Acessibilidade / Reportar erro

Tribocorrosão da liga TI6AL4V em solução salina tamponada com fosfato

Tribocorrosion of TI6AL4V alloy in phosphate buffered saline solution

Resumo

The tribocorrosion behavior of Ti6Al4V alloy was investigated in a Phosphate Buffered Saline (PBS) solution by a reciprocating wear, using alumina ball as the counterface material, at different normal forces and sliding velocities. Dry wear experiments were performed in order to compare with the tribocorrosion experiments at open circuit potential and under anodic polarization. Dry wear induced a superior damage on the counterface, forming larger and shallower wear tracks compared with those experiments performed in PBS solution. The anodic current was increased by wear; however the volume of oxidized metal in tribocorrosion experiments correspond to a relative low percentage of the wear track volume.

tribocorrosion; wear; titanium alloys


tribocorrosion; wear; titanium alloys

ARTIGO

Tribocorrosão da liga TI6AL4V em solução salina tamponada com fosfato

Tribocorrosion of TI6AL4V alloy in phosphate buffered saline solution

Taíse M. ManhaboscoI, * * e-mail: tmanhabosco@yahoo.com.br ; Iduvirges L. MullerI; Claudia B. dos SantosII

IDepartamento de Metalurgia, Escola de Engenharia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. Bento Gonçalves, 9500, 91501-970, Porto Alegre - RS, Brasil

IIFraunhofer-Institut für Produktionstechnik und Automatisierung (IPA), Stuttgart, Alemanha

ABSTRACT

The tribocorrosion behavior of Ti6Al4V alloy was investigated in a Phosphate Buffered Saline (PBS) solution by a reciprocating wear, using alumina ball as the counterface material, at different normal forces and sliding velocities. Dry wear experiments were performed in order to compare with the tribocorrosion experiments at open circuit potential and under anodic polarization. Dry wear induced a superior damage on the counterface, forming larger and shallower wear tracks compared with those experiments performed in PBS solution. The anodic current was increased by wear; however the volume of oxidized metal in tribocorrosion experiments correspond to a relative low percentage of the wear track volume.

Keywords: tribocorrosion; wear; titanium alloys.

INTRODUÇÃO

Titânio e suas ligas são materiais amplamente utilizados como biomateriais e aplicados em dispositivos biomédicos, devido às suas propriedades superiores, como maior biocompatibilidade, baixa toxicidade, maior resistência à corrosão e baixo módulo de elasticidade se comparado a outros metais utilizados em implantes como ligas de cromo-cobalto e aços inoxidáveis. A resistência à corrosão, umas das propriedades que determina o sucesso de um material como biomaterial, é conferida pela formação de filme passivo e aderente à superfície, que consiste principalmente de dióxido de titânio amorfo (TiO2) responsável também pela biocompatibilidade do material.1-4

Apesar de sua resistência à corrosão, titânio e suas ligas apresentam uma baixa resistência ao desgaste abrasivo, baixa resistência ao desgaste devido a movimentos oscilatórios de pequena amplitude entre duas superfícies (fretting) e alto coeficiente de atrito. A título de comparação, experimentos indicam que a taxa de desgaste da liga Ti6Al4V é de 11 a 20 vezes maior que a taxa de desgaste para a mesma liga com tratamento superficial de nitretação.5 Devido às suas pobres propriedades tribológicas, quando utilizados em implantes e próteses, existe uma tendência a danificar e transferir material à contraparte, além da formação de debris que podem ocasionar danos celulares, reações inflamatórias e até a rejeição do implante.6,7

Estudos a respeito da resistência à corrosão e da resistência ao desgaste de metais a serem empregados em próteses e dispositivos biomédicos normalmente são realizados separadamente. Entretanto, um material implantado em um ser humano e sujeito a carregamentos como, por exemplo, as próteses de quadril e joelho, está exposto à ação simultânea de desgaste, devido ao deslizamento relativo entre as partes componentes das juntas, e corrosão, pela exposição do material ao fluido corporal agressivo. O conjunto descrito acima pode ser definido como um sistema de tribocorrosão em que os mecanismos de corrosão e desgaste não atuam separadamente, mas sim dependem um do outro de uma forma bastante complexa em que normalmente a corrosão é acelerada pelo desgaste e o desgaste é afetado pela corrosão.8-11

