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O ensino por problemas e trabalho experimental dos estudantes: reflexões teórico-metodológicas

Teaching through problems and experimental work of the studants; theorical: metodological reflections

Resumo

This work focuses its attention in teaching through problems, as a methodological strategy in the system of chemistry learning situations. The philosophical and epistemological basis of our perspective are the works that were developed by M. Majmutov and M.M. Llantada, in the field of sciences didactics and in the social-historical context of the school, where the fundamental categories that structure teaching through problems are discussed: the problem, the problematic tasks and problematic, as main orientations in the process of construction of the knowledge by the students.

Chemistry; problem; teaching


Chemistry; problem; teaching

Educação

O ENSINO POR PROBLEMAS E TRABALHO EXPERIMENTAL DOS ESTUDANTES - REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

Sebastião Franco da Silva*

Curso de Ciências Biológicas, Campus II, Universidade Potiguar, Av. Salgado Filho, 1610, 59056-500 Natal - RN

*e-mail: franco@eol.com.br

Isauro Beltrán Núñez

Departamento de Educação, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 59072-970 Natal - RN

Recebido em 11/6/01; aceito em 12/8/01

TEACHING THROUGH PROBLEMS AND EXPERIMENTAL WORK OF THE STUDANTS; THEORICAL ¾ METODOLOGICAL REFLECTIONS. This work focuses its attention in teaching through problems, as a methodological strategy in the system of chemistry learning situations. The philosophical and epistemological basis of our perspective are the works that were developed by M. Majmutov and M.M. Llantada, in the field of sciences didactics and in the social-historical context of the school, where the fundamental categories that structure teaching through problems are discussed: the problem, the problematic tasks and problematic, as main orientations in the process of construction of the knowledge by the students.

Keywords: Chemistry; problem; teaching.

INTRODUÇÃO

O ensino de Ciências foi introduzido no currículo do ensino básico há pelo menos três séculos, como exigência para a formação do cidadão, fosse na perspectiva de condições mínimas para a atuação como trabalhador, fosse como ensino propedêutico para uma escolarização superior1. Ao longo desse período, o crescimento da população urbana e o processo de industrialização passaram a exigir cada vez mais - e em ritmo acelerado - desenvolvimento científico e tecnológico. Ainda assim, chega-se ao final do século XX marcando-se um visível descompasso entre o nível de conhecimento necessário à produção e o ensino de Ciências nos sistemas educacionais.

O estudo das ciências possibilita ao homem conhecer a si próprio, entender suas relações com os demais seres vivos, e desvendar os fenômenos que se manifestam no meio ambiente. Enfim, abre novas perspectivas para que possa viver com qualidade e dignidade, nesse mundo cada vez mais globalizado2.

O professor de Ciências deve ser capaz de promover o aprofundamento dos conhecimentos científicos e do desenvolvimento tecnológico, assim como estabelecer relações entre a ciência e o desenvolvimento da tecnologia. No mundo atual, as transformações advindas do processo de globalização podem levar a sociedade a requerer níveis superiores de reflexão, particularmente em relação ao estudo das ciências e à aplicação de novas tecnologias, de modo a contribuir para uma melhor qualidade de vida e, em conseqüência, para o verdadeiro exercício da cidadania.

A definição da ciência como uma interpretação teórica (criada pelo homem) da natureza leva-nos ao entendimento de que para efetivar a aprendizagem dos alunos, faz-se necessário colocá-los em contato com a natureza, recorrendo-se à observação sistemática, à manipulação controlada (os modos de experimentação em laboratório - forma tradicional de aprender e de fazer ciência), ao estabelecimento de relações complexas entre o objeto da aprendizagem e os aprendizes, com suas atitudes reflexivas no processo de desenvolvimento científico, ou ainda às modernas facilidades tecnológicas. Em sintonia com o pensamento de que a aprendizagem se concretiza em meio a processos interacionais de natureza variada - interação do sujeito com seus semelhantes, com seres de outras espécies e com o próprio meio ambiente - entendemos que no processo da aprendizagem caminhamos em duas direções: poderemos influenciar (agindo sobre o outro) ou sermos influenciados (consentindo que a ação do outro se exerça sobre nós). Com essa visão reflexiva, acredita-se que as observações de cunho educacional são diferentes da pesquisa científica tradicional; um experimento de laboratório que se realiza nos moldes de uma seqüência didática, por exemplo, não é um mero experimento científico simplificado.

Nas duas últimas décadas, vários estudos têm sido conduzidos na perspectiva de se adotarem novas estratégias no ensino fundamental, visando melhorar a qualidade da educação em ciências, a partir de uma outra compreensão epistemológica de ciência, ou seja, de uma visão reflexiva da constituição das ciências. Nesse sentido, a ciência como atividade humana pode ser considerada um dos resultados da capacidade de o homem, estrategicamente, desenvolver habilidades de solução de problemas. Justifica-se, assim, a importância desse tipo de atividade no ensino das ciências, sem esquecer que, epistemologicamente, desde o ponto de vista pragmático, atribui-se à atividade de resolver problemas, um peso significativo nesse ensino. Essas afirmações são corroboradas nas publicações especiais das revistas lnstructional Science (1995) e Journal of Education of the Gifted (1997).

Pensar é sinônimo de resolver problemas; é aquele estado de reflexão em que um organismo encontra, reconhece e soluciona um problema3. O ponto discutível nessa definição é o fato de que ela restringe o ato de pensar, concebendo-o tão somente como um processo de busca da solução do problema. Defende-se, além disso, a idéia de enfrentar problemas, pois o enfrentamento de uma situação problemática nem sempre leva à solução do problema, valorizando o processo utilizado para tal. Solucionar um problema é parte do processo de pensar e considera todas as ações de enfrentamento desse problema, admitindo-se nesse caso o reconhecimento de que existe um problema4.

