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Modificação do polímero condutor polianilina para uso como trocador catiônico

Modification of the conducting polymer polyaniline for enabling cation exchange

Resumo

This article reports the use of polyaniline (PAni), chemically and electrochemically synthesized, for copper removal from aqueous solutions. PAni films were electrodeposited on reticulated vitreous carbon (RVC). In all cases, p-toluenesulfonate anion (PTS-) was used as the dopant to obtain cation exchange properties. RVC/PAni showed no expressive copper removal due to the small amount of polymer in the film. Chemically synthesized PAni-PTS- was obtained in its reduced form (leucoesmeraldine). PAni degraded at neutral pH but remained stable at low pH, showing a very high ion-exchange capacity, which is superior to those observed for commercial resins.

ion exchange; polyaniline; copper


ion exchange; polyaniline; copper

ARTIGO

Modificação do polímero condutor polianilina para uso como trocador catiônico

Modification of the conducting polymer polyaniline for enabling cation exchange

Rafael L. Zornitta; Guilherme Pincelli; Luís A. M. Ruotolo* * e-mail: pluis@ufscar.br

Departamento de Engenharia Química, Universidade Federal de São Carlos, 13565-905 São Carlos – SP, Brasil

ABSTRACT

This article reports the use of polyaniline (PAni), chemically and electrochemically synthesized, for copper removal from aqueous solutions. PAni films were electrodeposited on reticulated vitreous carbon (RVC). In all cases, p-toluenesulfonate anion (PTS–) was used as the dopant to obtain cation exchange properties. RVC/PAni showed no expressive copper removal due to the small amount of polymer in the film. Chemically synthesized PAni-PTS– was obtained in its reduced form (leucoesmeraldine). PAni degraded at neutral pH but remained stable at low pH, showing a very high ion-exchange capacity, which is superior to those observed for commercial resins.

Keywords: ion exchange; polyaniline; copper.

INTRODUÇÃO

Efluentes aquosos contendo íons de metais tóxicos, como o cobre, chumbo, mercúrio, entre outros, devem ser adequadamente tratados antes de seu descarte no sistema de esgoto ou em mananciais. Os efeitos tóxicos destes metais presentes na forma iônica são bastante conhecidos quanto aos danos que podem causar tanto ao meio ambiente aquático quanto à saúde humana. Diante disto, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) estabelece limites de concentração máximos para o seu descarte e o não cumprimento da legislação ambiental implica em severas multas ou pode até mesmo resultar na suspensão das atividades da empresa. No caso do íon Cu2+, a concentração máxima permitida para descarte em rede de esgoto é de 1,0 mg L-1. Neste cenário, os fatores que motivam o desenvolvimento de tecnologias para o tratamento de resíduos contendo íons metálicos tóxicos são tanto econômicos quanto ambientais e de saúde pública.

O tipo de tratamento que deve ser aplicado depende muito da concentração em que o íon se encontra na solução. O método de tratamento convencional aplicado quando as concentrações são maiores que 100 mg L-1, por exemplo, é o de precipitação química que, apesar de eficiente, apenas transfere o problema para a fase sólida uma vez que a lama residual deste processo é ainda tóxica, demandando elevados custos com transporte e armazenagem em aterros de classe especial. Uma alternativa à precipitação química é a tecnologia eletroquímica, que através de reatores eletroquímicos especialmente projetados para a remoção de íons metálicos permite não só a limpeza do efluente, mas também a recuperação do metal em sua forma sólida. 1 Em muitos casos, o valor do metal recuperado é suficiente para cobrir os custos de energia elétrica associados ao processo eletroquímico. Porém, assim como o processo de precipitação, essa tecnologia apresenta alguns inconvenientes, como a perda de eficiência e aumento dos custos operacionais do processo quando baixas concentrações são atingidas, tipicamente concentrações menores que 50 mg L-1. 2 Para concentrações menores que esta, o mais adequado é acoplar ao processo eletroquímico uma tecnologia de adsorção ou troca iônica, que além do baixo custo é bastante eficiente em faixas de concentrações baixas.