Atualmente tem-se dado uma importância crescente a ensaios de tribocorrosão no sentido de avaliar melhor as propriedades dos materiais quando da atuação simultânea dos mecanismos de desgaste e corrosão. Em diversos dos estudos apresentados na literatura a respeito de tribocorrosão em titânio e suas ligas, o fretting é a solicitação mecânica aplicada.12-17 Estudos a respeito da corrosão-desgaste, com desgaste de riscamento linear e alternado são menos reportados. Khan et al.18 realizaram um estudo comparativo da resistência à corrosão e ao desgaste de titânio e algumas de suas ligas, em meio biológico. O trabalho compreendeu o estudo da resistência ao desgaste com parâmetros únicos de desgaste, estudo da corrosão em meio salino tamponado com fosfato (PBS), o efeito da corrosão no desgaste e o efeito da corrosão acelerada pelo desgaste prévio da amostra, anterior ao ensaio de corrosão. Apesar de o desgaste não ter sido mensurado em termos de perda de material, os autores puderam concluir, com relação ao sinergismo corrosão-desgaste, que a corrosão acelerada pelo desgaste em todas as ligas é mais severa que apenas a corrosão e é mais prejudicial para ligas bifásicas (alfa + beta). Recentemente, Komotori et al.19 publicaram resultados interessantes a respeito da tribocorrosão da liga Ti6Al4V testada em ensaios potenciodinâmicos anódicos (até 4 V ou 10 mA/cm2) ou a potencial anódico fixo de 2 V com ação simultânea de desgaste por riscamento linear e alternado, a diferentes velocidades com carga aplicada de 0,098 N. Os autores focaram seu estudo na influência das diferentes velocidades de desgaste quando da aplicação do potencial anódico de 2 V em solução de Ringers desarejada. Este estudo reforçou as conclusões do trabalho de Khan et al. citado acima,19 apesar das diferentes condições de ensaio, de que a resistência à corrosão da liga Ti6Al4V é diminuída pela ação de desgaste. Ainda, concluiu que o dano ao material é dependente da velocidade de desgaste (quanto maior a velocidade de desgaste, maior a densidade de corrente desenvolvida) e a capacidade de repassivação é diminuída pelo desgaste em frequências próximas ao do caminhar rápido de um ser humano.

Considerando a importância da liga Ti6Al4V na área biomédica, mas sem esquecer de outras atividades econômicas aonde ela vem sendo utilizada, o presente trabalho apresenta um estudo a respeito da tribocorrosão da liga Ti6Al4V, em meio fisiológico simulado, aplicando-se não somente diferentes velocidades, mas também diferentes forças de desgaste com monitoramento simultâneo dos parâmetros relacionados tanto ao desgaste como à corrosão. Ainda, apresenta os primeiros resultados de ensaios intermitentes com eventos de tribocorrosão e corrosão atuando alternadamente, já que em várias aplicações como em próteses implantadas em seres humanos, as ligas não estão constantemente sujeitas ao desgaste simultaneamente à corrosão.

PARTE EXPERIMENTAL

Amostras cilíndricas de Ti6Al4V (Gr. V), com diâmetro de 38 mm e altura de 17 mm, foram utilizadas como corpo de prova. Como preparação superficial, as amostras foram lixadas com lixas de carbeto de silício até grana 800 e posteriormente polidas em suspensão oleosa de diamante 16 µm seguido de sílica coloidal, obtendo-se um fino acabamento superficial. Após a preparação superficial, as amostras foram limpas em acetona, metanol e água destilada.

Ensaios eletroquímicos foram realizados em célula de vidro, com contraeletrodo de platina e eletrodo de referência de calomelano saturado, através da utilização de um potenciostato EG&G PAR modelo 273. Como solução eletrolítica, utilizou-se solução PBS (phosphate buffer saline solution - solução salina tamponada com fosfato) a fim de simular o fluido corpóreo. A solução PBS é composta de 8 g/L NaCl; 0,2 g/L KCl; 0,594 g/L Na2HPO4 e 0,2 g/L KH2PO4, com pH = 7,1 (ASTM F 2129-01). Anteriormente aos experimentos eletroquímicos, o sistema era mantido 1 h em solução a fim de estabilizar o potencial de corrosão. Ensaios de polarização potenciodinâmica foram realizados a uma taxa de varredura de 0,167 mV/s e ensaios de corrosão potenciostáticos a um potencial de 400 mVecs, valor situado na região passiva da liga de titânio. A temperatura, em todos os ensaios realizados foi de aproximadamente 37 ºC (± 1 ºC) controlada por um banho termostatizado.

