos de habilidades sociais e competência social e algumas classes específicas de habilidades sociais (assertividade, feedback, resolução de problemas interpessoais).

Para avaliar as variáveis que compõem as características dos professores, foram utilizados os três instrumentos descritos a seguir:

Questionário “Conhecendo um pouco mais sobre você”. Elaborado para o presente estudo, compondo um conjunto de questões fechadas com o objetivo de coletar dados dos participantes sobre informações sociodemográficas (idade, gênero, tempo de formação e tempo de atuação), formação acadêmica, atuação profissional (ano escolar, quantidade de alunos por turma e carga horária de trabalho) e domínio de tecnologia digital (conhecimento, utilização, participação em cursos EaD).

Questionário “Conhecendo o que você pensa” (Adaptado do QRI, Del Prette & Del Prette, 2014">Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2014) Programa de apoio à formação de profissionais no campo das competências socioemocionais. Encaminhado e aprovado no Edital CAPES nº 44/2014 e disponível com os autores., 2ª edição). Adaptado para o presente estudo, visando identificar as principais concepções dos participantes sobre o papel do professor em sala de aula (autoavaliação do desempenho), o manejo em sala (estratégias adotadas e a efetividade atribuída às estratégias), o desenvolvimento socioemocional (DSE) dos alunos (importância de promovê-lo) e autoavaliação sobre a capacidade de reconhecer emoções, lidar com sentimentos negativos, acalmar-se e manejar conflitos interpessoais.

Para avaliar as variáveis de processo, foi utilizado o questionário Avaliação do Tutor sobre cada Cursista, conforme descrito abaixo:

Avaliação do Tutor sobre cada Cursista. Conjunto de questões, elaboradas para o estudo, respondidas pelos tutores, avaliando seus cursistas com relação a todas as tarefas de casa realizadas, à melhoria nas tarefas interpessoais de casa (atendimento ao solicitado, qualidade da descrição comportamental e desempenho de habilidades sociais) e nas tarefas conceituais/acadêmicas de casa (atendimento ao solicitado, utilização e articulação de conceitos apreendidos), à participação nos fóruns de discussão (contribuições novas, aplicabilidade de conceitos, comentários positivos do curso) e à assiduidade nas tarefas de cada unidade.

Procedimento de Coleta de Dados e sobre o Programa de Habilidades sociais

Os participantes do presente estudo foram convidados por meio de contato com a Diretoria de Ensino. Inicialmente o programa contou com 21 professores, contudo somente 14 (67%) completaram o curso, dois desistiram após o letramento digital (antes de iniciar o curso propriamente dito) e cinco ao longo do curso, sinalizando dificuldade com o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e falta de tempo. Para compor a amostra final do estudo, foram excluídos mais três participantes, visto que um não estava atuando como professor, outro não realizou as tarefas finais e o terceiro apresentou um padrão extremamente atípico de respostas em um dos instrumentos avaliados.

As avaliações ocorreram antes, durante e após o PHS por meio do ambiente virtual de aprendizagem (AVA), do curso, onde os instrumentos estavam inseridos. Dessa forma, os participantes foram orientados a responder individualmente, em um local de escolha com acesso à internet. Como exceção, a aplicação pós-intervenção do Questionário de Conhecimento sobre Habilidades Sociais foi realizada presencialmente por todos os participantes de modo a garantir respostas elaboradas pelos próprios cursistas.

A avaliação prévia ao PHS envolveu aplicação dos instrumentos: Conhecendo o que você pensa; Conhecendo um pouco mais sobre você; Questionário de Conhecimento sobre Habilidades Sociais (QCHS); e Inventário de Habilidades Sociais (IHS-Del-Prette). Durante o programa, foram realizados registro em planilha sobre a frequência de participação dos cursistas nos encontros presenciais, notas nas tarefas de casa, ocorrências de recuperação. Por fim, após o PHS foram aplicados o IHS-Del-Prette, Questionário de Conhecimento sobre Habilidade Sociais e Avaliação do Tutor sobre cada Cursista.

O programa foi ofertado em modalidade semipresencial e envolveu o trabalho de especialistas no campo das habilidades sociais atuando como professoras das aulas teórico-práticas, uma coordenadora (segunda autora deste estudo), oito docentes (ministrando as aulas em duplas), oito tutores virtuais e presenciais e profissionais da SEAD/UFSCar (estruturação e a manutenção do AVA no Moodle).

