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Dinâmicas de inquiry no estudo de perturbações a um estado de equilíbrio químico

Inquiry dynamics in the study of perturbations to a state of chemical equilibrium

Resumo

Educational institutions are not being effective, because they do not give individuals what they need to integrate into postmodern society, nor produce citizens that postmodern society needs. Shortcomings include the scientific literacy and cognitive domain levels attained, with an aggravating waning interest in science among pre-university students. We present an inquiry module, an inquiry dynamic, as an education resource for the study of perturbations of a chemical equilibrium state by pre-university or university students of basic chemistry, to contribute to the relevance and popularity of science, potentiation of science literacy and development of cognition. Here we describe an investigation with pre-university students.

Inquiry-based Science Education; changes in a state of chemical equilibrium; chemistry teaching


Inquiry-based Science Education; changes in a state of chemical equilibrium; chemistry teaching

EDUCAÇÃO

Dinâmicas de inquiry no estudo de perturbações a um estado de equilíbrio químico

Inquiry dynamics in the study of perturbations to a state of chemical equilibrium

Hugo Vieira; Carla Morais; João Paiva* * e-mail: jcpaiva@fc.up.pt

Departamento de Química e Bioquímica, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto, 4169-007, Porto, Portugal

ABSTRACT

Educational institutions are not being effective, because they do not give individuals what they need to integrate into postmodern society, nor produce citizens that postmodern society needs. Shortcomings include the scientific literacy and cognitive domain levels attained, with an aggravating waning interest in science among pre-university students. We present an inquiry module, an inquiry dynamic, as an education resource for the study of perturbations of a chemical equilibrium state by pre-university or university students of basic chemistry, to contribute to the relevance and popularity of science, potentiation of science literacy and development of cognition. Here we describe an investigation with pre-university students.

Keywords: Inquiry-based Science Education; changes in a state of chemical equilibrium; chemistry teaching.

INTRODUÇÃO

Ensino das ciências para a literacia científica

A necessidade do ensino das ciências é algo consensual. Mas para quê ensinar ciências? Para quem? Com quem? Como?

Contextualização do seu desígnio

Concentremo-nos, em primeiro lugar, no “Para quê?”. A conceção do ensino atual remonta ao período da Sociedade Industrial. Baseia-se ainda, essencialmente, na importância da disciplina tradicional do conhecimento e a necessidade de classificar os indivíduos tendo em vista o seu provável destino de trabalho, certificado por um diploma que lhe confere capacidades de atuação eficiente para toda a vida. 1,2 Para o século XX isso ainda poderia ser considerado suficiente, mas no século XXI já não o é.

A sociedade do século XXI é diferente. Caracteriza-se por um permanente desenvolvimento e exploração de novas formas de conhecimento. O conhecimento é considerado importante não pela sua relação com a verdade, razão ou certeza, mas sim por aquilo que se é capaz de fazer com ele em diferentes contextos, onde a nossa capacidade de aprender supera a capacidade de seguir regras. 3 O conhecimento é agora algo que faz com que “coisas” aconteçam e não mais como “coisas” que são aprendidas e armazenadas para uso futuro, sendo por isso de carácter dinâmico, gerador de ação ou “energia para”, que é produzido num processo colaborativo de pessoas. 4

Deste modo, a aprendizagem deverá envolver abordagens que1 desenvolvam um novo conhecimento – a sociedade precisa de “produtores” de conhecimento e não apenas de “consumidores” de conhecimento; coloquem em primeiro plano as relações, conexões e interações entre diferentes sistemas de conhecimento e modos de representação; promovam um conhecimento multimodal; enfatizem a diferença e a diversidade; coloquem em primeiro plano a visão do conhecimento como um processo; ajudem os indivíduos a ter perceção de si mesmos como construtores ativos do conhecimento; se baseiem em contextos que acontecem no mundo real; fomentem relações entre pares. Nesta lógica, a mente deve ser um recurso que pode ser conetado a outros recursos para o propósito de gerar novo conhecimento.