Ensaios de desgaste foram realizados por um tribômetro computacionalmente controlado, do tipo esfera sobre chapa. As esferas utilizadas para desgaste eram de alumina (Saphirwerk) com diâmetro de 5 mm. Uma carga normal de 2, 4 ou 8 N foi aplicada, desgastando linearmente a superfície a diferentes velocidades (4, 8 ou 16 mm/s), perfazendo uma trilha de desgaste de 8 mm em todos os experimentos. O tempo total de desgaste em todos estes casos era de 2 h. Assim, às diferentes velocidades de desgaste correspondem quantidades diferentes de ciclos de atrito; portanto, 4, 8 e 16 mm/s correspondem respectivamente a 3600, 7200 e 14400 ciclos, nas 2 h do ensaio.

Ensaios de tribocorrosão, nos quais os mecanismos de corrosão e desgaste atuam simultaneamente, foram realizados adaptando-se uma célula de acrílico ao tribômetro. Como contraeletrodo utilizou-se fio de platina e como eletrodo de referência, o eletrodo de calomelano saturado situado a aproximadamente 1 cm da trilha de desgaste. Somente a parte polida da amostra a ser desgastada, com área de 3,14 cm2, foi exposta à solução eletrolítica. O restante da amostra foi eletricamente isolada do tribômetro e conectada ao potenciostato. Os mesmos parâmetros de desgaste utilizados nos ensaios a seco foram também utilizados nos ensaios de tribocorrosão a um potencial anódico de 400 mVecs. Ensaios a potencial de circuito aberto foram realizados para comparação com os ensaios sob condição de polarização anódica. Ainda, ensaios intermitentes com eventos de tribocorrosão e corrosão atuando alternadamente a cada 30 min, durante 4 h, foram realizados.

Após os testes envolvendo desgaste, as trilhas oriundas dos mesmos foram analisadas por microscopia óptica (microscópio Olympus), microscopia eletrônica de varredura (LEO - SUPRA 35, Gemini) e por perfilometria (Microglider, Fries Research & Technology). Através dos perfis obtidos por perfilometria, após o termino do experimento, realizou-se a integração dos mesmos para estimar o volume de material desgastado durante o ensaio.

Todos os ensaios apresentados foram realizados pelo menos quatro vezes, com resultados bastante repetitivos. Assim, os resultados apresentados são referentes sempre a um ensaio específico que é representativo do conjunto de ensaios realizados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Curvas de polarização em ausência ou presença de desgaste (a uma força normal de 4 N e velocidade de 8 mm/s), estão apresentadas na Figura 1.


Em ausência de desgaste, a liga apresenta uma região de passividade com densidades de corrente da ordem de 8 x 10-7 A/cm2. Em ensaios onde o desgaste atuou simultaneamente com a polarização, uma queda no potencial de corrosão é observada, assim como um aumento da densidade de corrente (~ 4 x 10-5 A/cm2). Quando a esfera de alumina desgasta a superfície, o filme superficial é localmente destruído, expondo a liga à solução eletrolítica e provocando um decréscimo no potencial de corrosão como já verificado em sistemas similares.13,19-21 Este decréscimo do potencial de corrosão pode estar associado ao fato de que reações anódicas de corrosão e repassivação ocorrem devido à exposição da superfície metálica desgastada; supondo que não haja grande mudança na reação catódica, devida praticamente só à redução de oxigênio dissolvido, o aumento da reação anódica deslocará o potencial de corrosão a valores mais negativos. Em potenciais mais anódicos, não se encontra evidência visível de que se instale um processo corrosivo acelerado, o que seria de reconhecer por aumento contínuo da corrente com o potencial. Há uma tendência de a liga (provavelmente junto com uma corrosão incipiente) refazer o filme passivo, que é continuamente removido pelo desgaste, como se pode verificar pela oscilação da corrente.

Para comparação com os ensaios de tribocorrosão, ensaios de desgaste a seco foram realizados. O perfil das trilhas resultantes de ensaios de desgaste a seco com força normal de 2, 4 e 8 N e a uma velocidade de 8 mm/s estão apresentadas na Figura 2, assim como os perfis das contrapartes de alumina. Ensaios com força normal de 4 N e diferentes velocidades de desgaste (4, 8 e 16 mm/s) também foram realizados. Como esperado, Tabela 1, o aumento da força normal aplicada e da velocidade de varredura provocam um aumento na taxa de desgaste assim como um maior dano à contraparte de alumina.


