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Especiação e quimissorção de Pb(II) em rejeito de caulim

Speciation and chemisorption of Pb(II) on kaolin waste

Resumo

This study assesses the adsorption of Pb(II) on natural kaolin waste (KRnatural) and on that treated with 3 mol L-1 H2SO4 and HCl. Equilibrium and thermodynamic parameters were determined. The results indicate that the values of CEC, specific area and SiO2/Al2O3 ratio (4.6-6.0 cmol kg-1, 14.0-16.0 m² g-1 and 1.16-1.30, respectively) vary only slightly for the adsorbents; the concentration of Pb2+ is much higher than that of other species (PbOH+ and Pb(OH)2). The values of R L, ΔGº, ΔHº and ΔSº are typical of feasible, spontaneous, exothermic and ordered adsorption. The chemisorption on KRnatural is more feasible and ordered.

lead; kaolinite; adsorption


lead; kaolinite; adsorption

ARTIGO

Especiação e quimissorção de Pb(II) em rejeito de caulim

Speciation and chemisorption of Pb(II) on kaolin waste

Marta Helena Tavares PinheiroI,* * e-mail: mhtp@ufpa.br ; Vanda Porpino LemosI; Kelly das G. Fernandes DantasI; Taynara Lima ValentimII

IFaculdade de Química, Instituto de Ciências Exatas e Naturais, Universidade Federal do Pará, Cidade Universitária Prof. José Silveira Netto, Setor Básico, Rua Augusto Corrêa, 1, 66075-110 Belém - PA, Brasil

IIFaculdade de Engenharia Química, Instituto Tecnológico, Universidade Federal do Pará, Cidade Universitária Prof. José Silveira Netto, Setor Profissional, Rua Augusto Corrêa, 1, 66075-110 Belém - PA, Brasil

ABSTRACT

This study assesses the adsorption of Pb(II) on natural kaolin waste (KRnatural) and on that treated with 3 mol L-1 H2SO4 and HCl. Equilibrium and thermodynamic parameters were determined. The results indicate that the values of CEC, specific area and SiO2/Al2O3 ratio (4.6-6.0 cmol kg-1, 14.0-16.0 m2 g-1 and 1.16-1.30, respectively) vary only slightly for the adsorbents; the concentration of Pb2+ is much higher than that of other species (PbOH+ and Pb(OH)2). The values of RL, ΔGº, ΔHº and ΔSº are typical of feasible, spontaneous, exothermic and ordered adsorption. The chemisorption on KRnatural is more feasible and ordered.

Keywords: lead; kaolinite; adsorption.

INTRODUÇÃO

A migração de elementos tóxicos nos minerais presentes em solos e sedimentos é bastante influenciada por processos de adsorção na interface sólido-solução.1,2 Os minerais de argila desempenham papel importante nestes processos devido apresentarem propriedades adequadas à retenção de espécies químicas nos sítios de cargas negativas permanentes e nos sítios de cargas variáveis de acordo com o pH.3 Este aspecto é muito bem reconhecido, conforme demonstrado em vários estudos experimentais4-6 e modelos teóricos a partir de interações de grupos superficiais de minerais de argilas com cátions metálicos.7-9

A contaminação de metais pesados no meio ambiente é um problema de grande preocupação global devido especialmente à bioacumulação nos organismos. A absorção de materiais contaminados com chumbo no corpo humano se inicia principalmente por via oral, seguindo para o estômago, onde as espécies que contêm chumbo são liberadas e depois são absorvidas no intestino e distribuídas através do sangue para vários órgãos. As crianças são mais vulneráveis aos efeitos tóxicos do chumbo do que os adultos. Isto é devido ao comportamento das crianças, que muitas vezes colocam suas mãos sujas e brinquedos na boca ou nariz, aumentando a possibilidade de ingestão de partículas de chumbo.10-13

Vários métodos são utilizados para remoção de cátions Mn+ de metais pesados a partir de soluções aquosas, incluindo reações de precipitação química, troca iônica, extração com solvente, ultrafiltração, osmose reversa e adsorção por minerais de argila, por exemplo, caulinita e seus derivados.14-16

A caulinita é o mineral predominante no caulim, que é uma rocha sedimentar encontrada em vários depósitos do mundo. No Brasil, as reservas de caulim se concentram nos estados do Pará, Amapá e Amazonas, sendo o minério já beneficiado disponibilizado para os mercados interno e externo.17 No processo de beneficiamento do caulim por empresas paraenses é gerado elevado volume de rejeito, que é depositado em extensas e onerosas lagoas de sedimentação. Quando as lagoas são rompidas acidentalmente, ocorre invasão de grande volume de rejeito em direção aos rios da região, provocando morte de peixes.