O programa teve a duração total de 40 horas, distribuídas em dois meses, e incluiu: uma sessão de letramento digital, seis unidades de conteúdo (quatro semanais e duas quinzenais) e avaliações pré e pós-teste realizadas na primeira e última sessão respectivamente. O letramento digital foi realizado presencialmente, visando ensinar o acesso e utilização do AVA, apresentação dos tutores e informações e orientações sobre o PHS. Cada unidade do PHS teve duração de cinco horas (duas de aula e três de atividades digitais) e abrangeu os seguintes temas: O campo das habilidades sociais (Unidade 1), Classes de habilidades sociais, aprendizagem e ensino (Unidade 2), Componentes não verbais e paralinguísticos (Unidade 3), Empatia e feedback (Unidade 4), Assertividade (Unidade 5) e Habilidade de solução de problemas interpessoais (Unidade 6).

O módulo foi organizado em uma sala do ambiente virtual de aprendizagem disposta no Moodle da UFSCar onde foram inseridos questionários, textos, tarefas, fóruns de discussão, entre outros. Em cada unidade do curso, os participantes tiveram acesso às aulas (presenciais e gravadas) e aos textos, e foram solicitados a realizarem dois tipos de tarefas: tarefas interpessoais de casa (TIC), em que eram solicitados a realizar um desempenho interpessoal em seu ambiente natural, e tarefas acadêmicas de casa (TAC), compostas por tarefas conceituais e reflexivas sobre os conteúdos.

Ao longo do curso, os participantes receberam assessoria de um tutor específico, que atribuía nota e feedback às tarefas de casa de seus tutorados, solicitavam recuperação para as tarefas com nota inferior a sete (oportunidade dada ao cursista melhorar o desempenho), e incentivavam a participação (opcional) nos fóruns de discussão e demais atividades, além de agendarem horários de atendimentos virtuais via chat ou de modo presencial quando solicitados.

Tratamento de Dados

As informações coletadas foram computadas e organizadas em planilhas do programa estatístico SPSS (Statical Package for Social Sciences 21,0). Os dados obtidos por meio do IHS-Del-Prette foram convertidos em escores, conforme orientações do manual. As respostas obtidas por meio dos demais questionários também foram computadas em escores, conforme detalhado na Tabela 1.

Tabela 1
Conversão dos Dados em Escores

Tendo em vista o tamanho relativamente pequeno da amostra deste estudo, foram efetuadas análises a fim de verificar a normalidade de cada escore por meio de três medidas: assimetria, curtose e teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. Foram considerados dados com distribuição normal aqueles que apresentaram assimetria variando entre -1 e 1, curtose entre -3 e 3 e p > 0,05 no teste de normalidade já citado (Dancey & Reidy, 2013Dancey, C. P., & Reidy, J. (2013). Estatística sem Matemática para psicologia. Porto Alegre, RS: Artmed.).

Mediante tais critérios, para as variáveis que apresentaram distribuição normal (escore total e fatores 1, 3, 4 e 5 do IHS-Del-Prette e Questões fechadas do QCHS) utilizou-se o teste paramétrico t de Student para amostras relacionadas e, para as variáveis com distribuição não paramétrica (Fator 2 do IHS-Del-Prette, questões abertas e escore total do QCHS), o teste de Wilcoxon. A qualificação do tamanho do efeito está baseada na classificação de Dancey e Reidy (2013Dancey, C. P., & Reidy, J. (2013). Estatística sem Matemática para psicologia. Porto Alegre, RS: Artmed.) em pequeno (0,2), médio (0,5) e grande (0,8).

Para verificar a relação entre o conjunto de dados sobre características do professor-cursista com os indicadores de processo e de resultado, assim como a relação dos indicadores de processo com os de resultado, foi utilizado o teste de correlação de Spearman. Em todas as análises, adotou-se o nível significância p menor ou igual a 0,05. Importante mencionar que o escore adotado para as correlações das variáveis de resultado correspondem à diferença entre o escore nas avaliações pós e pré-intervenção.

Resultados

Inicialmente foram analisadas as alterações no repertório de habilidades sociais (IHS-Del-Prette) e no conhecimento sobre habilidades sociais (QCHS), com base na comparação entre dados de pré e pós-teste. A Tabela 2 apresenta os indicadores descritivos em relação a esses dados (média e desvio padrão do grupo), nas avaliações pré e pós-teste, bem como os resultados da análise inferencial.

