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Avaliando as aproximações usadas no ensino de Físico-Química

Evaluating approaches employed in Physical Chemistry teaching

Resumo

The approaches are part of the everyday of the Physical Chemistry. In many didactic books in the area of Chemistry, the approaches are validated starting from qualitative and not quantitative approaches. We elaborated some examples that allow evaluating the quantitative impact of the approaches, being considered the mistake tolerated for the approximate calculation. The estimate of the error in the approaches should serve as guide to establish the validity of the calculation, which use them. Thus, the shortcut that represents a calculation approached to substitute accurate calculations; it can be used without it loses of quality in the results, besides indicating, as they are valid the adopted criterions.

approximation; precision; stirling approach; physical chemistry teaching


approximation; precision; stirling approach; physical chemistry teaching

EDUCAÇÃO

Avaliando as aproximações usadas no ensino de Físico-Química

Joaquim Soares da Costa Júnior, Francisco Carlos Marques da Silva e José Machado Moita Neto

Departamento de Química - Universidade Federal do Piauí - 64049-550 - Teresina - Piauí

Recebido em 13/5/98; aceito em 9/1/99

Evaluating approaches employed in Physical Chemistry teaching. The approaches are part of the everyday of the Physical Chemistry. In many didactic books in the area of Chemistry, the approaches are validated starting from qualitative and not quantitative approaches. We elaborated some examples that allow evaluating the quantitative impact of the approaches, being considered the mistake tolerated for the approximate calculation. The estimate of the error in the approaches should serve as guide to establish the validity of the calculation, which use them. Thus, the shortcut that represents a calculation approached to substitute accurate calculations; it can be used without it loses of quality in the results, besides indicating, as they are valid the adopted criterions.

Keywords: approximation; precision; stirling approach; physical chemistry teaching.

INTRODUÇÃO

A interpretação teórica de diversos fenômenos físico-químicos conduz a uma formulação matemática. Como nem sempre estas equações resultantes são simples, utilizam-se aproximações que facilitam os cálculos requeridos.

À semelhança das medidas experimentais, todas as aproximações contêm inevitavelmente erros. Portanto, na utilização destas aproximações é importante saber avaliar estes erros para conhecer os limites de cada aproximação e também estimar a relação custo/benefício da substituição de cálculos exatos por cálculos aproximados.

Em muitos livros didáticos de segundo e terceiro grau na área de Química, as aproximações são validadas a partir de critérios qualitativos e não quantitativos, embora se queira ressaltar aspectos quantitativos. Isto é expresso em frases comuns como:

à Para soluções aquosas diluídas, a molaridade é igual a molalidade.

à A aproximação de Stirling: ln(N!)=N.ln(N) - N é válida para N muito grande.

à O sen(q)=q para valores pequenos de q.

à

O ln(1+x)=x para

x<<1

O desejo de conhecer o impacto quantitativo destas aproximações nos remete a perguntas como:

¨A partir de qual concentração uma solução aquosa é considerada diluída?

¨ A partir de qual valor N é considerado muito grande?

¨ A partir de qual valor q é considerado pequeno?

¨ A partir de que valor x é considerado muito menor que 1?

Para responder estas perguntas devemos inicialmente indagar qual a precisão desejada ou qual o erro tolerado na aproximação. Para subsidiar a discussão de alguns exemplos, vamos mostrar que a raiz quadrada de um número qualquer pode ser obtida numericamente com a precisão desejada.

RAIZ QUADRADA

Tomemos como exemplo a raiz quadrada de 80 e vamos obtê-la com a precisão de milésimo, ou seja, com uma diferença de 0,001 entre o valor real e o valor aproximado através das seguintes etapas:

1. G(n)=G(0)

2. S(n)=80/G(n)

3. G(n+1)=(G(n)+S(n))/2

4. repetir os passos 2 e 3 até que |G(n)-S(n)|£0,001.

