Acessibilidade / Reportar erro

Paradigmas diversos no campo da assistência social e seus estabelecimentos assistenciais típicos

Diferentes paradigmas en el campo de la asistencia social y sus típicos establecimientos asistenciales

Paradigmes d'affaires dans le domaine de l'aide sociale et entites d'assistance tupiques

Resumos

Visando entender qual seria a situação das entidades que atendem a crianças e a adolescentes na atualidade, bem como a trama institucional que compõe esses estabelecimentos, procuramos formular um conjunto de possibilidades paradigmáticas que nos permitisse compreender como se configura o campo dialético de pulsações diversas, no qual as entidades estão situadas. Detectamos as figuras que associamos aos paradigmas homólogos da Caridade, da Promoção Humana, da Filantropia, do Clientelismo Assistencialista, da Assistência Social como Política de Estado e, finalmente, outro conjunto de acontecimentos que propomos designar como paradigma do Sujeito Cidadão, que associamos à perspectiva ética da Educação Popular. Tais possibilidades paradigmáticas vão das simplesmente diversas e contrárias, incluindo as similares e concorrentes, até as dialeticamente contraditórias. Seu espectro oscila entre a tutela e a cidadania. A caracterização didática desses paradigmas pode fornecer uma bússola, necessária num campo social altamente complexo, permitindo compreender a variedade dos efeitos éticos que promovem no campo social.

Psicologia social; Assistência social; Crianças; Adolescentes; Políticas públicas


Para ayudar a entender cuál sería la situación de las entidades que, actualmente, atienden a niños y adolescentes, así como el entramando institucional que componen esos establecimientos, procuramos formular un conjunto de posibilidades paradigmáticas que nos permitiera comprender cómo se configura el campo dialéctico de diversas pulsaciones, en el que las entidades están situadas. Detectamos las figuras que asociamos a los paradigmas homólogos de la Caridad, Promoción Humana, Filantropía, Clientelismo Asistencialista, de la Asistencia Social como Política de Estado, y, finalmente, otro conjunto de acontecimientos que proponemos designar como paradigma del Sujeto Ciudadano, que asociamos a la perspectiva ética de la Educación Popular. Tales posibilidades paradigmáticas van desde las puramente diversas y contrarias, incluyendo las semejantes y contendientes, hasta las dialécticamente contradictorias. Su espectro oscila entra la tutela y la ciudadanía. La caracterización didáctica de esos paradigmas puede proporcionar una brújula, necesaria en un campo social, en extremo, complejo, permitiendo comprender la variedad de los efectos éticos que promueven en el campo social.

Sicología social; Asistencia social; Niños; Adolescentes; Políticas públicas


Afin de comprendre quelle est la situation des entités qui s'occupent des enfants et les adolescents d'aujourd'hui, ainsi que les structures institutionnelles qui composent ces établissements, nous recherchons un ensemble de possibilités paradigmatiques qui nous permettrait de comprendre la configuration de la variété d´impulsion du champ dialectique, dans lequel les entités sont situés. Nous avons détecté des élements que nous associons a des paradigmes homologues et organismes de bienfaisance, humanitaire, la philanthropie, du clientélisme de l´action sociale, l´assistance sociale et politique de l'État, et enfin une autre série d'événements que nous proposons de désigner comme un paradigme du citoyen, nous associons le point de vue éthique de l'éducation populaire. Ces possibilités paradigmatiques comprennent: les diversifiées et les opposées, les similaires et les concurrentes, même les dialectiquement contradictoires. Elles oscillent entre la tutelle et de la citoyenneté. La caractérisation didactique de ces paradigmes peut nous fournir une direction necessaire dans um domaine sociale très complexe, permettant ainsi de comprendre la variété des effets éthiques promu.

Psychologie sociale; Assistance social; Enfants; Les adolescents; Les politiques publiques


In order to understand what is the situation of entities that serve children and adolescents today, as well as the institutional plot that comprises these institutions, we aimed to formulate a set of paradigmatic possibilities that would allow us to understand the configuration of the dialectical field of various pulses, in which these entities are located. We detected the subjects we associate with counterparts paradigms of Charity, of Human Promotion, of Philanthropy, of assistentialist government patronage, of Social Work as a State Policy, and finally, another set of events that we propose to designate as the paradigm of Citizen Subjects we associate with the ethical perspective of People Education. These paradigmatic possibilities range from the simply various and contrasting ones, including the similar and competing ones, to the dialectically contradictory ones. Its spectrum oscillates between tutelage and citizenship. The characterization of these didactic paradigms can provide us a compass that is required in a highly complex social field, allowing us to understand the variety of ethical effects promoted by these paradigms in the social field.

Social psychology; Social work; Children and adolescents; State policies


ARTIGO ORIGINAL

Paradigmas diversos no campo da assistência social e seus estabelecimentos assistenciais típicos1 1 Este artigo é parte da pesquisa de pós-doutorado desenvolvida pelo Dr. Silvio José Benelli, sob a supervisão do Prof. Dr. Abílio da Costa-Rosa, junto ao Programa de Pós-Doutorado da UNESP, ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia e ao Depto. de Psicologia Clínica do Curso de Psicologia da FCL/UNESP, Assis, SP. Financiamento: FAPESP.

Various paradigms in the social work area and its typical assistance institutions

Paradigmes d'affaires dans le domaine de l'aide sociale et entites d'assistance tupiques

Diferentes paradigmas en el campo de la asistencia social y sus típicos establecimientos asistenciales

Silvio José Benelli; Abílio da Costa-Rosa

Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - Campus de Assis

RESUMO

Visando entender qual seria a situação das entidades que atendem a crianças e a adolescentes na atualidade, bem como a trama institucional que compõe esses estabelecimentos, procuramos formular um conjunto de possibilidades paradigmáticas que nos permitisse compreender como se configura o campo dialético de pulsações diversas, no qual as entidades estão situadas. Detectamos as figuras que associamos aos paradigmas homólogos da Caridade, da Promoção Humana, da Filantropia, do Clientelismo Assistencialista, da Assistência Social como Política de Estado e, finalmente, outro conjunto de acontecimentos que propomos designar como paradigma do Sujeito Cidadão, que associamos à perspectiva ética da Educação Popular. Tais possibilidades paradigmáticas vão das simplesmente diversas e contrárias, incluindo as similares e concorrentes, até as dialeticamente contraditórias. Seu espectro oscila entre a tutela e a cidadania. A caracterização didática desses paradigmas pode fornecer uma bússola, necessária num campo social altamente complexo, permitindo compreender a variedade dos efeitos éticos que promovem no campo social.

Palavras-chave: Psicologia social. Assistência social. Crianças. Adolescentes. Políticas públicas.

ABSTRACT

In order to understand what is the situation of entities that serve children and adolescents today, as well as the institutional plot that comprises these institutions, we aimed to formulate a set of paradigmatic possibilities that would allow us to understand the configuration of the dialectical field of various pulses, in which these entities are located. We detected the subjects we associate with counterparts paradigms of Charity, of Human Promotion, of Philanthropy, of assistentialist government patronage, of Social Work as a State Policy, and finally, another set of events that we propose to designate as the paradigm of Citizen Subjects we associate with the ethical perspective of People Education. These paradigmatic possibilities range from the simply various and contrasting ones, including the similar and competing ones, to the dialectically contradictory ones. Its spectrum oscillates between tutelage and citizenship. The characterization of these didactic paradigms can provide us a compass that is required in a highly complex social field, allowing us to understand the variety of ethical effects promoted by these paradigms in the social field.

Keywords: Social psychology. Social work. Children and adolescents. State policies.

RÉSUMÉ

Afin de comprendre quelle est la situation des entités qui s'occupent des enfants et les adolescents d'aujourd'hui, ainsi que les structures institutionnelles qui composent ces établissements, nous recherchons un ensemble de possibilités paradigmatiques qui nous permettrait de comprendre la configuration de la variété d´impulsion du champ dialectique, dans lequel les entités sont situés. Nous avons détecté des élements que nous associons a des paradigmes homologues et organismes de bienfaisance, humanitaire, la philanthropie, du clientélisme de l´action sociale, l´assistance sociale et politique de l'État, et enfin une autre série d'événements que nous proposons de désigner comme un paradigme du citoyen, nous associons le point de vue éthique de l'éducation populaire. Ces possibilités paradigmatiques comprennent: les diversifiées et les opposées, les similaires et les concurrentes, même les dialectiquement contradictoires. Elles oscillent entre la tutelle et de la citoyenneté. La caractérisation didactique de ces paradigmes peut nous fournir une direction necessaire dans um domaine sociale très complexe, permettant ainsi de comprendre la variété des effets éthiques promu.

Mots-clés: Psychologie sociale. Assistance social. Enfants. Les adolescents. Les politiques publiques.

RESUMEN

Para ayudar a entender cuál sería la situación de las entidades que, actualmente, atienden a niños y adolescentes, así como el entramando institucional que componen esos establecimientos, procuramos formular un conjunto de posibilidades paradigmáticas que nos permitiera comprender cómo se configura el campo dialéctico de diversas pulsaciones, en el que las entidades están situadas. Detectamos las figuras que asociamos a los paradigmas homólogos de la Caridad, Promoción Humana, Filantropía, Clientelismo Asistencialista, de la Asistencia Social como Política de Estado, y, finalmente, otro conjunto de acontecimientos que proponemos designar como paradigma del Sujeto Ciudadano, que asociamos a la perspectiva ética de la Educación Popular. Tales posibilidades paradigmáticas van desde las puramente diversas y contrarias, incluyendo las semejantes y contendientes, hasta las dialécticamente contradictorias. Su espectro oscila entra la tutela y la ciudadanía. La caracterización didáctica de esos paradigmas puede proporcionar una brújula, necesaria en un campo social, en extremo, complejo, permitiendo comprender la variedad de los efectos éticos que promueven en el campo social.

Palabras-clave: Sicología social. Asistencia social. Niños. Adolescentes. Políticas públicas.

Análise institucional e paradigmática de entidades assistenciais

Como entender a situação das entidades que atendem crianças e adolescentes na atualidade? Qual é a trama institucional que compõe esses estabelecimentos? Como se configura o campo de análise no qual estão situadas as entidades assistenciais? Quais as figuras que emergem do campo específico da complexa realidade social e política no âmbito municipal? Para tentar responder a estas questões, lançaremos mão de um amplo conjunto de dados derivados tanto da imersão de um de nós na realidade cotidiana que tomamos como referente da análise quanto do estudo crítico de parte importante da literatura disponível. Como parte desse trabalho de imersão, um de nós também participou como membro titular no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e no Conselho Municipal de Assistência Social de um município de médio porte do interior do Estado de São Paulo.

O mandato de conselheiro municipal eleito foi exercido por um de nós, entre os anos de 2008 a 2010, representando um segmento da sociedade civil – o das entidades assistenciais a crianças e adolescentes – participando de reuniões de trabalho do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e de reuniões do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS). Também foram realizadas visitas de observação participante em quatro entidades assistenciais, além de colaborarmos com a organização em diversos eventos na área, tais como as Conferências Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e da Conferência Municipal de Assistência Social no ano de 2009.

Essa rica experiência de imersão institucional no campo da Assistência Social, num processo de “participação observante”, foi acompanhada de um intenso trabalho de apropriação da literatura pertinente, bem como de reflexão, de análise e de escrita. Também realizamos uma análise crítica de um conjunto de “programas de trabalho” de 25 entidades assistenciais que atendem a crianças e adolescentes, considerados em “situação pessoal e social de risco”, existentes no município.

O enfoque que empreendemos parte de uma perspectiva institucional crítica e problematizadora (Baremblitt, 1998; Barus-Michel, 2004; Foucault, 1979, 1999; Goffman, 1987; Lourau, 1995) da Assistência Social enquanto política de Estado e um campo de saberes, de práticas e de produção de realidade social. O olhar adotado foi pautado por um conjunto de instrumentos teóricos dos quais nos apropriamos ao longo de um processo ativo de formação, de estudos, de reflexões, de produção de pesquisas e de publicações. Os instrumentais analíticos empregados incluem elementos do Materialismo Histórico, da Análise Institucional (AI), da Psicologia Social e do pensamento de Michel Foucault. Longe de qualquer ecletismo superficial e apressado, convém explicitar que se trata de uma perspectiva teórica multidisciplinar e transdisciplinar – pois objetos complexos exigem também perspectivas complexas de abordagem – e é preciso notar que cada um desses itens que compõem os pressupostos teórico-técnicos adotados guarda sua especificidade própria, não podendo ser reduzidos a um denominador comum que apagasse seus aspectos irredutivelmente singulares e excludentes. Merece destaque o fato de que eles permitem a realização de níveis diferentes de análise, o que enriquece sobremaneira a compreensão dos fenômenos investigados.

A literatura também nos permitiu refletir sobre a realidade (Assis, 2009; Marcílio, 2006; Merisse, 1996; Monteiro, 2006; Nogueira Neto, 2010; Pinheiro, 2004; Rizzini, 2008), oferecendo quadros de análises conceituais que nos possibilitaram transitar dialeticamente entre a riqueza múltipla do cotidiano das entidades, dos eventos ocorridos nos conselhos municipais e um trabalho intenso do pensamento, potencializando nosso olhar e tornando possível a elaboração de um mapa teórico orientador para compreendermos o campo de análise no qual estávamos inseridos.

Ao longo do nosso percurso de pesquisa, fomos elaborando uma reflexão que nos permitiu organizar o caos da realidade cotidiana que nos envolvia no âmbito da Secretaria Municipal de Assistência Social, das próprias entidades assistenciais de atendimento à criança e ao adolescente, e também do burburinho da política menor a que são reduzidas as lutas partidárias no município, as chamadas “picuinhas” político-partidárias. Logo percebeu-se que era preciso entender o funcionamento da máquina pública municipal – campo que era desconhecido – para poder situar-se com certa clareza, tanto na ação como conselheiro quanto no trabalho de pesquisa.

A construção de políticas públicas para crianças e adolescentes e sua implantação está sendo realizada por equipes multiprofissionais compostas por trabalhadores do Serviço Social, psicólogos, pedagogos e também por diversos outros profissionais. Essas equipes desenvolvem atendimentos e intervenções junto a indivíduos e famílias considerados como estando em “situação pessoal e social de vulnerabilidade”, sobretudo por causa da pobreza. O objeto de trabalho desses profissionais consiste no manejo dos “problemas sociais” em suas múltiplas manifestações na coletividade social. Há múltiplos componentes psicossociais envolvidos nessa problemática, o que exige abordagens também complexas, criativas e inovadoras.

Portanto, este artigo representa apenas um recorte de uma pesquisa mais ampla, que foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Assis, SP, protocolo nº. 030/2008, em 30 de outubro de 2008, sendo que todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento livre e esclarecido, antes de sua inclusão na pesquisa. O que se pretende é apresentar uma perspectiva estratégica para os profissionais que atuam no campo da Assistência Social, de modo que possam desenvolver uma atuação informada, contextualizada e avisada sobre a problemática central que perpassa a área. Visamos também fornecer aos gestores públicos e às próprias entidades assistenciais dados relevantes para a implementação de políticas que possam ser mais efetivas no atendimento da infância e adolescência do município.

Trata-se de disponibilizar alguns recursos teóricos capazes de contribuir para driblar tanto uma excessiva psicologização da existência social quanto uma sociologização extremada calcada num politicismo da vida social, na prática desses profissionais. Pensamos que para se alcançar esse objetivo, é necessário construir uma perspectiva teórica consistente e operativa, partindo de uma abordagem que seja no mínimo dialética quanto ao tratamento dos temas.

De partida, é preciso considerar que se no campo da Psicologia, no plano acadêmico e científico, é possível transitar por universos teóricos que vão dos mais tradicionais e conservadores aos mais contestadores, revolucionários e emancipadores, certa variação num espectro também se pode verificar no que se refere ao campo da Assistência Social. De igual modo, a prática profissional de psicólogos e de profissionais da Assistência Social pode estar mais ou menos alinhada com perspectivas instituintes mais arrojadas, ou com visões e ações reafirmadoras do instituído. Sendo tais diferenças também condicionadas pelas questões socio-históricas estruturais, conjunturais e institucionais, convém a cada um, e ao próprio coletivo interprofissional, situar-se, ao menos até onde a consciência direta permite, quanto aos efeitos imediatos dessa complexidade nas práticas institucionais específicas, nas quais se está inserido. Dito em outros termos, se considerarmos as instituições como lógicas que fazem estabelecimentos organizados sob a forma de um “conjunto de saberes e práticas articulados por um discurso de natureza ideológica”, deveremos ter como parte inerente ao conjunto desses saberes o próprio saber sobre a estrutura e o modo de articulação desse conjunto particular que é a instituição em que nos situamos como agentes trabalhadores.

Acreditamos que estudar os dispositivos institucionais assistenciais voltados para o atendimento de crianças e adolescentes considerados em “situação pessoal e social de risco” representa um modo de construir conhecimentos relevantes para a área das políticas públicas focadas nesses atores sociais. Trabalhamos com a hipótese de que o reconhecimento, ainda que cognitivo em dado momento, da especificidade e das vicissitudes mais correntes das instituições assistenciais dedicadas a atividades socioeducativas com crianças e adolescentes pode funcionar como um importante operador de análise e inclusive como um bom ponto de partida para a construção de soluções para os eventuais problemas e sofrimentos dos diversos atores institucionais. As determinações socio-históricas e institucionais da realidade imediata também possuem um caráter dialético e, ao tomar conhecimento das suas contradições, é possível posicionar-se ativamente sobre tais determinantes e buscar promover sua modificação a partir de uma tomada de posição ética e política mais deliberada, caso se deseje (Costa-Rosa, 2000, 2006, 2011).

Sobre o conceito de paradigma

Entendemos por “paradigma” um modelo estruturado dialeticamente, dotado de uma organização interna coerente e necessária, cujos elementos constituem um todo harmônico e inteligível. Trata-se de um construto teórico que nos permite entender dinamicamente a realidade histórica, organizando seu aparente caos, e alcançar uma compreensão de sua forma, de seu sentido e de seus processos de produção. Um paradigma compõe “uma unidade jurídico-ideológica e teórico-técnica de ação sobre a Demanda” (Costa-Rosa, 2000, p. 143). Partimos da composição mínima de quatro parâmetros como definidores de um paradigma de produção institucional num determinado campo da práxis: a) concepções do “objeto” e dos “meios” de ação sobre ele; b) concepções das formas de organização do dispositivo institucional; c) modos da relação da instituição com a clientela e a população (incluindo o território), e modos da relação da população com a instituição; d) concepções dos efeitos socioeducativos (políticos, educativos, pedagógicos, terapêuticos) e de seus desdobramentos éticos (Costa-Rosa, 2000, 2006, 2011).

Estamos trabalhando com a hipótese de que cada paradigma assistencial pode produzir e implementar um tipo de Assistência Social alinhada com determinados pressupostos teórico-assistenciais, técnico-assistenciais, jurídico-políticos e socioculturais específicos. Podemos dizer que cada arranjo paradigmático implementa uma orientação política e assistencial específica, norteada por princípios e pressupostos que normalmente não estão plenamente explícitos, mas que, afinal de contas, é capaz de produzir aquilo que é determinado por suas possibilidades, não o que gostariam a boa vontade e a ingenuidade política dos agentes institucionais (Benelli, 2006, 2007; Costa-Rosa, 1987). Sempre é possível utilizar instrumentos novos para atingir objetivos bem tradicionais, e vice-versa.

