Acessibilidade / Reportar erro

Os elementos de coordenação informal em uma unidade policial de operações especiais

Informal coordination elements in a police special operations unit

Resumos

Este artigo se propõe a melhor compreender os elementos de coordenação informal na gestão de equipes de alto desempenho atuando em cenários complexos e imprevisíveis. Apresentamos os resultados de um estudo empírico realizado numa unidade de operações especiais de polícia. Conduzimos um estudo utilizando métodos qualitativos e quantitativos, com técnicas de história oral, entrevistas em profundidade, questionários estruturados e semiabertos. Nossos resultados apontam para o sentido de missão comum, para as relações de confiança e para a qualidade da liderança como elementos centrais e explicativos da coordenação informal. Observamos níveis superiores de confiança no colega, quando comparados à confiança no superior imediato e na equipe, como elemento fundamental de construção do forte vínculo encontrado entre os membros dessa unidade. Nossa análise indica também uma forte relação entre confiança no líder e comprometimento afetivo e normativo, valorização da lealdade entre pares e orgulho de pertencimento à unidade.

operações especiais; confiança; liderança; gestão de equipes


This article's objective is to better understand the elements of informal coordination in the management of high performance teams acting in complex and unpredictable scenarios. We present the results of an empirical study in a police special operations unit. We conducted a qualitative and quantitative research, respectively though oral history, in-depth interviews and survey. Our results show that the sense of a common mission, trust relationships and leadership quality are central elements to better explain informal coordination. We observed higher levels of trust between peers, as compared with trust in superiors and teams, as a fundamental constitutive element of the power of the bond found among members. Our analyses also indicate strong relationships between trust in superiors and affective and normative commitment, and the importance of loyalty and pride in membership.

special operations; trust; leadership; team management


ARTIGOS

Os elementos de coordenação informal em uma unidade policial de operações especiais

Informal coordination elements in a police special operations unit

Marco Tulio ZaniniI,* * Endereço: Marco Tulio Zanini EBAPE/FGV, Praia de Botafogo, 190, 5º andar, Rio de Janeiro/RJ, 22250-900. ; Carmen Pires MiguelesII; Marcio ColmerauerIII; Juliana MansurIV

IFundação Getúlio Vargas - EBAPE/FGV Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: marco.zanini@fgv.br

IIFundação Getúlio Vargas - EBAPE/FGV Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: carmen.migueles@fgv.br

IIIFundação Getúlio Vargas - EBAPE/FGV Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: mcarvalhocs@gmail.com

IVFundação Getúlio Vargas - EBAPE/FGV Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: juliejam@yahoo.com

RESUMO

Este artigo se propõe a melhor compreender os elementos de coordenação informal na gestão de equipes de alto desempenho atuando em cenários complexos e imprevisíveis. Apresentamos os resultados de um estudo empírico realizado numa unidade de operações especiais de polícia. Conduzimos um estudo utilizando métodos qualitativos e quantitativos, com técnicas de história oral, entrevistas em profundidade, questionários estruturados e semiabertos. Nossos resultados apontam para o sentido de missão comum, para as relações de confiança e para a qualidade da liderança como elementos centrais e explicativos da coordenação informal. Observamos níveis superiores de confiança no colega, quando comparados à confiança no superior imediato e na equipe, como elemento fundamental de construção do forte vínculo encontrado entre os membros dessa unidade. Nossa análise indica também uma forte relação entre confiança no líder e comprometimento afetivo e normativo, valorização da lealdade entre pares e orgulho de pertencimento à unidade.

Palavras-chave: operações especiais; confiança; liderança; gestão de equipes.

ABSTRACT

This article's objective is to better understand the elements of informal coordination in the management of high performance teams acting in complex and unpredictable scenarios. We present the results of an empirical study in a police special operations unit. We conducted a qualitative and quantitative research, respectively though oral history, in-depth interviews and survey. Our results show that the sense of a common mission, trust relationships and leadership quality are central elements to better explain informal coordination. We observed higher levels of trust between peers, as compared with trust in superiors and teams, as a fundamental constitutive element of the power of the bond found among members. Our analyses also indicate strong relationships between trust in superiors and affective and normative commitment, and the importance of loyalty and pride in membership.

Key words: special operations; trust; leadership; team management.

Introdução

Este artigo se propõe a melhor compreender os elementos de coordenação informal que afetam o modus operandi de equipes de alto desempenho atuando em cenários complexos e imprevisíveis(1 1 O que chamamos aqui de elementos de coordenação informal se refere aos aspectos não estruturais das organizações que Chester Barnard aborda como relevantes já em 1938, e que mais tarde são tratados como os aspectos políticos e simbólicos das organizações. Ver: Barnard, C. (1938). The functions of the executive. Cambridge: Harvard University Press; Williamson, O. (1995). Organization theory. New York & Oxford: Oxford University Press; Ramos, A. G. (1981). A nova ciência das organizações. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas. ). Neste sentido, buscamos investigar uma instituição reconhecida, em que a efetividade depende do desempenho e dos resultados de equipes operacionais nesses cenários. Investigamos o funcionamento do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), uma unidade de operações especiais (UOE) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro(2 2 O BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) é uma UOE reconhecida por outras UOE de todo o mundo por ter desenvolvido técnicas de progressão e combate em favelas no enfrentamento de conflitos com características de guerrilha urbana. Seus cursos de formação são frequentados por policiais civis e militares de diversas forças estaduais e federais, e de outras UOE de outros países. Pelo seu reconhecimento, é frequente a visita de membros das diversas UOE de todo o mundo. ).

