Acessibilidade / Reportar erro

Espécies tropicais de pteridófitas em associação com fungos micorrízicos arbusculares em solo contaminado com arsênio

Tropical pteridophytes species in association with arbuscular mycorrhizal fungi in arsenic-contaminated soil

Resumo

The symbiosis of plants with mycorrhizal fungi represents an alternative to be considered during the processes of revegetation and rehabilitation of arsenic-contaminated soil. The aim of this study was to evaluate under greenhouse conditions the effect of arsenic on the mycorrhizal association of two species of tropical fern (Thelypteris salzmannii and Dicranopteris flexuosa). T. salzmannii had higher rates of colonization and higher density of spores while D. flexuosa showed greater sensitivity to smaller concentrations of arsenic and association with mycorrhizal fungi. Our results indicate that screening and selection of mycorrhizal fungal isolates/species is possible and effective for phytoremediation of arsenic-contaminated soils.

mycorrhiza; phytoremediation; gold mining


mycorrhiza; phytoremediation; gold mining

ARTIGO

Espécies tropicais de pteridófitas em associação com fungos micorrízicos arbusculares em solo contaminado com arsênio

Tropical pteridophytes species in association with arbuscular mycorrhizal fungi in arsenic-contaminated soil

Jerusa SchneiderI,* * e-mail: jerusaschneider@gmail.com ; Letúzia Maria de OliveiraI; Luiz Roberto Guimarães GuilhermeI; Sidney Luiz StürmerII; Cláudio Roberto Fonsêca Sousa SoaresIII

IDepartamento de Ciência do Solo, Universidade Federal de Lavras, CP 3037, 37200-000 Lavras - MG, Brasil

IIDepartamento de Ciências Naturais, Universidade Regional de Blumenau, CP 1507, 89012-900 Blumenau - SC, Brasil

IIIDepartamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia, Universidade Federal de Santa Catarina, 88040-900 Florianópolis - SC, Brasil

ABSTRACT

The symbiosis of plants with mycorrhizal fungi represents an alternative to be considered during the processes of revegetation and rehabilitation of arsenic-contaminated soil. The aim of this study was to evaluate under greenhouse conditions the effect of arsenic on the mycorrhizal association of two species of tropical fern (Thelypteris salzmannii and Dicranopteris flexuosa). T. salzmannii had higher rates of colonization and higher density of spores while D. flexuosa showed greater sensitivity to smaller concentrations of arsenic and association with mycorrhizal fungi. Our results indicate that screening and selection of mycorrhizal fungal isolates/species is possible and effective for phytoremediation of arsenic-contaminated soils.

Keywords: mycorrhiza; phytoremediation; gold mining.

INTRODUÇÃO

A população microbiana do solo em condições naturais é elevada e sua redução pode ser sinônimo de desequilíbrio ecológico, causado principalmente por ações antrópicas. A degradação da vegetação pode alterar o equilíbrio da população microbiana do solo, comprometendo por longo período de tempo todo o ecossistema.1,2

A tolerância de plantas e microrganismos aos metais tem sido estudada do ponto de vista de remoção do excesso do metal do solo ou diminuição da disponibilidade destes nos sistemas biológicos, sendo considerável o interesse biotecnológico.3 Atenção especial tem sido dada aos fungos micorrízicos arbusculares (FMAs) como atenuadores da fitotoxidez causada pelos metais, incluindo solos contaminados com arsênio (As),4-6 além de serem amplamente conhecidos por seus efeitos biofertilizante, biorregulador e biocontrolador.3,7

Os FMAs são geralmente encontrados em solos e plantas de áreas degradadas, porém, o número de propágulos viáveis é geralmente muito baixo, havendo a necessidade de introduzir plantas hospedeiras capazes de multiplicar os FMAs existentes. Outrossim, pode-se introduzir também propágulos infectivos de isolados selecionados para garantir a recuperação da comunidade dos FMAs na área, tendo em vista tratar-se de um componente essencial para a biorrecuperação de ambientes degradados.2,8

Plantas micorrizadas podem apresentar maior tolerância a diversos metais e, de modo compensatório, conferir ao fungo simbionte vantagens na sobrevivência em local contaminado. Segundo Smith et al.,9 a capacidade das espécies vegetais tolerarem os estresses proporcionados por elementos tóxicos é devida à diminuição da fitotoxidez dos contaminantes resultante de mecanismos ainda desconhecidos, nos quais se podem incluir as micorrizas. Em alguns casos, plantas micorrizadas podem aumentar a absorção de elementos-traços e transportá-los das raízes para a parte aérea (fitoextração)10,11 e, em outros casos, os FMAs podem contribuir para a imobilização destes no solo (fitoestabilização).12,13 O resultado da colonização micorrízica na redução dos teores de contaminantes em solos contaminados dependerá da combinação planta-fungo-elemento-traço e é influenciado pelas condições do solo.14-17 Este aspecto, de grande importância ecológica e tecnológica, ainda não foi estudado em espécies pteridófitas tropicais.