A prática traz embutida em si os pressupostos assistenciais e políticos que podem ser estudados através da observação do dispositivo institucional em seu funcionamento cotidiano, da análise de documentos escritos e também de discursos que enunciam as finalidades institucionais. Existem palavras-chave e outros operadores que remetem diretamente a universos conceituais e assistenciais específicos. Há também instrumentos, práticas e procedimentos implementados cotidianamente que podem ser considerados típicos desse ou daquele paradigma. Quando detectados, é possível inferir o paradigma subjacente a tais analisadores institucionais2 2 Analisador institucional: dispositivo natural ou construído que propicia a explicitação dos conflitos institucionais e sua resolução. Trata-se de uma montagem que torna manifestas as forças que constituem a organização. “Um analisador natural é produzido espontaneamente pela própria vida histórico-social, libidinal e natural, como resultado de suas determinações e margem de liberdade” (Baremblitt, 1998, p. 152). . Podemos apreender, então, qual dispositivo3 3 Um dispositivo é “um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas, em suma: o dito e o não-dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos” (Foucault, 1999, p. 244). está sendo implementado na prática institucional. Na realidade, os paradigmas não aparecem “puros” e tão nítidos quanto no campo conceitual (Konder, 1981). Mas é possível detectar a predominância e a orientação hegemônica da dinâmica institucional, através dos analisadores paradigmáticos (Costa-Rosa, 1987, 2011).

Embora os modelos ideais não pretendam ser reflexo fiel do real, eles podem ser úteis para promover a compreensão da realidade, que é sempre múltipla e complexa. Mapas racionais simplificam (e distorcem a realidade complexa), mas permitem pensá-la e também se localizar no campo social, a partir de certas coordenadas conhecidas. Isso tem muita importância quando entendemos que a implicação subjetiva dos agentes é um critério determinante para o trabalhador nas instituições e nas entidades sociais, pois é preciso estar atento aos efeitos éticos que sua ação ajuda a promover (Benelli, 2006, 2007; Lemos, 2007).

Estamos procurando entender como as ofertas de atenção, de cuidado e de proteção social a crianças e adolescentes configuram um conjunto de figuras paradigmáticas diversas que foram emergindo ao longo da história, enquanto estratégias institucionais diferenciadas, implementando discursos e práticas mais ou menos distintas e, consequentemente, produzindo efeitos éticos específicos na vida social. Embora os diferentes paradigmas não tenham surgido ao mesmo tempo, podemos notar sua coexistência no contemporâneo. Encontramos a configuração do paradigma da caridade cristã, baseada na perspectiva da ajuda samaritana ao próximo; a do paradigma filantrópico e higienista, que configura estratégias disciplinares e correcionais para lidar com o indivíduo delinquente ou potencialmente perigoso; a do paradigma da Assistência Social, que considera os indivíduos em “situação pessoal e social de risco” ou em “situação de vulnerabilidade social”; e, por fim, vai se abrindo espaço para um discurso que aponta para o indivíduo como cidadão sujeito4 4 Sujeito é o homem enquanto ator social e indivíduo agente, pessoa autônoma e cidadão – na ordem da política. É ainda o ego cognoscente – o “eu” centrado na consciência racional e reflexiva, no plano da epistemologia tradicional. Para nós, fundamentalmente, inclui as noções lacanianas de “sujeito do inconsciente”, de “sujeito dividido” e de “sujeito de desejo” (Cabas, 2009; Fink, 1998), segundo as quais “o ego ou o eu não cobre a totalidade do sujeito” (Vallejo & Magalhães, 1979, p. 158). de direitos.

A fim de melhor dar a ver a complexidade do campo institucional em que nos inserimos, procuramos estabelecer a especificidade de alguns desses paradigmas e descrever seus elementos constitutivos, com relação à construção social e histórica da Assistência Social como instituição social. Tais paradigmas podem ser pensados tanto do ponto de vista de seu desdobramento histórico quanto sincronicamente como diferentes aspectos da mesma totalidade social que é sempre una, porém, ao mesmo tempo, diversa, dialeticamente complexa, contraditória, e em constante transformação.

A caracterização didática desses paradigmas pode fornecer um mapa de orientação para análise e ação num campo social altamente complexo. Veremos que se é verdade que a multiplicidade de paradigmas pode ser captada por meio da luta existente, num dado contexto histórico, entre dois paradigmas para imporem o conjunto de seus “interesses e valores”, também é verdade que a compreensão histórica e crítica desses fenômenos sociais e institucionais nos permite detectar a pregnância da lógica de determinado paradigma e sua persistência temporal, dando a impressão de que ele é o único em ação. Na realidade, constata-se que as configurações paradigmáticas que dominam em outras séries históricas continuam comumente presentes e efetivas na contemporaneidade.

É possível distinguir as configurações paradigmáticas nas práticas cotidianas dos agentes institucionais, de tal modo que há paradigmas que são predominantes entre diferentes atores sociais, embora não sejam exclusivos deles: o paradigma da Caridade, da Promoção Humana e da Filantropia pode ser encontrado nos dirigentes e técnicos das entidades assistenciais, o paradigma Clientelista Assistencialista é típico dos funcionários e técnicos das prefeituras municipais, já o discurso da Assistência Social como Política de Estado é um paradigma que se verifica nos políticos das esferas estaduais e nacionais, bem como em técnicos e profissionais que atuam nessas esferas mais elevadas.

É necessário mencionar, por último, uma configuração de saberes, práticas e discursos que nomeamos de “paradigma do sujeito cidadão”, tomando como referência a ética que define a Educação Popular (Freire, 1967, 1987) e a ética do Movimento da Reforma Sanitária, que culminou com a implantação do projeto nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) e produziu o ideário da participação popular no planejamento, gestão e controle das ações do Setor da Saúde, através dos Conselhos de Saúde e Conselhos de gestão da “unidade de Saúde” (Fleury & Ouverney, 2008).

Não encontramos indícios de entidades socioassistenciais trabalhando concretamente na direção da ética do paradigma do sujeito cidadão. Portanto essa possibilidade paradigmática é por nós apresentada na categoria de modelo heurístico, para a análise, e como demonstrativo de outras possibilidades da práxis. Pensamos, por outro lado, que esse talvez seja um dos paradigmas nos quais é possível chegar a tratar o outro como sujeito, apesar de suas possíveis limitações.

O desenho teórico desses paradigmas funciona como um mapeamento do campo que compõe a complexa trama institucional do atendimento à criança e ao adolescente no âmbito da Assistência Social. As pulsações sociais presentes nele tendem a se expressar em possibilidades paradigmáticas que vão das simplesmente diversas e contrárias entre si, incluindo as similares e concorrentes, até as dialeticamente contraditórias. Sua apresentação pode ser feita num contínuo de possibilidades, oscilando entre os extremos da tutela e da cidadania.

A Assistência Social como ação religiosa: a caridade

O paradigma da caridade como estratégia de proteção social predominou no mundo medieval e sobreviveu mesmo quando o modo de produção capitalista já estava consolidado, sendo encontrado inclusive na atualidade (Marcílio, 2006; Rizzini, 2008).

A análise dos parâmetros desse paradigma indica que a “teoria” é religiosa, baseada no tema das boas obras, que são um chamamento para todo cristão viver a fé e o mandato de Jesus Cristo do amor ao próximo, pois, segundo várias confissões cristãs, sobretudo na Igreja Católica, todos seremos julgados pelas obras praticadas. Vamos apresentar uma síntese do discurso católico que estaria fundamentando essa perspectiva.

As boas obras, nomeadamente a esmola, são particularmente recomendadas aos católicos durante o período anual da Quaresma. De acordo com a doutrina católica (Igreja Católica, 1999), as boas obras são feitas para agradar a Deus por amor e são as consequências da verdadeira fé, colocada em prática. Esta fé em Jesus Cristo e nos seus ensinamentos traduz-se no desejo e na obrigação que o cristão tem de praticar e exprimir a virtude da caridade, o espírito de misericórdia e, em suma, a vontade de Deus.

Segundo a doutrina católica (Igreja Católica, 1999), entre as boas obras, as mais perfeitas e, por isso, mais usadas para julgar o católico no dia do seu Juízo particular, são as obras de misericórdia. Estas obras, que ao todo são catorze, têm como finalidade socorrer o próximo nas suas necessidades corporais ou espirituais. Elas são portanto divididas, consoante a sua natureza, em dois grupos: as obras de misericórdia corporais, que são sete: dar de comer a quem tem fome; dar de beber a quem tem sede; vestir os nus; dar pousada aos peregrinos; assistir aos enfermos; visitar os presos; enterrar os mortos. As obras de misericórdia espirituais são também sete: dar bom conselho; ensinar os ignorantes; corrigir os que erram; consolar os aflitos; perdoar as injúrias; sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo; rogar a Deus por vivos e defuntos (principalmente pelos defuntos que estão no Purgatório) (Falcão, 2009).

Essa perspectiva está presente no catolicismo contemporâneo, tal como podemos verificar no Catecismo da Igreja Católica, que ensina que

As obras de misericórdia são as ações caritativas pelas quais socorremos o próximo em suas necessidades corporais e espirituais. Instruir, aconselhar, consolar, confortar são obras de misericórdia espiritual, como também perdoar e suportar com paciência. As obras de misericórdia corporais consistem sobretudo em dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, dar moradia aos desabrigados, vestir os maltrapilhos, visitar os doentes e os prisioneiros, sepultar os mortos. Dentre esses gestos de misericórdia, a esmola dada aos pobres é um dos principais testemunhos da caridade fraterna. É também uma prática de justiça que agrada a Deus. (Igreja Católica, 1999, p. 632)

Podemos encontrá-la ainda na Instrução da Congregação para o Clero, quando trata da maneira pela qual o padre católico deve atuar:

Como homem de Deus, ele exerce, de modo integral, o seu ministério, procurando os fiéis, visitando as famílias, participando nas suas necessidades, nas suas alegrias; corrige com prudência, cuida dos anciãos, dos fracos, dos abandonados, dos doentes e ajuda com exuberante caridade os moribundos; dedica particular atenção aos pobres e aflitos, empenha-se pela conversão dos pecadores, dos que se encontram no erro e ajuda cada um a cumprir seu dever, incentivando o crescimento da vida cristã nas famílias. Educar no exercício das obras de misericórdia espirituais e corporais permanece uma das prioridades pastorais e sinal da vitalidade de uma comunidade cristã. (Congregação para o Clero, 2003, p. 62)

Aparentemente, o pároco católico deve desempenhar atividades pastorais baseadas na prática da caridade espiritual e do assistencialismo, o que estaria alinhado com um trabalho de manutenção das atuais estruturas sociais e políticas. Mas, apesar disso, a Igreja Católica também formulou uma “doutrina social” na qual avança para outras questões (Basto de Ávila, 1993; Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, 2005).5 5 A doutrina social da Igreja Católica consiste num conjunto de proposições, de princípios, critérios e diretrizes gerais a respeito da organização social e política dos povos e das nações. Foi desenvolvida a partir do século XIX por ocasião da emergência da sociedade industrial moderna, com suas novas estruturas para a produção de bens de consumo, sua nova concepção da sociedade, do Estado e da autoridade, suas novas formas de trabalho e de propriedade. Diante de tais transformações e do aparecimento da perspectiva marxista, a Igreja Católica se viu instada a se pronunciar. A Igreja Católica considera que a norma fundamental do Estado deve ser a promoção da justiça e que a finalidade de uma ordem social justa é garantir a cada um, no respeito ao princípio da subsidiariedade, a própria parte nos bens comuns.

Não apenas grupos católicos (Silva, 2006; Souza, 1994, 2001) operam de acordo com esse paradigma, mas também outras denominações religiosas, tais como os espíritas (Giumbelli, 1995, 1998; Souza, 1994, 2001) e organizações evangélicas tradicionais, pentecostais e neopentecostais. A entidade assistencial pode ser uma “obra social” de um determinado grupo religioso, católico ou não, com a presença, influência e, sobretudo, com a liderança de indivíduos com fortes convicções e motivações religiosas embasando sua conduta. As entidades de atendimento criadas nesse paradigma foram predominantemente fechadas, constituindo instituições totais (Goffman, 1987) e disciplinares (Foucault, 1999): eram os asilos para as crianças “expostas na roda” (Marcílio, 2006), educandários para as crianças sem família, os orfanatos para os filhos dos pobres que não podiam criá-los.

Muitas congregações religiosas católicas masculinas e femininas também foram fundadas ao longo da história tendo como parte de seus objetivos socorrer, amparar e educar a infância desvalida. Como exemplo podemos citar os religiosos de São Vicente de Paula, os salesianos de Dom Bosco, os orionitas de Dom Orione, dentre muitos outros (Silva, 2006; Souza, 1994, 2001). Também é preciso observar que, sobretudo na América Latina, segmentos da Igreja Católica, ao formularem a Teologia da Libertação, avançaram bastante na compreensão das relações entre a fé, o evangelho, a pobreza e as determinações estruturais do capitalismo na produção da injustiça social (Benelli, 2006, 2007; Libanio, 1984; Pereira, 2001), embora nem sempre se possa notar a influência do ideário do trabalho popular (Boff, 1984) nas entidades religiosas católicas ocupadas com a infância e a adolescência pobres. Além das instituições em regime de internato, também surgiram estabelecimentos abertos para o atendimento dos filhos dos pobres, apesar de que tal inovação não se devesse necessariamente a uma percepção dos efeitos iatrogênicos da institucionalização em regime fechado (Goffman, 1987).

Na atualidade, nossas observações de campo permitem-nos considerar que pode haver bastante improvisação e criatividade quando da fundação de uma entidade assistencial, numa busca por responder de modo inovador a uma certa demanda social emergente.

Uma entidade assistencial pode ser criada e tender a funcionar de modo a “fazer o bem ao próximo”, baseando, então, sua razão de existir nas convicções e também no sentimento religioso. A diretoria – exigência legal para que se constitua uma entidade assistencial – costuma ser constituída por pessoas de “boa vontade” que desejam colaborar com a “construção de uma sociedade mais humana e fraterna” e seus membros são movidos pelo sentimento de fraternidade para com os mais pobres e necessitados. É comum que a diretoria que consta nos documentos oficiais, às vezes composta por figuras ilustres da “boa sociedade” que emprestam seus nomes e prestígio para a entidade, tenha escassa presença no cotidiano da entidade, e sua influência nos rumos do trabalho realizado pode ser mínima ou inexistente. Na verdade, os membros da diretoria não precisam trabalhar efetivamente, basta sua participação nominal, para atendimento das necessidades burocráticas e legais exigidas para o funcionamento da entidade.

Pode acontecer que o grupo religioso mantenedor disponha de recursos financeiros abundantes para investir na entidade, sustentando-a com facilidade, de modo autônomo. Mas isso não é o mais comum, pois as entidades em geral permanecem numa situação financeira deficitária crônica e isso certamente mantém seu funcionamento num nível básico, inclusive comprometendo a qualidade da sua oferta institucional, já que não podem contratar pessoal com formação profissional mais especializada. Desse modo, precisam do trabalho voluntário das “pessoas de boa vontade”, que queiram ajudar a “fazer o bem” para os mais necessitados, para preencher seus quadros. Essa aparente “carência” se revela típica desse modelo institucional: há uma posição política com ressonâncias na subjetividade – ao carente só cabe o suprimento e a posição de objeto, o supridor arremata a posição de sujeito.

O presidente da diretoria (ou o diretor executivo da entidade, quando existe) costuma ser o verdadeiro responsável pela entidade, zelando pessoalmente por seus interesses e necessidades. O principal trabalho do presidente ou do diretor executivo consiste em obter recursos financeiros para manter a entidade aberta e em funcionamento6 6 Por hipótese, consideramos que a corrupção pode ocorrer tanto em entidades privadas quanto nas públicas, de orientação confessional ou não. Isso compromete completamente os fins que tais entidades afirmam defender e promover. A partir de uma inserção prolongada no campo, não é difícil verificar que parece haver entidades geridas por grupos compostos por poucas pessoas, que praticamente se apropriam e podem fazer delas o seu meio de vida. A entidade pode se converter então na garantia do salário para esses funcionários que a dirigem e sua ação efetiva fica condicionada ao mínimo, de modo a proporcionar algum status e prestígio para essa equipe dirigente, além de permitir o usufruto de privilégios tais como uso indiscriminado do telefone, combustível, veículo, alimentos, etc, pois tudo aquilo que representar vantagens pessoais para os mandatários pode ser apropriado por eles. Também foi possível verificar que a gestão financeira das entidades é sigilosa, sendo que parece muito fácil que se produzam práticas de corrupção. Tais grupos dirigentes corporativistas podem fechar a entidade aos estranhos, de modo a manter seus privilégios, benefícios indevidos e facilidades conquistadas, sem testemunhas que possam denunciá-los. Entre funcionários assim, não seria incomum certa mentalidade de que “dinheiro público não tem dono, não é de ninguém”; então pode parecer justificável e inclusive obrigatório gastá-lo todo, não importando muito de que jeito: superfaturando compras, obtendo notas frias, desviando recursos, tendo normalmente a conivência de um contador “amigo”. Afinal, se ele não o fizer, outro mais esperto certamente o fará, pensa-se igualmente. Nesses casos de corrupção, pensamos que tais entidades não possuiriam propriamente equipes administrativas e pedagógicas, mas sim “quadrilhas” acostumadas a “mamatas” de toda ordem. Aí encontraríamos a “pilantropia”, mais do que a filantropia. Evidentemente, nada disso pode ser provado facilmente e nem é dito assim, com todas as letras, mas não podemos deixar de notar que há fortes indícios de tais práticas em certas entidades. Sobre estas questões espinhosas os Conselhos Municipais não se pronunciam, inclusive porque tais administradores costumam ter ali assentos estáveis. . São dois os meios tradicionais de obter recursos para custear os gastos da entidade: a promoção de eventos beneficentes com vistas a arrecadar dinheiro, tais como quermesses, festas, bingos, rifas, almoços, etc. e o pedido de auxílio financeiro para autoridades políticas, tais como secretário municipal de Assistência Social, prefeito, vereadores e deputados. As ajudas públicas tendem a ser pontuais e específicas, não consistindo em recursos que permitam o funcionamento da entidade de modo contínuo ao longo do tempo. Trata-se apenas de práticas clientelistas focalizadas. Atualmente, também é possível buscar apoio financeiro junto ao mercado, denominado de “segundo setor”, na linha do “marketing social empresarial”, mas isso já exige maior profissionalização do funcionamento da entidade.

Continuando a análise dos parâmetros desse paradigma percebe-se que a técnica operacionaliza-se numa educação religiosa e moralizante da conduta pessoal, podendo utilizar tanto a persuasão quanto o medo da condenação eterna; a ação se baseia no trabalho voluntário, na ajuda e na boa vontade individual e não exige profissionalização. A prática pedagógica é tradicional, centrada na autoridade, no saber e no poder do adulto, que adota posturas autoritárias e sedutoras para com os educandos, numa relação de tutela.

A ideologia é conservadora e procura integrar meios e fins da instituição, partindo de uma análise pretensamente acrítica da realidade social, permanecendo no plano do atendimento individual a pessoas cujos problemas são tomados também como individuais.

No plano jurídico, a entidade permanece no plano intraeclesial e/ou no contexto especificamente religioso do grupo e, portanto, na informalidade, escotomizando a dimensão socio-histórica e política da vida social. Trata-se do cumprimento de obras religiosas pelo fiel cristão individual ou pelo indivíduo de certo grupo religioso, movido pelas doutrinas religiosas nas quais acredita.

A ação institucional expressa-se na caridade, nas obras de misericórdia, na ajuda fraterna, na bondade pessoal, no amor ao próximo, na solidariedade, em práticas individuais solidárias, não profissionalizadas, gratuitas, improvisadas e caseiras. Não costuma haver planejamento e avaliações sistemáticas; quando existem costumam ser frouxos e superficiais, a regra seria o espontaneísmo e a improvisação no atendimento da demanda.

Crianças e adolescentes são designados como sendo pobres, necessitados e carentes, entendidos como indivíduos que devem ser assistidos, orientados, dirigidos e como objetos de proteção e de tutela.

Os efeitos assistenciais e éticos promovidos são o assujeitamento, a alienação sociopolítica, a consciência ingênua diante da realidade, ocultando a exploração da classe trabalhadora pelo capitalismo, escamoteando a luta de classes e fomentando a harmonia social por meio de estratégias assistenciais paliativas individuais e focalizadas, cuja capacidade não tem revelado conseguir mais do que de suprir o alívio imediato da situação do sujeito sempre reiterada, isto é, seu lugar subjetivo e social de “objeto e decaído”.