Segundo Decéné (2009), as unidades de operações especiais surgiram como as conhecemos hoje durante a 2ª Guerra Mundial, com a finalidade de empregar recursos de maneira pontual para alcançar resultados mais expressivos do que aqueles que eram possíveis de ser alcançados pelas forças convencionais. A lógica operacional consiste no emprego de equipes mais autônomas, com menor número de pessoas, que utilizam recursos especiais como informação, tecnologias e treinamentos específicos para alcançarem resultados superiores. No caso que escolhemos, esse aspecto é fundamental para o aumento da efetividade em ações com características de guerrilha urbana. Essas equipes podem ser compreendidas como alternativas eficazes frente ao aumento da complexidade e da incerteza dos combates e do risco para civis, em que o controle centralizado tende a ser ineficaz (Spulak, 2007). Dentre os fatores mais relevantes que distinguem as equipes de operações especiais das equipes convencionais, destacam-se a sua formação e a sua coordenação. Estudos anteriores e mais recentes (Decéné, 2009; Kellet, 1987; Oetting, 1988; Rodrigues-Goulart, 2007; Spulak, 2007; Storani, 2006) mostram que, dentre os principais elementos que caracterizam essas equipes, destacase, em especial, forte coesão interna, organização em pequenos grupos, devoção a uma causa comum e relevância do fator liderança. Referindo-se a essas equipes, Borman, Motowildo, Rose e Hensen (1985) argumentam que a liderança possui um papel relevante na coordenação dessas equipes. Além disso, sua eficácia depende, em grande parte, do respeito constante e da predisposição a seguir as ordens dos líderes, bem como do comprometimento dos subordinados com a missão e os objetivos de sua unidade. Liderança é um fator de coordenação informal, ainda pouco compreendido.

Para compreender os aspectos informais da coordenação, dividimos o trabalho de pesquisa em duas etapas: a primeira etapa buscou compreender quais eram os elementos críticos de coordenação informal dessas equipes que formavam a singularidade da instituição. Essa etapa da pesquisa foi realizada com o emprego combinado de dois métodos qualitativos: historiografia oral, que nos ajudou a reconstituir a história da instituição, e entrevistas em profundidade (individuais e em grupo), buscando compreender como a instituição se organiza internamente e quais são os fatores que contribuem para criar as precondições para atuações efetivas. Na segunda etapa, utilizando método quantitativo, buscamos entender o quanto esses elementos identificados na pesquisa qualitativa contribuem para a qualidade da coordenação das equipes operacionais na percepção dos policiais. Buscamos confirmar os achados na fase qualitativa e validar as relações entre esses elementos identificados. Neste sentido, buscamos também confirmar a afirmação comum nas entrevistas em profundidade e nos grupos focais de que a predisposição a cooperar está relacionada à confiança no líder, e que a percepção de confiança nos pares reduz a sensação de risco e motiva para a ação. Para tanto, nesta segunda fase, propomos um modelo teórico (Figura 1) que considera a confiança como variável central de pesquisa, e que postula que o estilo de liderança e os fatores individuais, relacionais e organizacionais estão relacionados com a confiança no líder. Assim, verificamos também a relação entre o estilo de liderança e a confiança nesse líder, que, por sua vez, relaciona-se com o comprometimento do liderado. Avaliamos, ainda, se a qualidade do vínculo nessa relação melhora ou não conforme o liderado percebe positivamente o suporte organizacional.


Assim, estruturamos o artigo da seguinte forma: na segunda seção, a seguir, introduzimos algumas especificidades da instituição investigada. Na terceira seção, descrevemos a pesquisa qualitativa que buscou identificar quais eram os elementos críticos para a coordenação informal nas equipes operacionais. Na quarta seção, por sua vez, apresentamos a pesquisa quantitativa que buscou entender o quanto os elementos identificados na pesquisa qualitativa contribuem para a qualidade da coordenação das equipes operacionais, analisando a relação entre eles e outros elementos identificados. Já na quinta seção, apresentamos o questionário utilizado na pesquisa quantitativa e a análise dos dados obtidos. Na sexta seção apresentamos as discussões sobre os nossos resultados. E, finalmente, na última, as nossas conclusões.

Estudo de Caso: Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro

O BOPE é uma unidade de operações especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, criada em 1978, que conta atualmente com aproximadamente 400 policiais especializados em ações de combate ao crime em áreas de alto risco, e resgate de reféns. O trabalho de pesquisa na unidade foi realizado entre março e outubro de 2011. A equipe de pesquisa realizou 32 entrevistas individuais em profundidade e 16 grupos focais. Entre os meses de junho e julho de 2011, realizamos a distribuição e a coleta de questionários na mesma unidade. Buscamos compreender a especificidade dos vínculos existentes entre os policiais que possuem um trabalho intenso, com fortes características de guerrilha urbana, de combate ao tráfico de drogas infiltrado nas favelas cariocas, para o qual desenvolveram competências específicas.

Sobre a natureza da instituição policial, Bittner (2003, p. 138) define a atividade policial como um "mecanismo para a distribuição da força coercitiva não negociável empregada de acordo com os preceitos de uma compreensão intuitiva das exigências da situação". A definição de Bittner traz a ideia de que o fim a que se destina a aplicação da força policial pode se alterar de acordo com as demandas situacionais, o que coloca a autonomia na execução como fator crítico de sucesso. O mesmo autor observa o caráter quase militar da organização policial, evidenciado por um espírito de solidariedade fraternal estimulado pela natureza de risco da atividade. Assim, o autor reconhece que a coordenação de equipes policiais em geral está baseada em um forte significado de pertencimento ao grupo, pactuado por laços de lealdade pessoal. Neste sentido, Reiner (2000) observa que a característica central da cultura policial é o sentido de missão. O autor afirma que a atividade policial não é percebida pelos policiais simplesmente como um trabalho, mas como um meio de vida com propósito útil e nobre. Em nosso estudo, buscamos investigar essa afirmação.

Em relação às exigências da situação, identificamos competências específicas na unidade investigada. São elas: (a) velocidade de ação; (b) capacidade de coordenação ad hoc; (c) alta resolutividade; (d) forte competência para proteção mútua dos membros, com baixas taxas de acidentes e perdas em combate; (e) capacidade de atuar em cenários complexos e imprevisíveis, com ataques possíveis de qualquer direção. Seu trabalho se diferencia das demais unidades convencionais de polícia e de outras UOE: (a) pela frequência e intensidade dos combates; (b) pela presença constante de altíssimo risco; (c) pela necessidade da conjugação de técnica, disciplina de treinamentos, disciplina operacional e coragem; (d) pela visibilidade política. Chamam a atenção, na especificidade do trabalho dessa equipe, os riscos frequentes à vida dos seus membros, a pressão psicológica constante, o estresse físico e mental das operações e a necessidade de conjugar velocidade de ação em cenários imprevisíveis e de grande risco com coordenação para a ação em equipe e capacidade de ouvir, interpretar e obedecer aos comandos em curtíssimo espaço de tempo.