Estes problemas têm incentivado pesquisadores de vários locais em utilizar os rejeitos de caulim do estado do Pará como matéria-prima na síntese de zeólitas e em outros tipos de aplicação, como na produção de refratários e cerâmicas avançadas, metacaulim (pozolana) em cimento Portland, mullita para fabricação de chamota e refratários.18-20

Neste estudo foi avaliada a adsorção do Pb(II) em caulinita a partir de rejeito de caulim do estado do Pará, que foi selecionado como material de partida devido apresentar elevada pureza e contribuir no seu reaproveitamento e na minimização de problemas ao meio ambiente. Nos experimentos de adsorção, o rejeito de caulim foi utilizado em sua forma natural e tratado com soluções de H2SO4 e HCl 3 mol L-1 a fim de se modificarem as propriedades estrutural e textural da caulinita e empregarem os materiais produzidos nas avaliações sobre especiação do Pb(II) nas interfaces caulinitas-soluções; viabilidade e espontaneidade dos processos de adsorção, com base no fator de separação e variação de energia livre de Gibbs; calor das reações e grau de desordem dos processos de adsorção a partir de cálculos das variações de entalpia e entropia, respectivamente.

PARTE EXPERIMENTAL

Preparação dos adsorventes

O material de partida usado foi o rejeito de caulim produzido pelo processamento de uma indústria de beneficiamento de caulim, localizada entre as cidades de Ipixuna e Rio Maria, no estado do Pará. Amostras de 5 g do rejeito de caulim in natura (KRnatural) foram ativadas com soluções de ácido sulfúrico (H2SO4) e ácido clorídrico (HCl) em concentrações iguais a 3 mol L-1 (denominadas como KRH2SO4-3 e KRHCl-3) por 24 h em T = 80 ºC. Posteriormente foram filtradas a vácuo, lavadas com água deionizada até teste negativo para sulfato e cloreto e colocadas para secar em estufa a 50 ºC ± 5 por 10 h.

Caracterização dos adsorventes

Em estudo anterior foi indicado que os materiais KRnatural, KRH2SO4-3 e KRHCl-3 são constituídos predominantemente por caulinita, que as suas cargas estruturais são negativas (cargas dependentes do pH estimadas a partir de DpH= pHKCl - pHH2O).21

Neste estudo as amostras foram caracterizadas por difração de raios X, microscopia eletrônica de varredura combinada com espectroscopia de dispersão de energia de raios X (MEV/EDX), capacidade de troca catiônica (CTC) e área específica (S).

As análises por DRX (método do pó) foram realizadas em um difratômetro X' Pert PRO MPD (PW 3040/60) PANalytical, usando filtro de Ni, radiação Cu Kα, angulo 2θ no intervalo de 5 a 75º, com varredura de 0,02º s-1, operando em 40 kV e 40 mA. As fases cristalinas foram identificadas usando o software X'PertHighScore versão 2.1b.

As análises por MEV/EDX foram realizadas em microscópio eletrônico de varredura, modelo LEO-1430. As amostras utilizadas nas análises foram previamente metalizadas com uma película de ouro de espessura média de 15 nm e os resultados das análises foram dados a partir de imagens geradas por elétrons secundários com voltagens de 20 kV e registrados em alta resolução.

A capacidade de troca catiônica (CTC) foi determinada pelo método acetato de sódio seguindo as etapas: pesagem de 1 g de cada amostra, adição em excesso de solução de acetato de sódio 1 mol L-1, agitação por 5 min, centrifugação, lavagens do resíduo com álcool isopropílico, adição de acetato de amônio 1 mol L-1, visando a substituição do Na+ adsorvido pelo NH4+, análise do Na+ liberado por FAAS.21

A área específica (S) foi determinada usando-se o nitrogênio como sorbato em temperatura de 77 K e as medidas efetuadas em um instrumento Quantachrome/Nova-1200/5.01. O cálculo da S foi efetuado pelo método Brunauer-Emmett-Teller (BET).22