Ma et al.18 descobriram a primeira planta descrita como hiperacumuladora de As, a espécie de samambaia Pteris vittata L., que possui grande potencial como fitoextratora.11 A seleção de plantas tolerantes ou hiperacumuladoras de As para revegetação de solos e substratos contaminados19 tem papel fundamental no processo inicial de recuperação ambiental.20,21

Neste contexto, a simbiose de plantas com FMAs mostra-se como alternativa promissora para estudos visando processos de revegetação e de recuperação de áreas contaminadas por As. Assim, esta pesquisa teve por objetivo avaliar o efeito do As sobre a associação de FMAs nativos em duas espécies tropicais de pteridófitas (Thelypteris salzmannii e Dicranopteris flexuosa) como potenciais fitorremediadoras de áreas contaminadas por arsênio.

PARTE EXPERIMENTAL

Aspectos gerais

O estudo foi desenvolvido em condições de casa de vegetação, no Departamento de Ciência do Solo da Universidade Federal de Lavras (UFLA), MG, em dois períodos distintos. Na primeira etapa, espécies de samambaias Thelypteris salzmannii (Fée) C. V. Morton e Dicranopteris flexuosa (Schrader) foram coletadas no Parque Quedas do Rio Bonito, nos municípios de Carrancas e Lavras/MG, respectivamente. Estas espécies foram mantidas e multiplicadas em casa de vegetação, obtidas através da germinação in vivo utilizando-se vasos plásticos, preenchidos com 1/3 da capacidade total, em sua porção inferior, com pedras de aquário, 1/3 de areia grossa lavada e 1/3 de substrato (pó de xaxim). Após a germinação, as samambaias foram transferidas para vasos plásticos contendo substrato PLANTMAX®. Nestes, as plantas permaneceram até o momento de serem utilizadas em experimentos para se avaliar o potencial fitorremediador.

Na segunda etapa, foram selecionadas plantas com pesos semelhantes (em média 6 a 9 frondes desenvolvidas) para o transplantio em vasos com substrato contaminado. No momento da transferência para o substrato contaminado foi coletado solo rizosférico de cada planta selecionada, coletando-se também as raízes para avaliação da taxa de colonização micorrízica22,23 e densidade de esporos de FMAs.24 Dessa forma, observou-se a densidade de esporos e a colonização micorrízica antes das plantas serem transferidas para o substrato contaminado e após a transferência, no término do experimento (após 60 dias) quando se procedeu uma nova avaliação. As plantas foram então, lavadas, pesadas e transplantadas em substrato contaminado com arsênio. Os solos, aqui denominados de substratos, foram obtidos em área de mineração de ouro, situada no município de Paracatu, região noroeste do estado de Minas Gerais, provenientes de quatro áreas selecionadas: Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN), área de reserva permanente da mina com vegetação de cerrado, abrangendo um total de 73,44 ha; B1, camada subsuperficial presente em áreas de coleta de solo para extração de Au; Estéril, material não aproveitável economicamente, devido ao seu baixo teor de Au e, Rejeito, área (lagoa de retenção de resíduos) com materiais provenientes do beneficiamento do Au.

O solo, após coletado, foi transportado para o Departamento de Ciência do Solo da UFLA, seco ao ar em temperatura ambiente (25 ± 5 ºC) e, em seguida, peneirado em malha de 2 mm de diâmetro de abertura. Foram, então, obtidas as características químicas e teores de As (Tabela 1).

Delineamento experimental e tratamentos

O delineamento experimental adotado foi inteiramente casualizado com três repetições. Os tratamentos foram constituídos por solos coletados nas áreas de mineração de ouro e através de diferentes condições de contaminação obtidas pela mistura dos substratos com elevadas concentrações de As com amenizante25 (Lama da mineração de alumínio - red mud) e da mistura do substrato contaminado com areia lavada, na proporção de 15% (v/v).