Pesquisa Qualitativa: Identificando os Elementos da Coordenação Informal

Esta primeira etapa da pesquisa foi realizada com o emprego combinado de dois métodos qualitativos: a historiografia oral, que nos ajudou a reconstituir a história da instituição, e as entrevistas individuais em profundidade e grupos focais(3 3 Com o método da historiografia oral buscamos compreender a evolução, no tempo, da organização em seu contexto, para compreender como foram construídos mecanismos de integração interna capazes de responder aos desafios externos. Os relatos individuais foram comparados com os seguintes objetivos: (a) Obter o maior volume de informações possíveis que nos permitissem compreender de forma ordenada a evolução daquele grupo, com um relato completando a narrativa de outro. Essas entrevistas foram conduzidas até que o volume de repetições apontasse para o esgotamento desse recurso. (b) Para garantir o melhor controle da veracidade e acuracidade das informações, compreendidas sempre como produtos das interpretações de cada indivíduo. Os relatos foram confrontados entre si e com fontes secundárias sempre que possível. (c) Para compreender que categorias de análise que os membros da organização selecionavam como dominantes para explicar a história do grupo. Com as entrevistas individuais e os grupos focais, buscamos compreender o sentido e o significado do trabalho para os policiais, sua identidade na organização, a percepção da missão da organização e os fatores que contribuem para a formação do vínculo dos indivíduos entre si e desses com a instituição. Desde a primeira fase da pesquisa qualitativa, da análise histórica, a qualidade do vínculo dos indivíduos entre si, apoiados sobre a confiança mútua e do conjunto dos policiais na liderança da unidade apareceram como fatores explicativos para os resultados, na visão dos entrevistados. Isolamos então o fator confiança e buscamos explicações teóricas para averiguar a possibilidade de tratar confiança como variável explicativa. Em termos macro, nesta primeira fase da pesquisa, realizamos incursões exploratórias, com abordagem indutiva, para compreender o conjunto de variáveis que compunham o quadro em questão. Procedemos da seguinte forma: (a) Buscar compreender o fenômeno da formação e da evolução institucional da unidade pesquisa por método historiográfico (Cadiou, F. (2007). Como se faz história: historiografia, método e pesquisa. Rio de Janeiro: Vozes), para visualizar o conjunto de elementos que interagiram no tempo, dando forma à instituição atual. (b) Seguido pela análise de discurso dos membros da instituição que nos permitissem compreender o conjunto de representações por eles criadas para compreender a instituição e sua ação dentro dela. A análise de discurso foi realizada por meio de uma abordagem antropológica, em que buscávamos compreender a teia de significados que estrutura a percepção da realidade (Geertz, C. A. (1989). Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC Livros Técnicos e Científicos Editora S.A.; Weber, M. (2000). Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora Universidade de Brasília). Reconhecendo, com Weber (2000), que os supostos motivos dos agentes sociais podem ocultar, do próprio agente, o nexo real da sua ação, buscamos o melhor controle da interpretação compreensiva do sentido, reconhecendo que essa só pode ser atingida com precisão relativa. ). As entrevistas individuais tiveram como objetivo compreender as especificidades, a missão, as formas de organização interna e a construção do vínculo entre os membros das equipes operacionais. Selecionamos um grupo de informantes pela relevância na hierarquia e na história da instituição, e seus relatos foram confrontados com os dos demais membros das equipes operacionais, escolhidos aleatoriamente. Entrevistamos também alguns dos antigos comandantes da unidade, já aposentados.

Utilizamos uma perspectiva antropológica para estudar as formas de representação da realidade e uma análise derivada da historiografia oral para compreender o desenvolvimento desta UOE em relação com a evolução da criminalidade no Rio de Janeiro. Concluímos que a abordagem evolucionária explica muito parcialmente a especificidade da instituição. As análises sobre as representações da realidade nos levaram a constatar o peso e o papel da liderança na construção da força do vínculo baseado em relações de confiança. Isso nos fez perceber a importância de aprofundar a análise desse fator como constitutivo da força do vínculo entre os membros entre si, entre esses e seus superiores e em suas equipes de trabalho, como fator de efetividade operacional. Os resultados dessa pesquisa qualitativa apontam para três elementos de análise: o contexto, a liderança e a estrutura organizacional.

Contexto. Quando analisamos o contexto institucional, observamos que os membros desta UOE percebem-se como indivíduos agindo em meio à desordem institucional. A percepção de desordem institucional é caracterizada pela desorganização do aparato Estatal e pela vulnerabilidade do pobre. O indivíduo luta contra uma grande massa de injustiça social, corrupção e sofrimento. O policial das equipes convencionais em geral é visto pela sociedade como um indivíduo menos capaz e mais complacente com a desordem do sistema. O Estado é percebido frequentemente como cúmplice da desordem. Nesse sentido, na percepção dos combatentes, a unidade representa um espaço físico e simbólico em que essa desordem é reduzida. Nesse contexto, a medida de percepção de suporte organizacional se mostrou negativa. Outros elementos desempenham um papel essencial para a coordenação das tarefas e reforçam o vínculo percebido entre os indivíduos, basicamente os sentimentos de lealdade pessoal nutridos pela orientação a uma causa comum.

Liderança. A liderança da unidade desempenhou historicamente o papel de elemento estruturante. Sua principal linha de ação no tempo foi encontrar espaços de atuação em meio ao caos institucional, trabalhando com foco em fatores humanos dentro do aparato Estatal. Observamos que a legitimidade da ação dos líderes está baseada em seu histórico no grupo. Espera-se que os líderes já tenham sido provados em situações de risco extremo no passado e que defendam seus subordinados num pacto de lealdade. Por outro lado, os líderes são os principais responsáveis por estabelecer uma cultura baseada em confiança, porque carregam o dever de aplicar as punições que renovam o compromisso da equipe com valores e ideais que não devem ser facilmente negociados.