Face às características da sociedade atual, o ensino das ciências é necessário: a criação de conhecimento e a compreensão por meio da Ciência é considerado como fulcral para fazer face a problemas económicos, sociais e ambientais de hoje e para alcançar um desenvolvimento sustentável e sociedades mais verdes;5 vive-se num mundo cada vez mais dependente de descobertas científicas, de inovações tecnológicas e de soluções de engenharia, determinando um conhecimento científico e tecnológico estritamente necessário,6,7 sendo a sua compreensão fundamental para preparação dos jovens para a vida na Sociedade do Conhecimento;8 a compreensão da Ciência e da Tecnologia possibilita também a tomada de decisões profissionais, pessoais e políticas, nomeadamente, nas discussões públicas de questões científicas e tecnológicas que afetam as suas vidas;5,6,8 a ciência é crucial para o desenvolvimento socioeconómico de um país em desenvolvimento, pois aqueles que optaram por políticas visando a promoção da Ciência, Tecnologia e Inovação, foram aqueles que progrediram mais nos anos recentes. 9

Estas citações transparecem que o ensino das ciências deverá ser consagrado como um direito dos indivíduos, numa sociedade que se quer democrática, igualitária e inclusiva. Mas tal trata-se apenas de uma prioridade e não de exclusividade, isto é, o ensino das ciências permitirá assegurar o funcionamento e o progresso de sociedade de cariz essencialmente científico e tecnológico, por meio dos cidadãos comuns e de especialistas da ciência que emergirão do seu seio.

Pelo anteriormente exposto, fica evidente a necessidade de uma educação para uma literacia científica. É imperativo assumir o compromisso de uma Educação para a sustentabilidade num âmbito mais alargado do que a ambiental, ou seja, também para a sustentabilidade da Sociedade do Conhecimento e do ser em si que a integra, não hipotecando o futuro de todos eles.

Pontos de partida: os alunos e os professores

Importa agora perceber “Para quem?” um ensino das ciências para uma literacia científica. Para todos os alunos! Sim, mas quais as suas características?

Segundo a informação revelada pelo PISA 2012,8 apenas uma minoria dos alunos de países da OCDE, em média, atingiram níveis de proficiência em Ciência top, 1,2% e 8,4% para os níveis 6 e 5 ou superior, respetivamente. Ainda assim, apenas se ultrapassa a fasquia dos 50%, 58%, para os alunos proficientes num nível 3 ou superior, tendo-se ainda um valor de 29% de alunos que são proficientes num nível 4 ou superior. Atentando nos países de língua portuguesa participantes no PISA 2012, Portugal e Brasil, os resultados são ainda menos animadores, possuindo perfomances abaixo da média da OCDE. Para Portugal, a percentagem em proficiência em Ciência para os níveis 6 e 5 ou superior, é de 0,3% e 4,2%, respetivamente, enquanto para o Brasil é de 0% e 0,3%. A maior parte dos estudantes portugueses possuem proficiência em Ciência de nível 3 (31,4%), enquanto que no caso brasileiro situam-se no nível 1 (35,1%), com a agravante de possuirem uma grande percentagem de estudantes no nível “abaixo do nível 1” (18,6%). A juntar a tudo isto, constata-se que os jovens não estão a ser atraídos para as áreas científicas e eventuais carreiras como cientistas, apesar de considerarem que a Ciência e a Tecnologia são importantes para a sociedade. 6,9,10

Relativamente à outra questão, “Com quem?”, obviamente a sua resposta é com os professores. Mas com professores que, em muitos países do mundo, não estão bem preparados para lecionar disciplinas de áreas científicas – na verdade, são mais eficazes a conduzir os alunos para fora das áreas científicas do que atraí-los para elas por causa da sua falta de preparação. 6,11 Alguns dos professores possuem dificuldades com conceitos matemáticos e científicos básicos, como também não se mantêm atualizados relativamente aos novos desenvolvimentos da Ciência. É necessário auxiliar os professores no sentido de os preparar para ajudar os alunos a desenvolverem a sua literacia científica, bem como a incentivar estudantes para carreiras científicas, ajudando-se os professores a melhorarem relativamente ao domínio de conteúdos e da pedagogia, bem como na introdução de atividades que fomentem a participação ativa dos alunos e de novas tecnologias que ajudem a melhorar a aprendizagem dos alunos. 6