Ensaios de tribocorrosão, tanto a um potencial anódico fixo de 400mVecs como a potencial de circuito aberto, realizados nas condições de desgaste citadas anteriormente, foram realizados. A Figura 3 apresenta os coeficientes de atrito de testes realizados a seco e em solução eletrolítica. Verifica-se que a liga, quando desgastada a seco, apresenta um coeficiente de atrito elevado, constantemente em torno de 0,38, o qual diminui com a presença de solução eletrolítica (0,33) provavelmente devido à ação lubrificante da mesma e a uma maior dispersão das partículas formadas que atuam como terceiro corpo. Não foram encontradas diferenças significativas no coeficiente de atrito para os testes a circuito aberto e a 400 mVecs.


A Figura 4 apresenta o comportamento das densidades de corrente desenvolvidas durante os ensaios de tribocorrosão ao potencial de 400 mVecs, a diferentes velocidades de desgaste e daquelas resultantes do ensaio de corrosão a 400mVecs em ausência de desgaste. Os resultados encontrados reforçam os apresentados por Komotori et al.:19 quanto maior a velocidade de desgaste, maior é a densidade de corrente. Além da influência da velocidade de desgaste, o efeito da força normal de desgaste na corrosão e/ou repassivação da liga foi estudado. Como resultado obteve-se que quanto maior é a força normal de desgaste, maior é a densidade de corrente anódica desenvolvida pelo sistema.


Desgastando-se o metal passivo com um material de alta dureza (alumina), a densidade de corrente anódica apresenta oscilações, devido aos eventos de corrosão e repassivação, e foi aumentada em aproximadamente 200 vezes para os casos de desgastes mais brandos (2 N e 8 mm/s ou 4 N e 4 mm/s). Este fato pode ser relacionado ao efeito do desgaste sobre a corrosão, uma vez que ao se provocar um dano localizado no filme passivo que protege o metal, pode resultar a dissolução do metal e a tentativa de reparar o filme (eventos de corrosão e repassivação). Quando o desgaste cessa, a corrente de corrosão decresce rapidamente a valores medidos anteriormente ao desgaste, típicos do estado passivo, indicando que nenhum processo localizado de corrosão continua a ocorrer. Mesmo nos ensaios intermitentes (Figura 5), onde mecanismos de tribocorrosão e corrosão atuaram alternadamente por um período de 4 h, a densidade de corrente anódica após evento de tribocorrosão sempre decresceu a valores de corrente passiva. Ao reiniciar o evento de tribocorrosão, a densidade de corrente retomou valores obtidos em ensaios contínuos de tribocorrosão.


Assim como verificado por outros autores, para diferentes materiais, os experimentos realizados variando-se a força aplicada e a velocidade de desgaste confirmam que a corrente anódica é proporcional ao volume desgastado (Figura 6).9


Através das correntes anódicas desenvolvidas durante os ensaios de tribocorrosão ao potencial constante de 400 mVecs pôde-se, utilizando a lei de Faraday, estimar o volume de metal oxidado, Van, durante o tempo total dos ensaios de tribocorrosão. Para a estimativa utilizou-se a equação

Van = (Idesgtdesg)M/nFd

onde Idesgtdesg representa a carga transferida no processo, descontando o valor da carga transferida num tempo igual em ensaios sem desgaste, com o intuito de desconsiderar a corrosão em áreas não sendo desgastadas, F a constante de Faraday, M o peso atômico e d a densidade da liga. Cabe expor que a carga transferida no processo foi obtida da integração do gráfico i versus t obtido durante as 2 h de ensaio. Admitindo-se que a reação Ti + 2H2O → TiO2 + 4H+ + 4e é a principal reação de oxidação já que eventos de corrosão e repassivação são observados, n = 4. Para o caso de desgaste a 4 N e 8 mm/s, a Van = 0,0136 mm3, ou seja, o volume de material metálico consumido pela corrosão (dissolução + transformação em óxido) incrementada pelo desgaste é relativamente baixo comparado à degradação do material pelo desgaste mecânico, nas condições testadas. Deve-se ressaltar que, se por acaso os íons liberados fossem de valência +3, como encontrado em alguns ensaios de corrosão em fresta,22 os volumes correspondentes seriam um pouco superiores, mas ainda assim pequenos frente ao volume total desgastado.