Estrutura organizacional. A estrutura organizacional desta UOE está baseada em regras rígidas de conduta que criam um contexto capacitante para a ação. Esse contexto pode ser mais bem compreendido destacando-se quatro elementos: cultura organizacional, seleção, treinamento e sucessão. (a) Cultura organizacional: A construção do vínculo de confiança está baseada num forte sentimento de orgulho de pertencimento que faz com que os membros desta UOE sintam-se separados daquilo que enxergam como negativo na própria polícia e da desordem institucional do Estado como um todo. A identidade dos membros da unidade está baseada no combate lado a lado com pessoas que muitas vezes arriscaram suas próprias vidas para salvar um colega. Para seus membros, o senso de missão está relacionado ao combate ao crime organizado e à escalada de violência nas favelas, utilizando-se de recursos heroicos como barreira para a escalada do mal. A unidade apresenta uma cultura fortemente paroquial, baseada na solidariedade fraternal, com extrema valorização da lealdade pessoal. Na realidade, essa lealdade é, em casos extremos, o único fator que garante que o policial ferido não será abandonado no campo de batalha pelos colegas. Essa lealdade é a característica central do espírito de corpo, que dá forma à crença de que a equipe é formada por indivíduos, mas que a conquista da missão só é possível por meio do trabalho em equipe. Essa premissa se torna evidente na prática, quando, em situação de conflito e risco de vida, esses indivíduos percebem a importância de contar uns com os outros e se comprometer a agir como equipe. Outro aspecto identificado no trabalho de campo que consideramos relevante é a presença de mecanismos de punição. Observamos que os mecanismos de punição mais presentes na unidade são horizontais. Os próprios pares inibem um indivíduo a agir da forma considerada inadequada. (b) Seleção: A unidade pesquisada possui um rígido mecanismo de seleção (Storani, 2006 já aponta e analisa esse fator). Confirmamos que pertencer ao grupo significa necessariamente ter sido aprovado num dos cursos ministrados pela unidade, que representa um duro rito de passagem. Segundo os instrutores, não basta o indivíduo ter bom preparo físico, boa técnica e revelar bom caráter. Segundo eles, para que a unidade consiga manter o que denominam de padrão de excelência operacional, é necessário que os indivíduos selecionados apresentem as pré-condições necessárias de um combatente: coragem, equilíbrio emocional, constância e força de vontade. (c) Treinamento: Há uma diferença marcante entre o ritmo das operações desta unidade de operações especiais e o de outras equipes de operações especiais do mundo. Enquanto algumas equipes operam com uma frequência relativamente menor, na unidade investigada as operações são muito frequentes e intensas. Historicamente isso fez com que os combatentes fossem formados em combate num período de tempo bem menor. (d) Sucessão: Como toda organização militar, a sucessão obedece a uma relação hierárquica. Ocorre que, nesta unidade de operações policias especiais, dificilmente alguém consegue legitimidade para assumir o comando apenas por força da hierarquia. De forma geral, observamos que o comando é dado àqueles que demonstram disciplina pessoal, autocontrole e liderança em momentos de alto risco. Essas propriedades são adquiridas por aqueles que já passaram por várias operações e possuem experiência em combate, tornando-se idealmente líderes e instrutores das equipes.

Pesquisa Quantitativa: Analisando os Elementos de Coordenação Informal

Os resultados da primeira etapa da pesquisa apontaram para duas características importantes nesta organização no que se refere à coordenação informal: primeiro, a presença de forte coordenação horizontal combinada com forte disciplina pessoal e organizacional, que permitem um processo de tomada de decisão ad hoc de alta efetividade em cenários imprevisíveis; segundo, o peso dos contratos informais baseados em confiança e no exercício da liderança, atuando de forma complementar como elementos de coordenação informal.

Em linha com essa visão, na segunda etapa da pesquisa, propomos e analisamos um modelo teórico (Figura 1) que postula que o estilo de liderança e as atitudes e práticas do líder estão relacionadas com a confiança nesse líder. Este que, por sua vez, relaciona-se com o comprometimento do liderado, ainda como resultado da nossa pesquisa na primeira etapa e contrariando a literatura existente sobre o tema, que tal relação não se altera com a percepção de suporte organizacional. A seguir são apresentados os fundamentos teóricos, modelo e hipóteses de pesquisa.

A relação entre confiança e liderança

A importância da confiança na liderança é reconhecida por pesquisadores como relevante para o desempenho, e essa sua relação tem sido considerada muito relevante para a compreensão do funcionamento de grupos em várias disciplinas (Dirks & Ferrin, 2002). De acordo com Mayer, Davis e Schoorman (1995), a importância da confiança é citada em muitas áreas de estudos organizacionais envolvendo a liderança, tais como a comunicação, a administração por objetivos e as relações de trabalho.

Tzafrir e Dolan (2004) ressaltam que existem componentes comuns às diferentes definições de confiança, tais como as questões associadas à vulnerabilidade/risco, o problema da reciprocidade e a dinâmica das expectativas. Em relação às questões associadas à vulnerabilidade/risco, a definição de confiança está associada à predisposição de um indivíduo colocar-se vulnerável na relação com o outro, assumindo que esse outro é competente, franco e responsável (Dirks & Ferrin, 2002). Assim, a confiança confere segurança para pessoas assumirem risco, sendo esse o ponto central em conceitualizações sobre confiança com base psicológica e sociológica, como a que é apresentada por Rousseau, Sitkin, Burt e Camerer (1998). Esses autores afirmam que confiança é um estado psicológico que compreende a predisposição em colocar-se vulnerável numa relação com outra pessoa, baseado em expectativas positivas. A análise das relações de confiança entre líderes e liderados neste artigo utiliza esse conceito.