Na didática das ciências, as pesquisas sobre solução de problemas têm ocupado um lugar especial e a literatura sobre esse assunto é ampla e complexa, refletindo variadas posições teóricas, que podem contribuir com a formação de mudanças conceituais, metodológicas e atitudinais, no intuito de superar a "metodologia da superficialidade"5. No ensino das ciências, diversos trabalhos tentam descrever modelos de solução de problemas, tomando como exemplo a comparação dos processos em que se confrontam expertos e novatos, testando-se a capacidade dos primeiros para resolverem problemas com relação aos novatos, por meio do trabalho heurístico, como forma eficiente para desenvolver a criatividade e, finalmente, como metodologia que integra a formação de conceitos, o trabalho experimental e a solução de problemas6. Os estudos realizados sobre os processos de solução de problemas permitem apreciar as diferentes orientações teóricas que têm norteado as diversas pesquisas sobre essa temática. Para Kempa7, essas orientações podem ser assim resumidas:

a) em termos de seqüência da atividade heurística associada, que acontece no processo, concepção derivada da orientação de Dewey, e supõe os seguintes momentos: 1) identificação do problema, 2) definição do problema, 3) produção de hipóteses sobre possíveis soluções, 4) desenvolvimento das hipóteses e dedução de suas propriedades e 5) comprovação de hipóteses;

b) em termos da psicologia da Gestalt, a solução dos problemas como atividade produtiva supõe duas etapas: 1) período de incubação e 2) intuição (reorganização mental da estrutura do problema);

c) em termos de um modelo de processamento de informação (entrada/saída), pode levar à organização e estruturação da informação, em que a entrada representa a percepção do problema e a saída, a resposta5.

Perales8 inclui nos modelos de solução de problemas as seguintes orientações: a teoria de Piaget e a Psicologia cognitiva (processamento da informação).

A teoria de Piaget sugere que qualquer indivíduo que acede as operações formais será capaz de resolver um problema. Essa afirmação, porém, pode ser verdadeira ou falsa, dependendo de muitos fatores, como conteúdo, tipos de problemas, período em que o problema foi elaborado, o que se entende por problemas etc. Piaget e seus continuadores enfatizaram a necessidade de potencializar o desenvolvimento cognitivo por meio da solução de problemas, gerados a partir de conflitos cognitivos, mecanismo essencial da aprendizagem.

A Psicologia cognitiva enfatiza a representação mental e a compreensão do sujeito, nas suas idéias prévias, em que o contexto do problema e o processo de solução são duas variáveis unidas, que dão forma ao conteúdo do raciocínio. Um dos estudos que mais tem apontado teoricamente nesse sentido é aquele baseado nas tarefas realizadas pelos expertos (experientes) e pelos novatos (inexperientes). O estudo fundamenta-se na comparação entre os processos de solução que utilizam os expertos em confronto com os novatos na elaboração de estratégias a serem usadas, pelos dois grupos, na solução de problemas.

Na perspectiva de Pozo9, os pressupostos comuns das críticas aos estudos de solução de problemas, mediante a comparação entre novatos e expertos, são os seguintes: 1) a diferença entre os dois é basicamente a diferença de conhecimento e não de processos básicos ou capacidades cognitivas; 2) a diferença de conhecimento é tanto qualitativa quanto quantitativa, isto é, os expertos não só sabem mais que os novatos como tendem a organizar seus conhecimentos de forma diferente; 3) a "perícia" é um efeito da prática acumulada, uma tendência da aprendizagem. Os fatores inatos, portanto, e as possíveis diferenças individuais não são determinantes; 4) a "perícia" está circunscrita a áreas específicas do conhecimento, de tal forma que o indivíduo é experto ou não em relação a algo, porém um mesmo sujeito pode ter graus diversos de perícia para problemas conexos de uma mesma área.

Para Furió10, os modelos didáticos de solução de problemas, elaborados a partir das investigações comparativas entre expertos e novatos, apresentam as seguintes limitações: não são apropriados para resolver problemas abertos; as estratégias didáticas implícitas situam-se num paradigma de ensino/aprendizagem, como processamento de informação com base neocondutista, e têm por objetivo reproduzir os bons procedimentos de solução, o que não favorece o desenvolvimento da criatividade e nem o exercício do pensamento divergente nos novatos.

Uma condição básica para enfrentar com êxito os verdadeiros problemas pode ser o exercício da criatividade, capacidade que é a expressão suprema da resolução de problemas, e que implica idéias11 novas e originais. Junto à estreita relação psicológica entre a resolução de problemas e a criatividade, existe uma relação epistemológica entre a investigação e a produção do conhecimento científico, de acordo com a qual a própria ciência pode se considerar um processo criativo de resolução de problemas, mediante a busca de soluções novas, em termos de planejamento e comprovação de hipóteses5. Daí poder-se questionar: por que não utilizar um processo de ensino de resolução de problemas coerente com a atividade científica ?

A atividade experimental dos estudantes tem sido centro da atenção de muitas investigações, e na literatura sobre o ensino das ciências surgem diversos artigos sobre essa questão. Na década de 70, enfatizou-se, no ensino das ciências, a importância do conhecimento e a capacidade de uso do método científico, compreendido como um processo racional de tomada de decisão, com base em dados e com critérios objetivos; a importância de mudar a atividade de laboratório, que tradicionalmente tinha como objetivo a comprovação dos chamados "produtos da ciência", e que se converteu, então, em um recurso educativo de repetição da atividade, utilizada pelos cientistas em busca de informações e descobrimentos. Em função disso, parece que as potencialidades atribuídas a esse recurso de ensino levaram a um reducionismo do método científico e da atividade da ciência, sugerindo sempre etapas e procedimentos comuns, convertendo o método científico em uma verdadeira "receita de bolo", numa caricatura ingênua do trabalho dos cientistas, embasado numa visão empirista da construção de conhecimentos12.

