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Sonhe e faça

Editorial

SONHE E FAÇA

Como poderia compreender, a plêiade de não químicos, a nossa exultação na comemoração dos 25 anos da nossa revista Química Nova? São 25 anos, num conjunto de fatos, manifestações e descobertas projetando "Luz Nova" aos amplos aspectos da Química. Escritores, pesquisadores, observadores de todos os fenômenos da ciência química, que nos aparece como reservatório de energias, puderam expor suas teses, trabalhos de pesquisas, divulgação científica etc., neste periódico.

A Química Nova começou tímida, até porque era preciso antes criar o ambiente, o alicerce e assim crescer. No início, existia certa incredibilidade de que este tipo de empreendimento poderia dar certo no país, tendo em vista o número de periódicos internacionais de grande prestígio. Porém, os Professores Simão Mathias, Etelvino Bechara e Eduardo M. A. Peixoto, a primeira Diretoria da SBQ, com o apoio firme da Sra. Dirce Campos, tinham o entusiasmo e comentavam que "o país que criou a Petrobrás e os Pólos Petroquímicos tem a capacidade de criar uma revista nacional de química de alta qualidade". Acreditavam que a Química Nova em 15 anos seria a maior revista de química da América Latina.

A revista cresceu com a perseverança dos artigos editados num vertiginoso trabalho em busca das potências vitais, desvendando a vida interdisciplinar da Química, observadas de formas atenta e experimentada. Trabalhos e sonhos de professores e alunos foram se materializando nas páginas da revista. Durante estes anos a nossa Química Nova foi ganhando credibilidade, maturidade e reconhecimento, recebendo a confiança da comunidade química, o que incentivou este caminhar para o âmbito internacional, que pode ser observado no seu crescente Índice de Impacto. Hoje, pode-se afirmar, sem dúvida, que se trata do maior compêndio de química (cerca de 120 números com 8400 páginas), escrito originalmente em língua portuguesa, apesar de aceitar também trabalhos em inglês e espanhol.

A Química Nova, apesar de jovem, abriu espaço para que outras revistas da Sociedade fossem lançadas, procurando outros públicos-alvo. O Journal of the Brazilian Chemical Society projetou a química brasileira internacionalmente e a Química Nova na Escola, lançada visando a química no ensino médio do Brasil, hoje está sendo distribuída para vários países de língua portuguesa.

Em conversa com o Prof. Luis Carlos Gomide de Freitas (UFSCar) surgiu a idéia de realizamos uma entrevista com o Prof. Peixoto e obter algumas opiniões do criador da Química Nova, sobre o passado, o presente e o futuro de nossa revista.

Química Nova - Como surgiu a idéia de criar uma revista de química brasileira?

Eduardo Peixoto - A criação de uma revista científica em português fazia parte de um projeto maior e mais ambicioso que um professor recém contratado pelo Instituto de Química da USP havia idealizado para o nosso País. Mas, nesse projeto, primeiro precisávamos ter uma Sociedade que congregasse todos os químicos ... e depois, viria a Revista. Estes seriam os núcleos centrais para que a química pudesse crescer coesa no Brasil (a Sociedade e a Revista).

QN - Havia apoio para esta idéia? O que seus colegas pensaram a respeito?

Peixoto - Não, não havia apoio para esta idéia de uma Revista, e muito menos em Português... naquela época, muitos dos nossos colegas pesquisadores faziam questão de dizer que português "não era nem jamais seria uma língua científica". Durante vários anos essa opinião predominou em várias áreas da ciência... escrever em português significava escrever um trabalho "pouco científico". Era, no mínimo, deselegante. Mas isto era simplesmente uma conseqüência da nossa cultura da época. Um dos nossos objetivos, e um dos mais importantes, era justamente vencer esta barreira psicológica que herdamos. Nem a Fapesp, nem o CNPq nem a Finep quiseram apoiar esta idéia... aliás, eram contrários a ela.

QN - Como você vê a Química Nova após 25 anos? Uma publicação jovem e promissora, uma publicação que ainda vai crescer muito mais, ou não tem espaço neste mundo globalizado?

Peixoto - Entre a idéia e a criação da Sociedade, passaram-se cerca de oito (8) anos... tal a resistência que havia para algo que hoje parece-nos tão simples. Mas, após ser criada oficialmente a SBQ, agora havia uma resistência à criação de uma Revista... Por isto mesmo que é que ela só surgiu seis meses depois e com este nome dado pelo mesmo Professor do IQ da USP. O nome era para anunciar uma "nova forma de pensar a química ... pelo menos entre nós". Novo também era o formato dado, as dimensões que fugiam às características das revistas científicas da época... etc, etc. Hoje, após tantos anos, ela não está como imaginávamos, mas tem cumprido o objetivo esperado. Depois de alguns anos ela parece ter tomado uma trilha "paralela"... o que era previsto que aconteceria pois tínhamos a clara noção de que um ideal não é plenamente realizável. Ela ainda está no começo. Seu nome foi dado também para termos em mente que ela será útil enquanto for pensada como ... "Nova"... sempre Nova na forma de ser e de tratar a ciência, jamais atendo-se a padrões que nos amarram e impedem o crescimento da química como ciência no nosso País.