Inquiry-Based Science Education

Faltará agora perspetivar pistas de resposta para o “Como?”. O Inquiry-Based Science Education (IBSE) é visto como o caminho a seguir para promover o ensino das Ciências para a literacia científica. 12,13 Genericamente, corresponde a qualquer processo de ensino-aprendizagem através de “inquiry”,14 albergando a resolução de problemas, investigações em pequena escala, e projetos e investigações. 15

O termo “inquiry”, no sentido geral, é empregue para designar um processo de procura da verdade, do conhecimento ou de informação acerca de algo16 do mundo natural, que fomenta esse espírito de questionamento, de descoberta e compreensão. 17John Dewey, o pioneiro do IBSE, vai mais longe, mencionando que o “inquiry” é mesmo até o nosso processo natural de resolver uma situação problemática e de construir a compreensão do mundo natural e todos os aspetos da vida humana, e de nós mesmos, no sentido de satisfazer as suas curiosidades. 18 Dewey foi também um grande defensor do “inquiry” enquanto processo de ensino-aprendizagem,17 propondo a “progressive education” por contraposição ao ensino tradicional de memorização seu contemporâneo, exortando “education of, by and for experience”. 19 Das obras de Dewey, sobressaem também três características do “inquiry”, podendo daí tirarem-se conclusões para o seu uso enquanto metodologia de ensino: relevância, participação e significado. 18 A relevância, pois o “inquiry” é visto como ferramenta para resolver as preocupações do indivíduo, argumentando Dewey que as atividades propostas aos alunos precisam de se relacionar eficazmente com as suas experiências para gerar desejo para satisfazer a curiosidade sobre a questão levantada;19 a participação, pois uma vez que o conhecimento emerge como consequência da ação sobre o mundo, Dewey acredita que se deve fornecer um ambiente que proporcione uma participação ativa dos alunos, como se de uma extensão das suas vidas se tratasse;20 significado, uma vez que como o “inquiry” se trata de uma interação dinâmica entre quem questiona e o mundo natural questionado, os seus resultados não podem ficar contidos na cabeça, devem promover mudanças no mundo natural, sendo necessário fomentar-se situações com utilidade e aplicabilidade aos olhos dos alunos. 19

O NSES corroborou mais tarde as ideias de Dewey, explicitando duas perspetivas para o “inquiry”: a científica, referindo-se o “inquiry” às diferentes estratégias que os cientistas usam para estudar e propor explicações para o mundo natural, com base nas evidências do seu trabalho; a da sala de aula, podendo-se ser referida como a capacidade que todos os alunos deverão desenvolver para projetar e realizar investigações científicas, e para a compreensão que devem obter sobre a natureza da investigação científica ou como o método de ensino que permite ensinar conceitos científicos através de investigações. 13

Em suma, o “inquiry” corresponde a uma filosofia de aprendizagem de carácter construtivista, que permite aos alunos construírem significados do mesmo modo que os cientistas o fazem e permite simultaneamente adquirir conhecimento conceptual, processual e desenvolver capacidades de metacognição, potenciando a inclusão dos alunos na sociedade atual. É um método multifacetado que possibilita a realização de observações; colocar questões; examinar livros e outras fontes de informação para ver o que já se sabe, planificar investigações; rever o que já é conhecido à luz da evidência experimental; usar ferramentas para observar, analisar e interpretar dados; propor respostas, explicações e previsões; e comunicação de resultados. 13

O IBSE, enquanto processo, dada a sua natureza, pressupõe que à partida não esteja definido o caminho a seguir, não se podendo apresentar de antemão um procedimento com carácter definitivo. 14 No entanto, poder-se-á apresentar um modelo, a título representativo, ajudando a identificar etapas estruturantes comuns deste processo. Esse modelo é apresentado na Figura 1.