A troca iônica consiste basicamente em um processo pelo qual o íon presente na fase aquosa é captado sobre a superfície de um sólido (trocador iônico), o qual pode ser regenerado para ser utilizado em diversos ciclos consecutivos. Os trocadores iônicos podem ser naturais ou sintéticos, sendo que os primeiros apresentam vantagens em termos de custo, porém possuem uma capacidade de troca menor do que as resinas comerciais (sintéticas) que, apesar do custo elevado, conseguem captar uma grande quantidade de íons metálicos antes da sua saturação. Uma vez esgotada a capacidade de troca do material, este é recuperado por meio de um processo de dessorção que utiliza soluções ácidas ou então sais, como o cloreto de sódio ou de potássio. A solução de regeneração apresenta concentração elevada e poderia ser então tratada eficientemente através da técnica eletroquímica, por exemplo.

Há algum tempo, algumas tecnologias de troca iônica usando métodos eletroquímicos e polímeros condutores vêm sendo desenvolvidas. Porém, todas baseiam-se na utilização do polipirrol como trocador iônico. 3-10 Hepel e Dentrone3 estudaram a incorporação dos íons de metais pesados Pb2+, Cd2+, Co2+ e Ni2+ em filmes de polipirrol utilizando a técnica de microbalança eletroquímica de cristal de quartzo (MECQ), e constataram que esses cátions podiam ser facilmente incorporados ao filme durante a aplicação de um potencial negativo e rapidamente restituídos à solução aplicando-se um potencial positivo. Nos trabalhos desenvolvidos no grupo de Jüttner,4-9 o polipirrol foi modificado através da incorporação de cátions volumosos à matriz do polímero, o que lhe conferia então uma característica de trocador catiônico quando o polímero se encontrava no estado reduzido. O principal diferencial da utilização de filmes de polímeros condutores dopados com íons volumosos como trocador iônico consiste na maior facilidade de sorção/dessorção do cátion metálico, uma vez que esse processo pode ser realizado simplesmente aplicando-se um potencial elétrico adequado, sem a necessidade de se utilizar produtos químicos.

Nos trabalhos iniciais utilizando MECQ, Weidlich et al. 4-5 confirmaram a capacidade do polipirrol dopado com o ânion poliestirenosulfonato (PPi/PES-) para a sorção de cátions em seu estado reduzido e sua posterior regeneração através da aplicação de um potencial anódico, isto é, através da oxidação do polímero. Mangold et al. 8 e Weidlich et al. 6 estudaram a remoção de íons Ca2+ e Mg2+ visando a aplicação do PPi/PES- para o abrandamento da água e Weidlich et al. 7 realizaram a deposição do PPi/PES- sobre feltro de carbono com a finalidade de obter uma maior área superficial específica e estudaram a remoção de cálcio e magnésio em uma célula eletroquímica de fluxo. Os resultados obtidos pelos autores revelaram uma capacidade de troca iônica oito vezes menor do que aquela obtida com a resina comercial. Saleh et al. 9 e Saleh11 depositaram PPi/PES- sobre substrato de carbono vítreo reticulado, no entanto, os resultados mostraram que a quantidade de cátions removidos depende da massa de polímero sintetizado, o que limitava a eficiência do processo em termos de remoção da dureza da água.

Neste trabalho escolheu-se o polímero condutor polianilina (PAni) para utilização como trocador iônico para a remoção de íons cobre. A escolha da polianilina deveu-se às propriedades semelhantes à do polipirrol quando no estado reduzido ou oxidado. No entanto, como a polianilina apresenta muitos estados de oxidação, sua redução ao estado leucoesmeraldina (mais reduzido) poderia implicar em uma maior capacidade de troca iônica devido à presença de mais sítios ativos. 12 Um trabalho anterior13 também mostrou que é possível incorporar um ânion volumoso (no caso o dodecilbenzenossulfonato) ao polímero PAni. Até onde sabemos, não são encontrados na literatura trabalhos relatando o uso da polianilina como trocador iônico em um processo de sorção catiônica semelhante ao ilustrado na Figura 1. Neste processo, após a aplicação de um potencial negativo, o polímero oxidado é convertido para sua forma reduzida neutra. Neste caso, a carga negativa do ânion volumoso (dopante) que fica preso à estrutura da polianilina é então contrabalanceada pelos cátions presentes na solução. Através do procedimento oposto, ou seja, alterando o potencial elétrico de modo a levar a estrutura da polianilina para seu estado oxidado, a carga do ânion passa a ser contrabalanceada pela carga positiva da polianilina, liberando então o cátion na solução. Este segundo processo corresponde ao processo de regeneração. 4