Experimentos de adsorção

Os experimentos para estimar a capacidade de adsorção do rejeito de caulim natural e tratado com soluções ácidas foram efetuados em batelada. Solução estoque 1000 mg L-1 de íon chumbo foi preparada a partir do sal Pb(NO3)2 de grau analítico Merck (São Paulo, Brasil) em água deionizada. Foram preparadas suspensões aquosas contendo 0,5 g dos adsorventes e 50,0 mL de solução de Pb(II) em concentrações que variaram entre 40 a 100 mg L-1. Os experimentos foram realizados a 30,40, 45 e 50 ºC e sob agitação empregando-se um agitador horizontal, Lab Line orbit shaker trabalhando na frequência de 150 rpm por 16 h. Após agitação, as suspensões foram centrifugadas a 500 rpm por 30 min. As concentrações de equilíbrio (Ce) foram medidas por espectrofotometria de absorção atômica com atomização com chama (FAAS), utilizando-se um espectrômetro Varian Spectra AA 200 e lâmpada de cátodo oco de chumbo (λ = 217,00 nm) no sobrenadante de cada ponto. A capacidade de adsorção dos adsorventes qe (mg do íon Pb(II)/g de adsorvente) foi calculada empregando-se a Equação 1:23

onde, Ci e Ce são as concentrações inicial e de equilíbrio (mol L-1), respectivamente; V é o volume da solução (L), m é a massa do adsorvente (g).

Isotermas de adsorção

A dinâmica dos processos de adsorção de espécies químicas em solução em materiais sólidos, como minerais de argila, depende da distribuição destas espécies entre as fases sólidas e líquidas. O equilíbrio de adsorção é avaliado a partir das isotermas de adsorção, que são representadas pelas concentrações das espécies químicas nas fases sólidas em relação às das fases líquidas.24

Os dados experimentais de adsorção foram ajustados aos modelos de isotermas de adsorção de Langmuir e Freundlich, usando as equações não lineares. A isoterma de Langmuir propõe um mecanismo de adsorção em superfícies homogêneas, assumindo a uniformidade da superfície dos adsorventes e todos os sítios ativos de adsorção são energeticamente idênticos. O modelo de Langmuir é descrito pela Equação 2:25

onde qe é quantidade de soluto adsorvido por unidade de massa de adsorvente (mg g-1), Ce é concentração no equilíbrio do soluto em solução (mol L-1), qmáx.é o parâmetro que representa capacidade de adsorção na monocamada (mg g-1) e KL é a constante de Langmuir, parâmetro relacionado com a energia de adsorção e dependente da temperatura (L mol-1).

O grau de desenvolvimento e da espontaneidade da reação de adsorção podem ser obtidos a partir da avaliação do parâmetro de equilíbrio ou fator de separação RL (Equação 3), que indica se a reação de adsorção é favorável ou desfavorável, por meio da relação:26

Na Equação 3, Ci (mol L-1) é a concentração inicial do íon e KL é a constante de afinidade estimada pela equação de Langmuir. O valor de RL entre 0 e 1 indica adsorção favorável.

A adsorção é considerada favorável se (0 < RL< 1), desfavorável se (RL> 1), linear (RL = 1) e irreversível (RL = 0).

A isoterma de Freundlich é aplicada para descrever o equilíbrio de sistemas heterogêneos. A forma não linearizada é expressa pela Equação 4:27

onde qe representa a quantidade de soluto na fase sólida no equilíbrio, Ce é a concentração da fase líquida no equilíbrio, n indica, quantitativamente, a reatividade dos sítios energéticos do material e KF (L g-1) pode sugerir a adsorção do íon no material.

Erros de adsorção

Os dados de adsorção foram avaliados com base nos valores de erros calculados pela Equação 5:24,28-30

onde, p é o número de suspensões utilizadas no processo de adsorção, qi modelo é a capacidade de adsorção calculada pelo modelo de isoterma usado e qi experimental é a capacidade de adsorção experimental.