Autores como McAllister (1995) sugerem que as relações de confiança são manifestadas a partir de duas formas distintas, porém indissociáveis: a cognitiva e a afetiva. Alguns estudos empíricos revelam que, tanto a confiança baseada na cognição, quanto a confiança baseada no afeto, estão relacionadas positivamente ao desempenho de equipes (Webber, 2008; Zur, Terawatanavong, & Webster, 2009). No entanto, seja cognitiva ou afetiva, Zanini (2011) sustenta que relações de confiança ocorrem inseridas em um determinado contexto social, indo além das características individuais envolvidas numa específica relação de confiança entre dois agentes. Elas estão associadas ao nível de institucionalização dessas relações. Gillespie (2003) afirma que a confiança nas relações de trabalho é predominantemente manifesta por meio de dois comportamentos distintos, sendo o primeiro relacionado com poder contar com os outros e, o segundo, a possibilidade de divulgação de informações pessoais ou confidenciais para outras pessoas. Tal modelo é consistente com a visão de que as pessoas podem confiar em alguém por alguns aspectos, mas não por outros (Lewis & Weigert, 1985). A confiança profissional contrasta com a natureza mais pessoal orientada para confidências, portanto cabendo a distinção entre as formas pessoal e profissional de confiança. Confidenciar ou divulgar algo a um líder tem claramente uma forte base emocional e relacional de confiança, revelando uma vulnerabilidade frequentemente acompanhadada de formação de apego interpessoal e expressões de cuidado e preocupação. Dessa forma, a dimensão pessoal é semelhante à noção de confiança afetiva, e é consistente com a opinião de que há componentes de confiança que diferem na medida em que eles têm base emocional (Clark & Payne, 1997). Em contraste com a confiança pessoal, a confiança profissional pode estar ancorada em habilidades profissionais e competências que levam à confiabilidade. Isto é, contar com o líder para resolver uma questão importante para você, depender do apoio do mesmo em situações difíceis, ou confiar no julgamento que o líder tem do seu trabalho. Relações caracterizadas por uma disposição de confiar em ambos os domínios representam a confiança relacional, na qual existe uma ampla base de troca de apoio, de recursos, interdependência e cuidado interpessoal e preocupação (Rousseau, Sitkin, Burt, & Camerer, 1998).

Considerando a confiança como variável central dessa pesquisa, propomos um modelo teórico que postula que o estilo de liderança e os fatores individuais, relacionais e organizacionais - indicadores de confiança - estão relacionados com a confiança no líder. A confiança do liderado no líder, por sua vez, relaciona-se com o comprometimento do liderado, sendo essa relação supostamente mediada pela percepção de suporte organizacional, conforme postula a teoria.

A Figura 1 apresenta o modelo de pesquisa.

Antecedentes de confiança no líder

Independente da natureza pessoal ou profissional, poucos são os estudos que apresentam evidências sobre antecedentes potenciais de confiança, seja em relação às ações e às práticas do líder, aos atributos do liderado ou aos atributos da relação líder-liderado. Cada uma das categorias reflete diferentes efeitos na confiança (Dirks & Ferrin, 2002). Na presente pesquisa, o enfoque é dado da natureza da relação entre o líder e o liderado, e principalmente na dimensão profissional da confiança.

Entre as teorias de liderança, a confiança talvez tenha sido mais frequentemente citada na literatura sobre liderança transformacional. Segundo Podsakoff, MacKenzie, Moorman e Fetter (1990), líderes se engajam em ações que geram a confiança de seus liderados, estabelecendo uma relação de troca social com os mesmos. Assim, os líderes constroem confiança demonstrando preocupação individualizada e respeito para com os liderados, que envolve desde a consulta do liderado antes de tomar uma decisão até a implementação da mesma com base na lealdade entre ambos (Bartram & Casimir, 2007). Em contraste, os líderes transacionais concentram mais esforços na garantia de recompensá-los de forma justa e no cumprimento do contrato de trabalho, formal ou informal. Em suma, os comportamentos de liderança transformacional operam parcialmente devido ao cuidado e à preocupação percebida no relacionamento, enquanto que os líderes transacionais enfatizam menos a relação e mais a garantia de que serão vistos como justos, confiáveis e íntegros (baseado no caráter).

Os estudos sobre liderança transformacional sugerem que a tomada de decisão participativa denota que o líder confia no subordinado, preocupa-se com ele e o respeita. Esse estilo de tomada de decisão afeta a percepção dos liderados sobre o caráter do líder e aumenta a percepção de imparcialidade. Robinson (1996) sugere que as expectativas não atendidas, ou a violação de um contrato psicológico, na forma de expectativas não atendidas, irá diminuir a confiança nos líderes. Expectativas não atendidas são susceptíveis de afetar a confiança dos liderados, afetando a medida com que o líder é percebido como confiável, honesto ou íntegro (Clark & Payne, 2006). Em suma, um líder mais consultivo, que toma suas decisões baseando-se nas informações de seus liderados na equipe, pode facilitar, para o liderado, o estabelecimento de maior confiança no próprio líder. Isso tanto na esfera profissional, ou seja, no quanto confia no líder para apoiá-lo em desafios profissionais, quanto na esfera pessoal, na capacidade do líder de compreender seus desafios de vida pessoal, o que é especialmente importante em tarefas que demandam equilíbrio emocional. Sendo assim, propomos a seguinte hipótese de pesquisa:

H1:

O estilo de liderança consultivo está positivamente relacionado com a confiança pessoal (a) e profissional (b) do liderado no seu líder.

Especialmente numa organização em que a coordenação e a eficiência das equipes estão baseadas no forte significado da tarefa e em que se demandam investimentos de confiança em situações de risco extremo de vida, faz-se necessário que os indivíduos no comando das equipes estejam comprometidos com a prática e o fortalecimento das normas e regras que promovam uma atmosfera de confiança por meio da aplicação de mecanismos de punição e reconhecimento (Zanini, 2011). Parra, Nalda e Perles (2011) observam, por exemplo, que a virtude moral e a sabedoria prática percebidas no líder são essenciais para estabelecer relações de confiança. Neste sentido, normas, valores e crenças organizacionais asseguram que os comportamentos sejam coerentes com a confiança investida. Consideramos ainda que, nesse contexto, a qualidade e a confiabilidade das informações transmitidas pelos líderes aos liderados é fator crítico, uma vez que essas informações podem ser de importância vital para o controle dos riscos das operações.