Na área do ensino de Ciências, diversos projetos educativos orientaram-se para essa perspectiva: privilegiava-se a atividade autônoma dos alunos, prestando mais atenção aos procedimentos do que aos próprios conteúdos. Na área de Química, nos anos 60 e 70, apareceram grandes projetos curriculares (baseados no ensino por descoberta), como o Nuffield, PSSC, BSCS, CBA, CHEM etc, cujo objetivo central era orientar o ensino da ciência para a aprendizagem do método científico. Na época, o método científico e o ensino por descoberta converteram-se em referências obrigatórias de qualquer renovação do ensino das ciências, que se traduz nesse paradigma4.

O ensino por descoberta foi criticado por diferentes autores, porém constitui um passo importante na construção da Didática das ciências na atualidade e, de modo evidente, preconiza a necessidade de mudança no ensino tradicional13.

Medeiros14 revela que, no ensino por descoberta, muitos estudantes realizam experimentos sem a idéia clara do que estão fazendo, de tal forma que não se mostram capazes de identificar as questões básicas (os conceitos e fenômenos contidos no experimento), além de apresentarem limitações para entender a experimentação como um processo de construção e reconstrução do conhecimento.

Entre as conclusões de uma revisão às críticas do ensino por descoberta, Gil5 enumera as seguintes: uma concepção da natureza do trabalho científico, marcada pelo método indutivo, que ignora os aportes da nova epistemologia da ciência; uma visão do método científico, que supervaloriza a atividade científica, apresentando os resultados da ciência, como verdades inquestionáveis e rígidas; e a enfatização na experiência direta (descobrir por si mesmo), como elemento motivacional do trabalho científico, tal como a emissão de hipóteses e o desenho dos experimentos.

Críticas importantes sobre a aprendizagem por descoberta foram feitas por Ausubel11 e Novak15 ao distinguirem aprendizagem heurística de aprendizagem significativa. Como explicam os autores, a solução de um problema por tentativas e erros é um exemplo de aprendizagem por descoberta, o que não representa necessariamente uma aprendizagem significativa.

O ensino por descoberta constituiu uma tentativa para superar as limitações do ensino tradicional e conferir ao aluno um papel mais ativo no processo de aprendizagem. O ensino por descoberta contabilizou alguns pontos positivos e importantes para o ensino das ciências16, a exemplo do desenvolvimento da atitude de responsabilidade dos alunos face à aprendizagem, e da motivação pela experimentação, no sentido de aprender a "descobrir" e a observar. Acreditamos que seu equívoco lógico, na época, foi fundamentar-se numa estrutura epistemológica sobre a construção do conhecimento hoje superada.

Ainda que a filosofia atual da Ciência tenha mostrado a inexistência de um único "método científico", concebido como um conjunto seqüenciado de normas, cujas etapas conduzem inexoravelmente ao êxito da solução de problemas, isso não significa que não seja possível fazer uma análise epistemológica que possa enfatizar certas características essenciais do trabalho científico.

Para uma melhor compreensão do método científico, adotamos os novos enfoques epistemológicos que consideram a construção do conhecimento como tentativa orientada a um objetivo, dotada de um caráter hipotético, para interpretar o mundo. Neste contexto, aprender ciência é reconstruir os conhecimentos, partindo das próprias idéias do indivíduo, ampliando-as e modificando-as, segundo os casos e contextos17.

Consideramos a ciência não como acúmulo de descobrimentos, mas como um complexo processo de construção e reconstrução teórica no contexto sócio-histórico dado. A nossa proposta para o ensino de solução de problemas não se limita à aprendizagem de métodos ou a uma ilustração da teoria, nem a uma aplicação exclusiva da teoria à solução de problemas; trata-se de dar um significado à aprendizagem, uma vez que a ciência é uma atividade teórico-experimental. Assim, os conceitos se ressignificam no próprio trabalho de solução de problemas por meio do trabalho experimental no laboratório.

Martinez18, em seus trabalhos sobre o ensino problema, destaca a importância da metodologia científica no ensino de qualquer ciência. Assinala, também, que o método científico reflete o nível mais alto de assimilação, permitindo ao estudante relacionar-se com um método geral da ciência e com etapas gerais da construção do conhecimento, sendo uma contribuição ao desenvolvimento do pensamento criativo dos estudantes.

Por meio de experimentos, a atividade experimental pode-se converter numa atividade cognoscitiva criadora e, para isso, não se devem utilizar tarefas reprodutivas, mas investigativas e produtivas, nas quais possam ser construídos e empregados os conhecimentos assimilados. Nesse sentido, a aprendizagem a partir de problemas pode ser um dos meios importantes para desenvolver as potencialidades criativas dos alunos, como também pode ser considerada uma estratégia que mobiliza os conhecimentos e habilidades dos alunos, na relação teoria e prática, baseada na aplicação de problemas relativos a seus interesses quanto ao contexto. O caráter criador da atividade pode se formar e se desenvolver, familiarizando-se sistematicamente os estudantes com o trabalho de caráter criador, colocando-os em situações nas quais tenham de resolver problemas criadores, que vão se complicando gradualmente.