Apesar dos erros gerados em função da complexidade do sistema de tribocorrosão que se altera continuamente pela formação de particulados de terceiro corpo e consumo de material de ambos os corpos, estimou-se uma taxa de perda de espessura pela corrosão incrementada pelo desgaste por ano e que gira em torno de 0,8 mm/ano. Apesar de esta taxa ser significativa, esta ainda é pequena frente à perda de material pelo mecanismo de desgaste.

Os perfis das trilhas de desgaste e da contraparte de alumina mudam consideravelmente como pode ser visto na Figura 7, e os volumes das trilhas desgastadas, quando da ação simultânea de corrosão a 400 mVecs e desgaste (Tabela 2), são inferiores aos volumes desgastados a seco. Os volumes desgastados foram calculados utilizando-se a integração dos perfis das trilhas, obtidos após o tempo de desgaste que, em todos os ensaios, foi de 2 h.


Além de os volumes desgastados serem maiores quando realizado desgaste a seco, a trilha de desgaste apresenta-se mais larga (Figura 7), mais comprida que os 8 mm determinados como parâmetro de deslocamento, menos profunda e com picos e vales mais salientes. Isto, possivelmente, se deve ao fato de uma maior quantidade de partículas resultantes do desgaste permanecer atuando como um terceiro corpo de desgaste, já que não existe o meio líquido para auxiliar na remoção das mesmas. Uma maior quantidade de partículas atuando como terceiro corpo também induz a um maior dano à contraparte de alumina, a qual também apresenta desgaste superior comparado à contraparte dos ensaios realizados em presença de meio aquoso. O dano e desgaste da contraparte de alumina modificam a morfologia desta, injetando também particulados deste material na região de desgaste, o que, provavelmente, contribui ao fenômeno global de alargamento da trilha e ao volume desgastado.

Para as condições testadas mostrou-se, pois, que a perda de material pelo mecanismo de corrosão incrementada pelo desgaste, com ensaios de curta duração, muda o modo da remoção do material, sem contribuir muito no valor do volume total da trilha desgastada, em torno de 13%, ou seja, de toda a perda de material durante o ensaio, apenas 13% foi devido à ação da corrosão incrementada pelo desgaste, apesar de este valor não ser desprezível se for considerado apenas o mecanismo de degradação por corrosão. Barril et al.14 trabalhando com o mesmo tipo de material, em solução de NaCl 0,9%, observaram que, para o caso de o atrito de baixa amplitude ser o mecanismo de desgaste, o percentual de perda de material pelo mecanismo de corrosão incrementada pelo atrito depende da amplitude do movimento de desgaste e que variou de 0%, para amplitude de 3 µm, a 70% para amplitude de 100 µm. Assim, diferentes condições de ensaio podem promover as mais variadas influências no comportamento corrosivo modificado pelo desgaste.

Os ensaios de tribocorrosão realizados a circuito aberto apresentam um volume de desgaste levemente inferior aos ensaios ao potencial anódico de 400 mVecs (Tabela 2), com morfologia similar das trilhas de desgaste. Nos ensaios intermitentes a porcentagem de material degradado no processo de corrosão também fica em torno de 13%. Isto não descarta a possibilidade de que, em longos tempos, se possa modificar muito o meio eletrolítico dentro da trilha (diminuição do pH e da concentração de O2 dissolvido) e passem a atuar mecanismos de corrosão em frestas, processo de corrosão frequentemente encontrado em ligas de titânio, em geral em temperaturas um pouco acima da ambiente. Assim como os perfis dos ensaios de desgaste (Figuras 2 e 7), também as microscopias eletrônicas de varredura e óptica indicam que a largura das trilhas de desgaste a seco são maiores e mais rugosas, embora a avaliação da profundidade não seja possível nestas imagens. Através das microscopias, verifica-se ainda que as trilhas de desgaste a seco apresentam uma maior quantidade de material esmagado ao longo da trilha e aquelas obtidas dos ensaios de corrosão, uma aparência mais lisa.

CONCLUSÕES

Neste trabalho, as propriedades de tribocorrosão da liga de titânio Ti6Al4V foram avaliadas e comparadas a ensaios de desgaste a seco.

Pôde-se constatar que o meio fluido exerce uma função lubrificante, o que ocasiona a diminuição do coeficiente de atrito, uma diminuição na quantidade de material removido e uma mudança na forma e morfologia da trilha desgastada, se ela é comparada com a resultante dos ensaios realizados a seco.