Diante dessas características, decidiu-se estudar a viabilidade de se desenvolver um processo para troca iônica utilizando a PAni. Neste trabalho, a polianilina foi modificada com o ânion p-toluenosulfonato para conferir-lhe as características desejadas. O material trocador iônico foi produzido tanto eletroquimicamente, na forma de filmes, como quimicamente, na forma de pó. A capacidade de troca iônica foi avaliada para a remoção de íons cobre de soluções aquosas. No caso da utilização da PAni na forma de pó, obtida por síntese química, a única diferença é que, ao invés de se utilizar potenciais eletroquímicos para alterar o estado de oxidação do material, poderiam ser utilizados produtos químicos redutores e oxidantes. 14

PARTE EXPERIMENTAL

Síntese eletroquímica da PAni

A síntese eletroquímica de polímeros condutores com ânions volumosos tem sido estudada por diversos autores para a obtenção de polipirrol15 e polianilina. 16 Neste trabalho, para a síntese eletroquímica do polímero foram utilizadas duas soluções com volumes de 50 mL cada, com as concentrações mostradas na Tabela 1, onde NaPTS refere-se ao p-toluenossulfonato de sódio. Todos os reagentes utilizados eram de grau analítico e as soluções foram preparadas com água deionizada.

O substrato utilizado para a eletrodeposição da polianilina foi o carbono vítreo reticulado (CVR) com dimensões de 25 mm (comprimento) × 10 mm (largura) × 7 mm (espessura) e porosidade de 60 ppi (poros por polegada). O contra-eletrodo era uma placa plana de titânio com dimensões de 1,0 cm × 5,0 cm. O potencial de eletrodo foi medido utilizando-se um eletrodo de referência de Ag/AgCl e um capilar de Luggin preenchido com uma solução 3,0 mol L-1 de KCl.

Uma representação esquemática dos equipamentos utilizados tanto para a síntese eletroquímica do polímero quanto para os experimentos de sorção/dessorção são mostrados na Figura 2. Os principais componentes da célula eletroquímica de fluxo são mostrados na Figura 2(a). O separador foi utilizado para evitar o curto-circuito do sistema.



A síntese do polímero condutor e os experimentos de sorção/dessorção foram realizados no sistema experimental mostrado na Figura 2(b). Trata-se de um sistema em batelada com recirculação do eletrólito. As variáveis elétricas (potencial e corrente) foram controladas por um potenciostato (PGSTAT30, EcoChemie).

A PAni foi sintetizada pela técnica de voltametria cíclica aplicando extremos de potenciais entre -0,2 V e +0,8 V vs. Ag/AgCl e velocidade de varredura de 50 mV s-1. 17 Foram realizados vários ciclos até que se atingisse a espessura de filme desejada, a qual foi controlada pelo valor da corrente de pico anódico. 18 Após a síntese, o polímero foi lavado com água para remover qualquer resíduo do monômero que estivesse presente no filme.

Síntese química da PAni

A síntese química do polímero foi feita utilizando as quantidades de reagentes a seguir, ou então múltiplos destas:

- solução de monômero: 5,0 mL de anilina dissolvida em 300 mL de solução 0,05 mol L-1 de ácido p-toluenossulfônico (HPTS) ou NaPTS;

- solução oxidante: 0,01 mol de perssulfato de amônio dissolvido em 200 mL de solução 0,05 mol L-1 de NaPTS ou HPTS.