Desta forma os tratamentos consistiram na combinação de 8 substratos: Substrato RPPN; B1; Estéril; Rejeito; Estéril + amenizante; Estéril + areia (1:2); Rejeito + amenizante; Rejeito + areia (1:2), utilizando duas espécies de samambaias, totalizando 48 vasos.

Condução do experimento

Os substratos foram colocados em vasos com capacidade de 2,5 dm3 e transferiram-se as samambaias. Diariamente, os vasos foram irrigados com água deionizada, com o intuito de manter a sua capacidade de campo, com solução de sulfato de cálcio di-hidratado, 10-4 mol L-1, durante a primeira semana após o transplantio e a cada 2 dias no decorrer do experimento. Tal procedimento foi adotado visando obter maior desenvolvimento das raízes.

No decorrer do experimento foram realizadas adubações, em que as doses de nutrientes aplicados, em mg dm-3, foram: 300 de nitrogênio, 200 de fósforo, 300 de potássio, 75 de cálcio, 30 de magnésio, 50 de enxofre, 0,5 de boro, 1,5 de cobre, 5 de ferro, 10 de manganês e 0,1 de molibdênio. Com exceção do nitrogênio e do potássio, que foram parcelados em três aplicações, sendo a primeira aos 10 dias após o transplantio e as outras duas com 22 e 35 dias, os outros nutrientes foram aplicados em uma única vez. As fontes utilizadas na adubação foram: fosfato de amônio monobásico (NH4H2PO4), sulfato de magnésio (MgSO4.7H2O), nitrato de potássio (KNO3), nitrato de cálcio tetra-hidratado (Ca(NO3)2.4H2O), sulfato ferroso amoniacal (Fe(NH4)2(SO4)2.6H2O), sulfato de amônio ((NH4)2SO4), nitrato de amônio ((NH4)NO3), acido ascórbico (H3BO3), cloreto de manganês (MnCl.4H2O), molibdato de sódio (Na2MoO4.2H2O), sulfato de zinco (ZnSO4.7H2O) e sulfato de cobre (CuSO4.5H2O).

As plantas foram coletadas após 60 dias e separadas em parte aérea e raízes, lavadas com água deionizada. Uma parte das raízes foi coletada do solo, lavada em água de torneira e conservada em solução de FAA (formalina-álcool-ácido acético). Em seguida, as amostras de raízes foram lavadas para retirar a solução de FAA, separando-se 1 g de raízes finas e acondicionando-as em cápsulas plásticas, que foram mergulhadas em solução de KOH 10%, aquecidas a 60 ºC por 25 min, para a clarificação; lavadas em água corrente; acidificadas com HCl 1% por 3 min e aquecidas por 20 min em solução de glicerol ácido e azul de tripano 0,05%, procedimentos estes necessários para a coloração das raízes para avaliação da colonização micorrízica.22

Fonte de inóculo de FMAs

Pelo fato de terem sido obtidas através da germinação in vivo e pela análise das frações que compõem o substrato, tais como, areia grossa, pó de xaxim, PLANTMAX®, e constatada a ausência de propágulos de FMAs, supõe-se que estas espécies de pteridófitas mantiveram associação micorrízica com FMAs nativos do local de origem destas plantas, podendo ser considerada uma micorrização natural.

Métodos analíticos

Avaliação de arsênio no solo

Amostras de solo representativas dos tratamentos foram submetidas à análise para quantificação do As seguindo os procedimentos descritos abaixo:

Mehlich-1 (As biodisponível)

Dois gramas de TFSA e 20 mL de H2SO4 0,0125 mol L-1 + 0,05 mol L-1 foram adicionados ao tubo de centrífuga, agitados por 10 min e deixados em repouso por 24 h. Em seguida, a amostra foi centrifugada, o sobrenadante filtrado e armazenado em pote plástico estéril.

Método 3051 da USEPA (As Total): 26

Um grama de TSFA e 10 mL de HNO3 concentrado foram adicionados ao tubo de teflon PTFE em forno micro-ondas e realizada a digestão à pressão de 0,76 MPa por 10 min. Em seguida, a amostra foi filtrada e 10 mL de água destilada foram adicionados ao tubo, armazenando-se em pote plástico estéril.

De posse dos extratos, os teores de As foram determinados por espectrofotometria de absorção atômica com forno de grafite, em equipamento Perkin Elmer AAnalyst 800.