QN - Como foi a criação dos primeiros números? Soube pelo Prof. Gomide (UFSCar) que como não havia trabalhos submetidos você utilizou seus textos. Como foi isso?

Peixoto - Os primeiros números foram os mais desafiantes e certamente os mais estimulantes e gratificantes. Era simplesmente preciso quebrarmos todas as barreiras. Foi mais ou menos como seria um primeiro salto num trapézio... vendado e sem treino... mas tinha que dar certo... e deu! Quase ninguém quis escrever um Artigo ou Trabalho... ou mesmo uma notícia. Por esta razão, alguém teve que fazer quase tudo: datilografar, diagramar, editar, arte gráfica, ajudar a imprimir, transportar, e tudo isto depois de redigir grande parte, ou quase tudo durante alguns números.

QN - Se você tivesse que iniciar a revista de novo, mudaria alguma coisa?

Peixoto - Não... acho que não mudaria não.

QN - Quem deu a idéia da capa? Foi realmente uma forma de protesto também como a SBPC?

Peixoto - A Capa, a primeira e muitas seguintes foram criadas pelo mesmo jovem Professor. Este mesmo Professor fazia parte do grupo de 4 (quatro) pessoas do Comitê Executivo da SBPC que organizou as duas Reuniões da SBPC em 1977 e 1978 em São Paulo. A Capa era o Poster que anunciava a SBPC de 1977. Era um protesto aprovado por esse Comitê. Nesta mesma SBPC realizada na PUC de São Paulo (pois a USP recusara-se a sediá-la), realizou-se a Reunião que criou oficialmente a SBQ. Naquela Reunião, aquele Professor dirigiu a Sessão de criação que vinha sendo programada há vários anos. Este mesmo professor pediu então ao Professor Serra de Ribeirão Preto que fosse comprar um Poster da SBPC, para que no seu verso fosse redigida a primeira ATA. E assim foi feito... e a primeira anuidade ele sugeriu que fosse o valor equivalente ao preço do Poster... e todos concordaram. Naquele instante uma importante parte daquele antigo sonho começou a se realizar. Estava criada a SBQ. Quando aquele mesmo jovem Professor começou a fazer a Revista, a Capa já estava pronta. Ela combinava com a idéia de Galileu porque mesmo contra uma grande resistência uma Nova química começava a ser praticada no Brasil. Mesmo com o Governo autoritário impedindo Reuniões de toda sorte, um químico fazia parte do Comitê de quatro membros da SBPC que organizou a sua mais importante e mais polêmica Reunião. Começavam os químicos a se reunir para ficarem fortes e crescerem. Foi a Química, a primeira, e talvez a única Revista científica a ter um claro protesto na sua CAPA. A Revista foi um grito contra tudo de errado e de tirano que havia... foi acima de tudo um grito de liberdade. Foi exatamente assim que ela foi pensada. Creio que poucas tiveram essa coragem. Porque tudo era e devia ser novo, a Revista recebeu desse mesmo Professor o nome novo de Química Nova, quando muito, no máximo, pensavam em nomes em latim ou em inglês... jamais em Português.

QN - Você acha que há espaço para outros tipos de publicação deste nível no Brasil em Química?

Peixoto - Espaço sim... mas não para realizar o mesmo papel. A Química Nova é uma parte da nossa história. Da química no Brasil e do papel do professor e do cientista nas nossas vidas e na vida do nosso Povo. Lembra-se daquele primeiro salto do trapezista de olhos vendados... ele só teve uma chance. Mas, conseguiu. E aquela era a única chance.

QN - Que sugestões você daria aos mais jovens da SBQ?

Peixoto - Sonhe e faça.

A Química Nova cumpriu, e continua cumprindo, o seu papel político de disseminação e integração da química no país. Porém, ainda há muito a fazer. A demanda de artigos submetidos é crescente, fazendo que os artigos levem muito tempo entre a submissão e a publicação. Parece que a expansão dos números por ano é o caminho a trilhar, mas cautela há de se ter, pois os custos também crescem na mesma proporção. No entanto, há outros desafios a serem enfrentados, principalmente por parte da comunidade. Não basta publicar na Revista, tem que citá-la também! A citação dos artigos publicados em Química Nova deve fazer parte de política de publicação de todos os membros da SBQ.

Não resta dúvida que ao comemorarmos os 25 anos, a Sociedade Brasileira de Química recebe os mais ardorosos parabéns pelo que representa para os Químicos do país. Reconhecimento também deve ser prestado a aqueles que contribuíram para o crescimento e a concepção de uma Química Nova, ou de uma Nova Química, incluindo os seus ex-editores e ex-corpos editoriais, os autores que prestigiam com suas publicações e aos que, atualmente, contribuem silenciosamente nesse árduo, mas imponente trabalho de divulgação da ciência química que se faz neste país. Não devemos esquecer que a viabilização financeira para a edição dos primeiros números da Revista foi conseguida através da venda de anúncios promocionais para a Micronal. A todos eles, nosso sincero muito obrigado.

Vitor F. Ferreira

Editor de QN

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2002
  • Data do Fascículo
    Dez 2002
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