A síntese foi realizada adicionando-se lentamente a solução oxidante, através de uma bureta, a um Erlenmeyer contendo a solução do monômero mantida em banho de gelo e agitada por meio de um agitador magnético. Após a completa adição do oxidante, deixou-se reagir por 2,5 h e o sólido produzido foi filtrado a vácuo e deixado em estufa a 50 ºC por 24 h para completa secagem do material.

O rendimento da síntese (R), em porcentagem, foi determinado considerando-se a razão entre a massa de PAni obtida na síntese e aquela que teria sido obtida se toda a anilina fosse convertida a PAni.

Análise qualitativa do estado de oxidação da PAni

Esta análise foi realizada com base nos procedimentos descritos nos trabalhos de Masters et al. 19 e Albuquerque et al. 14. Primeiramente foi feita a desprotonação20 de uma amostra de 0,05 g da PAni-HPTS através da adição de 50 mL de NH4OH 0,1 mol L-1 em um Erlenmeyer que foi deixado por 24 h sob agitação em um shaker. Após essa etapa, a solução foi filtrada a vácuo e deixada por 24 h em estufa a 50 ºC. O objetivo da desprotonação era tornar a PAni solúvel para a posterior análise por espectrofotometria UV-Vis. Do sólido obtido, foram pesados exatamente 10 mg de PAni e adicionado a um balão volumétrico contendo 10 mL de n-metil-pirrolidona (NMP). A mistura foi deixada por 15 h para que ocorresse a dissolução completa do polímero. Após a dissolução, 4 mL da solução contendo a PAni solubilizada no solvente (NMP) foram transferidos para uma cubeta de quartzo e mediu-se a absorbância da solução dentro de uma faixa de comprimento de onda entre 300 e 900 nm utilizando-se um espectrofotômetro UV-Vis (ULTROSPEC 2100pro, Amersham Pharmacia). A comparação do espectro de absorbância obtido para a amostra com aqueles relatados na literatura19 permitiu a determinação do estado de oxidação do polímero.

Sorção de íons Cu2+

As soluções aquosas de íons cobre foram preparadas utilizando-se diferentes quantidades de sulfato de cobre pentahidratado. O processo de troca iônica foi realizado simplesmente colocando-se em contato o filme ou o pó do polímero condutor com 30 mL de uma solução contendo íons cobre com diferentes concentrações. No caso do filme produzido eletroquimicamente a solução foi recirculada pela célula eletroquímica com uma vazão de 0,352 mL s-1 utilizando-se uma bomba peristáltica. Nos experimentos de troca iônica utilizando a PAni sintetizada quimicamente foram utilizados 200 mg do polímero. Apenas no experimento utilizando a solução de pH 2,06 foi utilizada uma massa de PAni de 100 mg. A suspensão do pó de PAni em solução de íons cobre foi mantida agitada em um shaker. Após 24 h de contato, a solução foi filtrada, diluída e a análise de concentração determinada por espectrofotometria de absorção atômica (SpectrAA200, Varian).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Troca iônica utilizando PAni sintetizada eletroquimicamente

Em uma primeira tentativa de preparação do polímero, foi utilizada uma solução de síntese contendo apenas o NaPTS, porém não houve a formação do filme. Após a adição de ácido sulfúrico como eletrólito suporte o filme foi eletrodepositado com sucesso sobre o substrato de CVR.