Taxa de colonização radicular e densidade de esporos de FMAs

A taxa de colonização micorrízica foi avaliada pela presença ou ausência de colonização em 32 segmentos de raízes, com aproximadamente 1 cm de comprimento, montados em lâminas para microscopia, modificado conforme Giovannetti e Mosse.23 Estes segmentos foram selecionados ao acaso, de amostras de raízes clarificadas em KOH e coradas com azul de tripan 0,05%. Também foi utilizado o método da placa quadriculada, descrito por Giovannetti e Mosse,23 para a determinação da colonização micorrízica.

A densidade de esporos no solo foi obtida separando-os de 50 g de solo coletado nos 5 cm superficiais de cada vaso; em seguida, o solo passou por peneiramento úmido em malhas de 0,710 e 0,053 mm.24 Em seguida, o solo retido na malha mais fina foi centrifugado a 3.000 rpm, em água e posteriormente em sacarose (450 g L-1), por 3 e 2 min, respectivamente. Os esporos separados foram, então, contados com o auxílio de microscópio estereoscópico (40x). A seguir, os esporos extraídos foram separados por morfotipos em vidros de relógio e montados em lâminas permanentes para observação em microscópio. Cada lâmina foi preparada contendo duas lamínulas, uma com polivinil álcool-lactoglicerol (PVLG), na qual se manteve o esporo inteiro e outra com PVLG + reagente de Melzer (1:1, v/v), na qual se rompeu o esporo mediante uma leve pressão sobre a lamínula. Os fungos foram identificados em relação ao gênero e/ou espécie com base nos critérios morfológicos. A identificação foi realizada no Departamento de Ciências Naturais, Universidade Regional de Blumenau (FURB).

Para análise estatística dos resultados, utilizou-se o programa Sisvar, no qual se processou a análise de variância. Os dados foram processados através do programa SigmaPlot 11.0, onde foram criados gráficos das percentagens de colonização total em placa quadriculada e em lâminas, e densidade de esporos, com os pontos médios e os desvios padrões.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados referentes à média da densidade de esporos de fungos micorrízicos arbusculares nas duas espécies de samambaias antes do transplantio para o substrato contaminado com As estão apresentados na Figura 1. As densidades de esporos de FMAs foram maiores para Thelypteris salzmannii sendo, em média, 2054 esporos em relação à Dicranopteris flexuosa, que apresentou uma média de 660 esporos.


Verificou-se também que a colonização micorrízica, de maneira geral, foi maior para T. salzmannii e menor para D. flexuosa para os dois métodos de avaliação utilizados (Figuras 2A e B). Utilizando-se a contagem de segmentos colonizados pelo método de placas quadriculadas, a colonização micorrízica foi 50 e 20% para T. salzmannii e D. flexuosa, respectivamente. Por outro lado, através da análise da colonização pelo método de observação em lâminas, os valores foram superiores a 90 e 70% para T. salzmannii e D. flexuosa, respectivamente (Figuras 2 A e B).


Do mesmo modo, observando-se as estruturas típicas produzidas pelos FMAs (hifas, vesículas e arbúsculos) a maior porcentagem de hifas foi encontrada no sistema radicular de T. salzmannii, bem como vesículas e arbúsculos. Já para a D. flexuosa foram encontrados baixos valores de vesículas e arbúsculos (Figuras 3 A e B).


As duas espécies de pteridófitas testadas apresentaram elevada esporulação, sendo que D. flexuosa apresentou colonização micorrízica relativamente baixa. Isto pode indicar que os fungos nativos presentes não são eficientes em colonizar esta espécie, mas esporulam abundantemente. Vários fatores podem levar a isto. Pode haver predominância de espécies de FMAs, que tenham habilidade inerente de esporularem bastante, mas serem colonizadoras pouco eficientes ou estabelecerem simbiose, em que o fungo é favorecido em relação à planta.27 Pode também haver condição estressante que limita a colonização e condiciona os FMAs a produzirem bastante propágulos, como um mecanismo de sobrevivência, embora a maioria dos estresses reduza a esporulação.3 Particularmente, no caso deste estudo, talvez possa existir falta de competição entre FMAs. Leyval et al.28 sugerem que, quando existem várias espécies de FMAs no solo, ocorre maior colonização e menor esporulação. A menor esporulação é atribuída à competição e ao antagonismo entre os fungos na rizosfera.