O valor de G(0) corresponde ao valor inicial proposto para iniciar a iteração. Para exemplificar este cálculo vamos desenvolvê-lo para G(0)=12.

Este processo iterativo pode levar a qualquer precisão desejada, basta ajustar o passo 4: |G(n)-S(n)|£precisão.

MOLARIDADE

Muitos livros de segundo grau enfatizam que em soluções aquosas diluídas molaridade e molalidade são praticamente iguais e aplicam esta aproximação na resolução de alguns exercícios1-3.

A molaridade é dada pela razão entre a quantidade de matéria do soluto e o volume da solução. Aproximá-la pela molalidade, para soluções aquosas diluídas, equivale a igualar o valor numérico da massa do solvente dada em quilogramas com o volume da solução dado em litros, ou seja, 1 L de solução aquosa contém 1 kg de água.

Utilizando valores tabelados4 de título e densidade do ácido sulfúrico (T=0,26 a 10,56%) e hidróxido de sódio (T=0,159 a 10,10%), calculou-se a molaridade e a molalidade das soluções destas substâncias. A molalidade pode ser expressa a partir do título em porcentagem (T) e da massa molar (M):

A molaridade pode ser expressa a partir do título (T), da densidade (D) em g/mL e da massa molar (M):

O erro porcentual em utilizar a molaridade como sendo numericamente igual à molalidade é dado por e = (Mr - Ml) . 100/Mr. O gráfico de e em função da molalidade para as soluções de ácido sulfúrico e hidróxido de sódio mostra que a faixa de molalidade que produz um erro de até ±1% difere nos dois casos. Se considerarmos este erro aceitável na aproximação, teremos que admitir que uma solução de ácido sulfúrico é diluída quando sua concentração encontra-se abaixo de 0,2 molal, enquanto até em concentrações de 1 molal o hidróxido de sódio pode ser considerado diluído. Quando a molalidade aproxima-se de zero, o erro percentual também aproxima-se de zero, pois nesta situação, molaridade e molalidade são numericamente iguais.

APROXIMAÇÃO DE STIRLING

No cálculo de arranjos de unidades microscópicas em sistemas macroscópicos, como na dedução da expressão matemática da distribuição de Boltzmann, é necessário trabalhar com fatoriais de números muito grandes, utilizando-se a aproximação de Stirling5,6.

A Tabela 1 traz a comparação entre os valores exatos (lnN!) e aproximados (NlnN - N) para diversos valores de N. A Figura 2 mostra o gráfico do erro percentual envolvido na aproximação de Stirling em função do valor N utilizado. Considerando 10 um número grande, tem-se um erro de cerca de 14%. Para que o erro decorrente da aproximação de Stirling seja inferior a 1%, somente valores de N maiores que 90 podem ser considerados como grandes.



Senq = q

Esta aproximação tem outra versão: tgq =senq pois tgq = senq/cosq e para ângulo q= 0 cosq =1. Esta aproximação é aplicada na equação do movimento oscilatório de um pêndulo simples7 e na dedução da incerteza na quantidade de movimento do elétron8.

Os elementos de discussão são os mesmos anteriores e na Figura 3 é mostrado como o valor do erro percentual varia em função do ângulo.


ln(1+x)=x

Esta aproximação tem também outra versão:ex=1+x. É bastante aplicada em vários assuntos de físico-química, como por exemplo, para obter o resultado clássico da lei de Rayleigh-Jeans partindo da lei da radiação de Planck8 e na dedução da equação de van't Hoff usada no estudo das propriedades coligativas9.

A expansão de ln(1+x) leva ao polinômio f(x)=x - x2/2 + x3/3 + (-1)rx(r+1)/(r+1) que converge para -1<x<1. Quando x for próximo de zero, os termos de ordem superior contribuem pouco. Isto ocorre quando x<<1.