Outra perspectiva no paradigma do ensino das ciências, utilizando a solução de problemas, tem sido desenvolvida por Majmutov19 e Martinez18, no contexto do enfoque sócio-histórico, os quais desenvolveram a orientação que é conhecida como "ensino por problemas" e se estrutura a partir de quatro categorias teóricas: as situações problemáticas, o problema, as tarefas-problema e o problemático. Os fundamentos filosóficos desse enfoque são encontrados nas categorias, princípios e leis do materialismo dialético e histórico, tomando como centro o caráter ativo da aprendizagem e as contradições dialéticas, como fonte do desenvolvimento. A proposta baseia-se na organização de unidades didáticas, em que as atividades de solução de problemas são uma proposta de trabalho, que tem determinada função no sistema de atividades no seu conjunto e está ligada à formação de conceitos, de procedimentos, de atitudes e do trabalho experimental no ensino das ciências. Quando se resolve um problema nas aulas de ciências, ainda que seja para a construção de um conceito, isso possibilita estruturar algum tipo de trabalho experimental que contribua com o desenvolvimento de habilidades e atitudes.

No trabalho, discutem-se as categorias do ensino "por problemas", para estruturar as atividades práticas dos alunos, como atividade de solução de problemas no sistema de estratégias de aprendizagem das ciências, especificamente no ensino de Química.

DESENVOLVIMENTO

A situação-problema

Do sistema de conteúdos da disciplina, selecionam-se os que serão objetos de assimilação, nessa perspectiva, como referência inicial. O trabalho experimental deixa de ser uma simples comprovação de conhecimentos, para se transformar numa atividade motivadora, que pode ajudar os alunos a desenvolverem atitudes, questionarem suas próprias idéias, construírem metodologias que revelem o caráter contraditório do conhecimento para comprovarem suas hipóteses, em função de um determinado fundamento teórico. O conteúdo de cada trabalho experimental estrutura-se a partir de uma situação-problema, que geralmente encerra numa contradição em nível fenomenológico. Toda situação problemática baseia-se na contradição entre o que é e o que o estudante quer alcançar; o que aparentemente resolve determinados problemas e as novas situações nas quais esse conhecimento é insuficiente. São essas as contradições que fazem avançar o pensamento, estimulando a busca de soluções.

No processo docente, cria-se no aluno um estado psíquico de dificuldade intelectual, quando se apresenta uma tarefa que não pode ser explicada e/ou resolvida com os meios de que se dispõe. Esse estado psíquico, conhecido como situação-problema, deve caracterizar-se por ser a conseqüência de uma contradição dialética, que constitui o elo (meio) central do ensino problema como uma dificuldade, no sentido de não poder utilizar seus conhecimentos e procedimentos. Porém, se esses conhecimentos forem julgados pertinentes a uma nova situação, poderão ser utilizados. Explica-se, assim, a importância de criar condições para o surgimento das situações-problema, como reflexo das relações contraditórias do conteúdo. A contradição expressa-se entre o conhecido e o não conhecido, funciona como fonte do desenvolvimento da atividade cognitiva do aluno e contribui com o desenvolvimento do pensamento dialético, possibilitando ao aluno penetrar em diferentes níveis da essência dos fenômenos estudados, nas suas regularidades, desenvolvimento e contradições explicitadas.

A dificuldade aparece no caminho, para atingir a um fim que pode originar conflitos cognitivos nos alunos, possibilitando o trabalho ativo do pensamento. O estudante toma consciência da situação problemática (marco de referência, em que se dá a percepção do problema) e pode buscar as formas de resolvê-la. Mas a contradição só pode aparecer quando o aluno é capaz de traduzir para si essa contradição, em termos compreensíveis, e quando tal situação está em aparente desacordo com convicções e conhecimentos anteriores conhecidos por ele. Nesse caminho, o aluno constrói o sentido, que para ele tem a dita situação-problema, como parte da análise qualitativa do problema a resolver.

A situação-problema caracteriza-se por um conflito entre a concepção do estudante sobre um fato da realidade e a própria realidade. Esse tipo de conflito tem sido usado por Nussbaum12, como eventos contraditórios, que estariam em conflito com as concepções prévias dos estudantes. A situação-problema é essencialmente uma situação qualitativa. Como indica Bachelard20 (representante da filosofia racionalista), o conhecimento qualitativo é o primeiro passo para o avanço do conhecimento. Da situação-problema pode-se definir o problema, que deve permitir uma precisão e a delimitação de fronteiras para organizar a procura de solução.

A situação-problema relaciona-se com uma questão de interesse, que poucas vezes se utiliza no ensino, e com a influência contraditória que têm algumas características variáveis dos fenômenos. Pode-se revelar, por meio de tais características, uma boa oportunidade para romper com questionamentos lineares, que constituem um autêntico obstáculo na construção do conhecimento científico, e ainda estimular o pensamento divergente21.

Para a formulação didática da situação-problema podem-se levar em conta os seguintes requisitos: o nível de preparação e possibilidades dos estudantes (a situação-problema não pode ser tão fácil que não provoque dificuldades, nem tão difícil que fique fora do alcance cognoscitivo dos estudantes; de maneira que o problema se situe na "zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky" 22); deve-se projetar com caráter perspectivo, para dirigir a atividade cognoscitiva na busca investigativa e deve ser dinâmica, refletindo as relações causais entre os processos estudados.

De acordo com a lógica, a situação-problema tem uma estrutura que pode ser esquematizada da seguinte maneira:

Como característica da situação-problema, consideramos a necessidade de representar algo novo na atividade intelectual e a possibilidade de motivar a atividade do estudante na tarefa de busca e construção do conhecimento.