Tendo em conta o modelo apresentado, o IBSE é caracteristicamente um processo de iteração de resolução de um problema, tentando-se progressivamente esclarecer, a cada processo iterativo, o cenário de partida até se alcançar a solução. Poder-se-á dividi-lo em quatro momentos: um primeiro, “Fomentar a motivação intrínseca por um problema”, no qual se gera a curiosidade e motivação no aluno para a investigação; um segundo, “Planificação e projeto”, no qual se planifica a investigação e se procede à concretização da mesma num processo iterativo; um terceiro, “Conclusões finais”, no qual são suportadas/evidenciadas as conclusões; um quarto, “Comunicação pública dos resultados finais”, no qual se procede à comunicação dos resultados alcançados. Acoplado a estas etapas, o processo promove discussões/debates, cooperação, reflexão, observação/registo e partilha. 21

Relativamente ao processo, importa referir que existem quatro níveis de IBSE definidos, sendo os níveis estabelecidos mediante a informação e orientação dadas aos alunos pelo professor e têm dificuldade crescente: “Confirmation”, em que é fornecida a questão e o procedimento (método) ao aluno, sendo os resultados conhecidos de antemão; “Structured” em que é fornecida a questão e o procedimento ao aluno, mas no entanto, terá de ser o aluno a construir explicações suportadas pelas evidências que foram reunidas; “Guided” em que é apenas fornecida ao aluno a questão, tendo de ser os alunos a planificar o procedimento a seguir na investigação e a respetiva explicação; “Open” em que o aluno tem a oportunidade de agir com elevado grau de autonomia, formulando as questões, planificando e levando avante as investigações, construindo explicações e comunicando os seus resultados. 22

O papel do professor no IBSE deve ser visto como o “facilitator” (facilitador/dinamizador), como se de um bom supervisor se tratasse. Ou seja, o seu papel é prestar ajuda no processo, criando condições para que os alunos possam concretizar o “inquiry”, permitindo que estes definam o caminho, agindo sempre numa toada de confiança. Assim, o professor deverá procurar conceder aos seus alunos a liberdade para explorar/pesquisar/investigar, experimentar, falhar e ter êxito, como também para discutir dificuldades bem como para apresentar e discutir os resultados. 23

Da teoria à prática: os projetos PARSEL e PROFILES

Por todo o mundo existem vários projetos que visam promoção do ensino das ciências para a literacia científica. Dois exemplos desses projetos são o PARSEL e o PROFILES, ambos com forte aproximação ao inquiry.

O acrónimo PARSEL significa Popularity and Relevance of Science Education for Scientific Literacy. Corresponde a um consórcio de universidades europeias que visou promover a literacia científica e aumentar a popularidade e relevância do ensino e aprendizagem das ciências (2006-2009). Para tal, o seu trabalho passou por desenvolver, testar e disseminar módulos de ensino de ciências por todos os países da europa, denominados por módulos PARSEL. 24

O acrónimo PROFILES significa Professional Reflection-Oriented Focus on Inquiry-based Learning and Education through Science (http://www.profiles-project.eu/). O PROFILES é um projeto fundado pelo Seventh Framework Programme (FP7), correspondendo a um consórcio de mais de uma vintena de países europeus participantes. Visa promover a adoção do ISBE, tendo como objetivo aumentar a eficácia dos professores, para a proposta de aumentar a literacia científica dos alunos. O ensino a promover tem como base os módulos PARSEL. 25

Os módulos inquiry decorrem da implementação do projeto PROFILES em Portugal (http://www.profiles.org.pt/). Correspondem à adaptação dos módulos PARSEL ao currículo nacional, com a incrementação adicional da promoção da experimentação, do uso de software educativo e de oportunas explorações da História da Ciência. 24

Estrutura e implementação dos módulos inquiry

Os módulos inquiry, em termos de documentos integrantes, apresentam a mesma estrutura dos módulos PARSEL, ou seja, cinco secções diferentes:24,25

1. Página inicial: documento onde consta o título do módulo, o seu resumo, competências de aprendizagem, capacidades a desenvolver, nível de ensino a que se destina, assim como o número de aulas previstas para a sua implementação.

2. Guia do estudante: documento destinado aos alunos, onde é identificado o cenário(s) do módulo e as tarefas que estes terão de realizar.

3. Guia do professor: documento que contém indicações para o professor sobre a maneira mais adequada da aplicação do módulo, segundo o autor.

4. Estratégias de avaliação: documento para auxiliar o professor na sua tarefa de avaliação, por meio da recomendação de estratégias de avaliação a usar.

5. Notas do professor: documento com informações adicionais sobre o módulo, assim como propostas de resposta às questões levantadas.