Tabela 2
Dados Descritivos e Inferenciais dos Resultados Obtidos nas Aplicações do IHS-Del-Prette e QCHS

Como se observa na Tabela 2, foi verificada diferença significativa nos indicadores do IHS-Del-Prette, com melhoria para o pós-teste, no escore total e nos fatores 4 (Assertividade de autoexposição social) e 5 (Assertividade afetivo-sexual), e aquisição de conhecimentos sobre habilidades sociais, considerando-se o escore total do QCHS, com tamanho de efeito grande.

A Tabela 3 apresenta os resultados referentes às relações entre os dados de características dos professores e as variáveis de resultado.

Tabela 3
Correlações Significativas entre o Conjunto de Características dos Professores e Características de Resultado

Os dados da Tabela 3 permitem destacar resultados importantes: das 14 correlações significativas, seis foram moderadas (0,4 a 0,69), sendo cinco positivas e quatro negativas, e oito fortes (0,7 a 1,0), quatro positivas e quatro negativas; cinco dos seis itens de autoavaliação profissional se correlacionaram positivamente com o Fator 4 (Assertividade de autoexposição social) do IHS-Del-Prette e um com o escore total.

Adicionalmente, é possível observar que os dados sociodemográficos (tempo de formação) apresentaram correlação negativa e forte com fatores do IHS-Del-Prette (F3, F4 e F5) e com o escore total de conhecimento sobre habilidades sociais. Já o escore referente à realização prévia de cursos em EaD se correlacionou positiva e moderadamente com o F5 do IHS-Del-Prette (assertividade afetivo-sexual) e com o escore total de conhecimento sobre habilidades sociais, enquanto que o escore referente à viabilidade em promover o desenvolvimento socioemocional em sala de aula se correlacionou negativamente com essas duas variáveis. Por fim, o escore do Fator 4 (Habilidades de autoexposição social) se correlacionou positivamente (magnitude forte) com o uso de estratégias positivas, pelo professor, em sala de aula e negativamente com o uso de estratégias negativas.

Na análise das correlações entre características dos professores e variáveis de processo, foram obtidas cinco correlações significativas entre as características dos professores e as variáveis de processo, que variaram de moderada (0,4 a 0,69) a forte (0,7 a 1,0). A quantidade de solicitações de recuperações se correlacionou positivamente com a autoavaliação sobre a capacidade de manejar conflitos (ρ = 0,65, p = 0,03). As demais correlações obtidas foram negativas entre idade e melhora da nota na TAC (ρ = -0,70, p = 0,017) e na TIC (ρ = -0,62, p = 0,041); entre capacidade relatada de manejar conflito e o cumprimento de prazos nas tarefas (ρ = -0,75, p = 0,007); entre capacidade relatada de lidar com sentimentos negativos dos alunos e melhora na nota da TAC (ρ = -0,63, p = 0,037).

Por fim, as variáveis de processo e de resultado apresentaram correlações negativas e fortes com o escore total do IHS-Del-Prette com a nota nas TACs (ρ = -0,77, p = 0,006) e nas TICs (ρ = -0,71, p = 0,014).

Discussão

A discussão foi organizada nos tópicos correspondentes aos objetivos deste estudo: (a) avaliação dos efeitos do programa na aquisição de conhecimento e habilidades sociais; (b) relações entre características dos professores-cursistas e variáveis de processo; (c) relação entre características dos professores-cursistas e variáveis de resultado; (d) relações entre variáveis de processo e de resultado.

Efeitos na Aquisição de Conhecimento e Repertório de Habilidades Sociais

Os resultados indicaram que o programa semipresencial de habilidades sociais foi efetivo na melhoria do conhecimento sobre habilidades sociais. Essa melhoria vai ao encontro da atual demanda dos professores em aprenderem sobre competências não acadêmicas, aqui se incluindo as de relacionamento interpessoal, conforme demonstrado pelo Instituto Ayrton Sena e The Boston Consulting Group (2014).