No caso da T. salzmannii, a elevada esporulação e, também, alta colonização tornam evidente a possibilidade de se selecionar isolados mais eficientes tanto para T. salzmannii como para D. flexuosa. Está muito bem documentado que as plantas exibem diferentes graus de susceptibilidade, compatibilidade e de benefícios do mutualismo com os FMAs.2,27 Entretanto, os benefícios da micorrização dependerão de vários fatores como o tipo e a fertilidade do substrato, do tipo de inoculação, do fungo selecionado e da responsividade da planta hospedeira.28 Estudos conduzidos em condições controladas indicam que a resposta em crescimento da planta inoculada depende da compatibilidade genética e funcional entre as espécies vegetais e isolados de fungos utilizados, bem como das condições ambientais vigentes, como tipo de solo, pH e disponibilidade de nutrientes, em especial o fósforo.27,29 Além dessas variáveis, em condições naturais onde mais que uma espécie de fungo coloniza simultaneamente as raízes da planta hospedeira, os benefícios da simbiose micorrízica dependerão da comunidade de fungos presentes e da competição que se estabelece entre eles.2,21

Após as transferências das plantas para o substrato contaminado foram observados sintomas de fitotoxidez ao As, nas duas espécies de samambaias analisadas, principalmente nos substratos que receberam os tratamentos Estéril (573 mg dm-3 de As Total e 19,1 mg dm-3 de As biodisponível), Rejeito (1046 mg dm-3 de As Total e 573 ou 28,8 mg dm-3 de As biodisponível) e a combinação de amenizante e areia. Estes sintomas manifestaram-se em tempos diferentes de exposição ao As e forma diferenciada para as espécies. Thelypteris salzmannii manifestou sintomas de fitotoxidez 3 dias após o transplantio ou exposição aos substratos contendo elevados teores de As. Observaram-se cores arroxeadas na borda das frondes, não sendo evidenciada esta coloração nas plantas transplantadas com o substrato RPPN (10, 2 mg dm-3 de As Total e 0,1 mg dm-3 de As biodisponível) e B1 (396 mg dm-3 de As Total e 13,2 mg dm-3 de As biodisponível). Após 5 dias de exposição ao As, foi detectada morte da pteridófita T. salzmannii para os tratamentos com os substratos Estéril e Rejeito e proporções do solo contaminado com areia e amenizante.

Foram observados os mesmo sintomas de fitotoxidez para a Dicranopteris flexuosa, porém esta se mostrou mais sensível à exposição ou transferência para os substratos com elevadas concentrações de As, apresentando os sintomas no mesmo dia da transferência e morte definitiva após 2 dias do transplantio em substrato contaminado proveniente de áreas de mineração de ouro. As únicas plantas que sobreviveram foram as dos tratamentos com substrato RPPN e B1. (Maiores detalhes estão no material suplementar).

Observações semelhantes aos sintomas de fitotoxicidade ao As podem ser evidentes em plantas em várias formas e foram descritas por diversos pesquisadores.30-32 Sintomas característicos de fitotoxicidade ao As em plantas são: murchamento das folhas, crescimento lento das raízes e parte aérea, folhas com necrose, cor arroxeada e, finalmente, morte da planta.6,30-32 Em geral, o As inibe o metabolismo na maioria das plantas.33 Mais especificamente, o arsenato pode provocar a fosforilação oxidativa e a produção de ATP32,34 e, também, a capacidade de substituir o P em várias reações.35 O arsenito afeta a função de enzimas e proteínas pela ligação a grupos sulfidrílicos.32 O fosfato não compete com a absorção de arsenito, e a deficiência em fósforo não aumenta o influxo de arsenito, indicando que sua absorção não compartilha o mesmo sistema de transportadores de fosfato.6

A colonização micorrízica das plantas restantes foi analisada após 60 dias de transplantio no substrato contaminado com As (Tabela 2). Nota-se que ocorreu um decréscimo na colonização, porém ainda se apresentou elevada para a pteridófita T. salzmannii. Este fato mostra que o transplantio das plantas de samambaias também exerceu influência sobre a micorrização, além das concentrações de As, tendo em vista que o mesmo ocorreu para o tratamento com solo de RPPN, sem a contaminação de As.

Como os esporos são considerados estruturas resistentes e persistentes no meio, procedeu-se à avaliação de todos os tratamentos, mesmo aqueles em que a planta não sobreviveu. Foram verificados esporos de FMAs somente em T. salzmannii, mesmo nos tratamentos em que a planta não sobreviveu. No entanto, não houve esporulação para D. flexuosa, mesmo nos tratamentos RPPN e B1, onde se esperava que ocorresse esporulação (Tabela 3).

