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Professora Carolina Bori

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ROFESSORA CAROLINA BORI

Vera Soares

Centro de Cooperação de Atividades Especiais - USP

É totalmente irresistível não começar pelo começo, ou seja os primeiros convívios, embora meu depoimento fosse sobre a contribuição e participação da Professora Carolina no Projeto "Estação Ciência".

Também não consigo deixar de pensar que seria muito mais eficiente se pudesse escrever este depoimento junto com o Marco Antônio Bruno, mas nem sempre podemos escolher a companhia, o Marco faleceu há quatro anos. Certamente o Marco Antônio teria muito mais a dizer, pois trabalhou com a professora desde menino, quando veio para a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, ficando lá durante muitos anos para depois colaborar na coordenação do Projeto "Estação Ciência".

Fui da primeira turma do curso de Pós-Graduação em Ensino de Ciências: modalidade Física, programa conjunto do Instituto de Física e da Faculdade de Educação. Era uma turma muito envolvida com as questões de ensino-aprendizagem, todos os alunos eram ao mesmo tempo professores, porque naquele momento assim havíamos escolhido, Defendíamos com paixão nossas premissas sobre as alternativas de criação de oportunidades de aprendizagem, as metas e objetivos dos projetos educacionais etc. Isto foi em 1973. Naquele momento foi oferecida uma disciplina, no Instituto de Psicologia, especialmente para aqueles alunos, e a professora era Carolina Bori. A disciplina parecia ofertar tudo que eu "criticava", tratava-se de um enfoque baseado nas Teorias de Aprendizagem da Psicologia Experimental. Na minha ingenuidade significava uma redução da complexidade do ser humano às fórmulas de controle do comportamento; as minhas toscas críticas apontavam que aquelas teorias simplificavam as complexas relações entre professor-aluno às fórmulas reduzidas de criar estímulos e buscar sinalizar adequadamente as respostas obtidas.

Mas contraditoriamente, tinha também motivação em conhecer aquela professora, pois sabia do seu compromisso com a educação e que havia participado de uma iniciativa universitária que fora interrompida pela intolerância daqueles que não suportavam espaços de liberdade, mesmo sendo este ao nível acadêmico, como foi o projeto inicial da Universidade de Brasília.

Para encurtar a conversa vamos ao final do curso: um conjunto de alunas propôs-se a organizar um curso experimental de Física para os estudantes recém ingressos no curso de Física, baseado nos princípios que discutimos e que nos entusiasmaram tanto durante as aulas. O cerne daquele entusiasmo residia no fato de que havíamos vivenciado e percebido que uma das chaves do ensino estava em oferecer aos alunos uma enorme variedade de oportunidades de aprendizagem, em oferecer possibilidades de exercerem sua criatividade na busca de respostas aos desafios apresentados. Aprendemos que o controle do comportamento dos alunos deveria ser realizado pela motivação constante, posta nos desafios das situações apresentadas. As ações planejadas deveriam ser constantemente avaliadas pelas respostas que os alunos nos ofereciam, dos erros dos alunos deveríamos tirar lições sobre o que estava proposto e o que era necessário reformular, este era o sentido das avaliações.

Assim posso dizer que comecei a admirar concretamente a Professora Carolina, admiração que cresceu em momentos posteriores, na orientação espontânea que ofereceu para a realização do curso piloto, bem como, tempos mais tarde, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, ou como coordenadora de uma iniciativa da Universidade de São Paulo, a proposta de uma Escola de Extensão. Ali estava sempre a Professora Carolina, a mesma pessoa do curso, simples, rigorosa e afetiva. Com ela acho que aprendi que o seres humanos são extremamente complexos e mais ainda são as relações entre os sujeitos. Uma questão é determinante nos processos de ensino-aprendizagem, é fundamental respeitar a inteligência e sensibilidade de cada pessoa, e que as situações de ensino-aprendizagem são situações do cotidiano.

Posteriormente, convivi com a professora no período de transferência do Projeto "Estação Ciência" do Conselho Nacional de Pesquisa para a Universidade de São Paulo e durante dois anos, enquanto participei do Projeto, foi um outro aprendizado. O mesmo rigor, clareza, precisão e exatidão que exigia na linguagem empregada em relação aos conceitos científicos, assim a professora exigia ao discutirmos os critérios para estabelecer o funcionamento do Projeto "Estação Ciência". Este projeto não lhe era estranho, como vice-presidente da SBPC, a professora havia acompanhado a sua elaboração, conhecia seus objetivos e a proposta de funcionamento deste museu interativo de ciência. Vim a perceber, posteriormente, que ela provavelmente estava a par de quase todas as iniciativas renovadoras na área da educação e que tinha dado seu apoio e contribuição a um número enorme de iniciativas.

Vivenciei também, que professores e pesquisadores de inúmeras instituições tinham um enorme respeito por ela. Era evidente que o seu nome, quando aliado a uma iniciativa, significava seriedade, rigor acadêmico, ampliação das oportunidades de aprendizagem para jovens e adultos, sem abrir mão do rigor científico e dos conceitos. Uma manifestação do apoio que recebia a suas solicitações foi a pronta aceitação ao convite que formulou a cientistas de diferentes áreas, para comporem o Conselho do Projeto "Estação Ciência". Muitas vezes me perguntava, como pode alguém ter gerado uma contribuição tão diversa e significativa para um número tão amplo de pessoas?

Participei dois anos do Projeto, foi um tempo de muito trabalho, mas também foi um tempo muito gostoso, de que hoje sinto falta, seja pelo entusiasmo pelo trabalho, pelo aprendizado ou pelos momentos agradáveis durante a carona que lhe oferecia quando saíamos da Estação Ciência, invariavelmente no começo da noite.

Ao olhar a figura da Professora Carolina, quantas vezes pensei: como são raras as pessoas que, tendo seu prestígio, mantém-se simples, retas e com uma terna disponibilidade em dar sua contribuição.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 1998
  • Data do Fascículo
    1998
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