Os dados obtidos por meio do IHS-Del-Prette evidenciaram que o programa foi efetivo para melhorar o desempenho de habilidades sociais, no escore total e nos escores fatoriais F4 (Assertividade de autoexposição social) e F5 (Assertividade afetivo-sexual). Esse resultado é coerente com os obtidos por Vila (2005Vila, E. M. (2005). Treinamento de Habilidades Sociais em grupo com professores de crianças com dificuldades de aprendizagem: Uma análise sobre procedimentos e efeitos da intervenção (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil. Recuperado de https://repositorio.ufscar.br
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), que evidenciou mudança significativa com o programa, embora não coincidam os fatores, pois naquele programa, a mudança ocorreu especialmente no F2 (Habilidade de expressão de sentimento positivo).

A alteração no escore total evidencia melhoria no desempenho de habilidades sociais de uma forma geral, envolvendo as inúmeras classes avaliadas. O F4 contempla desempenhos relacionados a expor ponto de vista diante de uma afirmação incorreta do interlocutor, fazer perguntas necessárias visando esclarecimento de algo e reagir em defesa de pessoa injustiçada, portanto, as mudanças nessas habilidades consideram desempenhos essenciais na atuação profissional dos professores, seja na relação com os alunos em sala de aula ou com colegas e superiores. Em relação ao F5 (Assertividade afetivo-sexual), que não foram objeto de intervenção de modo direto, é possível, segundo Del Prette e Del Prette (2013">Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2013). Avaliações de habilidades sociais: Bases conceituais, instrumentos e procedimentos. Em Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. P. (Eds.), Psicologia das habilidades sociais (pp.189-231). Petrópolis: Vozes.), que o treino de algumas habilidades específicas possa se generalizar para a aquisição e desenvolvimento de outras.

Pode-se relacionar essa aquisição com a melhoria da Assertividade (Fator 4) que foi foco da Unidade 5, já que muitas habilidades afetivo-sexuais trazem também o caráter de enfrentamento com risco de reação indesejável do outro. Adicionalmente, a tarefa interpessoal solicitada nessa unidade - estabelecer diálogo com desconhecido - tem relação com os itens do F5 que incluem conversar naturalmente em um grupo de pessoas desconhecidas, apresentar-se a pessoas desconhecidas, iniciar conversação com uma pessoa de interesse para relacionamento sexual e expressar sentimentos a alguém que esteja gostando e saindo.

Relações entre Características dos Professores-cursistas e Variáveis de Processo

Os resultados indicam que quanto maior a idade dos participantes menor é o escore nas notas de melhoria nas tarefas acadêmicas e interpessoais, e vice-versa. Nesse caso, é importante considerar que outros fatores também variam com a idade, por exemplo, conforme indicado por Papalia e Feldman (2013Papalia, D. E., & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento Humano (12ª edição). São Paulo: AMGH Editora Ltda.), indivíduos na fase adulta intermediária (40 a 65 anos) assumem grandes responsabilidades e diversos papéis sociais exigentes.

Portanto, é possível que professores com mais idade (mais responsabilidades e menos tempo livre tanto na atuação profissional quanto em sua vida pessoal) tenham se dedicado menos ao programa e em particular às TACs e TICs. Outro fator que pode impactar negativamente no envolvimento com as atividades do curso é a familiaridade com a tecnologia, já que todas as tarefas estavam inseridas no ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Além de relatos dos tutores sobre dificuldade dos participantes com informática, essa hipótese é respaldada no estudo de Hellman (2007Hellman, R. (2007). Universal design and mobile devices. Em Proceedings of the 4th International Conference on Universal Access in Human Computer Interaction: coping with Diversity, Berlin, Heidelberg: Springer-Verlag. Recuperado de http://dl.acm.org/citation.cfm?id=1766311.1766329
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) o qual obteve relação negativa entre idade e a habilidade de interação com recursos tecnológicos, e no de Lara (2012Lara, S. M. A. (2012). Mecanismos de apoio para usabilidade e acessibilidade na interação de adultos mais velhos na Web (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Carlos, Brasil. Recuperado de http://www.teses.usp.br/teses
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) que também sinaliza a dificuldade com o uso das tecnologias por adultos de meia-idade (40 a 60 anos).