A situação-problema deve ter como traços essenciais a validade, dada pelo fato da necessidade que sente o estudante de sair dela; a exeqüibilidade deve estar ajustada ao nível do estudante e provocar interesse; seus aspectos básicos são o conceitual e o motivacional. No aspecto conceitual, deve estar refletida a contradição entre o conhecido e o não conhecido, que funciona como fonte de desenvolvimento da atividade cognoscitiva, enquanto que o aspecto motivacional é dado pelo grau de novidade do desconhecido, que pode orientar a necessidade do estudante, para sair dos limites do conhecimento já assimilado.

O equilíbrio é um processo que é acionado quando o sistema cognitivo de um indivíduo reconhece uma perturbação gerada por uma insuficiência de elementos para resolver uma situação nova (o que caracteriza uma lacuna), ou quando a previsão do indivíduo estabelece relação com determinado evento, em que o objeto esteja em conflito com um fato ou com o resultado de um evento (o que caracteriza um conflito). A situação-problema gera no estudante uma perturbação que pode levar, nos termos de Piaget, a um equilíbrio melhorante, ou seja, a um estado de equilíbrio melhor que o anterior, por meio de um processo de construção23.

Segundo Piaget23, as perturbações que produzem o desequilíbrio são de dois tipos: as conflitivas, que entram em contradição com as expectativas e podem implicar correções factíveis, a partir da análise da contradição e as lacunares, que ocorrem quando em uma nova situação faltam objetos ou condições que são necessários para realizar a ação, ou quando não se tem a informação ou conhecimentos necessários para resolver o problema. Dessa forma, as perturbações lacunares relacionam-se com esquemas de assimilação já ativados e sua regulação implica reforço e não correção.

Villani24, em suas investigações sobre conflitos cognitivos, faz uma classificação desses esquemas (considerando a variedade de elementos que podem originá-los) em: externos, internos e mistos. Os conflitos externos são aqueles caracterizados pela divergência entre os modos de ver do estudante e os elementos externos a ele. Um exemplo é a divergência entre as idéias do estudante sobre um experimento e os resultados desse. Os conflitos internos são caracterizados por uma divergência entre os elementos cognitivos internos do estudante (suas percepções, idéias, suas exigências epistemológicas ou cognitivas). Um exemplo é o que se produz pela divergência entre uma convicção espontânea e um conhecimento escolar. Os conflitos mistos são de estrutura complexa e incluem várias divergências simultâneas, referidas a elementos internos e externos.

A existência de uma situação-problema, potencialmente perturbadora, não leva necessariamente a superar a idéia inicial ou à solução do conflito cognitivo. Nesse sentido, o estudante pode não reconhecer a perturbação (contradição) como tal e sua idéia inicial permanece inalterada8.

Frente a um conflito cognitivo ou situação-problema, o aluno pode manter a atitude de considerar a situação como uma exceção do sistema explicativo (sistema epistêmico), de que ele dispõe para explicar os fenômenos da realidade, possibilitando-lhe continuar aceitando seus conhecimentos como absolutamente válidos. Tal situação é parecida com as atitudes dos "cientistas", assinalada por Kuhn25, quando se deparam com novos fatos, que contradizem suas teorias. Eles não renunciam de imediato a seus postulados e podem construir determinadas respostas provisórias, considerando os novos fatos como exceção de seus sistemas teóricos. Esse tipo de atitude permite certa estabilidade aos conhecimentos, pois passar de um sistema teórico ou epistêmico para outro é provocar rupturas (como negações dialéticas) nos conhecimentos. Para esse autor, a ciência avança pelas mudanças de paradigmas como sistemas explicativos em consenso com a comunidade científica, como um processo "revolucionário". Nesse contexto, os alunos devem estar conscientes de que não devem abandonar suas hipóteses, como conseqüência de uns poucos resultados negativos e que, embora o papel do experimento seja essencial na ciência, as teorias só devem ser abandonadas quando existir uma clarividência contra elas e uma outra concepção alternativa26.

Em suas pesquisas, Villani24 identificou sete diferentes tipos de reações que os estudantes manifestam frente a conflitos cognitivos: 1) não ter consciência de modo algum das divergências; 2) negar, deformar ou, pelo menos, minimizar os elementos divergentes; 3) deixar de lado o problema; 4) bloquear-se cognitivamente; 5) reconhecer só parcialmente as divergências, considerando-as como exceção; 6) reconhecer as divergências, permanecendo indeciso sem fazer uma escolha e 7) reconhecer a divergência e reelaborar suas idéias.

Nem toda dificuldade leva a uma situação-problema; deve existir um clima emocional entre o professor e os estudantes, no contexto geral da sala de aula, de tal maneira que os estudantes se interessem e vejam a necessidade de criar condições para solucionar a dificuldade apresentada, identificando-se com os conflitos cognitivos que resultam da situação-problema. Nesse sentido, os conflitos cognitivos como estratégias de promover problemas na orientação teórica piagetiana apresentam limitações.

Os momentos de estruturação da situação-problema pelo professor, na etapa de planejamento, podem ser os seguintes: seleção dos exemplos correspondentes, segundo o conteúdo e programa ligados a situações motivacionais, que levem em conta as relações ciência/sociedade/tecnologia; análises dos exemplos como novos fatos ou procedimentos; definição da contradição inerente à situação-problema; determinação da possibilidade dos alunos para a solução; e definição da atividade de busca pelos alunos.