Parâmetros termodinâmicos da reação de adsorção

Constante de equilíbrio

A constante de equilíbrio de uma reação de adsorção pode ser calculada usando a constante de distribuição (Kd) como descrita pela Equação 6:31-33

Variação de energia livre

A relação geral entre a variação de energia livre padrão, ΔGº, e a variação de energia livre sob quaisquer outras condições, ΔG, é dada pela expressão:

onde, ΔG é a variação de energia livre de Gibbs (kJ mol-1), R é a constante universal dos gases (8,314 J mol-1 K-1), T é a temperatura absoluta (K) e K é a constante aparente da reação de adsorção. No equilíbrio a variação de energia livre de um processo de adsorção é calculada pela Equação 8:

onde K é a constante KL de Langmuir ou a constante de distribuição, conforme foi indicado em alguns estudos sobre adsorção do chumbo em caulinitas.14,31-33 O sinal de ΔGº indica se a reação é espontânea ou não, em um sistema fechado em determinada temperatura.

Entalpia e entropia

O calor de adsorção (ΔHº) pode ser medido diretamente por titulação calorimétrica ou calculado a partir da relação linear de van't Hoff que envolve dados experimentais de adsorção em diferentes temperaturas, como foi determinado neste estudo. Esta relação é muito usada no cálculo dos valores de ΔHº e ΔSº e é expressa pela Equação 9:33-35

Nessa equação, R é a constante universal dos gases, igual a 8,314 J mol-1 K-1, KL (L mol-1) é a constante de Langmuir a partir da equação linearizada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos adsorventes

Os dados de DRX indicaram que a caulinita (Al2O32.SiO22.H2O) é o mineral presente nos adsorventes, (Figura 1S, material suplementar) e não mostram decréscimos aparentes nas intensidades dos picos nos valores de 2θ entre 10º a 70º, correspondentes às amostras de rejeito de caulim natural e tratadas com soluções de H2SO4 e HCl 3 mol L-1. Os decréscimos nas intensidades dos picos de DRX poderiam indicar o ataque das folhas octaédricas provocadas pela lixiviação com soluções ácidas. Esta característica é referida como delaminação.36

A delaminação da caulinita com tratamentos ácidos foi verificada pelos dados de MEV/EDX. O tratamento ácido provocou alteração dos aspectos morfológicos (Figura 2S, material suplementar), que é indicada pela esfoliação dos cristais empilhados da caulinita e aumento das razões SiO2/Al2O3 em relação à amostra sem tratamento ácido (Tabela 1). As razões SiO2/Al2O3 foram obtidas a partir da média aritmética das concentrações de SiO2 e Al2O3, correspondentes às análises pontuais por EDX realizadas nas amostras.21

Os valores de CTC e SBET obtidos para amostra de rejeito de caulim (Tabela 1) encontram-se nos intervalos indicados para caulinita.32,37 Na amostra KRnatural o valor de CTC é próximo do limite inferior desse intervalo, que é de 5 a 15 cmolc kg-1.14,37 O baixo valor de CTC obtido para KRnatural é compatível com o grau de cristalinidade e pureza do rejeito de caulim. Estudos anteriores sobre índices de cristalinidade e pureza de caulinitas brasileiras indicaram que a caulinita do Rio Capim tem índice de Hinckley HI = 1,17 e que este valor está situado entre os obtidos para caulinitas de alta ordem estrutural e alta pureza (HI >1)37 e que caulinitas com baixos valores de CTC apresentam altas cristalinidade e pureza.14 Os valores de CTC obtidos para as amostras sob ativação ácida são inferiores ao da amostra KRnatural, devido ao ataque das hidroxilas da estrutura da caulinita.

O valor de SBET do rejeito de caulim apresentou pequeno aumento após tratamentos ácidos (Tabela 1). Este aspecto foi também verificado para outra amostra de caulim após tratamento com HCl 6 mol L-1 que aumentou de 17,0 para 18,9 m2 g-1.39 Valores superiores de área específica podem ser obtidos quando caulinitas são submetidas a tratamentos térmicos (T > 600 ºC) e mecânicos (moagem), seguidos de lixiviações ácidas. Nestas condições, a área específica dos materiais produzidos pode alcançar valores próximos de 533 m2 g-1.38

Distribuição do íon Pb (II) nas interfaces caulinitas-soluções

As concentrações de equilíbrio (Ce) do íon Pb(II) em solução estão diretamente relacionadas com as medidas de pH obtidas na fase líquida. Nos testes de adsorção realizados os valores de pHinicial medidos são inferiores a 6. Nestes valores de pH as frações de Pb(II) mais significativas são as de Pb2+, PbOH+ e Pb(OH)239, as quais podem ser deduzidas a partir das reações de hidrólise (A e B) e substituindo-se as concentrações dos íons H+, correspondentes às medidas experimentais dos processos de adsorção, calcularam-se os valores das respectivas frações αPb2+, aPbOH+ e αPb(OH)2, usando as Equações 10 a 12:7-9