A degradação de material pelo mecanismo de corrosão, mesmo em ensaios em que a corrosão e desgaste atuaram simultaneamente, ainda é menos deletéria que a degradação pelo mecanismo de desgaste, considerando que a perda de material devido à corrosão incrementada pelo desgaste corresponde a valores em torno de 10% da perda de material total durante os ensaios.

MATERIAL SUPLEMENTAR

Está disponibilizado em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre. Neste material encontra-se o gráfico (S1) das densidades de corrente desenvolvidas pela liga Ti6Al4V em solução PBS a potencial anódico de 400 mVecs em ausência e presença de desgaste simultâneo a diferentes forças normais (2, 4 e 8N) e velocidade de desgaste de 8 mm/s; ainda, imagens ao microscópio eletrônico de varredura e microscópio óptico de trilhas obtidas de desgaste a seco (S2) e tribocorrosão a 400 mVecs (S3), ambos testes realizados com uma carga normal de 4N e velocidade de desgaste de 8 mm/s)

Recebido em 30/4/08; aceito em 15/5/09; publicado na web em 20/10/09

MATERIAL SUPLEMENTAR

Figura S1 - clique para ampliar


Figura S2 - clique para ampliar


Figura S3 - clique para ampliar


  • 1. Marino, C. E. B.; Biaggio, S. R.; Rocha-Filho, R. C.; Electrochim. Acta 2006, 51, 6580.
  • 2. Tamilselvi, S.; Raman, V.; Rajendran, N.; Electrochim. Acta 2006, 52, 839.
  • 3. Ramires, I.; Guastaldi, A.C.; Quim. Nova 2002, 25, 10.
  • 4. Shukla, A. K.; Balasubramaniam, R.; Bhargava, S.; Intermetallics 2005, 13, 631.
  • 5. Rahman, M.; Reid, I.; Duggan, P.; Dowling, D. P.; Hughes, G.; Hashmi, M. S. J.; Surf. Coat. Technol. 2007, 201, 4865.
  • 6. Moloney, W. J.; Smith, R. L.; Castro, F.; Schurman, D. J.; J. Bone Joint Surg. 1993, 75A, 835.
  • 7. Nasser, S.; Campbell, P. A.; Kilgus, D.; Kossovsky, N.; Amstutz, H. C.; Clin. Orthop. 1990, 261, 171.
  • 8. Stemp, M.; Mischler, S.; Landolt, D.; Corros. Sci. 2003, 45, 625.
  • 9. Landolt, D.; Mischler, S.; Stemp, M.; Barril, S.; Wear 2004, 256, 517.
  • 10. Geringer, J.; Forest, B.; Combrade, P.; Wear 2005, 259, 943.
  • 11. Yan, Y.; Neville, A.; Dowson, D.; Williams, S.; Tribol. 2006, 39, 1509.
  • 12. Daxiong, H.; Tiancheng, Z.; Yinshun, W.; Wear 2001, 250, 180.
  • 13. Vieira, A. C.; Ribeiro, A. R.; Rocha, L. A., Celis, J. P.; Wear 2006, 261, 994.
  • 14. Barril, S.; Debaud, N.; Mischler, S.; Landolt, D.; Wear 2002, 252, 744.
  • 15. Hiromoto, S.; Mischler, S.; Wear 2006, 261, 9, 1002.
  • 16. Barril, S.; Mischler, S.; Landolt, D.; Wear 2004, 256, 963.
  • 17. Barril, S.; Mischler, S.; Landolt, D.; Wear 2005, 259, 282.
  • 18. Khan, M. A.; Williams, R. L.; Williams, D. F.; Biomaterials 1996, 17, 2117.
  • 19. Komotori, J.; Hisamori, N.; Ohmori, Y.; Wear 2007, 263, 412.
  • 20. Fernandes, A. C.; Vaz, F.; Ariza, E.; Rocha, L. A.; Ribeiro, A. R. L.; Vieira, A. C.; Rivière, J. P.; Pichon, L.; Surf. Coat. Technol. 2006, 200, 6218.
  • 21. Galliano, F.; Galvanetto, E.; Mischler, S.; Landolt, D.; Surf. Coat. Technol. 2001, 145, 121.
  • 22. Pariona, M. M.; Müller, I. L.; J. Braz. Chem. Soc. 1997, 8, 137.
  • 23. Pariona, M. M.; Müller, I. L.; Computers Chem. 1998, 22, 377.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      15 Maio 2009
    • Recebido
      30 Abr 2008
    Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br