Para Garcia27, uma situação-problema se organiza segundo os seguintes critérios: a criatividade, que implica sua correspondência com os conceitos a aprender, com a relação ciência/sociedade/tecnologia; as situações qualitativas que possam levar à quantificação com caráter criativo, lúdico, imaginativo e contextualizado na situação; a promoção de um ambiente criativo na sala de aula, caracterizado pela reflexão, pela autoconfiança, que facilite a comunicação, a argumentação, o livre debate, o desenvolvimento da imaginação e a autoavaliação, levando em consideração as diferentes formas de trabalhar em grupo e as condições espaço/tempo necessárias; a preparação de um heurístico geral ou método, que facilite ao estudante a solução de problemas e que possa ser considerado como um sistema de tarefas, e a utilização de um sistema de autoavaliação, como guia metacognitivo, que possibilite a busca de ferramentas heurísticas, como mapa de navegação, para a solução do problema. E, além disso, que favoreça a navegação em alternativas heurísticas de natureza qualitativa ou quantitativa, seguindo as características do problema, fazendo também anotações em cadernos de trabalho, para a sistematização do processo cognitivo realizado durante a solução do problema, para posterior reflexão.

A construção do conhecimento científico é um processo imerso em contradições. Muitas vezes, inclusive, se apresenta contraditório ao conhecimento do senso comum. É bem essa compreensão que se consolida no discurso de K. Marx apud Alves28 , particularmente quando afirma ser um paradoxo o fato de a terra se mover ao redor do sol e a água ser constituída de dois gases altamente inflamáveis. A verdade científica é sempre um paradoxo, se julgada pela experiência cotidiana, que apenas agarra a aparência efêmera das coisas.

As situações-problema devem favorecer a reflexão dos alunos sobre a importância do sentido da relação ciência/sociedade/tecnologia para evitar um estudo descontextualizado e estimular a relação dos conhecimentos científicos com o cotidiano, a partir das situações complexas que motivam sua construção, assim como sua utilização, considerando os limites de aplicações (limites de generalização) próprios do contexto de construção do conhecimento29.

As situações-problema procuram questionar as idéias prévias dos alunos, para construir outras idéias na ascensão de novos conhecimentos científicos, o que nem sempre implica na substituição das idéias anteriores, e sim no aumento do grau de generalização de um conceito ou procedimento. As idéias dos alunos podem continuar tendo valor, mas dentro de um marco mais estreito de validade, não é um objetivo do problema a eliminação das idéias iniciais, que dão conta de determinados fenômenos, questão que limitaria um diálogo aberto e reflexivo.

As situações-problema devem ser corretamente selecionadas, e pedagogicamente estruturadas, no processo de aprendizagem durante o programa da disciplina, pois a promoção constante de conflitos cognitivos, como negação das idéias previamente expressadas pelos estudantes, pode inibir a participação deles e, em alguns casos, aumentar sua atitude negativa para o estudo das ciências.

O problema

O que se entende por problema?

Na opinião de Bachelard20, definir um problema é uma questão importante para se poder avançar no conhecimento. Gil29 admite que o problema pode ser definido genericamente, como qualquer situação prevista ou espontânea, que produz um certo grau de incerteza e uma conduta tendente à busca da solução, mas se pode também entender por problema o enunciado que aparece a partir de um contexto problemático, com o propósito de resolver dificuldades ou necessidades específicas do conhecimento conceitual ou procedimental e desenvolver capacidades cognitivas e afetivas30.

Um problema pode ser uma situação que um indivíduo, ou um grupo, quer ou precisa resolver e para a qual não dispõe de um caminho rápido e direto que leve à solução. Nesse sentido, diferenciar o problema do exercício é fundamental, pois para o exercício dispõe-se da utilização de mecanismos que levam de forma rápida à solução, ou seja, a pessoa dispõe de mecanismos que possibilitam a solução da situação, com investimento mínimo de recursos cognitivos, enquanto que o problema implica solução original31.

O problema pode ser definido como pergunta ou tarefa, ou mesmo como contradição; pode ser uma pergunta complexa que provoca tensão ou pensamento produtivo no aluno, orientado à busca da essência de um fenômeno, mas pode ser também interpretado como uma tarefa complexa, cuja solução depende da busca para obter novos conhecimentos.

Na abordagem teórica que fundamenta nosso trabalho, o estudante, ao assimilar a contradição, pode convertê-la em seu problema, fato que surge na própria atividade cognoscitiva. A situação-problema encontra sua forma de expressão no problema, subordinado a um objetivo formulado, mas sem solução aparente. Então, definimos o problema como a contradição própria da situação-problema assimilada pelo aluno. A definição do problema por cada aluno, implica na definição das fronteiras entre o conhecido e o não conhecido, delimitando-se o conteúdo deste último.

A solução de qualquer problema começa com sua definição, ou ao menos com a tomada de consciência da formulação já feita. A formulação do problema constitui em si a expressão lingüística lógica dele, graças à qual se localiza o campo de busca intelectual que ocorre, especificando não só os objetivos mas também as condições em que se levará a cabo a solução e que constituem os componentes do problema.

O problema representa a própria contradição já assimilada pelo estudante, o que surge durante a atividade cognoscitiva, como resultado da identificação com o conflito cognitivo. Este só se revela, quando se assimila a contradição de forma consciente e com possibilidades de explicitá-la. Constitui um recurso metodológico para a resolução do conflito; sua solução implica em uma procura organizada e depende da atividade investigativa do aluno.

Poderemos então considerar o seguinte esquema abaixo:

Ao definir o problema, conhece-se o desconhecido, que se transforma no procurado, mas se necessita da definição dos dados e procedimentos necessários para sua solução; conhecer significa transformar o desconhecido em conhecido.