A Assistência Social da elite econômica: a filantropia

A perspectiva filantrópica emerge no século XVIII, no bojo da sociedade burguesa capitalista, superando o atendimento aos necessitados baseado na ideia da caridade, cuja ação era fundamentada em preceitos religiosos cristãos, plasmados nas obras de misericórdia (Marcílio, 2006; Rizzini, 2008). A filantropia, inspirada no humanismo, pode ser compreendida como significando “amor à humanidade”, constituindo uma lógica moderna que se pretende científica e racional. Seu objetivo máximo seria amparar a pobreza, para o que são criadas inúmeras associações, entidades e estabelecimentos filantrópicos.

Nossa hipótese é que a filantropia pode ser entendida como uma instituição, pois ela se plasma em saberes, em discursos, em práticas sociais e sua lógica faz dispositivos, encarnando-se em aparatos jurídicos, científicos e em estabelecimentos diversos, de internação ou em regime aberto, de matiz disciplinar e correcional (Rizzini, 2006, 2008).

O paradigma da filantropia (Adorno, 1991; Donzelot, 2001; Escorsim, 2008; Souza, 1994, 2001) conviveu com o paradigma da caridade. Sua imposição ocorreu à medida em que o Estado foi-se separando da Igreja, no mesmo movimento em que a religião católica perdeu sua hegemonia na organização da vida social burguesa capitalista. A filantropia é a ação social típica da elite burguesa moderna, articulando-se por meio dos clubes de serviços e da maçonaria, entre outros.

A filantropia é a ação continuada de doar dinheiro ou outros bens a instituições ou pessoas que desenvolvam atividades tidas como sendo de grande mérito social. É encarada por muitos como uma forma de ajudar e guiar o desenvolvimento e a mudança social, sem recorrer à intervenção estatal, muitas vezes contribuindo por essa via para contrariar ou corrigir as “más” políticas públicas em matéria social, cultural ou de desenvolvimento científico. Os indivíduos que adotam essa prática, naturalmente indivíduos que dispõem dos necessários meios econômicos, são em geral denominados filantropos. A filantropia costuma ser uma das principais fontes de financiamento para as causas humanitárias, culturais e religiosas. Em alguns países a filantropia assume papel relevante no apoio à investigação científica e no financiamento das universidades e instituições acadêmicas.

Sua base “teórica” pode ser considerada filosófica, humanista ou humanitária, dispensando motivos religiosos para realizar a promoção social dos seres humanos (Sposati, 1994). Historicamente, o caráter educativo do trabalho social esteve associado a objetivos de socialização e disciplinarização do trabalhador pobre, no contexto da expansão do capitalismo urbano-industrial. As ações educativas buscavam “consertar” o que se entendia como “problemas morais” das famílias, que desviavam seus membros dos caminhos do “bem”. Essa estratégia constituía-se a partir da ideia de culpabilização dos pobres pela sua pobreza, como se esta fosse apenas uma questão individual e, portanto, passível de superação no mesmo plano, pela ação sobre a conduta de cada um, especialmente das mulheres e jovens. O trabalho social assumia frequentemente o papel de “polícia das famílias” (Donzelot, 2001), a partir de uma prática educativa disciplinadora voltada para o enquadramento social dos trabalhadores pobres frente às novas necessidades criadas pela modernização capitalista nas primeiras décadas do século XX. Tratava-se, evidentemente, de uma proposta de “promover a consciência” – de fora para dentro – em relação aos cuidados com a vida cotidiana, com a saúde, com os hábitos nutricionais, com o planejamento familiar, numa perspectiva de adaptação dos membros das classes populares às regras dominantes.

Nesse paradigma, uma entidade assistencial pode ser criada por membros da elite que se incomodam pessoalmente com a existência de indivíduos em situação de pobreza, sem escolarização e desempregados. Então esses membros da elite se organizam e fundam uma entidade com o objetivo de corrigir esse problema social específico. Pertencer à diretoria da entidade é uma distinção honrosa e dirigi-la como presidente é considerado um nobre serviço, realizado com magnanimidade, desinteresse e altruísmo. Como tais grupos costumam dispor de maiores recursos econômicos para manter a entidade, podem prescindir de auxílios e da ingerência do poder público na sua ação assistencial de classe. Jantares e outros eventos beneficentes – normalmente com grande pompa e circunstância – também costumam ser realizados para angariar recursos para a entidade, ocasiões nas quais a elite se festeja a si mesma, às vezes gastando mais dinheiro na realização do evento do que arrecadando fundos para a entidade.

Também há os casos nos quais pessoas influentes da alta sociedade, ao pertencerem à diretoria da entidade, podem pleitear verbas públicas junto a diversas autoridades políticas municipais, estaduais e federais, usando para tanto todo seu prestígio e poder. Se há um pouco de dinheiro público disponível para custear os gastos da entidade, por que não pleiteá-lo? Afinal, membros da “boa sociedade” já estão fazendo sua parte e o poder público não faria mais do que sua obrigação em contribuir para a execução dessa ação assistencial meritória. Além do mais, os fundadores da entidade se veem obrigados a constituir o estabelecimento, justamente diante da inoperância do poder público, classicamente considerado como corrupto e ineficiente, frente aos problemas sociais da população. Desse modo, estabelece-se uma “lógica convenial7 7 A lógica convenial pode ser definida como o hábito tradicional que possuem os dirigentes das entidades assistenciais privadas em buscar obter junto ao poder público auxílios financeiros, pagamentos de contas públicas (água, luz, telefone, etc.) ou a cessão de funcionários (técnicos, professores e outros trabalhadores) que são alocados para trabalhar nas entidades. Esses auxílios buscados junto ao poder público constituem um “convênio” informal entre a prefeitura e a entidade, caracterizando relações de compadrio, de feições assistencialistas e eleitoreiras. O poder público, como modo de governar, “ajuda” a entidade porque é “magnânimo” e “solidário”, mas não o faz como política pública e sim como favor e benesse. ” entre a entidade assistencial filantrópica e o poder público, baseada no favor e na benemerência. Os recursos públicos disponibilizados podem ser meramente simbólicos, mas não se cogita, em hipótese alguma, a possibilidade de lutar, reivindicar ou exigir aumento do repasse ou ampliação da cobertura para outras entidades, afinal, não se pode “morder a mão que alimenta”, demonstrando ingratidão e desrespeito. Cada estabelecimento filantrópico funciona de modo independente e distanciado dos seus congêneres, sem comunicação, competindo uns com os outros pela obtenção de minguados recursos públicos.

A técnica empreendida pela entidade filantrópica baseia-se numa estratégia de socialização moralizante da conduta pessoal, utilizando a persuasão por meio de estratégias educacionais e priorizando a preparação dos pobres para o trabalho, a partir de uma perspectiva de criminalização da pobreza. Combatendo a ociosidade das classes populares, visa transformar os pobres em indivíduos pseudoprofissinalizados e em empregados no mercado de trabalho e, portanto, também em assalariados e consumidores. A perspectiva pedagógica é francamente tradicional e autoritária, centrada na inculcação dos valores sociais hegemônicos, criando relações de tutela, de menoridade e de subordinação. Reproduzindo as mazelas da escola, são comuns os casos de expulsão da entidade ou, de vez em quando, de punição de algumas das crianças que podem, por exemplo, ficar sem a refeição ou ser proibidas de entrar na piscina ou de participar de passeios institucionais.

Sua ideologia, ao partir de uma análise supostamente acrítica da realidade social e agindo no plano do atendimento das necessidades individuais imediatas, permanece no âmbito da moral privada. Valoriza o trabalho individual e a poupança como formas de ascensão social. Promove a integração social e mantém a “engrenagem social” funcionando dentro da ordem estabelecida. Seu grande objetivo seria prevenir o aumento da criminalidade, impedindo o ingresso de crianças, adolescentes e jovens que vivem no “ócio” na marginalidade, na drogadição e finalmente, na criminalidade. A “ociosidade” é considerada a “mãe de todos os vícios”, por isso é necessário manter os indivíduos, considerados em “situação de risco”, ocupados e supervisionados o tempo todo.

Historicamente, o interesse pela criança pobre faz parte de um projeto político que tinha como meta combater, controlar e submeter o contingente ocioso da população, adequando-o desde a infância às exigências do desenvolvimento do capitalismo. O discurso falava em transformar a criança pobre em um indivíduo “útil e produtivo para a sociedade”, ou então no seu jargão mais típico, “em um homem de bem”.

No plano jurídico, as entidades filantrópicas ainda permanecem numa certa informalidade. O trabalho social é baseado na benemerência voluntária, altruísta e individual dos ricos, tratando da promoção do “bem” para beneficiar os pobres, independentemente da ação do Estado, também tido como corrupto e ineficaz. Escotomizando a dimensão sócio-histórica e política da vida social, elas tendem a resistir fortemente ao discurso oficial contemporâneo que propõe a Assistência Social como política de Estado, adotando-o apenas de modo formal e neutralizando suas perspectivas mais críticas.

Pode-se considerar que a legislação oficial atual já supera com grande vantagem o ideário filantrópico. Este havia gerado todo um complexo aparato jurídico-assistencial, mesmo sob a liderança do Estado, que se materializara por meio da criação de numerosas leis e entidades filantrópicas destinadas à proteção e à assistência à infância (Rizzini, 2006; 2008).

A ação institucional baseia-se na doação voluntária e benemerente dos abastados, na sua disposição individual para ajudar os “membros das classes desfavorecidas”, na sensibilidade pessoal de sua consciência moral, em sua boa vontade individual e não exige profissionalização. A ação é primordialmente benesse, favor, generosidade, magnanimidade, improvisada, precária e temporária. Entretanto, a gestão e o planejamento na entidade podem seguir uma lógica empresarial burocrática.

Na atualidade, observamos que os valores de proteção e de defesa dos direitos de crianças e adolescentes se tornaram objeto de disputa por obtenção de recursos e de poder, além de terem despertado o interesse comercial do empresariado. Desse modo, a filantropia tem-se atualizado sob a denominação de “responsabilidade social empresarial”, de “marketing social”, de “empresa amiga da criança”, pois o empresariado descobriu no “terceiro setor” um rico filão de extração da mais-valia (Carvalho, 2005, 2008; Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, 2007a, 2007b, 2007c). Outra versão da filantropia pode ser localizada em entidades assistenciais focalizadas na educação profissional, na capacitação ou formação profissionalizante, adotando as perspectivas do “empreendedorismo” e do “marketing”.

Crianças e adolescentes são designados como “menores abandonados” e como “delinquentes”, como pobres, necessitados, carentes, assistidos; ao mesmo tempo são objetos de disciplinamento, de controle e de tutela.

Os efeitos assistenciais e éticos promovidos são: a “pseudoprofissionalização”, o assujeitamento e a alienação sociopolítica, ocultando a exploração da classe trabalhadora pelo capitalismo. Promovendo a consciência ingênua diante da realidade, escamoteiam a percepção das condições estruturais geradoras da exclusão social, ao mesmo tempo em que fomentam a harmonia social com suas estratégias assistenciais paliativas e integradoras no sistema social dos indivíduos excluídos. Mas estes nunca podem alcançar a crítica de sua posição social e subjetiva de “objetos” e “excluídos” , nas relações sociais.

A Assistência Social como promoção humana

Na prática cotidiana, o antigo paradigma da caridade é atualizado por grupos religiosos diversos sob a forma paradigma da promoção humana, termo mais contemporâneo, embasado na Doutrina Social da Igreja Católica. No plano “teórico”, podemos dizer que se trata de uma recuperação religiosa e cristã do tema dos direitos humanos e sociais dos indivíduos, introduzindo a novidade do voluntariado e um apelo para o sentimento e a prática da solidariedade, mas o “próximo” a quem se ajuda é um “irmão”, o que não seria diferente da fraternidade (Fagundes, 2006; Seron, 2008). No contexto do discurso religioso, o trabalho de promoção humana é considerado como sendo uma responsabilidade e um compromisso que cada um deve ter consigo mesmo, com os outros e com todas as coisas que estão a sua volta. O trabalho de promoção humana buscaria oferecer às pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade social/educacional uma oportunidade de humanização e de descoberta do sentido de vida através de atividades socioeducativas, gerando assim uma comunidade mais solidária e uma sociedade mais justa. A verdadeira união social externa decorreria da união dos espíritos e dos corações, isto é, da fé e da caridade.

O discurso religioso propõe que a promoção humana deve levar o homem e a mulher a passar de condições menos humanas para condições cada vez mais humanas, até chegar ao “pleno conhecimento de Jesus Cristo”, e deve atingir desde o nascituro até o ancião. Promover envolve a palavra (conscientização), a ação (vida colocada a serviço do outro) e a colaboração (ajuda mútua entre o que serve e aquele que precisa ser servido), comprometendo-se com a defesa dos direitos individuais e sociais do homem, dos povos, das culturas e dos setores marginalizados, bem como dos desprotegidos e dos presos. Desse modo, trata-se de descobrir o rosto de Deus nos rostos sofridos dos irmãos. Toda comunidade cristã ou grupo religioso é responsável pela assistência, pela evangelização, pela libertação e pela consequente promoção humana, que objetiva a conversão total da pessoa, nas dimensões terrena e espiritual (transcendental). A assistência se dirigiria à pobreza e à dor espiritual/psíquica, incluindo também a evangelização, sendo propostos certos valores que devem se assumidos.

A promoção humana visa a despertar a consciência do homem em todas as suas dimensões (espiritual, pessoal, intelectual, social, econômica, etc) e levá-lo a lutar por si mesmo como agente promocional, buscando seu próprio desenvolvimento humano e cristão, numa dimensão humanista e espiritual. O objetivo maior do trabalho de promoção humana seria educar o homem para a convivência com o outro, impulsioná-lo a se organizar para ter força reivindicatória (a formação de uma associação dá subsídios para a verdadeira organização social) e incentivá-lo à partilha de bens com vistas à comunhão e à participação.

Com relação à entidade assistencial, vale aqui o mesmo que propusemos quanto ao paradigma da caridade. A técnica empregada é baseada na conscientização, na informação e na orientação sobre direitos individuais, em esforços e iniciativas voluntárias, criando ou trabalhando voluntariamente em obras sociais ou entidades assistenciais desenvolvidas por grupos religiosos (católicos, renovação carismática católica, evangélicos, espíritas, etc.), permanecendo dentro de um universo religioso. São realizados trabalhos de formação em atividades “pseudoprofissionais” em geral ou em áreas que exigem pouca qualificação, em entidades assistenciais confessionais ou paroquiais. A estratégia é dita “dar o peixe, visando ensinar a pescar”. Busca-se inserir os indivíduos carentes no mercado de trabalho, mas o que se consegue normalmente são postos subalternos em trabalhos braçais. A técnica pedagógica é renovada e de matiz mais psicologizante, centrando-se no indivíduo que aprende, não mais no educador que ensina. Também se caracteriza ainda por um acentuado voluntarismo, partindo do princípio de que os indivíduos são livres e capazes de adotar crenças e outras atitudes de acordo com sua própria vontade, desconsiderando os determinantes históricos e sociais que incidem na produção da vida social.

A ideologia do voluntariado (Caldana & Figueiredo, 2008; Fagundes, 2006; Seron, 2008; Sousa & Araújo, 2007) tende a ser ingênua, bem-intencionada, religiosa, espiritualizada, integradora, conservadora, reformista e pouco crítica, buscando promover a harmonia social, podendo ser considerada como típica da classe média urbana e, portanto, não costuma desenvolver crítica social à ordem estabelecida.

No plano jurídico, ocupa o lugar das políticas públicas estatais que não existem ou que não são efetivamente implementadas. Ações voltadas para a organização popular visando a luta política, as manifestações e as reivindicações públicas por direitos normalmente não fazem parte do seu horizonte.

A ação é caracterizada pela boa vontade individual, pelo voluntariado, e tende a ser improvisada e precária. Atua no nível do senso comum, sem planejamento e de modo pouco profissionalizado, desenvolvendo um estilo informal e “caseiro”. As avaliações, quando existem, costumam ser apenas formais e elogiosas.

Crianças e adolescentes são considerados indivíduos carentes e necessitados, em “situação pessoal e social de risco”; são objetos de proteção e de tutela.

Em termos de efeitos assistenciais e éticos, promove o assistencialismo, a tutela e a subordinação.

A Assistência Social como clientelismo assistencialista do poder público

Podemos encontrar sua “teoria” no patrimonialismo e no clientelismo do poder público, sobretudo no poder executivo federal, estadual ou municipal, que tendem a ser ocupados por membros da elite (Chauí, 2000; Damatta, 1991; Fagnani, 2005; Graham, 1997; Holanda, 1999; Rizzini, 2008).

O patrimonialismo é a característica de um Estado que não possui distinções entre os limites do público e os limites do privado. Foi comum em praticamente todos os absolutismos: o monarca gastava as rendas pessoais e as rendas obtidas pelo governo de forma indistinta, ora para assuntos que interessassem apenas a seu uso pessoal (compra de roupas, por exemplo), ora para assuntos de governo (como a construção de uma estrada). Como o termo sugere, o Estado acaba se tornando um patrimônio de seu governante. Historicamente, tal postura se instaurou na Europa pelos germanos que invadiram Roma. Os romanos construíram a república, forma de Estado na qual os interesses pessoais ficavam subjugados aos do coletivo constituído pelos romanos natos. Os estrangeiros, que aos poucos foram dando forma ao império romano decadente, tinham como característica o patrimonialismo, segundo o qual o reino e suas riquezas eram transmitidas hereditariamente, de forma que os sucessores usufruíam dos benefícios do cargo, sem pudor em gastar o tesouro do reino em benefício próprio ou de uma minoria, sem prévia autorização de um senado.

No Brasil, o patrimonialismo foi implantado pelo Estado colonial português, com o processo de concessão de títulos, de terras e poderes quase absolutos aos senhores de terra. Seu legado à posteridade foi uma prática político-adminstrativa em que o público e o privado não se distinguiriam perante as autoridades. Assim, tornou-se “natural” a confusão entre o público e o privado em nossa sociedade, desde o período colonial (1500-1822), perpassando o imperial (1822-1889) e chegando mesmo à República Velha (1889-1930), momento em que os “coronéis” (grandes e médios fazendeiros e comerciantes) exerciam o poder de mando sobre grande parcela da população, intermediando-lhes o uso da terra, garantindo-lhes “ocupação”, “proteção” e concedendo-lhes pequenos favores pessoais em troca de lealdade nas eleições e nas disputas políticas. Na sociedade hierárquica e vertical brasileira, as relações de mando-obediência e de favor são os traços típicos do cotidiano social (Chauí, 2000, p. 84). Os dominantes legitimam seu pretenso direito natural por meio de uma rede de favores e de clientelas.

Dentre as práticas do patrimonialismo, foi (e ainda é) comum a construção, com dinheiro público, de melhorias em propriedades particulares (tais como açudes, casa de veraneio, piscinas, etc., ou ainda a concessão de emprego aos correligionários mais leais, sem concurso público). Mesmo nos dias atuais, estas práticas ainda campeiam pelo Brasil, ameaçando seriamente a imagem do princípio “todos são iguais perante a lei”, sendo comum o uso da máquina pública para promover favores pessoais por parte de prefeitos, deputados, governadores, senadores, e de quase todos os políticos, aos seus correligionários, amigos e seguidores. Essa troca de favores se denomina “fisiologismo”, e o favorecimento de parentes e amigos com empregos, vantagens e cargos caracteriza o “nepotismo”.

Entende-se como apanágios do patrimonialismo o paternalismo, o clientelismo e o favoritismo, característicos, ainda hoje, da política nacional. O corporativismo designa a atuação de grupos ou associações (corporações) com vistas à defesa de seus interesses exclusivos (manutenção de privilégios, benefícios e facilidades obtidas), sem levar em conta as regras sociais básicas e os interesses maiores da coletividade e do país. A “filosofia corporativista” baseia-se na estratégia mafiosa: proteção, reciprocidade, divisão de vantagens, conivência, corrupção, manipulação da informação, maquiagem de dados, segredo e terror. Sob o pretexto de resguardar direitos e interesses ameaçados e a perda da credibilidade nos dirigentes políticos, funcionários, organizações e associações podem se tornar corporativistas.