Os módulos inquiry foram concebidos para serem implementados por meio do denominado three-stage model, sendo bem evidente neste modelo a influência do processo IBSE. 24,25 Na fase 1, tem-se como intento geral gerar motivação intrínseca nos alunos a partir da promoção da relevância, aos seus olhos, com base num cenário sócio-científico que lhe seja familiar. A intenção é estimular o envolvimento efetivo dos alunos no estudo e na resolução de um problema que seja digno de ser valorizado, em que cujas ações desencadeadas por si possam vir a gerar uma melhor compreensão do problema. Esta estratégia procura que os alunos queiram saber sobre os conceitos científicos subjacentes ao cenário proposto como também a vivenciarem práticas científicas, pretendendo-se, preferencialmente, que a questão ou questões científicas a investigar sejam especificadas por si sob orientação do professor, coadunando-se com as hipóteses levantadas para dar resposta ao cenário colocado. As questões científicas deverão resultar em virtude da reflexão dos alunos acerca dos seus conhecimentos científicos prévios, que poderão ser insuficientes para lhes permitir uma discussão significativa do cenário, permitindo autoconsciencializarem-se da necessidade de adquir novos conhecimentos científicos por intermédio de investigação a desenvolver-se. A fase 2 corresponde à concretização disso mesmo, tendo-se como seu objetivo descobrir a ciência subjacente à situação apresentada no cenário inicial, proporcionando a aquisição de conceitos científicos e desenvolvimento de resolução de problemas. Na fase 3, pretende-se proporcionar a reflexão e a consolidação dos novos conhecimentos científicos, bem como o desenvolvimento da tomada de decisão e reforço da capacidade de transferência/aplicação dos conceitos científicos subjacentes ao cenário em estudo. É fundamental, e desejado, que a consolidação da ciência ocorra com relevância, devendo-se incluir os novos conhecimentos científicos na discussão do cenário inicial. Tal permite acrescer a ciência recém aprendida a outros argumentos importantes a usar em discussões ou debates ou qualquer outras ações que possam visar a tomada de uma decisão sócio-científica de uma forma justificada. A consolidação científica pode ser ainda reforçada colocando os alunos perante outros cenários sócio-científicos cuja discussão se relaciona com o recurso aos conhecimentos científicos recém adquiridos.

PARTE EXPERIMENTAL

Apresentação do módulo desenvolvido

O módulo desenvolvido, ao contrário do que é comum nos módulos inquiry, é constituído não por um mas por três cenários, que se iniciam com uma questão, e que estão encadeados numa lógica evolutiva de aprendizagem relativamente aos objetivos delineados para si:

1. Por que é que a presença de gás nos refrigerantes não é duradoura?

2. Como interpretar a alteração observada na cor do “galo do tempo”?

3. Será a Química importante para a viabilidade económica da indústria?

Mediante a estrutura típica dos módulos inquiry, foram elaborados cinco documentos principais – Página inicial, Guia do Estudante, Guia do professor, Estratégias de avaliação e Notas do professor – e outros documentos complementares. Estes documentos permitem aplicar o módulo inquiry conforme sugerido ou adaptá-lo às suas aulas. Para possibilitar mais facilmente o acesso ao módulo inquiry e a sua disseminação eficaz, e atendendo ao espírito de divulgação e partilha gratuita subjacente ao projeto de origem PARSEL, construiu-se uma página de internet: http://hugovieirafcup.wix.com/modulolechatelier. Na Figura 2, apresenta-se a sua página de entrada.


Os objetivos associados aos objetos de ensino do módulo inquiry desenvolvido para o estudo de perturbações a um estado de equilíbrio químico visam a concretização dos objetivos de aprendizagem incluídos no programa de Química de níveis de ensino pré-universitários, bem como até em programas de Química Geral que se inclui nos mais variados cursos de ensino universitário.