O problema pode ter as seguintes características: deve ser um produto da internalização da contradição, que caracteriza o conflito cognitivo; deve ser de interesse, favorecendo a motivação dos alunos, por isso a importância de seu vínculo com o dia-a-dia; deve ter a possibilidade de ser resolvido, utilizando uma estratégia adequada, o que implica uma nova construção dos conhecimentos ou novos procedimentos práticos e teóricos.

A interiorização da contradição como conflito cognitivo depende do grau de abstração do problema. Investigações em tal sentido têm demonstrado que, na medida em que a fonte do conflito é mais abstrata e sofisticada, a tomada de consciência do conflito por parte do estudante e a definição do problema são mais complicadas15.

É necessário destacar que, na nossa perspectiva, qualquer problema é produto de uma situação-problema, mas nem toda situação-problema pode levar a um problema, pois, como foi discutido anteriormente, o aluno pode ter diferentes reações frente a um conflito cognitivo.

Os seguintes exemplos de situações-problema podem levar a problemas:

1) objetivo: construção de conceito de ácido fraco e solúvel. No processo de formulação desse conceito, o professor pode proceder ao ensino-aprendizagem a partir de um problema a ser resolvido experimentalmente pelos estudantes. Os alunos conhecem os ácidos fortes e também têm conhecimentos sobre os indicadores ácido-bases (o conhecido) e fazem a seguinte demonstração experimental:

Em dois recipientes, têm-se 50 ml de soluções de igual concentração (0,1 mol/L) dos ácidos clorídrico e acético em cada um. Quando se adicionam quantidades iguais de gotas da solução de indicador alaranjado de metila, nas soluções dos ácidos, observa-se que elas tomam diferentes colorações. Por que as soluções tomam diferentes colorações se estamos tratando de soluções de ácidos de igual concentração inicial? (o desconhecido).

2) objetivo: construir a definição do conceito de mistura azeotrópica. Com essa intenção, no termo de equilíbrio de fases, estuda-se a variação de temperatura de ebulição de líquidos puros à pressão constante. Os alunos sabem que os líquidos puros mudam de estado à temperatura constante, quando a pressão é constante. Quando se trata de uma mistura de dois líquidos, a temperatura de ebulição varia em função da variação da composição dos líquidos na mistura, a pressão é constante; esses são elementos conhecidos pelos alunos.

Cria-se a seguinte situação na sala de aula: quando se aquece uma mistura de ácido clorídrico e água, à pressão constante, a temperatura começa a aumentar, observa-se que a mudança de estado começa à temperatura variável, mas a temperatura de ebulição se fixa em 106,5º C, embora continue absorvendo energia em forma de calor. Como é possível que isso aconteça (ferver à temperatura constante, à pressão constante), quando se trata de uma mistura e não de um líquido puro?

A solução desse problema implica uma busca organizada, que se realiza utilizando um método problema, que permitirá ao estudante novos conhecimentos sobre as propriedades dos ácidos e das misturas azeotrópicas.

Os estudantes devem compreender a importância de definir problemas, partindo do critério de que um problema bem definido é um problema aproximadamente 50% resolvido. Os cientistas não abordam problemas definidos com precisão, inicialmente, porque é necessária uma etapa de análise da situação-problema que permita delimitar o problema e encontrar objetivos claros e definidos.

A incorreta definição do problema pode-se converter em um obstáculo no processo de conhecer. Na opinião de Bachelard20, não se pode ter opinião sobre problemas que não conhecemos, sobre questões que não sabemos formular claramente. Assim, é necessário que os estudantes formulem devidamente as perguntas, os problemas a resolver, pois obstáculos epistemológicos aparecem precisamente no desconhecimento não formulado.

Ao resolverem os problemas anteriores, utilizando alternativas de solução, os estudantes teriam assimilado as diferenças que existem entre os ácidos fortes, ácidos fracos e as características das misturas azeotrópicas, não de forma pronta como resultado da transmissão verbal pelo professor, mas como resultado da observação, de questionamento, de procedimentos orientados a resolver os conflitos cognitivos.

Os problemas derivados das situações-problema podem ser de dois tipos: abertos e fechados. Nessa classificação, os problemas fechados são aqueles que têm só uma resposta, enquanto que os problemas abertos correspondem a situações nas quais podem existir diversas respostas, todas corretas, sendo uma delas a mais adequada para um conjunto de circunstâncias dadas em cada contexto, que carece de solução adequada em cada momento. Mas os problemas fechados podem ser transformados em problemas abertos sem dificuldades maiores para os professores.

A título de exemplo, expressamos os seguintes problemas:

A solução do problema aberto leva a diversas respostas, todas possíveis. Parte de sua solução é a análise da resposta mais conveniente em cada momento. Essa orientação rompe com a visão fechada de uma única racionalidade na solução dos problemas, de uma resposta única, aproximando o trabalho do aluno da tomada de decisões na vida real.

Os dois tipos de problemas anteriores são resolvidos dentro de um paradigma teórico determinado, que parece ser o que Garret4 denomina de quebra-cabeça (puzzles), para o qual os problemas verdadeiros constituem situações enigmáticas não resolvidas, mas compreensíveis, que exigem a reconstrução do paradigma para sua aplicação, reinterpretação, ou seja, um paradigma novo. A solução desses problemas, muitas vezes, é desconhecida pelos próprios professores. Nessa visão, a atividade científica normal consiste na solução de quebra-cabeça dentro de um paradigma predominante, porém Garret33 refere-se a esse terceiro tipo de problema como situação enigmática que não tem solução.

Ainda na visão de Garret32, os problemas também podem ser classificados seguindo diversos critérios, tais como: o campo de conhecimento implicado (por exemplo: ciência ou não ciência); o tipo de tarefa (quantitativa ou qualitativa); a natureza do enunciado e característica do processo de solução de problemas (abertos e fechados).