Nas Figuras 3(a) e 3(b) são mostradas as voltametrias cíclicas do processo de síntese eletroquímica do polímero em meio de ácido sulfúrico com e sem a adição de NaPTS. Observa-se que nos estágios iniciais os voltamogramas apresentam diferenças que podem ser atribuídas à influência do tipo de eletrólito suporte. As principais diferenças entre os processos de obtenção do filme na ausência e na presença de NaPTS se referem: 1) ao potencial de oxidação do monômero, que se desloca aproximadamente 31 mV, ou seja, de 218 para 187 mV quando o NaPTS é adicionado à solução; 2) ao aumento da corrente e da carga em função do aumento do número de ciclos e 3) à intensidade e tipo dos picos redox em potenciais entre 0,6 V e 0,8 V. Este comportamento pode ser atribuído a diferenças de nucleação, que dependem da eletroxidação do monômero, oligomerização e difusão do monômero para formação de novos núcleos de formação do polímero. 21,22 Contudo, após 20 ciclos, o comportamento voltamétrico do filme foi bem parecido com aquele obtido na ausência de NaPTS. O não surgimento de pico de oxidação ou redução além daqueles atribuídos ao monômero e aos processos redox da polianiliana sugerem que o ânion PTS- é estável na faixa de potenciais estudado. De acordo com a Figura 3(c), as correntes de pico anódico (Ipa) para os filmes de PAni obtidos na presença de NaPTS apresentaram valores menores do que aqueles obtidos para a síntese na ausência de NaPTS, indicando, portanto, que para um mesmo número de ciclos são produzidos filmes de PAni mais finos. 18




Imediatamente após a síntese da PAni realizou-se então sua redução eletroquímica em meio de H2SO4 1,0 mol L-1, durante 5 minutos, em potencial de -0,2 V vs. Ag/AgCl. Esse procedimento era necessário para garantir que a quantidade máxima de sítios de troca estaria disponível (vide Figura 1). Em seguida procedeu-se então à troca iônica utilizando-se uma solução 100 mg L-1 de íons Cu2+. A análise de concentração de cobre na solução antes e após o processo mostrou que não houve alteração significativa da concentração, sugerindo então duas possibilidades: o material não apresentava capacidade de troca iônica ou então a massa de PAni produzida não era suficiente para causar uma alteração perceptível da concentração. Diante disto, o filme de PAni foi sintetizado dobrando-se o número de ciclos (ao invés de 30 foram aplicados 60 ciclos), obtendo-se então um filme mais espesso. Ainda assim, a concentração de cobre após o processo de troca iônica foi apenas de 3 mg L-1 menor do que a concentração inicial. Estes resultados, somando-se às conclusões obtidas por Saleh et al. 11 para o polipirrol, permitem inferir que o fator limitante é a massa de polímero e, consequentemente o número de sítios ativos, disponível para o processo de sorção. Diante destas observações, partiu-se então para a síntese química da PAni na forma de pó de maneira a obter-se uma massa maior do polímero, o que proporcionaria uma área superficial específica elevada e mais sítios de troca que levariam a uma maior remoção do cobre da solução. De fato, constatou-se que a massa de polímero era o fator limitante uma vez que após a eletrossíntese aplicando-se 60 ciclos obtinha-se apenas 8,8 mg de PAni. Essa massa era muito menor do que aquela utilizada nos experimentos de troca iônica com a PAni sintetizada quimicamente, que foi de 100 ou 200 mg.

Troca iônica utilizando PAni sintetizada quimicamente

Inicialmente determinou-se o rendimento da síntese química de PAni-PTS-. Estes resultados são mostrados na Tabela 2. Conforme pode-se constatar, o rendimento da reação foi, em média, de 5,7%, indicando que apenas uma pequena quantidade da anilina foi convertida a polímero. Este resultado é bastante inferior ao obtido utilizando-se HCl como dopante, cujo rendimento é de cerca de 60%. 23 Por outro lado, Jelmy et al. 24 verificaram que o rendimento da síntese de PAni após 24 h de reação usando como dopante o ácido metanossulfônico é bastante dependente das variáveis de síntese, podendo variar de 30 a 86% em função da razão oxidante/monômero, da taxa de adição do oxidante e também da concentração de dopante. Portanto, a síntese da PAni ainda pode ser otimizada de maneira a se obter um maior rendimento do processo.