Pesquisas anteriores sobre a percepção de confiança indicam que o compartilhamento da gestão, incluindo a participação na tomada de decisões e a delegação de controle, são componentes essenciais da confiança. O nível em que os líderes envolvem seus subordinados em decisões influencia o desenvolvimento da confiança no relacionamento e, quanto mais satisfeitos com seu nível de participação nas decisões, maior a confiança nos líderes (Korsgaard & Roberson, 1995). Em relação à comunicação, três são os fatores que afetam a percepção de confiança no líder: informações precisas, explicações para decisões e abertura. Liderados tendem a ver seus líderes como confiáveis quando sua comunicação é precisa e próxima. Finalmente, a comunicação aberta, isto é, a troca de pensamentos e ideias livremente com subordinados aumenta a percepção de confiança (Butler, 1991).

Whitener, Brodt, Korsgaard, e Werner (1998) propuseram que a demonstração de preocupação leva à confiança no líder. A demonstração de preocupação com o bem estar dos outros (McAllister, 1995) é parte do comportamento de confiança e consiste em três ações: (a) mostrando consideração e sensibilidade para as necessidades dos liderados; (b) agindo de uma maneira que proteja os interesses dos mesmos; e (c) abstendo-se de explorar os outros para o benefício de seus próprios interesses. Essas ações por parte dos líderes pode levar os liderados a percebê-los como leais e benevolentes. A lealdade, por sua vez, é uma condição que leva à confiança entre líderes e liderados (Butler, 1991). Sendo assim, propomos que:

H2:

Os indicadores de confiança - Consistência, Integridade, Compartilhamento e Delegação, Comunicação e Preocupação - estão positivamente relacionados com a confiança pessoal (a) e profissional (b) no líder.

Características do liderado também podem influenciar a confiança no líder e o tempo pode ser uma variável importante. O nível de confiança pode ser maior em uma relação de longa duração do que em uma relação de curta duração, devido ao nível de conhecimento e familiaridade adquirida. No entanto, um indivíduo pode reconhecer ao longo do tempo que a confiança em um líder não se justifica. Tempo, portanto, não é uma variável isolada, podendo ser condição necessária, mas não determinante da confiança no líder (Dirks & Ferrin, 2002). Além do tempo que um policial está na UOE, a idade pode influenciar em como ele confia no líder. Estudos revelam que a confiança mantém relação quase direta com a idade. Sutter e Kocher (2007) e, mais recentemente, Frederico (2012), mostram que os níveis de confiança aumentam linearmente de acordo com a idade dos indivíduos, assim como apontam que o nível de educação formal também influencia o quanto um indivíduo confia no outro. Esses estudos sugerem que, quanto maior a idade e o nível de educação formal dos indivíduos, maior será a propensão destes compreenderem os comportamentos e as atitudes do líder e investirem confiança na relação.

Líderes confiáveis têm sido reconhecidos por possuírem bom autoconhecimento, serem responsáveis, consistentes, sinceros e transparentes. Por conta desses fatores, conseguem confiar em seus subordinados e mostrar interesses mais abertamente (Burke, Sims, Lazzara, & Salas, 2007). É relevante, portanto, que aqueles que são escolhidos como líderes de equipe possuam mais experiência e identidade com a unidade de forças especiais e formem sua linha sucessória por seleção e apoio ao desenvolvimento das qualidades comprovadas para liderar suas equipes. Assim, acreditamos que é possível que a posição hierárquica, medida pelo número de subordinados que um líder possua, possa influenciar no nível de confiança que este tem em seu superior imediato. Ou seja, se o policial é um líder - tem subordinados - o nível de confiança que ele possui em seu superior imediato na cadeia de comando da unidade tende a ser maior. Assim, consideramos a idade, o nível de instrução, o número de subordinados e o tempo de trabalho na unidade como variáveis de controle no modelo de pesquisa.

Confiança no líder e no comprometimento

Uma das razões pelas quais pesquisadores e gestores se interessam pela confiança é a crença de que ela exerce um impacto significativo sobre uma variedade de resultados relevantes para as organizações. Atualmente, no entanto, os achados são diversos, havendo uma variação na opinião dos pesquisadores (Dirks & Ferrin, 2002). Em relação ao desempenho, a percepção do caráter do líder pode influenciar a vulnerabilidade de um liderado em uma relação hierárquica. Isto é, porque os líderes têm autoridade para tomar decisões que têm um impacto significativo sobre os liderados (remuneração, promoções, demissões, etc.), as percepções sobre a confiabilidade do líder se tornam importantes. Com base nesta ideia, Mayer et al. (1995) propuseram um modelo sugerindo que, quando os liderados acreditam que seus líderes têm integridade, ou benevolência, eles tornam-se mais confortáveis para se engajar em comportamentos de risco, como por exemplo, trocar informações confidenciais. Além disso, numa relação fundamentada em princípios de intercâmbio social, há a vontade dos liderados em retribuir o afeto e a consideração que um líder pode expressar nesse relacionamento. Ou seja, indivíduos que sentem que seu líder demonstra cuidado e consideração, retribuem esse sentimento sob a forma de comportamentos desejados. Em ambos os casos, a confiança pode resultar em maior desempenho de equipes. Considerando que confiança, lealdade e respeito são centrais à relação entre líder e liderado, espera-se que a confiança esteja positivamente relacionada com a satisfação e o comprometimento organizacional (Emery & Barker, 2007). Ainda, estudos recentes têm mostrado consistentemente que a Teoria da Troca Líder-Liderado tem um efeito direto sobre o comprometimento organizacional (Eisenberger et al., 2010), estando positivamente relacionada com o comprometimento afetivo e normativo, mas negativamente relacionada com o comprometimento instrumental. A partir do exposto, as seguintes hipóteses são propostas:

H3: A confiança profissional (a) e pessoal (b) no líder estão positivamente relacionadas com o comprometimento afetivo.

H4: A confiança profissional no líder está positivamente relacionada com o comprometimento normativo.

H5: A confiança profissional no líder está negativamente relacionada com o comprometimento instrumental.