O Brasil possui uma forte tradição de autoritarismo, de mandonismo, de centralização de poder e de paternalismo estatal, caracterizando uma “cultura senhorial”. As instituições políticas estão extremamente obsoletas e viciadas em sua organização e em sua forma de atuar e o sistema corporativista que criaram implica na sua manutenção, sendo dificil que os membros da classe política possam reformar e transformar as suas estruturas e as suas formas de funcionamento. Na verdade, em grande medida, o Brasil ainda não constitui plenamente um “Estado de Direito”, tal como preconizado na Constituição Federal.

A cultura da “politicagem” caracteriza a ação corporativista de uma parcela do Congresso Nacional, das Assembleias Estaduais e das Câmaras de Vereadores, nos quais esses políticos legislam em causa própria. Essa parcela da classe política atua como um agente corruptor, pois boa parte de seus membros é representante de poderes econômicos e de outras corporações, eleita, muitas vezes, com a incumbência de exercer o tráfico de influência, instaurando e institucionalizando no país a política do “toma lá, dá cá”. Entre outras coisas, esses políticos desviam verbas do governo para aplicar em seus “currais eleitorais”; sendo eleitos com o apoio financeiro de empresas, passam a favorecê-las nos negócios realizados pelos órgãos públicos. Sendo as instituições mais bem dotadas de recursos, primam pela improdutividade e pelo boicote às iniciativas do poder executivo.

O fisiologismo e o nepotismo vicejam entre os políticos, que envolvem e compram o silêncio, o comodismo e a conivência de boa parte da população com os “benefícios” que lhe dispensam. Nesse cenário, vigora a perspectiva de que “os direitos são para poucos” e se caracterizam como privilégios; além disso, também se age a partir da premissa de que “as leis não foram feitas para todos”, donde floresce a cultura da impunidade. “Para os inimigos, a lei, para os amigos, tudo.” (Damatta, 1997, p. 24).

Não faltam os partidos políticos que têm “donos” e “caciques”, sendo normalmente dominados por grupos que manipulam as situações mais diversas, por meio de conchavos, obtenção e uso de verbas, distribuição de cargos, seleção de candidatos, etc. Ainda há cidades, municípios, regiões e estados que tendem a ser divididos e dominados por famílias poderosas e influentes que se alternam no poder, utilizando a máquina pública em beneficio próprio.

Uma consequência bastante negativa da politicagem e do fisiologismo é a ineficiência e o desperdício nos serviços públicos de um modo geral, resultantes da nomeação de correligionários e de amigos para os cargos de direção e de gerência, ignorando os critérios da qualificação e da competência. Como desdobramento, verifica-se o desmonte e a descontinuidade de serviços, de planos e de projetos, subordinando as políticas públicas de Estado às contingências e conjunturas dos governos. Isso desmotiva e “vicia” os funcionários de carreira, promove a baixa produtividade e também a insatisfação dos usuários, que são a causa e os financiadores do sistema público, recebendo dele, em troca, apenas mau atendimento em instalações precárias, filas intermináveis, taxação excessiva, benefícios previdenciários irrisórios, com correções ridículas, etc.

Tudo isso se verifica sobejamente na realidade municipal. Os políticos em geral já descobriram, há algum tempo, que investir no atendimento de crianças e de adolescentes considerados em “situação pessoal e social de risco” rende vultosos dividendos políticos e eleitorais (Justo, 2003, Rizzini, 2008). Nesse paradigma, ainda prevalece o “primeirodamismo” e o denominado “fundo municipal de solidariedade”, para o qual são encaminhadas verbas que o prefeito pode repassar pessoalmente para as entidades, dentro da lógica clientelista tradicional.

Nesse contexto, a entidade assistencial pública é denominada “unidade pública executora” ou “serviço de execução direta do poder público”, tendendo a funcionar mais em regime aberto. Ela é criada para atender demandas da população, acolhidas e intermediadas por vereadores e secretários municipais, sendo mantida com verbas públicas municipais, estaduais e federais normalmente bastante limitadas. Seus funcionários podem ser membros concursados da máquina pública, podem ser ainda trabalhadores contratados em “cargos comissionados” ou por meio de “contratos temporários”. Há um fenômeno de intensa precarização do trabalho do funcionalismo público e a terceirização dos serviços também é comum nessa área. O nível de formação dos profissionais é baixo, sendo caracterizado basicamente por cursos de graduação e há muitos trabalhadores sem formação universitária nos serviços. O funcionário público pode ser considerado um cidadão privilegiado, “dono” do seu cargo, do qual procura tirar todo tipo de vantagens e regalias possíveis, não se importando muito com o atendimento da população: atender o povo é fazer um favor.

A técnica consiste em dispensar ajuda, auxílio e favor aos pobres, aos “desfavorecidos” e necessitados, por meio de programas, de projetos e de serviços institucionalizados de Assistência Social públicos e privados, utilizando a máquina pública com finalidades eleitoreiras. A perspectiva pedagógica é a clássica, tradicional e tuteladora, centrada na autoridade do mestre, no seu saber e no seu poder, considerando o outro como um objeto de sua ação formativa e modeladora, do qual se espera sempre uma subserviência deferente.

A ideologia é reacionária, utilitarista, pragmática e politicamente oportunista, paternalista e clientelista. Visa a auxiliar os pobres e obter seu voto por meio do favor, procurando ainda aliviar a pressão social, parecendo atender as necessidades da população pobre e inclusive se antecipando as suas demandas, incorporando algumas das bandeiras de lutas dos movimentos sociais, mas promovendo apenas auxílios focalizados e bastante delimitados. É compatível com a filantropia benemerente (Fagnani, 2005; Lemos, 2007).

No plano jurídico, a Assistência Social ainda estaria situada numa informalidade oportunista, captando parcos recursos públicos federais e estaduais para financiar programas, projetos e serviços institucionalizados de Assistência Social públicos e privados. Ignorando o novo ordenamento jurídico/institucional que buscaria implementar direitos, permanece na lógica concreta da filantropia com interesses e objetivos eleitorais, demonstrando muita dificuldade e resistência para transitar na direção do discurso oficial que fundamenta na atualidade a Assistência Social como política de Estado.

A ação é caracterizada pelo favor pessoal da autoridade a um indivíduo, obtido por meio da intercessão de pessoas influentes junto às autoridades públicas, num círculo de “compadres”, expressando-se numa proteção paternalista e bondosa, como um auxílio generoso oferecido pela autoridade política, tendendo a ser improvisada, aleatória, não planejada, pontual e precária. Não há um planejamento completo da ação assistencial, para dar espaço para que os interesses políticos partidários possam capitalizar as demandas da população por meio de estratégias de marketing eleitoreiro. A título de favor pessoal, o chefe do executivo pode disponibilizar numerosos servidores públicos para trabalhar em entidades assistenciais privadas, prática que tende a “amarrar” as entidades, mantendo-as sob controle e dentro da “lógica convenial” informal e clientelista.

Aos que promovem ações assistencialistas, podemos atribuir as seguintes características gerais: consideram o problema social sob a aparência de ajuda; provocam a dependência por meio da doação ofertada; promovem atos compensatórios e não soluções concretas para os problemas; recriam a miséria sob a forma de tutela; promovem uma concepção naturalizante da pobreza, que é vista como normal, como residual e não como efeito estrutural da atual organização social; estigmatizam a pobreza e também o pobre; oferecem aos pobres condições de minimização da pobreza de modo também pobre e secundário; não pensam na intencionalidade ou na orientação ética com a qual a ajuda está sendo prestada; reconhecem apenas a noção de favor e não assimilam a noção de direito; são predominantemente paternalistas.

Crianças e adolescentes são considerados como clientes, “público-alvo”; os pobres, “desfavorecidos” e necessitados, os beneficiários de programas, projetos e serviços de Assistência Social públicos e privados, que, por sua vez, “ajudam” e buscam “minimizar” as dificuldades dos mais pobres. São objeto de tutela, de controle e de investimentos com finalidades publicitárias e eleitoreiras.

Os efeitos assistenciais e éticos são a tutela, a subordinação e o controle social sobre os pobres, cidadãos “menorizados” e infantilizados8 8 Uma experiência diametralmente oposta demonstrando como o poder público municipal não está fadado inexoravelmente a um destino tão nefasto pode ser encontrado em Lancetti (1996), livro no qual se relatam as invenções, as tensões e a potente criatividade instituinte, ousada e inovadora, no âmbito de uma Assistência Social preponderantemente cidadã, apesar de suas eventuais limitações, que foi implementada diretamente pelo poder público municipal na cidade de Santos, São Paulo, entre os anos de 1989 e 1993. .

A Assistência Social como política de Estado

Sua “teoria” consiste na proposta oficial da Política Nacional de Assistência Social no país (Brasil, 1993, 2004, 2005, 2011). A Assistência Social é apresentada como sendo um direito fundamental social que protege os necessitados, garantindo-lhes o mínimo para uma vida digna, sem que haja contraprestação direta por parte dos beneficiários. Vejamos uma síntese do discurso oficial sobre a Assistência Social.

Política pública não contributiva, a Assistência Social é considerada dever do Estado brasileiro e direito de todo cidadão que dela necessitar. Entre seus principais pilares estão a Constituição Federal de 1988, que dá as diretrizes para a gestão das políticas públicas, e a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), de 1993 (atualizada em 2011), que estabelece os objetivos, os princípios e as diretrizes das ações. A LOAS determina que a Assistência Social seja organizada em um sistema descentralizado e participativo, composto pelo poder público e pela sociedade civil. A IV Conferência Nacional de Assistência Social deliberou, então, a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Cumprindo essa deliberação, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) implantou o SUAS (Brasil, 2005), que passou a articular esforços, recursos e meios para a execução dos programas, dos serviços e dos benefícios socioassistenciais, buscando promover uma ampla reordenação do campo da Assistência Social que está em andamento em todo o território nacional.

A construção do SUAS, ao reorganizar a oferta da Assistência Social em todo o Brasil, pretende promover o bem-estar e a proteção social a famílias, a crianças, a adolescentes e a jovens, a pessoas com deficiência, a idosos, a todos que dela necessitarem. As ações são baseadas nas orientações da nova Política Nacional de Assistência Social (PNAS), aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) em 2004 (Brasil, 2004).

A gestão das ações socioassistenciais segue o previsto na Norma Operacional Básica do SUAS (NOB/SUAS), publicada no ano de 2005, que disciplina a descentralização administrativa do Sistema, a relação entre as três esferas do Governo e as formas de aplicação dos recursos públicos. Entre outras determinações, essa NOB reforça o papel dos fundos de Assistência Social como as principais instâncias para o financiamento da PNAS. A gestão da Assistência Social brasileira é acompanhada e avaliada tanto pelo poder público quanto pela sociedade civil, igualmente representados nos conselhos, nacional, do Distrito Federal, estaduais e municipais, de Assistência Social. Esse controle social busca consolidar um modelo de gestão transparente em relação às estratégias e à execução da política.

O discurso oficial apresenta o SUAS como a oportunidade de implantar a transparência e a universalização do acesso aos programas, serviços e benefícios socioassistenciais, promovendo um modelo de gestão que quer ser descentralizada e participativa, pretendendo consolidar, definitivamente, a responsabilidade do Estado brasileiro no enfrentamento da pobreza e da desigualdade, com a participação complementar da sociedade civil organizada, através de movimentos sociais e entidades de Assistência Social. Nunca se deve menosprezar os avanços no ideário institucional: eles são ao menos o vislumbre de possibilidades pelas quais se pode lutar.

No plano técnico, de um modo geral, a Assistência Social como política pública deve ser implantada por meio do trabalho profissional, qualificado e remunerado, de assistentes sociais, psicólogos, professores, educadores sociais e demais técnicos, efetivados em programas, projetos e serviços institucionalizados, públicos e privados. Segundo nossas observações em campo, tais profissionais podem muitas vezes ser caracterizados por um nível de qualificação entre sofrível e básico (graduação) e costumam ser pouco organizados no cenário municipal. Padecem da ausência de reconhecimento e de valorização social e recebem baixos salários. A Assistência Social configura-se ainda como campo de atuação para estagiários e para o trabalho voluntário; este, quando realizado sem consciência política, também colabora para produzir a “desprofissionalização” da Assistência Social, porém mesmo assim ainda contribui para suprir a lacuna do Estado quanto aos direitos dos cidadãos.

Nesse paradigma a técnica pode ser denominada de “socioeducativa”, instrumentalizando recursos pedagógicos e educacionais de modo a produzir efeitos psicológicos, morais e terapêuticos, visando a adequação social dos indivíduos, por meio de ações técnicas e despolitizadas. Os serviços socioeducativos, realizados nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), integram a Proteção Social Básica do SUAS: serviços territorializados, acessíveis à população do seu entorno; planejados e continuados, voltados para o fortalecimento de vínculos afetivos entre a família e o adolescente/jovem (Brasil, 2006b, 2006c). Os serviços e ações socioeducativas inserem-se como um campo de direitos a serem assegurados pela política pública de Assistência Social.

A concepção de Assistência Social como política de proteção social estabelece seguranças ou garantias que a política deve prover para combater inseguranças que o cidadão enfrenta ao longo dos seus ciclos de vida. Há também o nível de Proteção Especial de Média Complexidade, realizado no Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) (Brasil, 2006d). Já os serviços de Alta Complexidade são realizados em estabelecimentos de acolhimento institucional. A perspectiva pedagógica predominante na literatura disponível mostra-se renovada, centrada no indivíduo, voluntarista, psicologizante e pouco crítica.

Sua ideologia é, ao mesmo tempo, conservadora e desenvolvimentista, “modernizadora” e “progressista”. Assumindo a filosofia do desenvolvimentismo, propõe os conceitos de “participação”, de “organização”, de “esforço próprio” e de “desenvolvimento local”, visando promover o “desenvolvimento da comunidade”. Revela nítida intenção desmobilizadora, quando busca um “desenvolvimento integral”, “equilibrado” e “harmônico”. A participação organizada das camadas populares seria a condição para sua integração à sociedade, obtida por meio de sua “promoção social” no processo de desenvolvimento.

O discurso oficial afirma que pretende promover o atendimento dos direitos sociais individuais como dever do Estado e da sociedade, visando a erradicação da pobreza, mas notamos que ele continua sendo permeado por uma visão naturalizante dos problemas sociais e do fenômeno da pobreza. Não se nota qualquer ensaio de aprofundamento da análise crítica da produção histórica e social da miséria e da pobreza pelo Modo Capitalista de Produção.

Atualmente, na contramão do discurso relativo à defesa dos direitos sociais e à responsabilização do Estado, a agenda neoliberal promove justamente a desresponsabilização do Estado pelo “problema social” e propõe “parcerias” com o mercado (“segundo setor”) e com a sociedade civil (“terceiro setor”) (Fagnani, 2005; Montaño, 2001, 2007). Há transferência de responsabilidades e terceirização da implementação de políticas públicas de Assistência Social (e também de Saúde e de Educação, dentre outras) para as Organizações Não Governamentais, sem repasse de recursos orçamentários suficientes.

Nesse cenário, as empresas descobrem como lucrar com a Assistência Social ofertada aos membros da classe social expropriada, criando fundações que desenvolvem o marketing social empresarial e a ideologia da “responsabilidade social empresarial”, aprendendo a captar recursos financeiros da sociedade para investir em ações assistenciais e assim agregar “valor social” a sua marca (Fagnani, 2005; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada & Diretoria de Estudos Sociais, 2006; Muller, 2006).

Nesse paradigma, a “cultura organizacional” que permeia o discurso oficial pretende adotar um modelo gerencial baseado na flexibilidade, na desconcentração e na descentralização, para combater a rigidez da burocracia, visando reduzir custos, apostando na qualidade e na produtividade, enfatizando os resultados. Entretanto, predomina a autonomia do administrador com delegação de autoridade, responsável por fixar metas e objetivos. Ele pode utilizar estratégias de competição e de premiação para gerir os funcionários públicos, baseando-se no modelo empresarial. O trabalhador atuante nos serviços públicos não se concebe como um “cidadão de direitos”, nem entende que sua ação institucional poderia contribuir para a construção e o exercício dos direitos constitucionais para todos os sujeitos da instituição. Ainda persistem antigos vícios na administração pública: o patrimonialismo, no qual o aparelho do Estado funciona como extensão do poder do soberano e há uma ausência de distinção entre o patrimônio público (res pública) e o privado (res principis). O autoritarismo, o coronelismo, o paternalismo, o clientelismo e o favoritismo, o nepotismo e a corrupção tendem a acompanhar o modelo patrimonialista. Tudo isso pode disfarçar-se em um modelo de gestão burocrático centralizador e hierárquico.

No plano jurídico, a Assistência Social está formalmente garantida pela Constituição Federal (Brasil, 1988), pela LOAS (Brasil, 1993, 2011), pela PNAS (Brasil, 2004), pelo SUAS (Brasil, 2005). Ela tende a permanecer num plano retórico, e parece se tratar de um discurso arrojado com objetivos mais simbólicos do que práticos, pois não prevê orçamento público efetivo e suficiente para sua consecução. Os indícios mais claros levam a concluir que ela visa legitimar a hegemonia da ordem social vigente, mais do que promover sua transformação.

Sua ação é segmentada, focalizada e descentralizada, inclusive terceirizada, preconizando a implantação de políticas públicas de Assistência Social (SUAS), nos níveis federal, estadual e municipal, por meio do Ministério do Desenvolvimento Social, dos Conselhos Nacional, Estadual e Municipal de Assistência Social, da Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social, da Secretaria Municipal de Assistência Social e da rede socioassistencial pública e privada. Para isso se utiliza de entidades que funcionam em regime fechado e também de outras que atendem a crianças e a adolescentes em regime aberto; o funcionamento institucional propriamente dito é comumente piramidal, conforme vimos. No entanto, a atual política para a infância e adolescência segue uma lógica contrária à estratégia da internação institucional por tempo indeterminado (Brasil, 1990).

Os conselhos paritários (Brasil, 2006a, 2007a, 2007b), com participação da sociedade civil e do poder público, foram criados para realizar o controle social das políticas de Assistência Social, caracterizando-se como instâncias ultrademocráticas, que encontram desafios praticamente insuperáveis, no contexto político e social nacional que ainda é centralizador, autoritário, patrimonialista e corporativista (Behring & Boschetti, 2006). O sistema de gestão por conselhos é uma novidade da Constituição de 1988 e vai sendo implantado no Brasil, enfrentando muitas dificuldades, com relação à sociedade civil (que não é homogênea) e aos poderes constituídos (que oscilam entre o conservadorismo e o reacionarismo). O modelo de conselho traz uma outra concepção de como se exercita o poder, superando o verticalismo e propondo a representatividade do cidadão comum e a partilha democrática do poder (Gohn, 2001, 2004, 2005; Raichelis, 1998). Trata-se de uma lógica nova, resultante de concessão tática às reivindicações populares de amplas camadas da sociedade civil na década de 1980, através de seus grupos organizados politicamente, e que por isso pretende romper, e ao mesmo tempo superar, a tradicional relação clientelista e autoritária do governo com a sociedade civil.

A “rede socioassistencial” é constituída pelo conjunto das entidades assistenciais do município (incluindo as que atendem a crianças e a adolescentes considerados em “situação pessoal e social de risco”), mas o atendimento ainda não é realizado em rede, continua fragmentado e focalizado. As entidades assistenciais privadas continuam funcionando a partir da lógica clientelista e convenial, conservando-se nos paradigmas tradicionais e reacionários, trabalhando de modo isolado e resistindo a adotar a perspectiva da Assistência Social como política pública.

A partir de nossa pesquisa, podemos problematizar a situação dos profissionais que atuam nos estabelecimentos de Assistência Social: ainda não há uma definição clara da figura do trabalhador/educador social, sendo que muitos deles são provenientes do mesmo estrato social ao qual pertence a clientela dos estabelecimentos assistenciais (Silva, 2008).