As tarefas-problema

Durante a solução do problema, o professor organiza as atividades dos alunos, permitindo uma dinâmica de trabalho que oriente a procura do desconhecido, a partir do conhecido, procura facilitar, no papel de mediador, a possibilidade de os alunos prepararem planos heurísticos, para a solução dos problemas definidos a partir das situações-problema. As tarefas se caracterizam por novas perguntas, novos exemplos, polemizando sobre as possíveis alternativas e propostas relativas aos problemas, que contribuem ao trânsito do conhecido ao desconhecido. Isso é de grande importância, pois a aula, abandonando a sua própria dinâmica, não chega a resultados positivos. O sucesso na solução dos problemas também depende da estrutura das tarefas e das orientações que a acompanham4.

As tarefas-problema que visam orientar a solução dos problemas são exercícios feitos gradativamente, como interrogações, não algoritmos, mas que revelam uma aura de análise e procura de estratégias, como a elaboração de modelos de hipóteses, a busca e análise de dados de forma sistematizada. Como estratégia metacognitiva, pode possibilitar ao aluno a solução consciente do problema. As estratégias metacognitivas contribuem para aprender a aprender, na medida em que os educandos, nas suas reflexões, conscientizam-se dos processos utilizados e dos erros e acertos, como estratégias para aprender a sua superação, e conseguem explicar o que julguam haver aprendido, exatamente como no diálogo reflexivo/construtivo, que pode ser considerado um fundamento epistemológico das tarefas-problema.

As tarefas se organizam na busca dos elementos novos, são produtos do problema no processo de procura de sua solução, quando o desconhecido se converte no procurado e se precisa encontrá-lo, não na perspectiva de detalhar procedimentos, mas para facilitar a criação de situações que colaborem com a solução do problema, desde formas cooperadas até formas independentes. As tarefas-problema podem ser definidas como o conjunto de atividades articuladas entre si, seguido de um contexto-problema-típico com o fim de resolver uma dificuldade, obter, ampliar ou aperfeiçoar relações operacionais (ou não) entre conceitos, adquirir e aperfeiçoar capacidades cognitivas, afetivas e psicomotoras33, as quais estão vinculadas às perguntas que supõem a realização de uma seqüência determinada de ações; são formas de o professor mediar o trabalho dos alunos e estão relacionadas com as alternativas de solução (métodos problemas).

O problemático

Na opinião de Martinez18, o nível de desenvolvimento de habilidades nos alunos determina as condições em que o problemático surge, sendo uma característica do conhecimento; contudo, Majmutov e Llantada19 consideram o problemático como o grau de complexidade das perguntas, as tarefas-problema e o nível de habilidades dos alunos para analisarem e resolverem os problemas de formas independentes.

O problemático, como categoria do ensino por problemas, é algo que está presente em todo o processo, desde a aparição do conflito cognitivo até sua abordagem ou solução. É a expressão do interesse, constância e esforço do aluno para sair do conflito, abordado numa posição que leve a uma atividade produtiva, sob uma forte motivação ou curiosidade. O nível de problematicidade aumenta, quando se trabalham problemas abertos ou "verdadeiros problemas" de interesse dos alunos vinculados ao contexto do cotidiano.

A solução dos problemas constitui um mecanismo que garante a possibilidade de encontrar o novo e o desconhecido, por meio de um processo organizado, mediante o estabelecimento de novas relações das categorias conhecidas e desconhecidas.

CONCLUSÕES

O ensino por problemas, na perspectiva em que discutimos, tem como fundamentos filosóficos a dialética; em especial, a categoria de contradição. É um ensino que se situa nas perspectivas construtivistas, na busca de construir novas representações, novos procedimentos orientados a contribuir com uma atitude positiva dos alunos pela ciência e sua educação científica.

A solução de problemas apresenta-se como uma estratégia a mais nas situações de ensino, para a aprendizagem de conceitos e procedimentos do trabalho experimental, nas relações dinâmicas e complexas, características do conteúdo. A ênfase não se coloca nos procedimentos ou nas descobertas, mas na atividade de construção do conhecimento como atividade criativa e na compreensão do trabalho de produção do conhecimento pela ciência.

Na orientação teórica que discutimos, o processo de aprendizagem de conceitos está ligado a novos procedimentos, que contribuem com o desenvolvimento de novas atitudes. O trabalho prático não se separa da teoria, uma vez que eles constituem uma unidade dialética.

A situação-problema apresenta-se como uma categoria central, na medida em que reflete a contradição como eixo norteador da atividade do aluno. A contradição internalizada e delimitada possibilita definir o problema, conscientizando-se do desconhecido, para a organização da busca (a solução) do problema, mediada pelas tarefas-problema, as quais devem fundamentar-se em estratégias metacognitivas. Essa orientação é facilitadora de um objetivo central na escola: ensinar a aprender-a-aprender.

O problemático é uma categoria que perpassa todo o processo; não é a dificuldade, mas pode ser o clímax psicológico, que mobiliza o cognitivo e o afetivo da personalidade do aluno na formação de competências, uma vez que pode ser trabalhado como problema aberto da realidade, vinculado à esfera de interesses dos educandos.

Trabalhar o ensino de Química, na perspectiva teórica discutida, pode contribuir para o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos alunos (é possível levar a uma melhor atitude) face à disciplina e à conscientização das formas estimuladoras de aprender, questões de vital importância na educação escolar, hoje.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2002
  • Data do Fascículo
    Dez 2002

Histórico

  • Aceito
    12 Ago 2001
  • Recebido
    11 Jun 2001
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