A Tabela 2 mostra os valores de x, ln(1+x) e o erro percentual envolvido nesta aproximação

O valor x=0,1 pode ser considerado muito menor que 1 se consideramos o erro de 4,9% desprezível. Neste caso, uma maneira de reduzir o erro é incorporar o termo de 2a ordem do polinômio, ou seja, ln(1+x)=x - x2/2; assim para 0,1 temos um erro de apenas 0,3%. Mais uma vez retornamos à razão custo/benefício como critério de decisão.

OUTRAS APROXIMAÇÕES

Muitas outras questões podem ser levantadas que envolvem aproximações, por exemplo:

Qual o erro de utilizar 1 atm (101325 Pa) como pressão padrão (1 bar=105 Pa)?

A resposta é 1,3%. Contudo este erro é relativo apenas à própria pressão e não às grandezas medidas na pressão padrão.

Na transformação de grau Celsius para kelvin muitas vezes se suprime o 0,15. Neste caso o cálculo do erro envolvido não é imediato pois, considerando que a temperatura é uma grandeza experimental, não podemos esquecer os algarismos significativos:

25+273,15=298

25,00+273,15=298,15

25,0000+273,15=298,1500

Portanto, no primeiro caso não há erro envolvido na supressão do 0,15, nos demais casos o erro é de 0,05%. Para este último caso convém lembrar que o zero da escala Celsius é definido como exatamente igual9 a 273,15 K.

Muitas vezes utilizamos a densidade da água como sendo igual a 1 g/mL. Neste caso, o erro envolvido depende da temperatura10.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os exemplos apresentados aqui são apenas para ilustrar a necessidade de uma apresentação mais clara das aproximações que normalmente utilizamos em Físico-Química.

A estimativa do erro nas aproximações deve servir de guia para se estabelecer a validade do cálculo que as utiliza. Assim, o atalho que representa um cálculo aproximado para substituir cálculos exatos pode ser usado sem perda de qualidade nos resultados, além de indicar o quanto são válidos os critérios adotados para se chegar àquela aproximação.

e-mail: jmoita@uol.com.br

e-mail: francar@ufpi.br

  • 1. Usberco, J.; Salvador, E.; Química: vol. 2 Físico-Química, Editora Saraiva, Săo Paulo 1995; p. 71.
  • 2. Feltre, R.; Química: vol. 2 Físico-Química, Editora Moderna, Săo Paulo 1994; p. 26.
  • 3. Camargo, C. C.; Química Moderna, Editora Scipione, Săo Paulo 1997; p. 248.
  • 4. Tabelas Auxiliares para o laboratório químico E. Merck, Darmstadt Alemanha; p. 5-6.
  • 5. Barrow, G. M.; Físico-Química; Traduçăo de Raimundo Nonato Damasceno e Irvin Viluce León. Editora Reverté Ltda, Rio de Janeiro 1982; p. 118.
  • 6. Moore, W. J.; Físico-Química; Traduçăo de Helena Li Chun, Ivo Jordan e Milton Caetano Ferreroni; vol.1. Editora Edgard Blücher, Săo Paulo, 1976; p. 157.
  • 7. Bunge, A. V.; Introduçăo a Química Quântica; Editora Edgard Blücher, Săo Paulo 1979; p. 3.
  • 8. Dias, J. J. C. T.; Química Quântica; Fundaçăo Calouste Gulbenkian; Lisboa 1982; p. 27 e p. 29.
  • 9. Castellan, G.; Fundamentos de Físico-Química; Traduçăo de Cristina Maria Pereira dos Santos e Roberto de Barros Faria. Livros Técnicos e Científicos S. A.; Săo Paulo, 1986; p. 311 e p. 104.
  • 10. Baccan, N.; Andrade, J. C.; Godinho, O. E. S. e Barone, J. S.; Química Analítica Quantitativa Elementar 2a Ediçăo revista e ampliada. Editora Edgard Blücher e Editora da Unicamp, Campinas 1992; p.231.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Fev 2000
  • Data do Fascículo
    Jul 1999

Histórico

  • Aceito
    09 Jan 1999
  • Recebido
    13 Maio 1998
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