Na fase sólida as concentrações das espécies de Pb(II) podem ser calculadas com base nas combinações de dados experimentais e de modelagens sobre reações de adsorção do Pb2+ nos sítios da caulinita.3,7-9,40

Os resultados dos cálculos das frações molares das espécies de Pb(II), efetuados a partir das substituições das concentrações finais de íons H+ medidas nos processos de adsorção nas Equações 10 a 12, indicam que a espécie de Pb(II) predominante em solução é a de Pb2+ e a menos expressiva é a Pb(OH)2, como mostram os respectivos intervalos de valores das frações molares (Tabela 2).

Avaliando-se as concentrações de H+, Pb2+, PbOH+ e Pb(OH)2, calculadas a partir das substituições das concentrações de Ce nas Equações 10 a 12, em relação às concentrações iniciais (Ci) de Pb(II) nos processos de adsorção a 30 ºC verifica-se que na amostra KRnatural (Figura 1) as concentrações de H+ e as das três espécies de Pb(II) aumentam gradualmente conforme aumento de Ci.


Nos adsorventes KRH2SO4-3 e KRHCl-3 (Figuras 2 e 3) a concentração de Pb2+ apresenta a mesma distribuição observada em KRnatural, mas há divergência em relação ao padrão de distribuição da concentração de H+ dos três adsorventes. Durante o processo de adsorção em KRH2SO4-3 a concentração de H+ é muito variável e em KRHCl-3 a concentração de H+ decresce gradualmente com o aumento de Ci. Este aspecto pode ser atribuído às reações de protonação e desprotonação durante os processos de adsorção.



Equilíbrio de adsorção do Pb(II) nas interfaces caulinitas-soluções

Quantidades adsorvidas do Pb(II)

O valor médio de qe obtido no rejeito de caulim sem tratamento foi 4,14 mg g-1 e encontra-se no intervalo de qe obtido na adsorção do Pb(II) em amostra de caulinita da Companhia de Caulim, Fujian.16 Em termos da quantidade de Pb(II) adsorvida (qe) em relação às concentrações iniciais (Figura 4) verificou-se aumento de qe em direção às maiores concentrações iniciais e que os tratamentos com soluções ácidas efetuados no rejeito de caulim não contribuíram para o aumento de qe médio. As diferenças de qe nos adsorventes ressaltam-se apenas nos pontos iniciais dos processos de adsorção. Nos pontos finais (concentrações iniciais mais elevadas) os valores de qe tendem a se aproximar, especialmente os de KRnatural e KRH2SO4-3. Nos três processos de adsorção os valores de qe médios são bem próximos entre si, sendo o de KRnatural apenas cerca de 1% superior aos qe médios dos outros adsorventes. Este aspecto não se justifica pelos valores de SBET que são menores em KRnatural, mas podem ser atribuídos em princípio ao maior valor de CTC de KRnatural (Tabela 1). Seria esperado ocorrer aumento de qe mais próximo do valor obtido na adsorção do Pb(II) em caulinita tratada com solução de H2SO4,que apresentou qe em torno de 3,32% superior ao da caulinita sem tratamento.32


Na avaliação de qe em relação aos valores de pH final dos processos de adsorção (Figura 5) verificou-se aumento gradual e contínuo de Pb(II) adsorvido com o decréscimo de pH em KRnatural e com o aumento de pH em KRHCl-3. Em KRH2SO4-3 a distribuição dos valores de qe em relação ao pH é descontínua, devido provavelmente à variação de cargas ocorrida durante o processo de adsorção.