Para o tratamento com o substrato B1 as duas espécies de pteridófitas estudadas apresentaram diferenças na colonização micorrízica e densidade de esporos. A T. salmannii apresentou elevada colonização micorrízica (65%) e moderada densidade de esporos (29 esporos/50 g de solo), enquanto que para D. flexuosa ocorreu redução significativa da colonização radicular e ausência de esporulação (Tabelas 2 e 3). Para os demais tratamentos com concentrações mais altas de As, foram observadas diferenças quanto à tolerância das samambaias, como citado anteriormente, e também se verificaram diferenças quanto à densidade de esporos, sendo que a população de FMAs associada a T. salmannii manteve a esporulação (Tabela 3), evidenciando que a contaminação com As interfere de modo diferenciado na adaptabilidade das espécies/isolados fúngicos de FMAs ao As e na sua eficiência simbiótica e a possibilidade de se selecionar isolados mais eficientes para a fitorremediação de solos contaminados com As.17

Os FMAs podem melhorar o crescimento das plantas nessas situações, como no caso do excesso de metais pesados no solo. Como verificado por Soares e Siqueira,36 a adição de P juntamente com a inoculação de FMAs isolados de áreas contaminadas com Cd, Cu, Pb e Zn, tiveram efeito amenizante sobre a toxidez dos metais para a Brachiaria decumbens. Os mecanismos pelos quais esses benefícios ocorrem são complexos e têm sido objeto de estudo em várias partes do mundo.9

No entanto, assim como nas plantas, os FMAs também sofrem efeitos tóxicos decorrentes do excesso de metais pesados.3 Ahmed et al.37 relatam uma redução significativa da colonização micorrízica nas raízes de mudas plantadas em solos contaminados com As. Estes autores observaram que a adição de As acima de 1 mg L-1 reduziu significativamente (P<0,001) os percentuais da colonização micorrízica nas plantas. No nível mais alto (10 mg L-1 de As), foi constatado que apenas 6% do comprimento da raiz foi infectado pelos isolados de FMAs. Barua et al.38 encontraram taxa de colonização de 96% e uma densidade de 25 esporos 100 g solo-1 sem contaminação, e uma colonização micorrízica de 76% e 20 esporos 100 g solo-1 em plantas cultivadas em solos contaminados com As.

Resultados semelhantes podem ser observados neste estudo, onde a densidade de esporos de FMAs se manteve elevada em substratos com menor concentração de As, como B1 (396 mg dm-3 de As Total e 13,2 mg dm-3 de As biodisponível), o que pode ser explicado pela maior intensidade de colonização micorrízica nos respectivos tratamentos. O aumento de propágulos micorrízicos garante uma colonização vigorosa na planta e, como consequência, desenvolve uma intensa rede de hifas responsáveis pela maior absorção de água e nutrientes pela planta simbiôntica.38

Embora se reconheça que as plantas mais adaptadas a ambientes contaminados com As geralmente estão micorrizadas,4-6,39,40 elevadas concentrações de As podem exercer efeito seletivo sobre as populações, favorecendo a dominância de certas espécies mais adaptadas, o que teria impacto sobre a vegetação, considerando que estes fungos podem amenizar os efeitos fitotóxicos dos metais pesados.2,8,9,16 Isto resulta de alterações na absorção, acumulação ou translocação dos metais pesados na planta ou de uma nutrição melhor balanceada.

Desde a identificação inicial da P. vittata como uma hiperacumuladora de As, outras samambaias foram identificadas como hiperacumuladoras. Contudo, nem todas as samambaias são capazes de hiperacumular As.19,41,42 Até o presente, a maioria das samambaias que hiperacumulam As pertencem ao gênero Pteris. Estudos com este enfoque não são conhecidos nas condições brasileiras, indicando a importância da avaliação de algumas das espécies tropicais de pteridófitas, que pode resultar em identificação de espécies hiperacumuladoras, que poderão não só diminuir os custos da remediação de áreas contaminadas com As, mas também evitar muitos dos problemas que a introdução de uma espécie exótica pode acarretar.

Informações sobre as interações dos FMAs com estas plantas também são de fundamental importância, sendo necessários estudos com visão tecnológica para viabilizar o uso destes em larga escala na recuperação de áreas degradadas, em especial estudos sobre o papel das interações planta-FMAs no aumento da eficiência da fitorremediação de solos contaminados com As.16

CONCLUSÕES

As duas espécies de pteridófitas testadas apresentaram esporulação abundante de fungos micorrízicos nativos, evidenciando a possibilidade de se selecionar isolados mais eficientes para a fitorremediação de solos contaminados com arsênio.