A síntese química da PAni em meios de ácido clorídrico ou sulfúrico produz o polímero em seu estado parcialmente oxidado (esmeraldina), porém, para maximizar o processo de troca iônica é necessário que o polímero contenha o máximo possível de unidades monoméricas no estado reduzido, ou seja, é desejável que a PAni esteja em seu estado de leucoesmeraldina. 25 A PAni obtida na síntese química em meio de HPTS ou NaPTS apresentava uma coloração marrom-amarelada, diferente do que ocorre na síntese convencional em meios ácidos, em que sua coloração é verde escuro. Diante disto, decidiu-se então verificar o estado de oxidação da PAni obtida quimicamente através de uma análise qualitativa do seu estado de oxidação a partir do espectro de absorção UV-Vis do polímero dissolvido em NMP. O espectro obtido é mostrado na Figura 4, onde estão destacados também os comprimentos de onda típicos dos diferentes estados de oxidação da polianilina. 14 Comparando o resultado mostrado na Figura 4 com o estudo feito por Masters et al. 19 verifica-se que a única banda de absorção observada pode ser atribuída à transição p – p* da leucoesmeraldina (LE). A esmeraldina (EM) e a pernigranilina (PE) apresentam dois picos de menor energia que não estão presentes no espectro, corroborando a conclusão de que o material obtido é realmente a leucoesmeraldina. O deslocamento do pico de absorbância de 343 nm para 373 nm poderia ter sido causado pela incorporação do ânion PTS- ao polímero, uma vez que no trabalho de Masters et al. 19 a PAni utilizada foi sintetizada em meio de HCl. Motheo et al. 22 estudaram a influência de diversos dopantes sobre a eletrodeposição e as propriedades de filmes de polianilina e constataram que a dopagem com ânions volumosos como o ácido canforsulfônico e o ácido polivinilsulfônico não alteravam a característica geral do espectro de absorbância, porém pequenos deslocamentos das bandas de absorbância também podiam ser observados. Conclui-se, portanto, que a síntese química em meio de HPTS produz a PAni em seu estado mais reduzido, o que é bastante interessante uma vez que elimina a etapa inicial de redução química da PAni antes do processo de troca iônica.


Os experimentos iniciais de troca iônica foram realizados utilizando-se PAni-PTS- sintetizadas em meio de NaPTS e soluções aquosas contendo 20 mg L-1 de Cu2+. Neste caso, obteve-se uma capacidade de troca de 0,00786 g Cu2+ g-1 PAni-NaPTS. Foi realizado um novo experimento, porém, aumentando-se a concentração para 100 mg L-1 de Cu2+. Como esperado, houve um aumento da capacidade de troca, obtendo-se o valor de 0,01510 g Cu2+ g-1 PAni-NaPTS. Apesar do aumento de cinco vezes da concentração de íons cobre, observou-se que o aumento da capacidade não ocorreu proporcionalmente, o que se deve a restrições impostas pelo equilíbrio termodinâmico. Ainda assim, esse valor de capacidade é elevado e bastante próximo àquele obtido para a resina comercial. Por exemplo, uma resina comercial estudada por Hirano26 apresentou um valor de capacidade de 0,01523 g Cu2+ g-1 resina para uma concentração inicial de 152 mg L-1 de Cu2+.

Nos experimentos seguintes utilizou-se como trocador iônico a PAni/PTS- sintetizada em meio de HPTS para verificar se o tipo de cátion (Na+ ou H+) influenciava no processo. Para tanto foi utilizada novamente uma solução de 100 mg L-1 de Cu2+ e obteve-se uma capacidade de troca de 0,01336 g de Cu2+ g-1 PAni-HPTS, ou seja, um resultado inferior àquele obtido com a PAni sintetizada em meio de NaPTS. Este resultado indica que há uma maior afinidade entre o polímero e os íons H+, o que resulta em uma maior dificuldade da troca iônica por íons Cu2+, daí os resultados de troca serem melhores quando se utiliza o NaPTS. Na maioria dos materiais a capacidade de troca aumenta com o aumento da concentração inicial do íon metálico até se atingir um valor em que não há mais variação da capacidade. Após o equilíbrio termodinâmico, quando este valor é atingido significa que todos os sítios de troca disponíveis foram utilizados e que se atingiu então a capacidade máxima de troca iônica do material. Com base nos resultados de Hirano e Gubulin27 estipulou-se uma concentração inicial de cobre que garantisse que todos os sítios ativos estivessem ocupados; neste caso, a concentração foi de 2500 ppm de Cu2+ em meio aquoso. Os resultados mostraram que a capacidade de troca foi de 0,04275 g de Cu2+ g-1 de PAni-HPTS. Comparando-se este valor com aquele obtido por Hirano26 para a resina (0,11200 g Cu2+ g-1 resina para uma concentração inicial de 2291 mg L-1) constata-se que a capacidade máxima de troca para a PAni é bastante inferior. A Tabela 3 apresenta um resumo dos resultados de troca iônica obtidos.