O menor valor de qe médio verificado em KRH2SO4-3 pode ser resultante da condição mais ácida do processo de adsorção, que deve ter propiciado aumento de carga positiva e, consequentemente, repulsão eletrostática entre Pb2+ em grupos superficiais positivamente carregados da caulinita, conforme pode ser deduzido a partir de outros experimentos de adsorção de Pb(II) em caulinita.4

Química superficial do Pb(II) nas interfaces caulinitas-soluções

As justificativas sobre as variações das quantidades de Pb(II) adsorvidas em relação ao pH nas interfaces caulinitas-soluções estão baseadas em modelos de formação de complexos superficiais usados para explicar a adsorção de cátions metálicos M2+ nos sítios de adsorção da caulinita. O Pb2+, assim como outros cátions metálicos M2+, pode ser adsorvido no sitio de carga negativa permanente na face tetraédrica, indicado como X- ou SiO-, e nos sítios de cargas variáveis nas bordas dos cristais e na face octaédrica da caulinita, dependentes do pH.3,7-9,40

Nos sítios de carga negativa permanente (face tetraédrica) os modelos de formação de complexos superficiais são indicados pelas reações:7,8

Nos sítios de cargas variáveis, dependentes do pH (bordas e face octaédrica) as interações superficiais são explicadas com base nas reações:3,38

Considerando que os processos de adsorção do Pb(II) neste trabalho ocorreram em pH < 5,2 e que o intervalo de pH final do processo adsorção em KRH2SO4-3 é menor do que os obtidos em KRnatural e KRHCl-3, então pode-se assumir que o Pb(II) é adsorvido especialmente no sítio de carga negativa permanente da caulinita e que nos sítios de cargas dependentes do pH o KRH2SO4-3 é o adsorvente que apresenta repulsão eletrostática mais elevada entre as espécies positivamente carregadas de Pb(II) e o grupo aluminol protonado.

Isotermas de adsorção do Pb(II) nas interfaces caulinitas-soluções

Os modelos de isotermas de Langmuir e Freundlich foram adequados no ajuste dos dados experimentais de adsorção do Pb(II) em rejeito de caulim (Tabela 3). De acordo com os valores de erros obtidos, os melhores ajustes pelos dois modelos de isotermas foram verificados na seguinte ordem: KRH2SO4-3> KRnatural> KRHCl-3. Os valores da constante n de Freundlich superiores à unidade, assim como os obtidos a partir de outras caulinitas, sugerem que os processos de adsorção do Pb(II) neste estudo são favoráveis.

Comparando-se os dados de qmáx obtidos na adsorção do Pb(II) neste estudo com os obtidos em outros estudos de adsorção do Pb(II) em padrões de caulinita e montmorilonita (KGa-b e padrão Swy-2, respectivamente) e em outras caulinitas(Tabela 4), verifica-se que o qmáx do rejeito de caulim sem tratamento (KRnatural) é muito próximo ao da caulinita de Fujian16 e inferior aos dos padrões de caulinita, caulinita da Jordânia natural e tratada com H2SO4 5 mol L-1 e ao da montmorilonita.31,33

A grande diferença entre os qmáx obtidos para a adsorção do Pb(II) em KRH2SO4-3 e caulinita da Jordânia tratada com H2SO4 5 mol L-1 pode ser atribuída aos seus valores de CTC, que são 7,42 e 4,0 cmolc kg-1, respectivamente.33 Não foi possível justificar esta diferença com base nos valores de área específica, porque não se tem informação do valor para a amostra sob ativação ácida e sim para caulinita natural, que apresenta S = 16,9 m2 g-1 e CTC = 8,97 cmolc kg-1.33

Abordagem termodinâmica dos processos de adsorção

Coeficientes de separação, constantes de equilíbrio e variação de energia livre

Na avaliação dos coeficientes de separação, em T = 303, 313, 318 e 323 K, em relação às concentrações iniciais dos processos de adsorção, verificou-se que os valores de RL em KRnatural são inferiores aos obtidos para KRH2SO4-3 e KRHCl-3 nas quatro temperaturas (Tabela 5). Estes dados de RL indicam que a adsorção do Pb(II) em KRnatural é mais viável do que KRH2SO4-3 e KRHCl-3.

As evidências indicadas acima sobre as viabilidades dos processos de adsorção ressaltam-se quando os valores dos coeficientes de separação e variação são avaliados em relação às concentrações iniciais (Figura 6). Observa-se com base nos valores dos coeficientes de separação e variação em T = 303 K que a viabilidade de adsorção do Pb(II) é maior em KRnatural e menor em KRHCl-3 e que nos três processos de adsorção as reações de adsorção se tornam mais viáveis em direção às maiores concentrações iniciais.