A escolha do contexto para a exploração dos objetos de ensino foi efetuada no sentido de promover a relevância e a popularidade, aos olhos dos alunos, do estudo de perturbações a um estado de equilíbrio químico. Pretendeu-se também que o módulo não fosse uma mera atividade complementar de consolidação de aprendizagens prévias, mas que fosse ele próprio a origem da aprendizagem. A intencionalidade desta ação visa proporcionar a aplicação efetiva do módulo, sem prejuízo para o tempo de lecionação dos conteúdos e desenvolvimento de competências previstas, com a mais-valia dos benefícios de aprendizagem que advêm do método de ensino ligado aos módulos inquiry, o ISBE. Outro cuidado que se teve foi de o contexto selecionado proporcionar uma progressão de ideias e de experiências de aprendizagem ordenadas numa sequência tal que permitissem aos alunos por si desenvolver compreensão conceptual e conhecimento processual.

Relativamente às experiências de aprendizagem, houve a preocupação de fomentar atividades investigativas, a realização de trabalho experimental e o uso de software educativo, em trabalhos colaborativos. Por meio da sua heterogeneidade e especificidade procurou-se que as experiências de aprendizagem possibilitassem um desenvolvimento alargado de capacidades dos alunos. Entre essas capacidades, inclui-se a comunicação, estimulada por meio de discussões em pequeno e grande grupo, apresentações orais e escritas.

Implementação do módulo

O ensaio pedagógico do módulo desenvolvido foi realizado numa turma de ensino pré-universitário. A implementação do módulo surge no encadeamento do estudo do conceito de equilíbrio químico. Após conclusão do estudo do equilíbrio químico, indicou-se aos alunos que existem inúmeros exemplos de fenómenos do mundo natural que correspondem a equilíbrios químicos, explicitando-se que, no entanto, eles poderão não permanecer imutáveis devido a perturbações a que possam ser sujeitos, promovendo-se o seu desequilíbrio, evoluindo para um novo estado de equilíbrio. Informou-se depois que iriam ser estudados equilíbrios e desequilíbrios de situações familiares de equilíbrios químicos.

De seguida, estimulou-se o levantamento de curiosidades relativamente a fenómenos associados a refrigerantes e realizou-se um brainstorming na tentativa de identificar a perturbação que estava na origem do acontecimento questionado. Realizou-se o mesmo procedimento para o segundo e o terceiro cenário. Após esta etapa, encaminhou-se os alunos para a investigação das respostas dos cenários colocados, antecedendo-a com a estimulação à construção de novo conhecimento científico, relativamente ao efeito que as perturbações identificadas teriam sobre um sistema químico em equilíbrio, por meio da exploração autónoma dos alunos do software “Le chat II”. Após comunicação de resultados e sua discussão, no sentido de possibilitar a consolidação científica e fomentar a compreensão e decisão sobre situações associadas aos novos conhecimentos, solicitou-se a construção de posters para expor para a comunidade escolar, para novos cenários propostos.

O número de aulas que ocupou a implementação do módulo foram quatro aulas de 90 minutos. Todas as tarefas foram desenvolvidas em grupo. A primeira tarefa e a preparação das investigações foram preparadas em casa, tendo sido as restantes ações desenvolvidas na sala de aula ou em laboratório.

Para se perceber se decorreram aprendizagens potenciadas pelo módulo e avaliar o módulo em si, recorreu-se a um questionário.

RESULTADOS E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

Seguidamente são apresentados os resultados obtidos por meio de um questionário. Os seus valores encontram-se em percentagem. O significado atribuído à escala foi: 4 – Muito; 3 – Moderadamente; 2 – Pouco; 1 – Nada.

Por análise da Tabela 1, verifica-se que a exploração do módulo inquiry potenciou a consecução da maioria dos objetivos de aprendizagem indicados (6 em 9). De destacar o que o módulo mais potenciou foi a compreensão sobre as perturbações a um estado de equilíbrio: concentração (68,8%), temperatura (68,8%) e pressão (62,5%). Os pontos que tiveram classificação “moderadamente” relacionam-se com aplicação dos objetos de ensino (equilíbrio químico e perturbações a um estado de equilíbrio) no contexto real do dia a dia. Este resultado pode dever-se ao facto de se ter concentrado a atenção, essencialmente, em três situações, limitando a perceção do âmbito da aplicabilidade dos objetos de ensino.