No substrato com menor teor de arsênio (B1), as duas espécies de pteridófitas estudadas apresentaram diferenças na colonização micorrízica e densidade de esporos, indicando que uma espécie pode ser mais responsiva que a outra. Por outro lado, nos substratos com maiores teores de As (Estéril, Rejeito, e proporções do solo contaminado com areia e amenizante) foram observados sintomas de fitotoxidez e diferenças quanto à tolerância das samambaias.

A espécie Thelypteris salzmannii apresentou maior taxa de colonização micorrízica e manteve esporulação de fungos micorrízicos arbusculares viáveis nos substratos com elevada concentração de arsênio, evidenciando a possibilidade de se utilizar esta espécie de samambaia em processos de reabilitação de áreas contaminadas. Já a Dicranopteris flexuosa apresentou maior sensibilidade ao transplantio para solos contaminados com arsênio em relação à Thelypteris salzmannii, e menor associação com fungos micorrízicos arbusculares.

Diante da importância das micorrizas na recuperação de áreas degradadas, os mecanismos de tolerância conferidos pela simbiose precisam ser estudados.

MATERIAL SUPLEMENTAR

Está disponível em http://quimicanova.sbq.org.br, em arquivo pdf, com acesso livre.

AGRADECIMENTOS

J. Schneider agradece a bolsa de pesquisa (doutorado) do CNPq. Os autores agradecem o financiamento do projeto pelo CNPq (Processo 577513/2008-7), pela FAPEMIG (Processo CAG APQ 00118/09) e pela CABRNET (The Foundation for Opportunities in Resource Research and Education). S. L. Stürmer (Processo 302667/2009-1) e L. R. G. Guilherme (Processo 305722/2010-7) agradecem ao CNPq pela bolsa de produtividade em pesquisa.

Recebido em 11/5/11

Aceito em 18/10/11

Publicado na web em 4/1/12

Material Suplementar

O material suplementar está disponível em pdf: []