Os resultados mostram que a autoavaliação do professor-cursista sobre a capacidade de lidar com sentimentos negativos dos alunos foi associada negativamente a melhoria nas TACs, assim como a autoavaliação sobre a capacidade de manejar conflitos se correlacionou negativamente com o cumprimento dos prazos com as tarefas de casa e positivamente com o número de solicitações de recuperações. Por um lado, os dados sugerem que os professores com maior dificuldade, nos aspectos mencionados, investiram mais nas atividades do programa, podendo-se inferir maior motivação para investir no PHS uma vez que o programa atendia uma necessidade desses professores. Por outro lado, pode-se postular um possível efeito de autoavaliação mais favorável pode ter reduzido a motivação para a aquisição de novos conteúdos e habilidades e, portanto, o investimento nos estudos e realização das atividades, resultando em notas baixas e solicitações de recuperação que permitiram melhora no desempenho final.

Relação entre Características dos Professores-cursistas e Variáveis de Resultado

Em relação aos dados sociodemográficos e às variáveis de resultado, os dados evidenciaram correlação negativa entre a recenticidade da última formação e a melhoria de repertório e conhecimentos sobre habilidades sociais, em particular na assertividade afetivo-sexual (F5). É possível supor que o tempo de formação implica consolidação de algumas ideias e pressupostos difíceis de serem alterados, podendo dificultar a aprendizagem de novos conhecimentos. No entanto, é relevante retomar que, juntamente com o tempo da última formação, outras variáveis podem impactar de forma negativa os escores de melhoria com o programa, tal como maiores responsabilidades no trabalho e na vida pessoal e menor disponibilidade para se dedicar ao curso. Outros fatores também podem impactar nessa relação, por exemplo, a velocidade de aprendizagem, o processamento mais elaborado de informações e o volume e complexidade de informações novas apresentadas no programa.

A relação entre o domínio tecnológico e as variáveis de resultado indicam que um maior número de cursos realizados na modalidade EaD está associado a uma melhor aquisição de conhecimento sobre habilidades sociais e melhoria nas habilidades de assertividade afetivo-sexual (F5 do IHS-Del-Prette). Considerando que a realização prévia de cursos nas modalidades a distância requer contatos prévios com o AVA e o manuseio com o computador, é compreensível o dado de que participantes que já utilizaram anteriormente o AVA apresentaram maior aproveitamento em termos de conhecimento, além de indicadores de melhora da assertividade afetivo-sexual já referida. Em vista disso, entende-se que o domínio da tecnologia pode ser um pré-requisito fundamental para a participação de cursos na modalidade semipresencial e que são importantes cursos preparatórios, previamente ao programa, para nivelar o conhecimento e aquisição de habilidades necessárias para o manuseio do AVA.

Referente às correlações entre autoavaliação profissional (desempenho em sala de aula, ser capaz de reconhecer emoções dos alunos, de lidar com sentimentos negativos dos alunos, acalmar-se diante de conflitos e promover o desenvolvimento socioemocional dos alunos) e indicadores de resultado, destaca-se o número expressivo de correlações positivas com as habilidades de assertividade de autoexposição social (F4 do IHS-Del-Prette). O resultado sugere que quanto melhor a autoavaliação profissional, melhor foi a aquisição de habilidades (cinco correlações com o F4 e uma correlação com o escore total), indicando investimento no curso. Como se trata de estudo correlacional, também é possível sugerir que as aquisições ao longo do programa contribuíram para uma melhor autoavaliação profissional. No caso específico da assertividade de autoexposição social (discordar do interlocutor, fazer perguntas e defender outrem em grupo), trata-se uma classe de habilidade central que contem itens importantes também para lidar de modo adequado com as demandas interpessoais e emocionais em sala de aula.

Considerando a autoavaliação de manejo de sala de aula e sua correlação com as variáveis de resultado, foram obtidas as correlações positivas e negativas, respectivamente com o uso de estratégias positivas e negativas em sala de aula, especialmente em termos de assertividade de autoexposição social (F4: discordar do interlocutor, fazer perguntas e defender outrem em grupo). Esse dado sugere que tal repertório pode contribuir com práticas positivas em sala de aula. Embora não se considere que as habilidades sociais gerais se revertam automaticamente em habilidades sociais educativas (Del Prette & Del Prette, 2001Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2001). Psicologia das relações interpessoais: Vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes.), elas podem ser importantes requisitos para isso, sendo relevante o desenvolvimento de um conjunto de habilidades sociais e educativas para a prática do professor, conforme indicam alguns estudos (Lessa, 2017Lessa, T. C. R. (2017). Atividade curricular em habilidades sociais para professores de alunos público do alvo da educação especial (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil. Recuperado de https://repositorio.ufscar.br
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; Lopes, 2013Lopes, D. C. (2013). Programa universal de habilidades sociais aplicado pelo professor: Impacto sobre comportamentos sociais e acadêmicos (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil. Recuperado de https://repositorio.ufscar.br; Vila, 2005Vila, E. M. (2005). Treinamento de Habilidades Sociais em grupo com professores de crianças com dificuldades de aprendizagem: Uma análise sobre procedimentos e efeitos da intervenção (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil. Recuperado de https://repositorio.ufscar.br
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).