Percepção de suporte organizacional, confiança no líder e comprometimento

O suporte organizacional refere-se à percepção dos membros de uma organização, do quanto a sua organização valoriza suas contribuições e cuida de seu bem estar (Eisenberger, Huntington, Hutchinson, & Sowa, 1986). A teoria do suporte organizacional (Eisenberger et al., 1986; Rhoades & Eisenberger, 2002) argumenta que muitas das necessidades socioemocionais dos indivíduos podem ser atendidas no ambiente organizacional, tais como a necessidade de reconhecimento, respeito, cuidado, e benefícios tangíveis, como salários e benefícios médicos. Estudos também afirmam que a percepção de suporte organizacional e o comprometimento afetivo são positivamente relacionados (Bishop, Scott, Goldsby, & Cropanzano, 2005).

No entanto, ao contrário do que postulam esses autores, os resultados da nossa pesquisa qualitativa apontam para uma baixa influência da percepção de suporte organizacional na relação entre confiança na liderança e comprometimento afetivo. Percebemos que a relação da confiança na liderança e o comprometimento afetivo está baseada num sentimento de missão e devoção à causa, que pouco se altera pela percepção da qualidade do suporte organizacional. Baseados nessa observação, contrário às teorias acima expostas, argumentamos que a percepção de suporte organizacional não interfere como moderadora na relação entre a confiança no líder e o comprometimento afetivo. Isto é, a percepção de suporte organizacional não influencia a relação do comprometimento afetivo produzido pela confiança no líder. A partir do exposto, a seguinte hipótese é proposta:

H6:

A percepção de suporte organizacional não influencia a relação entre confiança profissional no líder e comprometimento afetivo.

Análise exploratória: confiança no líder, na equipe e no colega

Uma questão pouco explorada na literatura sobre confiança é como esta opera de forma diferente nas relações entre líder e liderado, e nos relacionamentos com seus pares, seja com a equipe ou individualmente com o colega (Gillespie, 2003). Primeiramente, os líderes e liderados estão mais dispostos a confiar profissionalmente um no outro, do que os membros da equipe estão dispostos a confiar em seus colegas. Em contraste, a confiança pessoal teve uma média semelhante nas dimensões de confiança no superior e confiança entre pares hierarquicamente iguais. Uma explicação para tais resultados reside na variação de competência, experiência e habilidades entre membros da mesma equipe. Isto é, membros mais experientes ou qualificados tendem a estar menos dispostos a confiar no colega menos competente ou experiente, do que vice-versa e, especialmente em equipes de operações especiais, espera-se que o líder seja mais qualificado para liderar. Esses resultados fornecem suporte para a proposição de Lewis e Weigert (1985): os autores argumentam que a força comparativa e a importância das diferentes formas de confiança dependerão do tipo de relação social.

Considerando a natureza da atividade, espera-se que a confiança pessoal no colega, que coloca a própria segurança em risco pela vida do outro, seja maior que a confiança pessoal na equipe como um todo que trabalha para atingir um objetivo maior, ainda que esta mesma confiança pessoal no colega seja superior à confiança pessoal no líder. Por outro lado, espera-se que a confiança profissional no líder, pela questão da competência e da qualificação, bem como pelo fato dos líderes desempenharem um papel importante na seleção e na motivação de membros de sua equipe, seja superior à confiança profissional no colega ou na equipe.

H7a: A confiança profissional no líder é superior à confiança profissional no colega e na equipe.

H7b: A confiança pessoal no colega é superior à confiança pessoal na equipe e no líder.

Questionários: Coleta e Análise dos Dados

A aplicação de questionários foi direta e manual. O instrumento utilizado foi dividido em 5 partes, sendo utilizados questionários semiabertos e estruturados. A primeira parte contém questões que investigam as motivações dos policiais para participarem de operações de risco, os fatores mais importantes para enfrentarem o desafio de uma missão de alto risco, os fatores motivadores e desmotivadores em fazerem parte da UOE, as características inerentes a um policial que faça parte da UOE, o estilo do líder que gostaria de ter e o que possui, e a percepção sobre os policiais da UOE. Há questões abertas sobre a principal razão que o motiva a trabalhar todos os dias na organização, sobre a missão e o que significa ser um membro da UOE, e sobre a opinião de como e se o trabalho realizado pela unidade melhora a sociedade.

A segunda parte aglutinou as questões relativas à confiança no superior, no colega e na equipe, cujo questionário utilizado foi o Behavioral Trust Inventory (BTI) de Gillespie (2003), validado para a realidade brasileira por Zanini, (2007). Esse questionário é composto de 10 itens, avaliados em escala Likert de 7 pontos, variando de 1 a 7 (1: nem um pouco disposto, 7: extremamente disposto). No referido questionário, cada grupo de 5 perguntas têm objetivo de medir aspectos diferentes da confiança, sendo que os itens de número 1 a 5 medem a confiança profissional, enquanto que os itens de 6 a 10 medema confiança pessoal.

A terceira parte englobou as questões relativas aos indicadores de confiança, ao Suporte da Organização e às dimensões de Comprometimento. O questionário de mensuração dos indicadores de confiança é composto por 15 itens, baseado no modelo de Confiança de Mayer et al. (1995). Os itens são medidos em escala Likert de 5 pontos, variando de 1 a 5 (1: discordo completamente; a 5: concordo completamente), referindo-se a cinco dimensões de confiança, investigando percepções acerca da consistência da gestão, da integridade dos gestores, do compartilhamento e da delegação de autoridade, da demonstração de preocupação e, ainda, da percepção de comunicação interna e transparência de informações.

O questionário para medir Suporte Organizacional é composto por 10 itens, baseado no questionário de Percepção de Suporte Organizacional, o Survey of Perceived Organizational Support (SPOS), desenvolvido por Eisenberger, Huntington, Hutchinson e Sowa (1986).

Para mensurar o comprometimento dos policiais, foi utilizado o questionário tridimensional de comprometimento de Meyer e Allen (1991). Esse questionário é composto por 18 itens focando nas dimensões afetiva, normativa e instrumental, medidos em escala Likert de 5 pontos, variando de 1 a 5 (1: discordo completamente; a 5: concordo completamente). O comprometimento afetivo refere-se a sentimentos de pertencer à organização e à existência de laços emocionais. O comprometimento normativo refere-se a sentimentos de dever e obrigação para com a organização como fruto da socialização na cultura organizacional. O comprometimento instrumental refere-se a percepções de poucas oportunidades fora da organização, a investimentos pessoais já realizados e a dificuldades ocasionais que possam impedir o indivíduo de deixar a sua organização.