  • 1. Wardle, D. A.; Bardgett, R. D.; Klironomos, J. N.; Setälä, H.; van der Putten, W. H.; Wall, D. H.; Science 2004, 304, 1629.
  • 2. Siqueira, J. O.; Soares, C. R. F. S.; Santos, J. G. D.; Schneider, J.; Carneiro, M. A. C.; Tópicos Ci. Solo 2007, 5, 219.
  • 3. Nogueira, M. A.; Soares, C. R. F. S. Em Micorrizas: 30 Anos de Pesquisa no Brasil; Siqueira, J. O.; Souza, F. A.; Cardoso, E. J. B. N.; Tsai, S. M., eds.; Ed. UFLA: Lavras, 2010.
  • 4. Agely, A.; Sylvia, D. M.; Ma, L. Q.; J. Environ. Qual. 2005, 34, 2181.
  • 5. González-Chavez, C.; Harris, P. J.; Dodd, J.; Meharg, A. A.; New Phytol 2002, 155, 163.
  • 6. Wang, J.; Zhao, F.; Meharg, A. A.; Raab, A.; Feldmann, J.; McGrath, S. P.; Plant Physiol. 2002, 130, 1552.
  • 7. Audet, P.; Charest, C.; Environ. Pollut 2007, 147, 609.
  • 8. Leung, H. M.; Wu, F. Y.; Cheung, K. C.; Ye, Z. H.; Wong, M. H.; J. Hazard. Mater. 2010, 181, 497.
  • 9. Smith, S. E.; Christophersen, H. M.; Pope, S.; Smith, F. A.; Plant Soil 2010, 327, 1.
  • 10. Trotta, A.; Falaschi, P.; Cornara, L.; Minganti, V.; Fusconi, A.; Drava, G.; Berta, G.; Chemosphere 2006, 65, 74.
  • 11. Gonzaga, M. I. A.; Santos, J. A. G.; Ma, L. Q.; Environ. Pollut. 2008, 154, 212.
  • 12. Christie, P.; Li, X.; Chen, B.; Plant Soil 2004, 261, 209.
  • 13. Leung, H. M.; Ye, Z. H.; Wong, M. H.; Chemosphere 2007, 66, 905.
  • 14. Liu, Y.; Zhu, Y. G.; Chen, B. D.; Christie, P.; Li, X. L.; Mycorrhiza 2005, 15, 187.
  • 15. Göhre, V.; Paszkowski, U.; Planta 2006, 223, 1115.
  • 16. Liu, Y.; Christie, P.; Zhanga, J.; Li, X.; Environ. Experimental. Botany 2009, 66, 435.
  • 17. Smith, S. E.; Facelli, E.; Pope, S.; Smith, F. A.; Plant Soil 2010, 326, 3.
  • 18. Ma, L. Q.; Komar, K. M.; Tu, C.; Zhang, W.; Cai, Y.; Kennelley, E. D.; Nature 2001, 409, 579.
  • 19. Zhao, E. J.; Dunham, S. J.; McGrath, S. P.; New Phytol. 2002, 156, 27.
  • 20. Lindblom, S. D.; Abdel-Ghany, S.; Hanson, B. R.; Hwang, S.; Terry, N.; Pilon-Smits, E. A. H.; J. Environ. Qual. 2006, 35, 726.
  • 21. Parniske, M.; Nature Reviews 2008, 6, 763.
  • 22. Phillips, J. M.; Hayman, D. S.; Trans. Br. Mycol. Soc. 1970, 55, 158.
  • 23. Giovannetti, M.; Mosse, B.; New Phytol. 1980, 84, 489.
  • 24. Gerdemann, J. W.; Nicolson, T. H.; Trans. Br. Mycol. Soc. 1963, 46, 235.
  • 25. Costa, E. T. S.; Guilherme, L. R. G.; Curi, N.; Lopes, G.; Visioli, E. L.; Quim. Nova 2009, 32, 868.
  • 26
    http://www.epa.gov/SW-846/3051a.pdf, acessada em Agosto 2009.
    » link
  • 27. Siqueira, J. O.; Saggin-Júnior, O. J.; Mycorrhiza 2001, 11, 245.
  • 28. Leyval, C.; Turanau, K.; Haselwandter, N.; Mycorrhiza 1997, 7, 139.
  • 29. Zangaro, W.; Nishidate, F. R.; Domingos, J. C. B.; Nakano, M.; J. Trop. Ecol. 2003, 19, 315.
  • 30. Woolson, E. A. Em Emissions, cycling, and effects of arsenic in soil ecosystems; Fowler, B. A., ed.; Elsevier: Amsterdam, 1983.
  • 31. Adriano, D. C. Em Trace elements in terrestrial environments: biogeochemistry, bioavailability and risks of metals; Adriano, D. C., ed.; 2nd ed.; Springer-Verlag: New York, 2001.
  • 32. Oremland, R. S.; Stolz, J. F.; Science 2003, 300, 939.
  • 33. Kabata-Pendias, A.; Pendias, H. Em Trace elements in soils and plants; Kabata-Pendias, A.; Pendias, H., eds.; 3rd ed.; CRC Press: Boca Raton, 2001.
  • 34. Gonzaga, M. I. S.; Santos, J. A. G.; Ma, L. Q.; Scient. Agricola 2006, 63, 90.
  • 35. Zhang, W.; Cai, Y.; Downum, K. R.; Ma, L. Q.; Environ. Pollut. 2004, 131, 337.
  • 36. Soares, C. R. F. S.; Siqueira, J. O.; Biol. Fertil. Soils 2008, 44, 833.
  • 37. Ahmed, F. R. S.; Killham, K.; Alexander, I.; Plant Soil 2006, 258, 33.
  • 38. Barua, A.; Gupta, S. D.; Mridha, M. A. U.; Bhuiyan, M. K.; J. Forestry Res. 2010, 21, 423.
  • 39. González-Chavez, M. C.; Carrillo-González, R.; Wright, S. F.; Nichols, K. A.; Environ. Pollut. 2004, 130, 317.
  • 40. Meharg, A. A.; Hartley-Whitaker, J.; New Phytol. 2002, 154, 29.
  • 41. Visoottiviseth, P.; Francesconi, K.; Sridokchan, W.; Environ. Pollut. 2002, 118, 453.
  • 42. Meharg, A. A.; New Phytol 2003, 157, 25.
  • 43. Raij, B. van; Cantarella, H.; Quaggio, J. A.; Ferreira, H. E.; Lopes, A. S.; Bataglia, O. C.; Análise química do solo para fins de fertilidade, Fundação Cargill: Campinas, 1987.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      11 Maio 2011
    • Aceito
      18 Out 2011
    Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br