Em relação à avaliação do professor sobre a viabilidade de incluir o desenvolvimento socioemocional (DSE) em sala de aula, verificou-se que um posicionamento mais favorável ao DSE foi associado a um maior ganho de conhecimento de habilidades sociais (medido pelo QCHS), e de assertividade afetivo-sexual (F5 do IHS). É possível que avaliação inicial, desfavorável, do professor sobre o DSE na escola estivesse refletindo sua falta de conhecimentos e de repertório para viabilizar o DSE, e um fator motivacional para investir na aquisição de conhecimentos e habilidades sociais ao longo do curso. Por outro lado, é possível que o professor desde o início favorável ao DSE tenha também os recursos para implementá-lo, o que reduz a probabilidade de ganhos adicionais.

Relações entre Variáveis de Processo e de Resultado

As correlações significativas indicam que quanto maior a diferença obtida entre a avaliação pós e pré-intervenção no escore total do IHS-Del-Prette, menor o escore nas tarefas de casa (acadêmicas e interpessoais) e vice-versa. Considerando que o instrumento é de autorrelato, e o escore nas tarefas foi oferecido pelos tutores, uma hipótese é que os professores supervalorizaram inicialmente sua autoavaliação (alta autoestima) evidenciando a importância de uma avaliação multimodal (Del Prette & Del Prette, 2013). De todo modo, a supervalorização inicial pode ser associada a um menor investimento com o estudo e desempenho nas tarefas de casa no programa, mesmo que tenha se tornado mais realística ao longo do PHS.

Além dos fatores já citados, alguns outros podem ter dificultado o envolvimento e desempenho nas tarefas interpessoais de casa, impactando sobre os indicadores de resultado, especialmente no IHS-Del-Prette. Um deles é o pouco tempo disponível para todas as atividades do curso, devido a maiores responsabilidades no trabalho, demandas de semanas próprias do final de semestre e outras responsabilidades pessoais.

Vale considerar, também, que as tarefas de casa foram realizadas no AVA, requerendo habilidade de redação de texto, observada como bastante diferenciada entre os participantes. Por isso, alguns cursistas que melhoraram nos indicadores de habilidades sociais (IHS-Del-Prette) podem ter apresentado dificuldade para redigir conceitos e relatos requeridos nas tarefas. Essa hipótese apresenta respaldo do diário de campo de alguns tutores que, embora não tenha sido objeto de estudo, incluem relato de dificuldade de alguns cursistas com relação à coerência do texto redigido e à pontuação, tornando o relato confuso. Aliás, essa dificuldade pode ter relação com pouca habilidade do uso do computador e digitação.

Considerações Finais

Os resultados encontrados permitem concluir que o PHS apresentou evidências de efetividade em termos de conhecimento adquiridos e de relato de desempenho de habilidades sociais de forma geral e, em particular, nas habilidades de assertividade, de autoexposição social e afetivo-sexual. Os resultados sinalizam também a relevância em oferecer o PHS em formato de ensino virtual, porém ampliar as condições de ensino direcionadas para o desenvolvimento de habilidades práticas.

Importante mencionar que a quantidade pequena da amostra e a utilização de instrumentos de autorrelato, podem ter impactado nos resultados obtidos com o programa. Por isso, destaca-se a relevância de adotar medidas adicionais para avaliação, por exemplo, com outros informantes e outros procedimentos. Uma importante implicação dos resultados apresentados é a necessidade de incluir, entre os critérios de seleção dos participantes, visando o bom aproveitamento do curso, o domínio com a tecnologia digital, para manuseio do AVA, e as habilidades de escrita e redação de texto.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2018
  • Revisado
    26 Nov 2018
  • Aceito
    07 Dez 2018
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