O que transparece da opinião dos alunos relativamente ao módulo inquiry, como se pode deduzir dos resultados apresentados na Tabela 2, é que este fomenta muito a sua participação ativa na construção do conhecimento científico (62,5%), estimula o espírito de iniciativa (50%), e maximiza competências (62%,5). Possibilita em muito o desenvolvimento da capacidade de resolução de problemas (50%) e de capacidades metacognitivas, pois auxilia no processo de aprender a aprender (56,3%). Mas estes resultados entram um pouco em contradição com outros. Apesar de considerarem que potencia muito as capacidades processuais, classificaram como moderadamente o seu contributo para o aumento da literacia científica (62,5%), a capacidade de aplicação de conhecimentos (68,8%) e de tomada de decisões (50,0%). Segundo a opinião dos alunos o módulo inquiry ajuda em muito a aumentar o gosto pela aprendizagem da Ciência (68,8%) e a uma aprendizagem significativa da Ciência (56,3%). Mas apesar disso, os alunos consideraram que o módulo inquiry apenas ajudou moderadamente a tornar relevante a aprendizagem da Ciência (62,5%) e a promover um processo ensino-aprendizagem interessante (56,3%).

Tal poderá estar relacionado com os cenários do módulo, pois classificaram-nos somente como interessantes (68,8%), como evidenciam os resultados apresentados na Tabela 3, havendo apenas um deles que se destaca relativamente ao grau de interesse que suscita, os refrigerantes (43,8%), tal como transparecem os resultados mostrados na Tabela 4.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A literacia científica dos alunos não se encontra nos níveis que se desejam, condicionando a afirmação e emancipação do indivíduo na Sociedade Pós-Moderna ou do Conhecimento, e a sustentabilidade e desenvolvimento da mesma. A sua natureza deve-se, em parte, ao trabalho que as instituições de ensino têm feito com os alunos, onde mais que aprender uma prática do conhecimento, se aprende, sobretudo, um conjunto de informações sobre essa prática, revelando-se como uma filosofia desatualizada, uma vez que não satisfaz as necessidades do indivíduo e da sociedade atual.

A mudança de cenário relativamente à literacia científica dos alunos passa indubitavelmente por uma modificação de estratégias de ensino, devendo-se fomentar processos de ensino-aprendizagem que estimulem não só a aquisição e retenção de conhecimento científico, mas também o desenvolvimento de capacidades para o usar em diferentes contextos. Para além disso, deve-se incrementar experiências de aprendizagem que coloquem no aluno a responsabilidade de construir novos conhecimentos, desenvolvendo a sua proatividade e metacognição para fazer face uma sociedade mutável, enquadradas em situações que despertem a sua curiosidade e que tenham utilidade e aplicabilidade para si.

Após a implementação do módulo parece haver vantagens na sua utilização como recurso educativo que promove a implementação da metodologia inquiry. Os resultados do questionário assim o indiciam. As aprendizagens foram potenciadas pelo módulo, promoveu uma construção participada e consciente de conhecimento dos alunos, com significado, maximizando competências de resolução de problemas e o interesse pela aprendizagem da Ciência.

PROJETOS FUTUROS

Os módulos inquiry, enquanto recurso educativo, compadecem-se com o ensino superior, com vantagens para os alunos. Muitas das vezes os alunos universitários olham para o seu curso como uma prova de salto de barreiras, em que após a sua ultrapassagem, os conhecimentos a si associados se desvanecem no tempo. Tal prende-se pelos alunos ficarem-se pelos domínios cognitivos de níveis taxionómicos mais baixos, tal como a memorização, tendo em conta que o instrumento de avaliação subjacente à sua aprovação ser um exame escrito. No ensino superior é necessário maximizar-se o desenvolvimento de domínios cognitivos mais elevados dos alunos, em seu benefício bem como da Sociedade pós-moderna. Assim, projeta-se que no futuro este módulo possa ser implementado e estudado em domínios da Química geral de cursos universitários, assim como construir outros módulos inquiry para implementação na prática do ensino universitário, acompanhados do estudo sistemático enquanto recurso educativo com esta finalidade.

Recebido em 27/03/2014

aceito em 03/06/2014

publicado na web em 29/07/2014

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  • *
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Out 2014
    • Data do Fascículo
      2014

    Histórico

    • Recebido
      27 Mar 2014
    • Aceito
      03 Jun 2014
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