Geralmente são professores de diversas áreas: educação física, pedagogia, filosofia, ciências sociais, psicólogos, assistentes sociais e estagiários desses mesmos cursos, dentre outros, que conseguiram cursar uma faculdade. É grande o processo de proletarização a que essas categorias profissionais vêm sendo submetidas. Ainda no que se refere aos trabalhadores da área social, verifica-se que entre aqueles que se ocupam com o campo dos problemas sociais também predomina a pobreza, a precariedade e a improvisação no campo profissional e salarial. Como, inclusive, se faz apologia à solidariedade individual, à responsabilidade social e ao trabalho voluntário, considera-se não justificável que esses profissionais sejam bem remunerados, uma vez que o trabalho socioeducativo assistencial (Costa, 2006) prescindiria de uma preparação profissional exigente e cara, mas dependeria, sobretudo, da generosidade e altruísmo individual, aspectos considerados como sendo dons naturais que, como tais, seria lícito e até um dever partilhá-los gratuitamente.

Os educadores sociais parecem estar vivendo, então, do problema social. Seu minguado salário provém da gestão “assistencial” das classes depauperadas em suas múltiplas facetas, das quais eles costumam provir, e das quais se destacaram um pouco por meio da escolarização e da passagem pela universidade, mas sem que isso produzisse uma efetiva ascensão social. Eles ainda orbitam a periferia da sociedade dos incluídos, habitando nas suas adjacências, situados numa entidade assistencial que constitui a intersecção incluídos/excluídos.

Há altruísmo e compromisso social entre os profissionais engajados em trabalhos assistenciais. Mas há também muitos profissionais que, apesar de terem suas origens nas classes populares, estão bastante imbuídos dos discursos, preconceitos, valores, sonhos, enfim, de toda a ideologia liberal burguesa da elite dominante. Eles não tendem a se identificar com os explorados/excluídos/usuários dos estabelecimentos nos quais trabalham. Ganham seu pão com o equacionamento institucional das diversas refrações do problema social, enquanto parecem buscar com sofreguidão sua própria ascensão social individual.

Certamente não se trata de denunciar ou culpabilizar individualmente os profissionais que apresentam essas atitudes. Temos consciência de que lidar com as mazelas da questão social já é por si mesmo altamente insalubre do ponto de vista psicossocial, e isso se alia com as condições precárias de salário e de trabalho, com a desvalorização profissional e com a frustração frequente diante da insolubilidade dos problemas sociais enfrentados, gerando estresse e podendo fomentar a desesperança. O idealismo pode ir ficando pelo caminho e um certo cinismo oportunista pode ir ganhando espaço no trabalho assistencial, pois os profissionais passam então a encarar seu trabalho apenas como um instrumento que lhes possibilita a sobrevivência pessoal e familiar, em meio ao peso da rotina e da mesmice. O prazer de criar e conviver, de ensinar e aprender, de educar e socializar, de conscientizar e de lutar por melhores condições de vida pode ir dando lugar a um “fazer de conta que trabalha” com os usuários, procurando manter a aparência de estar ocupado, para justificar seu salário. Mas esse “trabalho” pode ser frouxo, improvisado, sem planejamento, carente de fundamentação teórica, sem metas claras a serem atingidas, terminando em avaliações superficiais e inócuas com relação ao seu aprimoramento e finalidades éticas.

Aparentemente qualquer um pode ser trabalhador/educador social. Os que mais costumam questionar esse aspecto são os assistentes sociais, categoria profissional historicamente encarregada dos problemas sociais em geral. Os voluntários, os estagiários e outros profissionais da área de humanidades encontram espaço de ocupação e empregabilidade no campo da Assistência Social e nas entidades assistenciais. Esse fenômeno também produz efeitos nos processos de profissionalização, pois tende a esvaziar as lutas pela valorização do trabalho profissional nesse campo. É assim que a flexibilização das relações de trabalho, as demandas do mercado, o encolhimento do Estado neoliberal e o corte com gastos na área social, assim como o desemprego estrutural e as possibilidades de empregabilidade precárias, motes do mundo globalizado e da economia internacionalizada, rebatem no trabalho cotidiano de entidades assistenciais.

Podemos observar como a lógica da empregabilidade está substituindo a lógica do pleno emprego, um dos direitos sociais promotores de ascensão social e inclusão social. O acesso ao trabalho fica reduzido a sua dimensão individualista: cada um é responsabilizado pessoalmente por qualificar-se para estar à altura das exigências do mercado. Nesse processo social complexo, verificamos que há um máximo de homogeneização coletiva e, ao mesmo tempo, uma exacerbação do narcisismo individualista.

Nesse paradigma, a “rede social” (Schlithler, 2004; Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, 2005, 2008; Silva, 2000) parece funcionar mais como um instrumento de captura, de gestão e de controle dos pobres e desviantes sociais ou como uma mera estratégia pragmática e operacional para intensificar de modo capilar o cerco aos “indivíduos em situação pessoal e social de risco”, fazendo-os circular pelas várias agências sociais de Assistência, de Saúde e de Educação – Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), entidades socioeducativas, Unidade Básica de Saúde (UBS), Conselho Tutelar (CT), escola, etc. Tal como se a vê funcionando nesse paradigma, a lógica da “rede” limitar-se-ia a uma questão técnica, burocrática, pragmática e operacional, assepsiada de qualquer traço de força política transformadora. Propõe uma instrumentalização técnica e burocrática de instituições, de entidades, de programas e de serviços, fechada num circuito local que seria “a comunidade local”, a “cidade” ou o “território municipal”, inclusive visando a “economia racional” de gastos públicos. Pretende utilizar e se fundamentar em teorias psicológicas e pedagógicas tradicionais sobre a infância, a adolescência e a juventude.

Quando lemos as propostas oficiais que organizam o campo da Assistência Social na atualidade (Brasil, 1993, 2004, 2005, 2007a, 2007b), as Orientações Técnicas para o CRAS (Brasil, 2006a, 2009), as orientações para o acompanhamento das famílias beneficiárias do PBF no âmbito do SUAS (Brasil, 2006b), sobretudo as Orientações Técnicas para o CREAS (Brasil, 2006c) que trazem uma série de “dinâmicas de grupo” para serem utilizadas com as famílias, podemos notar como sua perspectiva das relações sociais é psicologizante9 9 Tais dinâmicas visariam auxiliar o grupo, como conjunto de indivíduos, a interagir e a se descontrair; a expressar solidariedade; a despertar a empatia; a ampliar o conhecimento de si e também interpessoal; a construir sonhos, amizade e respeito à individualidade; a desinibição, sensibilização e autoestima; melhorar a comunicação, expressar a criatividade; aprimorar a expressão verbal, gestual e espacial; despertar o indivíduo para automotivação; relacionar-se de maneira afetiva, confiante e social. , escamoteando sua dimensão política.

Nesse paradigma, crianças e adolescentes constituem os “clientes” e ainda são os necessitados, os pobres, os carentes, os “assistidos”, os “beneficiários”, os indivíduos considerados em “situação pessoal e social de risco” (Diniz & Lobo, 1998; El-Khatib, 2001; Hunning & Guareschi, 2002; Romam, 2000) ou em “situação de vulnerabilidade social”. Eles se tornaram o “público-alvo” (jargão do campo da administração e do marketing, áreas que estão colonizando a Assistência Social, e que a reduzem a uma técnica de gestão) das ações de Assistência Social. Na prática institucional, ainda são objetos de proteção, tutela e controle, práticas próprias do paradigma filantrópico, embora o discurso oficial os nomeie como sendo “sujeitos de direitos”.

Seus efeitos assistenciais e éticos apontam para a manutenção da ordem por meio da integração tuteladora e da inclusão consentida, esvaziando a capacidade de organização, de luta e reivindicação dos movimentos sociais populares, ao assumir e encampar alguns de seus temas como parte dos programas de governo, mas sem promover mais do que atividades focalizadas de impacto simbólico e publicitário, com objetivos eleitoreiros.

Por um lado não há dúvida de que a realidade social na qual o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é implantado, como política de Estado, é bem diferente da realidade social na qual o Sistema Único de Saúde (SUS) é implantado com ares muito mais definidos de Política Pública do que de Política de Estado. Por outro lado, não restam dúvidas de que ambos têm função social importante em conjunturas de avanço das “reivindicações” populares e das “respostas” a elas, pelos grupos estabelecidos no poder. Esses avanços e recuos podem ser melhor compreendidos com base no conceito gramsciano de Processo de Estratégia de Hegemonia10 10 “O Processo de Estratégia de Hegemonia (PEH) é um conceito de Gramsci que nos permite analisar, em termos molares, certas linhas de composição das formações sociais: pulsações que as organizam e que nelas se atualizam (Gruppi, 1978). No caso das instituições de Saúde Mental, o PEH permite analisar e compreender o jogo de forças que nelas se mostra, contrapondo os aspectos do Paradigma Psiquiátrico Hospitalocêntrico Medicalizador (PPHM) aos do Paradigma Psicossocial (PPS), quanto a saberes, práticas, aspectos jurídicos, ideológicos, culturais e éticos (Amarante, 1995; Costa-Rosa, 2000). O PEH compreende um conjunto de práticas, relacionadas à estratégia e tática, destinadas a manter a Formação Social, seja uma instituição ou a sociedade como um todo, em equilíbrio dinâmico; dado tratar-se de realidades segmentares e contraditórias quanto aos interesses e visões de mundo que aí necessariamente se atualizam. Essa segmentaridade tende à polarização. Daí podermos falar em PEH como esforço de manter em equilíbrio dinâmico interesses dominantes e subordinados. Do lado dominante vemos um conjunto de práticas de efeitos repressivos e ideológicos, além de um conjunto de concessões táticas seguidas de sua recuperação (Guattari, 1981). Do lado subordinado há também um conjunto de práticas que, devido à dominância ideológica e material do polo socialmente dominante, são concordes com os interesses desse polo, e os reproduzem. Mas há também um conjunto de reivindicações, às vezes ativas, outras vezes mesmo passivas e aparentemente inadvertidas (como “entrar em crise”, por ex.); além de um conjunto de práticas alternativas que às vezes chegam a aspirar à elaboração de uma hegemonia alternativa à dominante; ou seja, podem consolidar-se as aspirações de tornar hegemônicos os interesses socialmente subordinados, naquele contexto. O caso das instituições de Saúde Mental, neste momento histórico, é bastante ilustrativo desse processo, pois aí se veem os efeitos de uma verdadeira luta pela hegemonia das visões teóricas, técnicas, ideológicas, culturais e éticas. Em outro contexto sustentamos a hipótese de que essas transformações se expressam, já, em uma práxis na qual podemos visualizar uma transição paradigmática, do PPHM para o PPS. Esse processo, na prática cotidiana, tem gerado o ideário das experiências e as práticas da Reforma Psiquiátrica, em torno dos Centros e Núcleos de Atenção Psicossocial (CAPS e NAPS), como organizadoras e realizadoras das práticas integrais num determinado Território.” (Costa-Rosa, 2011, p. 46). (Gruppi, 1978) que tenta dar conta de como se realiza a gestão, por democracia, das divergências entre interesses e valores sociais contraditórios num determinado contexto e momento histórico. Neste caso é oportuno nos servirmos do conceito de paradigma com que temos trabalhado neste ensaio, a fim de indicar que se trata em âmbitos localizados, como o da Assistência Social e da Saúde, de luta paradigmática entre diferentes modos de saber, de fazer e de desejar (diferentes conjuntos de saberes e práticas, articulados por diferentes discursos).

O SUAS é a resultante “curiosa” do poder de “clamor público” e político a que chegou a amplitude do estado de pobreza miserável, cronicamente construído, de um imenso contingente de trabalhadores excluídos dos processos de produção e consumo; em conjunção com a possibilidade de escolha, por eleição direta de uma facção dos detentores do poder, que se utilizaram, em boa hora, de um candidato de raízes populares e de discurso ideológico afeito a transformações sociais apenas cosméticas. Mesmo como política de Estado, o SUAS se utilizou da brecha aberta pelo SUS, uma política pública, servindo-se inclusive de parte de seu ideário para a construção do Discurso Oficial da Assistência Social, e dos conselhos populares como instrumentos de “planejamento, gestão e controle” dos aparatos institucionais e das diretrizes para a sua ação concreta. Essas circunstâncias e seus motivos candentes (serem um efeito estrutural do aumento das desigualdades sociais predatórias no neoliberalismo globalizado) nos autorizam a hipótese de que a práxis da Assistência Social pode ser uma oportunidade, isto é, uma brecha aberta nas práticas do Processo de Estratégia de Hegemonia, capaz de permitir a organização e a implementação de Estratégias capazes de fomentar preciosos avanços micropolíticos dos interesses socialmente subordinados que nelas se atualizam neste momento. Isso evidentemente nunca poderia ocorrer espontaneamente, muito menos por imposição programática ou doutrinação ideológica de seus participantes, trabalhadores e sujeitos da Assistência. De nossa parte não pretendemos mais do que está ao nosso alcance, ou seja, uma modesta contribuição especificamente para os sujeitos trabalhadores caso queiram tomá-la em consideração, se for sua a aspiração de sustentar uma identificação ética com os interesses sociais dos sujeitos da Assistência Social.

É dentro dessa perspectiva ética que proporemos a seguir, como modelo heurístico, a análise e discussão do Paradigma do Sujeito Cidadão, que encontramos em ação numa vertente da Educação Popular (Freire, 1967, 1987) e nas práticas do Sistema Único de Saúde, oriundas da Reforma Sanitária (Fleury & Ouverney, 2008). Outro argumento fundamental deriva do próprio método dialético de análise que estamos empreendendo. Ele nos obriga à hipótese de trabalho que considera não haver dimensão instituída sem que haja necessariamente outra correspondente que é instituinte, ainda que esta esteja aparentemente invisível sob a bruma das práticas, saberes e discursos instituídos. Se, a partir da dialética, se definir qualquer instituição como o efeito do conjunto de pulsações instituintes da Demanda Social11 11 “Utilizamos aqui os conceitos de Demanda Social e encomenda social de acordo com sua aplicação no campo da Análise Institucional (Lourau, 1995). A Demanda é hiância em sentido amplo; conjunto das pulsações produzido pelo antagonismo das forças em jogo no espaço socioeconômico e cultural. A encomenda é uma espécie de contraface da Demanda, ou seja, o modo como esta aparece empiricamente nos pedidos. A Demanda só pode traduzir-se em encomendas através da sua mediação imaginária e ideológica. Ou seja, a tradução das pulsações da Demanda Social em pedidos depende dos modos de representação do que seja aquilo que “falta” e aquilo que se necessita e deseja; da representação das ofertas à disposição no campo, capazes de “responder”; bem como depende do reconhecimento dessas ofertas à disposição no espaço sociocultural do Território, por parte de quem as solicita. Sabe-se, de longa data, que o campo das ofertas de Atenção ao sofrimento psíquico está dividido entre os saberes místicos e populares, e o saber científico. Influenciando, desse modo, o conjunto dos pedidos de ajuda e de intercessão endereçados às instituições de Saúde.” (Costa-Rosa, 2011, p. 47). , organizadas em dispositivo através da mediação ideológica e imaginária, parece suficientemente autorizada a hipótese que pretende uma “visibilidade” além daquilo que tende a perseverar como discurso ideológico, e que, nesse caso, também só aparecerá nas práticas como exceção ao comum (Costa-Rosa, 1987).

O paradigma do sujeito cidadão: uma possível alternativa dialética aos paradigmas anteriores

Visando enunciar possibilidades de superação dialética dos limites dos paradigmas anteriores, formulamos uma configuração paradigmática como vislumbre da proposição de uma outra ética para a Assistência Social. Nossas referências são, conforme já assinalado, a Educação Popular de Paulo Freire e a luta paradigmática no campo da Saúde que deu origem à conquista da participação popular no planejamento, na gestão e controle dos projetos e das instituições, opondo-se ao modo de heterogestão, que ainda domina o setor.

Notamos no discurso oficial da Assistência Social como Política de Estado a ausência de uma perspectiva política crítica, dialética e transformadora. O ideário político da década de 1980 incluía o tema da participação política, da organização popular, dos movimentos sociais, das lutas coletivas por direitos humanos, por melhores condições de trabalho, de salário, de saúde, de educação, de moradia, de possibilidades de futuro e de vida (Boff, 1984; Bordenave, 1987; Carneiro, 1985; Dallari, 1984; Demo, 2001, 2002, 2003, 2004; Pereira, 1988, 2001; Sampaio, 1982; Souza, 1989). Porém, com a abertura democrática, os governos passaram a encampar algumas bandeiras de reivindicação dos movimentos sociais e isso promoveu o seu esvaziamento. O novo cenário institucional político promoveu a inclusão e a canalização de boa parte das aspirações populares para os conselhos municipais, canais institucionais oficiais, facilmente manipuláveis pelos governantes, frente à ausência de tradição e experiência de participação política institucionalizada dos membros da sociedade civil. Em outros termos, isso significa que os interesses e valores sociais que detêm o controle hegemônico da sociedade retomam a hegemonia absoluta, deixando aos movimentos sociais um espaço ainda mais limitado.

Num contexto de avanço cada vez maior da política neoliberal, retirada do Estado da posição de mediador social e de prestador de serviços essenciais à população, os anos 90 do século 20 se caracterizam por transformações na ação dos movimentos sociais e pela emergência das Organizações Não Governamentais (ONGs), que buscavam parcerias e financiamento junto às autoridades políticas (Gohn, 2005). As passeatas, as manifestações públicas, as ações coletivas de reivindicação, de luta social, de organização popular e comunitária aparentemente desapareceram por ficarem “obsoletas” e “ultrapassadas”, já que o poder público se propunha a governar “para o povo e com o povo”, implementando diversas políticas públicas, serviços e programas de interesse da população. Como era de se esperar, esse modo do processo democrático e democratizante se revela bastante formal e vem acompanhado de forte despolitização da vida social e de um “saneamento” dos impasses dessa parte da população. Estes são traduzidos e reduzidos a problemas de planejamento e gerenciamento técnico, e solucionados com políticas baseadas no suprimento. Nesse contexto o Projeto da Assistência Social, como política de Estado, vem marcado por forte teor pedagógico e psicologizante e por estratégias de controle social sobre as camadas populares que são seu alvo de ação; embora, como já vimos, as circunstâncias de sua criação e sua inspiração na estratégia de luta do Movimento Sanitário tenham aberto uma brecha para um ideário dialeticamente alternativo.

Onde podemos encontrar outras possibilidades de pensar a construção de uma práxis com potência de luta democrática popular, baseada em proposições de cidadania integral para todos? Como hipótese, o Paradigma da Educação Popular parece-nos uma alternativa crítica e dialética aos paradigmas anteriores, por se pautar diretamente nos interesses dos grupos populares com os quais atua.

Quanto ao saber, a perspectiva da Educação Popular baseia-se na metodologia dialética marxista, e na participação radical do sujeito educando como protagonista central da produção do processo de ensino-aprendizagem. Não é uma educação fria e imposta, pois baseia-se no saber da comunidade e incentiva o diálogo como meio de aprendizagem. Não é “educação informal”, porque visa à formação de sujeitos com conhecimento e com consciência cidadã, e à organização do trabalho político para afirmação do sujeito. É uma estratégia de construção da participação popular redirecionada para a vida social. A principal característica da Educação Popular é utilizar o saber da comunidade como matéria-prima para o ensino. Aprender a partir do conhecimento do sujeito e ensinar a partir de palavras e temas geradores vindos do cotidiano dele. Neste paradigma a Educação é vista como ato de transformação do sujeito, através do conhecimento, e de transformação social, tendo um cunho político explícito. O resultado desse modo de educar é observado quando o sujeito pode situar-se de modo crítico no contexto social que habita (Brandão, 1986a, 1986b; Freire, 1967, 1987; Graciani, 2005; Hurtado, 1992).

Neto (2002) afirma que para se tratar da Educação Popular é preciso definir o termo “popular”. A concepção mais comum que se observa, inclusive nos dicionários, é de “popular” como sendo algo do povo, para o povo, que atende às necessidades do povo. Paulo Freire concebe o termo “popular” como sinônimo de oprimido, aquele que vive sem as condições elementares para o exercício de sua cidadania e que está fora da posse e do uso dos bens materiais produzidos socialmente. Assim, podemos definir a Educação Popular como uma práxis, prática e teoria de conhecimento referenciada na realidade, com metodologias incentivadoras à participação e ao empoderamento das pessoas, permeada por uma base política estimuladora de transformações sociais e orientada por anseios humanos de liberdade, de justiça, de igualdade e de felicidade.