Após os experimentos de troca iônica notou-se uma leve alteração da coloração da solução, que se tornava ligeiramente turva, indicando que uma possível degradação do polímero poderia ter ocorrido. Assim, estudou-se indiretamente a estabilidade da PAni-HPTS através da análise do espectro de absorção UV da solução após o processo de troca iônica utilizando uma solução 100 mg L-1 de Cu2+. Para fins de comparação, mediu-se também os espectros de absorção para dois dos principais produtos de degradação da PAni relatados na literatura, a p-benzoquinona e a hidroquinona. 28 Os espectros são mostrados na Figura 5 e pode-se observar a presença de ombros nos comprimentos de onda de 220 nm e 290 nm, indicando a presença de hidroquinona na solução, sugerindo, portanto, que houve a degradação da PAni. A fim de confirmar que houve realmente a degradação da PAni, foi feita também uma análise de demanda química de oxigênio (DQO) da solução final e obteve-se o valor de 126 mg L-1 DQO, confirmando a presença de compostos orgânicos na solução que só poderiam ser provenientes da degradação do polímero. De fato, alguns trabalhos17,28,29 mostram que a polianilina sofre um processo de hidrólise em meio aquoso, causando a quebra da cadeia polimérica e liberando para a solução principalmente p-benzoquinona.


Diante deste resultado de degradação e sabendo-se que a PAni é estável em meio ácido30, foi feito um experimento de troca iônica usando uma solução de 1000 mg L-1 de Cu2+ com pH ajustado para o valor 2,06. O resultado revelou uma capacidade de troca surpreendentemente elevada e igual a 0,24408 g g-1, ou seja, bastante superior àquela observada para a resina, conforme pode ser constatado observando-se a Tabela 3. Acredita-se que diminuindo o pH e evitando-se a degradação do polímero os sítios de troca são preservados, levando então à elevada capacidade de troca iônica observada.

CONCLUSÃO

Diante dos resultados obtidos, as seguintes conclusões podem ser apresentadas:

- a síntese eletroquímica da PAni-NaPTS só ocorreu na presença de ácido sulfúrico como eletrólito suporte;

- a troca iônica usando o CVR/PAni-NaPTS não ocorreu em proporções mensuráveis devido provavelmente à pequena massa de polímero eletrodepositado, gerando assim poucos sítios de troca;

- na síntese química foi produzido o polímero em seu estado de oxidação leucoesmeraldina. O rendimento médio da síntese química foi de 5,7%;

- o processo de troca iônica apresentou melhores resultados utilizando-se a PAni-NaPTS;

- a análise espectrofotométrica UV da solução de Cu2+ após o processo de troca iônica revelou que a PAni sofre um processo de degradação em pHs próximos ao neutro;

- os resultados experimentais mostraram a alta capacidade de troca da PAni-PTS-, sendo comparáveis e, em alguns casos, superiores aos das resinas poliméricas comerciais;

- a capacidade de troca iônica utilizando-se a PAni-HPTS variou de acordo com as características do eletrólito e a concentração de cobre na solução. O melhor resultado (0,24408 g de Cu2+ g-1 de PAni-HPTS) foi obtido utilizando-se uma solução 1000 mg L-1 de Cu2+ em meio com pH 2,06.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq e à FAPESP pelo apoio financeiro.

Recebido em 24/03/2014

aceito em 24/06/2014

publicado na web em 11/08/2014

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Out 2014
    • Data do Fascículo
      2014

    Histórico

    • Recebido
      24 Mar 2014
    • Aceito
      24 Jun 2014
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