Variações de energia livre de Gibbs, entalpia e entropia

Com base nos valores das constantes KL calculados a partir da equação linearizada de Langmuir foram construídos os gráficos ln KL versus 1/T (Figura 3S, material suplementar), que fornecem relações lineares, com coeficientes angulares (iguais a -ΔHº/R) e coeficientes lineares (ΔSº/R). Os resultados dos cálculos efetuados para determinação de ΔHº e ΔSº, assim como os de ΔGº calculados pela Equação 7, correspondentes aos processos de adsorção, estão indicados na Tabela 6.

Os valores das variações de energia livre, entalpia e entropia ΔSº são negativos, assim como outros processos de adsorção do Pb(II) em caulinitas.17,27 Estes dados indicam que os processos de adsorção são espontâneos, exotérmicos e acompanhados por decréscimo da entropia. De acordo com revisão teórica sobre a Segunda Lei da Termodinâmica,41 os processos espontâneos que resultam na diminuição da entropia do sistema são sempre exotérmicos. A variação de entropia (variação de desordem) de um processo químico afeta a espontaneidade deste processo. Quanto mais desordenado ou aleatório um sistema, maior a sua variação de entropia e menor a sua espontaneidade.39

Entre os processos de adsorção do Pb(II) nas caulinitas deste estudo o mais ordenado (o que apresenta menor variação de entropia, durante a evolução das reações) é o da adsorção em KRnatural , conforme pode ser deduzido pelos valores mais negativos de ΔSº (Tabela 6).

De acordo com os valores absolutos de ΔHº ocorre fisissorção se ΔHº dos processos de adsorção alcançam valores inferiores a 80 KJ mol-1 e quimissorção se os valores ΔHº estão compreendidos entre 80 a 420 KJ mol-1.5 Portanto, com base nestas informações é possível sugerir que o valor absoluto obtido para a variação de entalpia no processo de adsorção em KRH2SO4-3 está compreendido entre os esperados para fisissorção e os obtidos em KRnatural e KRHCl-3 estão compreendidos entre os esperados para quimissorção.

CONCLUSÕES

Nos processos de adsorção do Pb(II) em amostras de rejeito de caulim, natural (KRnatural) e tratadas com soluções de H2SO4 e HCl 3 mol L-1 (KRH2SO4-3 e KRHCl-3, respectivamente), constituídas predominantemente por caulinita chegou-se às conclusões a seguir.

Nos intervalos naturais de pH dos processos de adsorção (pH < 5,2) as espécies químicas de Pb (II) em equilíbrio ocorrem na seguinte ordem de concentração: [Pb2+] > [PbOH+] > [Pb(OH)2].

A eficiência dos processos de adsorção, avaliada em termos da quantidade de Pb(II) adsorvida (qe) em relação às concentrações iniciais e pH de equilíbrio, segue a ordem de adsorção em KRnatural > KRHCl-3 > KRH2SO4-3.

Com base nos valores dos coeficientes de separação e variação de energia livre (em T = 303, 313, 318 e 323 K) foi verificado que todos os processos de adsorção são viáveis, espontâneos. Os resultados obtidos para as variações de entalpia (ΔHº) e entropia (ΔSº) indicaram que os processos de adsorção são exotérmicos e ocorrem com decréscimo de entropia.

Os parâmetros mais importantes na distinção dos processos de adsorção do Pb(II) foram RL, ΔHº e ΔSº, que permitiram indicar a adsorção em KRnatural como a mais viável, do tipo química (quimissorção) e a mais ordenada.

MATERIAL SUPLEMENTAR

A Figura 1S referente aos difratogramas de raios X do rejeito de caulim natural e rejeito de caulim modificados, assim como a Figura 2S referente às micrografias e a Figura 3S relativa aos cálculos dos parâmetros termodinâmicos estão disponíveis em http://quimicanova.sbq.org.br na forma de arquivo PDF, com acesso livre.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pelos recursos financeiros do projeto "Dos Minerais aos Novos Materiais (Convênio 2271-FAPESPA(PRONEX)/UFPA/FADESP/SEDECT) e pela concessão de bolsas IC e de produtividade em pesquisa. À Vale pelos recursos financeiros do projeto (Edital 001-2010 FAPEMIG/FAPESP/FAPESPA/VALE S.A).

Recebido em 18/6/12; aceito em 28/8/12; publicado na web em 24/1/13

Material Suplementar

O material suplementar está disponível em pdf: [Material Suplementar]

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      18 Jun 2012
    • Aceito
      28 Ago 2012
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