Para pensar em Educação Popular, é necessário ainda, portanto, repensar a Educação como práxis social complexa. A educação, considerada no panorama social, é a condição da permanente recriação da própria cultura, sendo, por isso, ao mesmo tempo a possibilidade da dominação da cultura, entre outros fatores. No panorama individual, a educação é a condição fundamental de criação do indivíduo, dado que o saber é um fator necessário da relação das trocas entre pessoas. Ainda segundo Brandão (1986a), aprender é formar-se pessoa a partir do organismo, realizando a passagem da natureza à cultura. Para ele, houve primeiro um saber construído coletivamente que depois se cristalizou, formalizou-se e se tornou sábio e erudito, matéria para especialistas em Saber. O saber erudito tende a se opor ao saber popular, erigindo-se como a forma própria dos especialistas da educação. Assim, o saber popular passou a ser considerado como um conhecimento difuso, próprio das classes subalternas:

Um saber da comunidade torna-se o saber das frações (classes, grupos, povos, tribos) subalternas da sociedade desigual. Em um primeiro longínquo sentido, as formas – imersas ou não em outras práticas sociais, através das quais o saber das classes populares ou das comunidades sem classes é transferido entre grupos ou pessoas, são a sua educação popular. (Brandão, 1986a, p. 26)

A grande separação entre o conhecimento erudito e o popular é componente da grande divisão social do trabalho, entre fazer e pensar, que leva à marginalização dos oprimidos, das classes subalternas da sociedade desigual. É para construir elementos e condições que se proponham a metabolizar de modo dialeticamente alternativo essa contradição fundamental que surge a Educação Popular. O processo ensino-aprendizagem é visto como ato de conhecimento e transformação social, sendo pautado na perspectiva política. É diferente da Educação Tradicional por não ser uma educação imposta, já que se baseia no saber da comunidade e incentiva o diálogo; e é diferente de uma Educação Informal porque possui uma relação horizontal entre educador e educando fundada no princípio da autogestão dos coletivos. É interessante considerar que ela surge no Brasil como práxis dentro do mesmo contexto socioeconômico e político institucional efervescente que dá origem à propostas e às práticas da Reforma Sanitária no campo da Saúde; ambas aspiram à construção de uma estratégia de hegemonia dos sujeitos cujos valores e interesses sociais estavam historicamente subordinados, a partir do setor social em que se situam, naturalmente em conexão com a realidade sócio-histórica mais ampla, conforme a boa dialética.

A educação popular é um processo de formação e capacitação que se dá dentro de uma perspectiva política de classe e que toma parte ou se vincula à ação organizada do povo, das massas, para alcançar o objetivo de construir uma sociedade nova, de acordo com seus interesses. (Hurtado, 1992, p. 44)

As observações precedentes permitam conjecturar que, a partir de uma perspectiva institucionalista, e com base na autoanálise e na autogestão, por meio de um trabalho intenso de autoformação, a entidade assistencial seria construída horizontal e coletivamente por profissionais, usuários e seus familiares, todos atuando como membros formuladores e participantes de suas atividades. A prevalecer como dominante a fração de interesses e valores que caracterizam o Paradigma do Sujeito Cidadão, o funcionamento da entidade estaria plenamente alinhado com os interesses do polo socialmente subordinado, necessariamente pautado pela participação e gestão coletiva do estabelecimento. Os trabalhadores estariam no encalço de se tornarem profissionalizados e politizados, situando-se claramente ao lado dos usuários, na luta e na promoção dos seus direitos, a partir do reconhecimento de que a luta dos sujeitos, ditos usuários, da instituição é sua própria luta. Certamente esta última aquisição não exige poucos remanejamentos subjetivos e ético-políticos, todavia esse é o sentido instituinte que se pode atribuir neste contexto ao termo solidariedade.

A diretoria seria constituída por pessoas engajadas no trabalho de Assistência Social, representantes do poder público, dos trabalhadores e dos sujeitos em processo de Assistência realizado pela entidade. A Assistência Social deveria ser planejada de modo crítico, como práxis ético-política, e também como política pública de dever do Estado e como direito do cidadão (Brasil, 2004, 2005).

Adotando o modelo democrático baseado na prática democrática participativa, a ação institucional visaria à construção de direitos sociais do sujeito-usuário cidadão; haveria implicação ética com os efeitos da ação. O administrador seria investido de autoridade delegada, a qualquer momento reavaliada e passível de transferência a um substituto. O planejamento das políticas públicas deveria ser realizado, conforme as próprias indicações e determinações da Constituição Federal (Brasil, 1988), por meio da participação da sociedade civil em instâncias de controle social (conselhos, audiências públicas, conferências, etc.). Sua caracterização passaria necessariamente pela descentralização, participação e organização popular dos segmentos sociais incluídos, levando em conta a conscientização e participação política da sociedade, aproveitando-se do modo de funcionamento das redes sociais.

No plano técnico desse paradigma, a entidade privilegiará as práticas grupais12 12 A prática grupal aqui deveria levar em consideração as possibilidades do grupo como “coletivo de trabalho” (Bion, 1975; Lapassade, 1977). Podemos falar em grupo sujeito e grupo sujeitado (Guattari, 1981; Costa-Rosa, 1987) como conceitos úteis para explicar certas modalidades de performances dos grupos, particularmente quando se trata de um projeto institucional no qual estejam envolvidos. Não se trata de categorias absolutas, mas sim de dois polos de referência entre os quais podemos observar quaisquer grupos oscilando. O grupo sujeitado é dependente, submetido, hierarquizado, tutelado, não tem consciência de sua própria tarefa e está alienado sob as ordens da autoridade. O grupo sujeito tem o controle de sua conduta, elabora os meios de elucidação do seu objeto ou tarefa; é ouvido e ouvinte, a palavra circula livremente e há implicação subjetiva, é desapegado das estruturas, o que lhe permite a ampliação e a transformação delas. , os processos de grupalização e de assunção coletiva da tarefa institucional, a problematização e a análise das causas estruturais e conjunturais produtoras dos “problemas sociais”; suas práticas administrativas, pedagógicas (socioeducativas), socioassistenciais e políticas tenderão a ser democráticas, dialógicas, participativas, descentralizadas, multiprofissionais, transdisciplinares e eticamente situadas.

Nossa hipótese é que o socioeducativo poderia ser fundamentado numa perspectiva dialética e também da Analise Institucional (Lourau, 1975). A expressão “socioeducativo”, de acordo com nossas investigações, estaria reduzida, no contexto do paradigma anterior, a uma instrumentalização de recursos pedagógicos e educacionais de modo a produzir efeitos psicológicos, morais e terapêuticos, visando à adequação social. Entretanto, esse termo tomado como conceito, não poderia incluir a dimensão política da vida social em constante transformação? A partir da concepção dialética da práxis, parece perfeitamente legítimo propor uma interpretação do “socioeducativo” como um conceito capaz de expressar um sentido mais condizente com os interesses dos atores sociais do polo subordinado, incluindo a perspectiva política e politizante da vida social.

Os temas e conteúdos típicos da ação das entidades assistenciais socioeducativas teriam de ser levantados pelos próprios sujeitos em seu cotidiano, o que poderia dar-lhes um enfoque político classista especificamente popular. Sublinhamos novamente que só a ética orienta a ação, modificando seu sentido. A Educação Popular atua com coletivos adultos, nos quais as crianças estão certamente incluídas, e não há nenhuma objeção a se transladar essa importante perspectiva teórico-técnica e ética para o trabalho específico com crianças e adolescentes, pertencentes às camadas populares, excluídos ou à beira da exclusão do Laço Social comum, por razões diversas, contudo não aleatórias. Para tanto, poderiam ser inspiradoras as propostas de uma educação dialética, tal como propõem Cotrim (1993, pp. 37-78), Saviani (2009, pp. 59-68) e Libâneo (1994, pp. 53-74), sendo necessário formular perspectivas pedagógicas para a socioeducação de crianças e adolescentes na entidade assistencial, partindo fundamentalmente de seu devir sujeitos de direitos.

Nessa direção, Hurtado (1992, pp. 89-120) propõe abordar de modo criativo, crítico e conscientizador qualquer temática tradicional. Ele apresenta possibilidades de se fazer uma utilização e uma recuperação crítica dos elementos do sistema hegemônico (calendário escolar tradicional, por exemplo, mas também dos “momentos” culturais, tais como dias das mães, Páscoa, etc.), desenvolvendo a conscientização e uma educação crítica, por meio de instrumentos da Educação Popular. Para tanto, o educador precisa estar colocado no lugar da identificação solidária a que nos referimos acima, com os interesses das crianças e dos adolescentes à margem do Laço Social, e desenvolver habilidades capazes de produzir o exercício efetivo das possibilidades de transformação, a partir da práxis cotidiana desses sujeitos.

Seu ideário deveria abrir-se à dimensão radical e revolucionária, capaz de expressar um vislumbre do devir de uma prática social e política capaz de promover, de forma crescente, as diferenças e os diferentes, visando à emancipação desses grupos populares (Santos, 2000, 2002).

Na dimensão jurídica, considerando o paradigma do Sujeito Social, a Assistência Social adotaria como ponto de partida a legislação atual sobre os direitos humanos, sobre as políticas públicas sociais em todos os campos, denunciando seus limites e armadilhas, bem como as manobras políticas que impedem sua implementação; reivindicando seu cumprimento efetivo (Rizzini, Barker, & Cassaniga, 1999). Notemos aqui algo absolutamente importante: bastaria adotar os enunciados discursivos, de teor revolucionário, que já são o efeito das lutas populares ou de “concessões táticas” a suas reivindicações, que não deixam de estar presentes na proposta oficial atual, como já vimos.

Sua ação seguiria a metodologia dialética, num processo de “ação-reflexão-ação”, “prática-teoria-prática”, tal como realizada pelos grupos e movimentos populares, conduzindo à apropriação consciente de sua práxis, transformando-a permanentemente para a conquista de outra inserção na sociedade. Sua perspectiva pedagógica seria dialética e crítica, e a relação pedagógica aconteceria entre sujeitos que ensinam e aprendem coletivamente, superando a relação sujeito-objeto da pedagogia bancária comum. Desse modo, a relação do educador social com crianças e adolescentes seria uma relação socioeducativa que compreenderia as dimensões políticas da relação subordinação-emancipação, os aspectos educacionais e pedagógicos críticos e planos psicológicos e terapêuticos produtores de subjetividade singularizada13 13 É importante observar que o tema da “subjetividade” é tratado por diferentes autores, sob vários pontos de vista. Podemos indicar os trabalhos de Foucault (1982, 1984, 1985), de Deleuze e Guattari (2009) e Lacan (1979, 1998), que apresentam aspectos específicos e singulares, divergentes e irredutíveis entre si, mas também com alguns possíveis pontos de contato, evitando ecletismos ligeiros. Interessa-nos particularmente o “processo de subjetivação” e de “constituição do sujeito”, bem como os operadores propostos pela Psicanálise de Freud e Lacan para entender o processo de constituição subjetiva, que é sempre histórico, social, inconsciente e estrutural. . O planejamento seria teoricamente fundamentado, executado com profissionalismo ético, as avaliações seriam sistemáticas e deveriam visar à transformação e ao aprimoramento da Atenção Socioeducativa.

As ações assistenciais nesse paradigma – sem nunca perder de vista que o Modo Capitalista de Produção neoliberal não é uma sociedade direitos, no que pese sua ênfase ideológica no discurso dos direitos humanos e sociais – poderiam pautar-se pelas seguintes características: fundamentam-se na lógica dos direitos humanos, dos direitos políticos, dos direitos sociais e dos direitos dos segmentos sociais específicos, superando a noção do favor; visam ao reforço da cidadania participativa; vão além da ajuda material e imediata; incluem atividades de orientação e de assessoria; promovem o sentido de reflexão, o aguçamento do espírito crítico e/ou tomada de decisões na população; também podem realizar as ações emergenciais necessárias, mas o fazem juntamente com uma análise pertinente das distorções promovidas pelo funcionamento da estrutura social, geradora do empobrecimento das classes populares; procuram desenvolver a articulação em rede entre todas as políticas sociais; buscam a causa dos problemas sociais de modo radical, situando-os no contexto social mais amplo, englobando as dimensões políticas, econômicas, culturais, jurídicas e sociais; buscam auxiliar as pessoas a exercerem a sua cidadania de modo integral (Costa, 2008; Lara, 2003).

Num tal contexto, a “rede social”, considerada referência para as práticas de Assistência Social, haverá de supor uma prática democrática radical, instituinte, disruptiva, criativa e inventiva, baseada na autogestão e na autoanálise da entidade como coletivo. Essa rede se opõe à fragmentação e à focalização na administração do “problema social”, versão contemporânea do “campo das ilegalidades” descrito por Foucault (1999, pp. 226-234).

Ampliando os horizontes da análise, deve-se vislumbrar que há uma noção na qual a “rede” conecta tudo e todos numa teia em permanente ampliação e extensão, em fluxos abertos e em vetores multidirecionais para todos os lados, em todos os sentidos, em múltiplos planos, em abertura incomensurável e imprevisível. Ela jamais se limita a qualquer plano intracomunitário, intramunicipal ou intraterritorial, mas interliga tudo a todos, num processo dialético elevado à máxima potência produtiva. A “rede” costura o impossível e o indizível, o improvável e o invisível, em sua abertura instituinte inovadora e criadora; plano que certamente se atualiza na práxis cotidiana de todas as entidades socioeducativas.

Crianças e adolescentes seriam considerados e tratados como cidadãos e efetivamente como sujeitos de direitos constitucionais (Brasil, 1988, 1990; Lemos, 2007; Saliba, 2006), em busca de emancipação e empoderamento social, por meio do desenvolvimento de uma consciência crítica, de uma participação política ativa e reivindicadora. Dar plausibilidade social ao discurso ideológico, em conjunturas circunscritas, pode ser uma boa tática de implemento de estratégias caras aos interesses socialmente subordinados, pelos sujeitos agentes nessas conjunturas.

Os efeitos assistenciais e éticos promovidos nesse paradigma deverão apontar para a transformação social, para o implemento da qualidade de vida e para a singularização subjetiva. Conquistar a cidadania implica um processo político de produção de subjetividade que necessariamente deve superar a mera inclusão normalizante do indivíduo no denominado espaço-cidadão. Deverá correspondente à dimensão ética, conforme esta pode ser entendida, a partir do paradigma do Sujeito Cidadão: a abertura ao devir de outras possibilidades societárias e subjetivas, a partir da inclusão do sujeito na construção da “obra” que lhe pertence. Certamente a sua própria posição de protagonista está em construção nesse processo de instituir. A problematização dos efeitos éticos da práxis socioeducativa, nos espaços restritos ou ampliados da práxis da Assistência Social, deverá ser a referência norteadora maior do processo de produção considerado em seus aspectos complexos.

Referências

Adorno, S. (Org.). (1991). A cruzada filantrópica: a assistência social institucionalizada em São Paulo, 1880-1920. São Paulo: Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.

Amarante, P. (Org.). (1995). Loucos pela vida: a trajetória da Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro: SDN/ENSP.

Assis, S. G. (Org.). (2009). Teoria e prática dos conselhos tutelares e conselhos dos direitos da criança e do adolescente. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz.

Bastos de Ávila, F. (1993). Pequena enciclopédia de doutrina social da Igreja. São Paulo: Paulinas.

Baremblitt, G. F. (1998). Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. Rio de Janeiro: Record.

Barus-Michel, J. (2004). O sujeito social. Belo Horizonte: Puc Minas.

Benelli, S. J. (2006). Paradigmas eclesiais e pedagógicos na formação sacerdotal institucional: uma investigação em Psicologia Social. Revista Eclesiástica Brasileira, 66(264), 807-841.

Benelli, S. J. (2007). A produção da subjetividade na formação contemporânea do clero católico. Tese de doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Behring, E. R., & Boschetti, I. (2006). Política social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez.

Bion, W. (1975). Experiências com grupos. São Paulo: Imago.

Boff, C. (1984). Como trabalhar com o povo. Petrópolis, RJ: Vozes.

Bordenave, J. E. D. (1987). O que é participação. São Paulo: Brasiliense.

Brandão, C. R. (1986a). Educação popular. São Paulo: Brasiliense.

Brandão, C. R. (1986b). Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense.

Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Recuperado em 5 de maio de 2009, de www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/constitui%C3%A7ao_compilado. htm

Brasil. Presidência da República. (1990). Estatuto da criança e do adolescente - ECA. Recuperado em 03 de janeiro de 2009, de http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L8069.htm

Brasil. (1993). Lei Orgânica da Assistência Social nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Recuperada em 05 de janeiro de 2009, de http://www.mds.gov.br/cnas/legislacao/leis

Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. (2004). Política Nacional de Assistência Social PNAS/2004. Brasília, DF: Autor.

Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. (2005). Norma Operacional Básica NOB/SUAS. Brasília, DF: Autor.

Brasil. Conselho Nacional de Assistência Social. (2006a). Resolução n°. 237 de 14/12/2006: Diretrizes para a estruturação, reformulação e funcionamento dos Conselhos de Assistência Social. Brasília, DF: Autor.

Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. (2006b). Orientações Técnicas para o Centro de Referência da Assistência Social – CRAS. Brasília, DF: Autor.

Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. (2006c). Orientações Técnicas para o Programa Bolsa Família – PBF. Brasília, DF: Autor.

Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. (2006d). Orientações Técnicas para o Centro de Referência Especializado em Assistência Social. Brasília, DF: Autor.

Brasil. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Programa Pró-Conselho. (2007a). Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e Conselho Tutelar: orientações para criação e funcionamento. Brasília, DF: Autor.

Brasil. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. (2007b). Parâmetros para criação e funcionamento dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Autor.

Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. (2009). Orientações Técnicas para o Centro de Referência da Assistência Social – CRAS. Brasília, DF: Autor.

Brasil. (2011). Lei Orgânica da Assistência Social nº 12.435/11. Recuperado em julho de 2011, de http://www.mds.gov.br/cnas/legislacao/leis

Cabas, A. G. (2009). O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan: da questão do sujeito ao sujeito em questão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Caldana, A. C. F., & Figueiredo, M. A. (2008). O voluntariado em questão: a subjetividade permitida. Psicologia: Ciência e Profissão, 28(3), 466-479.

Carneiro, M. A. (1985). Educação comunitária: faces e formas. Petrópolis, RJ: Vozes.

Carvalho, M. C. B. (2005). Avaliação: construindo parâmetros das ações socioeducativas. São Paulo: Cenpec.

Carvalho, M. C. B. (2008). Avaliação de percurso: fortalecer organizações sociais e induzir políticas de educação integral. São Paulo: CENPEC.

Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária. (2007a). Parâmetros socioeducativos: proteção social para crianças, adolescentes e jovens: Igualdade como direito, diferença como riqueza - Caderno 1. São Paulo: SMADS-CENPEC-Fundação Itaú Social.

Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária. (2007b). Parâmetros socioeducativos: proteção social para crianças, adolescentes e jovens: Igualdade como direito, diferença como riqueza - Caderno 2: Conceitos e políticas. São Paulo: SMADS-CENPEC-Fundação Itaú Social.

Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária. (2007c). Parâmetros socioeducativos: proteção social para crianças, adolescentes e jovens: Igualdade como direito, diferença como riqueza - Caderno 3: o trabalho socioeducativo com crianças e adolescentes – 6 a 15 anos. São Paulo: SMADS-CENPEC-Fundação Itaú Social.

Chauí, M. (2000). Brasil. Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo.

Congregação para o Clero. (2003). O presbítero: pastor e guia da comunidade paroquial. São Paulo: Paulinas.

Costa, A. C. G. (2006). Parâmetros para formação do socioeducador: uma proposta inicial para reflexão e debate. Brasília, DF: Secretaria Especial dos Direitos Humanos.

Costa-Rosa, A. (1987). Saúde mental comunitária: análise dialética de um movimento alternativo. Dissertação de mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Costa-Rosa, A. (2000). O modo psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao Modo asilar. In P. D. C. Amarante (Org.), Ensaios de loucura e civilização: 1 (pp. 141-168). Rio de Janeiro: Fiocruz.

Costa-Rosa, A. (2006). A instituição de saúde mental como dispositivo de produção de subjetividade. Assis, SP: UNESP. (Trabalho não publicado).

Costa-Rosa, A. (2011). Operadores fundamentais da atenção psicossocial: contribuição a uma clínica crítica dos processos de subjetivação na saúde coletiva. Tese de livre-docência, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista, Assis, São Paulo.

Cotrim, G. (1993). Educação para uma escola democrática. História e filosofia da educação. São Paulo: Saraiva.

Dallari, D. A. (1984). O que é participação política. São Paulo: Brasiliense.

Damatta, R. (1991). O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco.

Damatta, R. (1997). Carnavais, malandros e heróis. Para uma sociologia do dilema brasileiro. São Paulo: Rocco.

Deleuze, G., & Guattari, F. (2009). Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 24.

Demo, P. (2001). Participação é conquista: noções de política social participativa. São Paulo: Cortez.

Demo, P. (2002). Educação pelo avesso: assistência como direito e como problema. São Paulo: Cortez.

Demo, P. (2003). Pobreza da pobreza. Petrópolis, RJ: Vozes.

Demo, P. (2004). Pesquisa participante: saber pensar e intervir juntos. Brasília, DF: Liber Livros.

Diniz, A., & Lobo, A. P. (Orgs.). (1998). A criança e o adolescente em situação de risco em debate. Rio de Janeiro: Litteris-KroArt.

Donzelot, J. (2001). A polícia das famílias. Rio de Janeiro: Graal.

El-Khatib, U. (2001). Crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social: que problema é esse? Tese de doutorado, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Escorsim, S. M. (2008). A filantropia no Brasil: entre a caridade e a política de assistência social. Espaço Acadêmico, 8(86), 86-96.

Fagnani, E. (2005). Política social no Brasil (1964-2002): entre a cidadania e a caridade. Tese de doutorado, Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.

Fagundes, H. S. (2006). O voluntariado, a solidariedade e as políticas sociais. Revista Virtual Textos & Contextos, 5(2), 1-19.

Falcão, M. F. (2009). Misericórdia, virtude da [verbete]. In Enciclopédia Católica Popular. Recuperado em 15 de novembro de 2009, de http://www.ecclesia.pt/catolicopedia

Fink, B. (1998). O sujeito lacaniano: entre a linguagem e o gozo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Fleury, S., & Ouverney, A. M. (2008). Política de saúde: uma política social. In L. Giovanella, S. Escorel & L. V. C. Lobato (Orgs.), Políticas e sistema de saúde no Brasil (pp. 23-64). Rio de Janeiro: Fiocruz.

Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal.

Foucault, M. (1982). A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal.

Foucault, M. (1984). O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal.

Foucault, M. (1985). O cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal.

Foucault, M. (1999). Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes.

Freire, P. (1967). Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Gadotti, M. (1997). Concepção dialética da educação. São Paulo: Cortez.

BIBGiumbelli, E. (1995). Em nome da caridade: assistência social e religião nas instituições espíritas. Rio de Janeiro: Núcleo de Pesquisa Iser. LIO

Giumbelli, E. (1998). Caridade, assistência social, política e cidadania: práticas e reflexões no espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional.

Goffman, E. (1987). Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva.

Gohn, M. G. (2001). Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez.

Gohn, M. G. (2004). Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais. Saúde e Sociedade, 13(2), 20-31.

Gohn, M. G. (2005). O protagonismo da sociedade civil: movimentos sociais, ONGs e redes solidárias. São Paulo: Cortez.

Graciani, M. S. S. (2005). Pedagogia social de rua: análise e sistematização de uma experiência vivida. São Paulo: Cortez.

Graham, R. (1997). Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ.

Gruppi, L. (1978). O conceito de hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro: Graal.

Guattari, F. (1981). Revolução molecular - pulsações políticas do desejo. São Paulo: Brasiliense.

Holanda, S. B. (1999). Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.

Hunning, S. M., & Guareschi, N. M. F. (2002). Tecnologias de governo: constituindo a situação de risco social de crianças e adolescentes. Currículo sem Fronteiras, 2(2), 41-56.

Hurtado, C. N. (1992). Educar para transformar, transformar para educar: comunicação e educação popular. Petrópolis, RJ: Vozes.

Igreja Católica. (1999). Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola.

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada & Diretoria de Estudos Sociais. (2006). A iniciativa privada e o espírito público: a evolução da ação social das empresas privadas no Brasil. Brasília, DF. Recuperado em 3 de abril de 2010, de http://www.ipea.gov.br/acaosocial/IMG/pdf/doc-28.pdf

Justo, C. S. S. (2003). Os meninos fotógrafos e os educadores: viver na rua e no Projeto Casa. São Paulo: UNESP.

Konder, L. (1981). O que é dialética. São Paulo: Brasiliense.

Lacan, J. (1979). O seminário. Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar.

Lacan, J. (1998). Escritos. Rio de Janeiro: Zahar.

Lancetti, A. (Org.). (1996). Assistência Social e cidadania: invenções, tensões e construção da experiência de Santos. São Paulo: Hucitec.

Lapassade, G. (1977). Grupos, organizações e instituições. Rio de Janeiro: Francisco Alves.

Lara, X. (2003). Trabalho, educação e cidadania: reflexões a partir de práticas de educação entre trabalhadores. São Paulo: CAPINA.

Lemos, F. C. S. (2007). Crianças e adolescentes entre a norma e a lei: uma análise foucaultiana. Tese de doutorado, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista, Assis, SP.

Libâneo, J. C. (1994). Tendências pedagógicas na prática escolar. In C. C. Luckesi, Filosofia da educação (pp. 53-74). São Paulo: Cortez.

Libanio, J. B. (1984). A volta à grande disciplina. São Paulo: Loyola.

Lourau, R. (1995). A análise institucional. Petrópolis, RJ: Vozes.

Marcílio, M. L. (2006). História social da criança abandonada. São Paulo: Hucitec.

Merisse, A. (1996). A infância e seus lugares: um estudo sobre as concepções de mães e funcionários de creches. Tese de doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Montaño, C. E. (2001). O projeto neoliberal de resposta à “questão social” e a funcionalidade do “terceiro setor”. Jornal Lutas Sociais, (8), 53-64. Recuperado em 31 de março de 2010, de http://www.pucsp.br/neils/downloads/v8_carlos_montano.pdf

Montaño, C. E. (2007). Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez.

Muller, L. H. A. (2006). A construção do social a partir da ótica empresarial. In V Workshop Empresa, Empresários e Sociedade: o mundo empresarial e a questão social. Porto Alegre: PUCRS. Recuperado em 31 de março de 2010, de http://www.fee.tche.br/5workshop/pdf/mesa05_lucia.pdf

Neto, J. F. M. (2002). O que é popular? Recuperado em 21 de abril de 2010, de http://www.prac.ufpb.br/copac/extelar/producao_academica/artigos/pa_a_2002_o_que_e_popular.pdf

Nogueira Neto, W. (2010). Enfrentado as diversas formas de violação dos direitos de crianças e adolescente, a partir de um sistema de promoção e de proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Recuperado em 6 de julho de 2010, de http://serv01.informacao.andi.org.br/-c4ff379_111b38a50b9_-7fb8.pdf

Pereira, W. C. C. (1988). Dinâmica de grupos populares. Petrópolis, RJ: Vozes.

Pereira, W. C. C. (2001). Nas trilhas do trabalho comunitário e social: teoria, método e prática. Belo Horizonte: Vozes.

Pinheiro, A. A. A. (2004). A criança e o adolescente, representações sociais e processo constituinte. Psicologia em Estudos, 9(3), 343-355.

Pontifício Conselho “Justiça e Paz”. (2005). Compêndio da doutrina social da Igreja. São Paulo: Paulinas.

Raichelis, R. (1998). Esfera pública e Conselhos de Assistência Social: caminhos da construção democrática. São Paulo: Cortez.

Rizzini, I. (2006). O movimento de salvação da criança no Brasil. Idéias e práticas correntes de assistência à infância pobre na passagem do século XIX para o XX. In VIII Congresso Brasa. Nashivilli, Tennessee: Vanderbilt University. Recuperado em 10 de junho de 2010, de http://www.aprimoramentosgdca.org.br/

Rizzini, I. (2008). O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. São Paulo: Cortez.

Rizzini, I., Barker, G., & Cassaniga, N. (1999). Políticas sociais em transformação: crianças e adolescentes na era dos direitos. Educar em Revista, 15. Recuperado em 1 de abril de 2010, de http://calvados.c3sl.ufpr.br/educar/viewarticle.php?id=32&layout=abstract

Romam, R. C. (2000). Crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social. Revista de Psicologia Discência e Pesquisa, (2). Recuperado em 3 de abril de 2010, de http://www.assis.unesp.br/revistadiscenciapesquisa/docs/RomamRC_2.pdf

Saliba, M. G. (2006). O olho do poder: análise crítica da proposta educativa do Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: UNESP.

Sampaio, P. A. (1982). Construindo o poder popular. São Paulo: Paulinas.

Santos, B. S. (2000). A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez.

Santos, B. S. (2002). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

Saviani, D. (2009). Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. São Paulo: Cortez.

Schlithler, C. R. B. (2004). Redes de desenvolvimento comunitário: iniciativas para a transformação social. São Paulo: Global.

Seron, P. C. (2008). Cultura solidária. Revista de Psicologia da UNESP, 7(1). Recuperado em 30 de abril de 2010, de http://www.assis.unesp.br/revpsico/index.php/revista/article/viewFile/96/100

Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. (2005). Programa formatos Brasil: caderno do participante. São Paulo: Autor.

Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. (2008). Redes sociais. Recuperado em 9 de outubro de 2008, de http://www.sp.senac.br/redessociais

Silva, A. L. P. (2000). Utilizando o planejamento como ferramenta de aprendizagem. São Paulo: Global.

Silva, C. N. (2006). Igreja católica, assistência social e caridade: aproximações e divergências. Sociologias, 8(15), 402-411.

Silva, G. H. (2008). A construção da identidade do educador social na sua prática cotidiana: a pluralidade de um sujeito singular. Dissertação de mestrado, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo. v

Silva, I. (Org.). (2008). O pensamento de Paulo Freire como matriz integradora de práticas educativas no meio popular: ciclo de seminários. São Paulo: Insti¬tuto Pólis.

Sousa, M. A., & Araújo, T. C. C. F. (2007). Voluntariado: uma mudança paradigmática na prestação de serviços comunitários. In V Jornada Internacional e II Conferência Brasileira sobre Representações Sociais. Brasília, DF. Recuperado em 31 de março de 2010, de www.gosites.com.br/vjirs/adm_trabalhos

Souza, D. D. L. (2005). Organizações não-governamentais: um estudo de caso da Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE). Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

Souza, H. J. (1989). Como se faz análise de conjuntura. Petrópolis, RJ: Vozes.

Souza, M. A. (1994). A economia da caridade: estratégias assistenciais e filantropia em Belo Horizonte, 1897-1930. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

Souza, M. A. (2001). As estratégias da pedagogia do assistencialismo em Belo Horizonte, 1930-1990: educação e caridade. Tese de doutorado, Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

Sposati, A. (1994). Cidadania ou filantropia - um dilema para o CNAS. São Paulo: Núcleo de Seguridade e Assistência Social da PUC-SP.

Vallejo, A., & Magalhães, L. C. (1979). Lacan: operadores de leitura. São Paulo: Perspectiva.

Recebido em: 23/03/2011

Aceito em: 18/02/2012

Silvio José Benelli, psicólogo, doutor em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da USP, São Paulo. Professor assistente do Depto. de Psicologia Clínica no curso de Graduação em Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Sociedade da FCL-UNESP-Assis. Endereço para correspondência: Avenida Dom Antonio, 2100. Parque Universitário. CEP 19806-900. Assis, SP, Brasil. E-mail: benelli@assis.unesp.br

Abílio da Costa-Rosa, psicanalista e analista institucional, mestre e doutor pelo Instituto de Psicologia da USP, professor Livre-Docente do Depto. de Psicologia Clínica no curso de Graduação em Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Sociedade da FCL-UNESP-Assis. E-mail: abiliocr@assis.unesp.br

  • Adorno, S. (Org.). (1991). A cruzada filantrópica: a assistência social institucionalizada em São Paulo, 1880-1920. São Paulo: Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo.
  • Amarante, P. (Org.). (1995). Loucos pela vida: a trajetória da Reforma Psiquiátrica Rio de Janeiro: SDN/ENSP.
  • Assis, S. G. (Org.). (2009). Teoria e prática dos conselhos tutelares e conselhos dos direitos da criança e do adolescente Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz.
  • Bastos de Ávila, F. (1993). Pequena enciclopédia de doutrina social da Igreja São Paulo: Paulinas.
  • Baremblitt, G. F. (1998). Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática Rio de Janeiro: Record.
  • Barus-Michel, J. (2004). O sujeito social Belo Horizonte: Puc Minas.
  • Benelli, S. J. (2006). Paradigmas eclesiais e pedagógicos na formação sacerdotal institucional: uma investigação em Psicologia Social. Revista Eclesiástica Brasileira, 66(264), 807-841.
  • Benelli, S. J. (2007). A produção da subjetividade na formação contemporânea do clero católico Tese de doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • Behring, E. R., & Boschetti, I. (2006). Política social: fundamentos e história São Paulo: Cortez.
  • Bion, W. (1975). Experiências com grupos São Paulo: Imago.
  • Boff, C. (1984). Como trabalhar com o povo Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Bordenave, J. E. D. (1987). O que é participação São Paulo: Brasiliense.
  • Brandão, C. R. (1986a). Educação popular São Paulo: Brasiliense.
  • Brandão, C. R. (1986b). Pesquisa participante São Paulo: Brasiliense.
  • Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil Recuperado em 5 de maio de 2009, de www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/constitui%C3%A7ao_compilado. htm
  • Brasil. Presidência da República. (1990). Estatuto da criança e do adolescente - ECA. Recuperado em 03 de janeiro de 2009, de http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L8069.htm
  • Brasil. (1993). Lei Orgânica da Assistência Social nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Recuperada em 05 de janeiro de 2009, de http://www.mds.gov.br/cnas/legislacao/leis
  • Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. (2004). Política Nacional de Assistência Social PNAS/2004. Brasília, DF: Autor.
  • Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. (2005). Norma Operacional Básica NOB/SUAS. Brasília, DF: Autor.
  • Brasil. Conselho Nacional de Assistência Social. (2006a). Resolução n°. 237 de 14/12/2006: Diretrizes para a estruturação, reformulação e funcionamento dos Conselhos de Assistência Social Brasília, DF: Autor.
  • Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. (2006d). Orientações Técnicas para o Centro de Referência Especializado em Assistência Social Brasília, DF: Autor.
  • Brasil. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Programa Pró-Conselho. (2007a). Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e Conselho Tutelar: orientações para criação e funcionamento Brasília, DF: Autor.
  • Brasil. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. (2007b). Parâmetros para criação e funcionamento dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente Brasília, DF: Autor.
  • Brasil. (2011). Lei Orgânica da Assistência Social nº 12.435/11. Recuperado em julho de 2011, de http://www.mds.gov.br/cnas/legislacao/leis
  • Cabas, A. G. (2009). O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan: da questão do sujeito ao sujeito em questão Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • Caldana, A. C. F., & Figueiredo, M. A. (2008). O voluntariado em questão: a subjetividade permitida. Psicologia: Ciência e Profissão, 28(3), 466-479.
  • Carneiro, M. A. (1985). Educação comunitária: faces e formas Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Carvalho, M. C. B. (2005). Avaliação: construindo parâmetros das ações socioeducativas São Paulo: Cenpec.
  • Carvalho, M. C. B. (2008). Avaliação de percurso: fortalecer organizações sociais e induzir políticas de educação integral São Paulo: CENPEC.
  • Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária. (2007a). Parâmetros socioeducativos: proteção social para crianças, adolescentes e jovens: Igualdade como direito, diferença como riqueza - Caderno 1 São Paulo: SMADS-CENPEC-Fundação Itaú Social.
  • Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária. (2007b). Parâmetros socioeducativos: proteção social para crianças, adolescentes e jovens: Igualdade como direito, diferença como riqueza - Caderno 2: Conceitos e políticas São Paulo: SMADS-CENPEC-Fundação Itaú Social.
  • Chauí, M. (2000). Brasil. Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo.
  • Congregação para o Clero. (2003). O presbítero: pastor e guia da comunidade paroquial São Paulo: Paulinas.
  • Costa, A. C. G. (2006). Parâmetros para formação do socioeducador: uma proposta inicial para reflexão e debate Brasília, DF: Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
  • Costa-Rosa, A. (1987). Saúde mental comunitária: análise dialética de um movimento alternativo Dissertação de mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • Costa-Rosa, A. (2000). O modo psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao Modo asilar. In P. D. C. Amarante (Org.), Ensaios de loucura e civilização: 1 (pp. 141-168). Rio de Janeiro: Fiocruz.
  • Costa-Rosa, A. (2006). A instituição de saúde mental como dispositivo de produção de subjetividade Assis, SP: UNESP. (Trabalho não publicado).
  • Costa-Rosa, A. (2011). Operadores fundamentais da atenção psicossocial: contribuição a uma clínica crítica dos processos de subjetivação na saúde coletiva Tese de livre-docência, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista, Assis, São Paulo.
  • Cotrim, G. (1993). Educação para uma escola democrática. História e filosofia da educação São Paulo: Saraiva.
  • Dallari, D. A. (1984). O que é participação política São Paulo: Brasiliense.
  • Damatta, R. (1991). O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco.
  • Damatta, R. (1997). Carnavais, malandros e heróis. Para uma sociologia do dilema brasileiro São Paulo: Rocco.
  • Deleuze, G., & Guattari, F. (2009). Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia São Paulo: Ed. 24.
  • Demo, P. (2001). Participação é conquista: noções de política social participativa São Paulo: Cortez.
  • Demo, P. (2002). Educação pelo avesso: assistência como direito e como problema São Paulo: Cortez.
  • Demo, P. (2003). Pobreza da pobreza Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Demo, P. (2004). Pesquisa participante: saber pensar e intervir juntos Brasília, DF: Liber Livros.
  • Diniz, A., & Lobo, A. P. (Orgs.). (1998). A criança e o adolescente em situação de risco em debate Rio de Janeiro: Litteris-KroArt.
  • Donzelot, J. (2001). A polícia das famílias Rio de Janeiro: Graal.
  • El-Khatib, U. (2001). Crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social: que problema é esse? Tese de doutorado, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • Escorsim, S. M. (2008). A filantropia no Brasil: entre a caridade e a política de assistência social. Espaço Acadêmico, 8(86), 86-96.
  • Fagnani, E. (2005). Política social no Brasil (1964-2002): entre a cidadania e a caridade. Tese de doutorado, Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.
  • Fagundes, H. S. (2006). O voluntariado, a solidariedade e as políticas sociais. Revista Virtual Textos & Contextos, 5(2), 1-19.
  • Falcão, M. F. (2009). Misericórdia, virtude da [verbete]. In Enciclopédia Católica Popular. Recuperado em 15 de novembro de 2009, de http://www.ecclesia.pt/catolicopedia
  • Fink, B. (1998). O sujeito lacaniano: entre a linguagem e o gozo Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • Fleury, S., & Ouverney, A. M. (2008). Política de saúde: uma política social. In L. Giovanella, S. Escorel & L. V. C. Lobato (Orgs.), Políticas e sistema de saúde no Brasil (pp. 23-64). Rio de Janeiro: Fiocruz.
  • Foucault, M. (1979). Microfísica do poder Rio de Janeiro: Graal.
  • Foucault, M. (1982). A vontade de saber Rio de Janeiro: Graal.
  • Foucault, M. (1984). O uso dos prazeres Rio de Janeiro: Graal.
  • Foucault, M. (1985). O cuidado de si Rio de Janeiro: Graal.
  • Foucault, M. (1999). Vigiar e punir: nascimento da prisão Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Freire, P. (1967). Educação como prática de liberdade Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • Gadotti, M. (1997). Concepção dialética da educação São Paulo: Cortez.
  • BIBGiumbelli, E. (1995). Em nome da caridade: assistência social e religião nas instituições espíritas Rio de Janeiro: Núcleo de Pesquisa Iser.
  • Giumbelli, E. (1998). Caridade, assistência social, política e cidadania: práticas e reflexões no espiritismo Rio de Janeiro: Arquivo Nacional.
  • Goffman, E. (1987). Manicômios, prisões e conventos São Paulo: Perspectiva.
  • Gohn, M. G. (2001). Conselhos gestores e participação sociopolítica São Paulo: Cortez.
  • Gohn, M. G. (2004). Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais. Saúde e Sociedade, 13(2), 20-31.
  • Gohn, M. G. (2005). O protagonismo da sociedade civil: movimentos sociais, ONGs e redes solidárias São Paulo: Cortez.
  • Graciani, M. S. S. (2005). Pedagogia social de rua: análise e sistematização de uma experiência vivida São Paulo: Cortez.
  • Graham, R. (1997). Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ.
  • Gruppi, L. (1978). O conceito de hegemonia em Gramsci Rio de Janeiro: Graal.
  • Guattari, F. (1981). Revolução molecular - pulsações políticas do desejo São Paulo: Brasiliense.
  • Holanda, S. B. (1999). Raízes do Brasil São Paulo: Companhia das Letras.
  • Hunning, S. M., & Guareschi, N. M. F. (2002). Tecnologias de governo: constituindo a situação de risco social de crianças e adolescentes. Currículo sem Fronteiras, 2(2), 41-56.
  • Hurtado, C. N. (1992). Educar para transformar, transformar para educar: comunicação e educação popular Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Igreja Católica. (1999). Catecismo da Igreja Católica São Paulo: Loyola.
  • Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada & Diretoria de Estudos Sociais. (2006). A iniciativa privada e o espírito público: a evolução da ação social das empresas privadas no Brasil. Brasília, DF. Recuperado em 3 de abril de 2010, de http://www.ipea.gov.br/acaosocial/IMG/pdf/doc-28.pdf
  • Justo, C. S. S. (2003). Os meninos fotógrafos e os educadores: viver na rua e no Projeto Casa São Paulo: UNESP.
  • Konder, L. (1981). O que é dialética São Paulo: Brasiliense.
  • Lacan, J. (1979). O seminário. Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise Rio de Janeiro: Zahar.
  • Lacan, J. (1998). Escritos Rio de Janeiro: Zahar.
  • Lancetti, A. (Org.). (1996). Assistência Social e cidadania: invenções, tensões e construção da experiência de Santos São Paulo: Hucitec.
  • Lapassade, G. (1977). Grupos, organizações e instituições Rio de Janeiro: Francisco Alves.
  • Lara, X. (2003). Trabalho, educação e cidadania: reflexões a partir de práticas de educação entre trabalhadores São Paulo: CAPINA.
  • Lemos, F. C. S. (2007). Crianças e adolescentes entre a norma e a lei: uma análise foucaultiana Tese de doutorado, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista, Assis, SP.
  • Libâneo, J. C. (1994). Tendências pedagógicas na prática escolar. In C. C. Luckesi, Filosofia da educação (pp. 53-74). São Paulo: Cortez.
  • Libanio, J. B. (1984). A volta à grande disciplina São Paulo: Loyola.
  • Lourau, R. (1995). A análise institucional Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Marcílio, M. L. (2006). História social da criança abandonada São Paulo: Hucitec.
  • Merisse, A. (1996). A infância e seus lugares: um estudo sobre as concepções de mães e funcionários de creches Tese de doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • Montaño, C. E. (2007). Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social São Paulo: Cortez.
  • Muller, L. H. A. (2006). A construção do social a partir da ótica empresarial. In V Workshop Empresa, Empresários e Sociedade: o mundo empresarial e a questão social Porto Alegre: PUCRS. Recuperado em 31 de março de 2010, de http://www.fee.tche.br/5workshop/pdf/mesa05_lucia.pdf
  • Neto, J. F. M. (2002). O que é popular? Recuperado em 21 de abril de 2010, de http://www.prac.ufpb.br/copac/extelar/producao_academica/artigos/pa_a_2002_o_que_e_popular.pdf
  • Nogueira Neto, W. (2010). Enfrentado as diversas formas de violação dos direitos de crianças e adolescente, a partir de um sistema de promoção e de proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes Recuperado em 6 de julho de 2010, de http://serv01.informacao.andi.org.br/-c4ff379_111b38a50b9_-7fb8.pdf
  • Pereira, W. C. C. (1988). Dinâmica de grupos populares Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Pereira, W. C. C. (2001). Nas trilhas do trabalho comunitário e social: teoria, método e prática Belo Horizonte: Vozes.
  • Pinheiro, A. A. A. (2004). A criança e o adolescente, representações sociais e processo constituinte. Psicologia em Estudos, 9(3), 343-355.
  • Raichelis, R. (1998). Esfera pública e Conselhos de Assistência Social: caminhos da construção democrática São Paulo: Cortez.
  • Rizzini, I. (2006). O movimento de salvação da criança no Brasil. Idéias e práticas correntes de assistência à infância pobre na passagem do século XIX para o XX. In VIII Congresso Brasa Nashivilli, Tennessee: Vanderbilt University. Recuperado em 10 de junho de 2010, de http://www.aprimoramentosgdca.org.br/
  • Rizzini, I. (2008). O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil São Paulo: Cortez.
  • Rizzini, I., Barker, G., & Cassaniga, N. (1999). Políticas sociais em transformação: crianças e adolescentes na era dos direitos. Educar em Revista, 15 Recuperado em 1 de abril de 2010, de http://calvados.c3sl.ufpr.br/educar/viewarticle.php?id=32&layout=abstract
  • Romam, R. C. (2000). Crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social. Revista de Psicologia Discência e Pesquisa, (2). Recuperado em 3 de abril de 2010, de http://www.assis.unesp.br/revistadiscenciapesquisa/docs/RomamRC_2.pdf
  • Saliba, M. G. (2006). O olho do poder: análise crítica da proposta educativa do Estatuto da Criança e do Adolescente São Paulo: UNESP.
  • Sampaio, P. A. (1982). Construindo o poder popular São Paulo: Paulinas.
  • Santos, B. S. (2000). A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência São Paulo: Cortez.
  • Santos, B. S. (2002). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
  • Saviani, D. (2009). Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política São Paulo: Cortez.
  • Schlithler, C. R. B. (2004). Redes de desenvolvimento comunitário: iniciativas para a transformação social São Paulo: Global.
  • Seron, P. C. (2008). Cultura solidária. Revista de Psicologia da UNESP, 7(1). Recuperado em 30 de abril de 2010, de http://www.assis.unesp.br/revpsico/index.php/revista/article/viewFile/96/100
  • Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. (2005). Programa formatos Brasil: caderno do participante São Paulo: Autor.
  • Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. (2008). Redes sociais Recuperado em 9 de outubro de 2008, de http://www.sp.senac.br/redessociais
  • Silva, A. L. P. (2000). Utilizando o planejamento como ferramenta de aprendizagem São Paulo: Global.
  • Silva, C. N. (2006). Igreja católica, assistência social e caridade: aproximações e divergências. Sociologias, 8(15), 402-411.
  • Silva, G. H. (2008). A construção da identidade do educador social na sua prática cotidiana: a pluralidade de um sujeito singular Dissertação de mestrado, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • Silva, I. (Org.). (2008). O pensamento de Paulo Freire como matriz integradora de práticas educativas no meio popular: ciclo de seminários. São Paulo: Insti¬tuto Pólis.
  • Sousa, M. A., & Araújo, T. C. C. F. (2007). Voluntariado: uma mudança paradigmática na prestação de serviços comunitários. In V Jornada Internacional e II Conferência Brasileira sobre Representações Sociais Brasília, DF. Recuperado em 31 de março de 2010, de www.gosites.com.br/vjirs/adm_trabalhos
  • Souza, D. D. L. (2005). Organizações não-governamentais: um estudo de caso da Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE) Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
  • Souza, H. J. (1989). Como se faz análise de conjuntura Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Souza, M. A. (1994). A economia da caridade: estratégias assistenciais e filantropia em Belo Horizonte, 1897-1930 Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
  • Souza, M. A. (2001). As estratégias da pedagogia do assistencialismo em Belo Horizonte, 1930-1990: educação e caridade Tese de doutorado, Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
  • Sposati, A. (1994). Cidadania ou filantropia - um dilema para o CNAS. São Paulo: Núcleo de Seguridade e Assistência Social da PUC-SP.
  • Vallejo, A., & Magalhães, L. C. (1979). Lacan: operadores de leitura São Paulo: Perspectiva.
  • 1
    Este artigo é parte da pesquisa de pós-doutorado desenvolvida pelo Dr. Silvio José Benelli, sob a supervisão do Prof. Dr. Abílio da Costa-Rosa, junto ao Programa de Pós-Doutorado da UNESP, ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia e ao Depto. de Psicologia Clínica do Curso de Psicologia da FCL/UNESP, Assis, SP. Financiamento: FAPESP.
  • 2
    Analisador institucional: dispositivo natural ou construído que propicia a explicitação dos conflitos institucionais e sua resolução. Trata-se de uma montagem que torna manifestas as forças que constituem a organização. “Um analisador natural é produzido espontaneamente pela própria vida histórico-social, libidinal e natural, como resultado de suas determinações e margem de liberdade” (Baremblitt, 1998, p. 152).
  • 3
    Um dispositivo é “um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas, em suma: o dito e o não-dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos” (Foucault, 1999, p. 244).
  • 4
    Sujeito é o homem enquanto ator social e indivíduo agente, pessoa autônoma e cidadão – na ordem da política. É ainda o ego cognoscente – o “eu” centrado na consciência racional e reflexiva, no plano da epistemologia tradicional. Para nós, fundamentalmente, inclui as noções lacanianas de “sujeito do inconsciente”, de “sujeito dividido” e de “sujeito de desejo” (Cabas, 2009; Fink, 1998), segundo as quais “o ego ou o eu não cobre a totalidade do sujeito” (Vallejo & Magalhães, 1979, p. 158).
  • 5
    A doutrina social da Igreja Católica consiste num conjunto de proposições, de princípios, critérios e diretrizes gerais a respeito da organização social e política dos povos e das nações. Foi desenvolvida a partir do século XIX por ocasião da emergência da sociedade industrial moderna, com suas novas estruturas para a produção de bens de consumo, sua nova concepção da sociedade, do Estado e da autoridade, suas novas formas de trabalho e de propriedade. Diante de tais transformações e do aparecimento da perspectiva marxista, a Igreja Católica se viu instada a se pronunciar. A Igreja Católica considera que a norma fundamental do Estado deve ser a promoção da justiça e que a finalidade de uma ordem social justa é garantir a cada um, no respeito ao princípio da subsidiariedade, a própria parte nos bens comuns.
  • 6
    Por hipótese, consideramos que a corrupção pode ocorrer tanto em entidades privadas quanto nas públicas, de orientação confessional ou não. Isso compromete completamente os fins que tais entidades afirmam defender e promover. A partir de uma inserção prolongada no campo, não é difícil verificar que parece haver entidades geridas por grupos compostos por poucas pessoas, que praticamente se apropriam e podem fazer delas o seu meio de vida. A entidade pode se converter então na garantia do salário para esses funcionários que a dirigem e sua ação efetiva fica condicionada ao mínimo, de modo a proporcionar algum
    status e prestígio para essa equipe dirigente, além de permitir o usufruto de privilégios tais como uso indiscriminado do telefone, combustível, veículo, alimentos, etc, pois tudo aquilo que representar vantagens pessoais para os mandatários pode ser apropriado por eles. Também foi possível verificar que a gestão financeira das entidades é sigilosa, sendo que parece muito fácil que se produzam práticas de corrupção. Tais grupos dirigentes corporativistas podem fechar a entidade aos estranhos, de modo a manter seus privilégios, benefícios indevidos e facilidades conquistadas, sem testemunhas que possam denunciá-los. Entre funcionários assim, não seria incomum certa mentalidade de que “dinheiro público não tem dono, não é de ninguém”; então pode parecer justificável e inclusive obrigatório gastá-lo todo, não importando muito de que jeito: superfaturando compras, obtendo notas frias, desviando recursos, tendo normalmente a conivência de um contador “amigo”. Afinal, se ele não o fizer, outro mais esperto certamente o fará, pensa-se igualmente. Nesses casos de corrupção, pensamos que tais entidades não possuiriam propriamente equipes administrativas e pedagógicas, mas sim “quadrilhas” acostumadas a “mamatas” de toda ordem. Aí encontraríamos a “pilantropia”, mais do que a filantropia. Evidentemente, nada disso pode ser provado facilmente e nem é dito assim, com todas as letras, mas não podemos deixar de notar que há fortes indícios de tais práticas em certas entidades. Sobre estas questões espinhosas os Conselhos Municipais não se pronunciam, inclusive porque tais administradores costumam ter ali assentos estáveis.
  • 7
    A lógica convenial pode ser definida como o hábito tradicional que possuem os dirigentes das entidades assistenciais privadas em buscar obter junto ao poder público auxílios financeiros, pagamentos de contas públicas (água, luz, telefone, etc.) ou a cessão de funcionários (técnicos, professores e outros trabalhadores) que são alocados para trabalhar nas entidades. Esses auxílios buscados junto ao poder público constituem um “convênio” informal entre a prefeitura e a entidade, caracterizando relações de compadrio, de feições assistencialistas e eleitoreiras. O poder público, como modo de governar, “ajuda” a entidade porque é “magnânimo” e “solidário”, mas não o faz como política pública e sim como favor e benesse.
  • 8
    Uma experiência diametralmente oposta demonstrando como o poder público municipal não está fadado inexoravelmente a um destino tão nefasto pode ser encontrado em Lancetti (1996), livro no qual se relatam as invenções, as tensões e a potente criatividade instituinte, ousada e inovadora, no âmbito de uma Assistência Social preponderantemente cidadã, apesar de suas eventuais limitações, que foi implementada diretamente pelo poder público municipal na cidade de Santos, São Paulo, entre os anos de 1989 e 1993.
  • 9
    Tais dinâmicas visariam auxiliar o grupo, como conjunto de indivíduos, a interagir e a se descontrair; a expressar solidariedade; a despertar a empatia; a ampliar o conhecimento de si e também interpessoal; a construir sonhos, amizade e respeito à individualidade; a desinibição, sensibilização e autoestima; melhorar a comunicação, expressar a criatividade; aprimorar a expressão verbal, gestual e espacial; despertar o indivíduo para automotivação; relacionar-se de maneira afetiva, confiante e social.
  • 10
    “O Processo de Estratégia de Hegemonia (PEH) é um conceito de Gramsci que nos permite analisar, em termos molares, certas linhas de composição das formações sociais: pulsações que as organizam e que nelas se atualizam (Gruppi, 1978). No caso das instituições de Saúde Mental, o PEH permite analisar e compreender o jogo de forças que nelas se mostra, contrapondo os aspectos do Paradigma Psiquiátrico Hospitalocêntrico Medicalizador (PPHM) aos do Paradigma Psicossocial (PPS), quanto a saberes, práticas, aspectos jurídicos, ideológicos, culturais e éticos (Amarante, 1995; Costa-Rosa, 2000). O PEH compreende um conjunto de práticas, relacionadas à estratégia e tática, destinadas a manter a Formação Social, seja uma instituição ou a sociedade como um todo, em equilíbrio dinâmico; dado tratar-se de realidades segmentares e contraditórias quanto aos interesses e visões de mundo que aí necessariamente se atualizam. Essa segmentaridade tende à polarização. Daí podermos falar em PEH como esforço de manter em equilíbrio dinâmico interesses dominantes e subordinados. Do lado dominante vemos um conjunto de práticas de efeitos repressivos e ideológicos, além de um conjunto de concessões táticas seguidas de sua recuperação (Guattari, 1981). Do lado subordinado há também um conjunto de práticas que, devido à dominância ideológica e material do polo socialmente dominante, são concordes com os interesses desse polo, e os reproduzem. Mas há também um conjunto de reivindicações, às vezes ativas, outras vezes mesmo passivas e aparentemente inadvertidas (como “entrar em crise”, por ex.); além de um conjunto de práticas alternativas que às vezes chegam a aspirar à elaboração de uma hegemonia alternativa à dominante; ou seja, podem consolidar-se as aspirações de tornar hegemônicos os interesses socialmente subordinados, naquele contexto. O caso das instituições de Saúde Mental, neste momento histórico, é bastante ilustrativo desse processo, pois aí se veem os efeitos de uma verdadeira luta pela hegemonia das visões teóricas, técnicas, ideológicas, culturais e éticas. Em outro contexto sustentamos a hipótese de que essas transformações se expressam, já, em uma práxis na qual podemos visualizar uma transição paradigmática, do PPHM para o PPS. Esse processo, na prática cotidiana, tem gerado o ideário das experiências e as práticas da Reforma Psiquiátrica, em torno dos Centros e Núcleos de Atenção Psicossocial (CAPS e NAPS), como organizadoras e realizadoras das práticas integrais num determinado Território.” (Costa-Rosa, 2011, p. 46).
  • 11
    “Utilizamos aqui os conceitos de Demanda Social e encomenda social de acordo com sua aplicação no campo da Análise Institucional (Lourau, 1995). A Demanda é hiância em sentido amplo; conjunto das pulsações produzido pelo antagonismo das forças em jogo no espaço socioeconômico e cultural. A encomenda é uma espécie de contraface da Demanda, ou seja, o modo como esta aparece empiricamente nos pedidos. A Demanda só pode traduzir-se em encomendas através da sua mediação imaginária e ideológica. Ou seja, a tradução das pulsações da Demanda Social em pedidos depende dos modos de representação do que seja aquilo que “falta” e aquilo que se necessita e deseja; da representação das ofertas à disposição no campo, capazes de “responder”; bem como depende do reconhecimento dessas ofertas à disposição no espaço sociocultural do Território, por parte de quem as solicita. Sabe-se, de longa data, que o campo das ofertas de Atenção ao sofrimento psíquico está dividido entre os saberes místicos e populares, e o saber científico. Influenciando, desse modo, o conjunto dos pedidos de ajuda e de intercessão endereçados às instituições de Saúde.” (Costa-Rosa, 2011, p. 47).
  • 12
    A prática grupal aqui deveria levar em consideração as possibilidades do grupo como “coletivo de trabalho” (Bion, 1975; Lapassade, 1977). Podemos falar em
    grupo sujeito e
    grupo sujeitado (Guattari, 1981; Costa-Rosa, 1987) como conceitos úteis para explicar certas modalidades de
    performances dos grupos, particularmente quando se trata de um projeto institucional no qual estejam envolvidos. Não se trata de categorias absolutas, mas sim de dois polos de referência entre os quais podemos observar quaisquer grupos oscilando. O grupo sujeitado é dependente, submetido, hierarquizado, tutelado, não tem consciência de sua própria tarefa e está alienado sob as ordens da autoridade. O grupo sujeito tem o controle de sua conduta, elabora os meios de elucidação do seu objeto ou tarefa; é ouvido e ouvinte, a palavra circula livremente e há implicação subjetiva, é desapegado das estruturas, o que lhe permite a ampliação e a transformação delas.
  • 13
    É importante observar que o tema da “subjetividade” é tratado por diferentes autores, sob vários pontos de vista. Podemos indicar os trabalhos de Foucault (1982, 1984, 1985), de Deleuze e Guattari (2009) e Lacan (1979, 1998), que apresentam aspectos específicos e singulares, divergentes e irredutíveis entre si, mas também com alguns possíveis pontos de contato, evitando ecletismos ligeiros. Interessa-nos particularmente o “processo de subjetivação” e de “constituição do sujeito”, bem como os operadores propostos pela Psicanálise de Freud e Lacan para entender o processo de constituição subjetiva, que é sempre histórico, social, inconsciente e estrutural.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      23 Mar 2011
    • Aceito
      18 Fev 2012
    Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Bloco A, sala 202, Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, 05508-900 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revpsico@usp.br