A quarta parte questiona variáveis demográficas pessoais, como educação, faixa etária, quantidade de subordinados e tempo em que trabalha na UOE. A parte final do instrumento foi disponibilizada para que expressassem sua opinião e quaisquer comentários adicionais.

A amostra é composta de 128 respondentes, todos do sexo masculino, de um total de 400 combatentes. A participação dos policiais foi definida a partir do critério de acessibilidade e, mais ainda, disponibilidade durante o dia de trabalho. Os dados foram analisados utilizando os softwares SPSS© 18.0 e WarpPLS. Primeiramente foi realizada a análise descritiva da base de dados, de modo a explorar estatisticamente as respostas obtidas. Não foram identificados valores inesperados, erros de digitação ou outliers. Foram avaliadas as medidas de Studentized Deleted Residuals, Leverage Distance e DFBetas, que não apontaram para a existência de respondentes extremos. Em relação ao modelo de pesquisa, todas as premissas para análise multivariada foram atendidas. Com as premissas verificadas, foram realizadas análises descritivas com os dados, de modo a obter as frequências de respostas para as questões iniciais sobre motivação, estilo do líder, e as demais questões da Parte 1. Em seguida, o modelo de pesquisa foi analisado a partir de modelagem de equações estruturais, de modo a testar as hipóteses de pesquisa. A seguir são apresentados os resultados obtidos.

Resultados dos questionários

Em um efetivo total de 400 combatentes, 128 policiais participaram da pesquisa. Do total de respondentes, todos homens, 40% possui entre 30 e 34 anos, 65% possui segundo grau completo, 28,7% possui 20 ou mais subordinados, e a média de tempo na equipe é de 7,6 anos.

Análise descritiva: motivações dos policiais

Os resultados da primeira parte da pesquisa apontaram que a maior motivação dos policiais é a relação de amizade e confiança que travam entre si (46,5%), seguida do orgulho de fazer parte de uma equipe de elite (31,3%). Não obstante, o orgulho de fazer parte de uma organização denominada de "elite", e reconhecida como tal, também mostrou ser um estímulo motivador a trabalharem na UOE. Nesse sentido, 60% dos policiais apontaram que o que mais aumenta a confiança na equipe de trabalho e a motivação dos policiais é a lealdade que existe entre os membros. Por outro lado, não apenas a lealdade, mas a capacidade técnica dos membros da equipe também contribui para que haja confiança (26,8%). De fato, se há qualquer atrito que abale a lealdade, a questão técnica garante que, em situações de combate, um policial confie sua vida a um colega parceiro.

Em relação às situações de combate ou à participação em operações, os policiais responderam que os fatores que mais os motivam é libertar pessoas que vivem sob a opressão do tráfico (53,5%), e eliminar a ameaça dos bandidos (22,8%). Por outro lado, o fator que mais desmotivaria a entrar em combate é a falta de lealdade entre os membros da equipe (66,4%). A falta de coragem dos membros também foi apontada como um fator desmotivador a entrar em combate (10,4%), embora pouco expressivo perante a lealdade, que também foi apontada como característica principal de um membro desta UOE. Quase metade (47,6%) dos policiais respondeu que a lealdade é principal característica de um membro desta UOE. Obediência e coragem foram características pouco expressivas na opinião dos policiais, embora tenham apontado que a sociedade enxerga o policial como corajoso (15,1%). Os policiais também acreditam que a sociedade enxerga um membro da UOE como honesto (15,1%) e, principalmente, heroico (46%). Entretanto, apesar de acreditarem que a sociedade atribui tais características aos policiais, eles gostariam que fossem percebidos, principalmente, como competentes (35,1%) e "invisíveis" (21,4%).

Com relação às condutas operacionais, 65,4% dos policiais afirmaram que seguem as normas impostas na maioria das vezes, sabendo que, em alguns casos de combate, é preciso improvisar e não segui-las. Outros 20% afirmam que sempre procuram seguir as normas e orientações dadas pelo comando, procurando nunca se desviar delas, enquanto 14,2% afirmaram acreditar que as normas são apenas orientações para a ação e que na realidade, é quase impossível segui-las. Sendo assim, afirmam a necessidade de improvisar de acordo com a situação que estão enfrentando. A grande maioria dos policiais demonstra seguir as regras impostas pela organização e afirmaram que não confiam em pessoas que cometam atos ilícitos, relacionados à corrupção ou à falta de probidade, independente delas serem muito boas em ação. Acreditam que os policiais da UOE são mais honestos e melhores tecnicamente do que os de outras organizações. Desta forma, não acreditam que os policiais permaneçam na UOE somente porque precisam do emprego, independente de gostar ou não do trabalho policial. Mais ainda, dificilmente sairiam da polícia e da própria UOE se aparecessem outras oportunidades de emprego com renda equivalente. No quesito liderança, 72,7% afirmam que gostariam de trabalhar com líderes mais consultivos. No entanto, apenas 33,6% afirmaram possuir líderes com tal característica. A seguir são apresentados os resultados para o modelo multivariado.

Modelo de pesquisa

O modelo previa que o estilo de liderança (Est_lid) e os indicadores de confiança (Ind_conf) estariam positivamente relacionados com a confiança profissional no líder (C_lid_Pf) e a confiança pessoal no líder (C_lid_Ps), e estas estariam positivamente relacionadas com o comprometimento afetivo (Comp_Af). A confiança profissional também estaria positivamente relacionada com o comprometimento normativo (Comp_Nor), e negativamente com o comprometimento instrumental (Comp_Ins). O nível de percepção de suporte organizacional (Sup_Org), por sua vez, aumentaria o comprometimento afetivo provocado pela confiança no líder. A confiança profissional no líder, ainda, é controlada por algumas variáveis demográficas, como a faixa etária (F_Etária), a instrução (Inst), o tempo de permanência na organização (Tempo) e, principalmente, o número de subordinados (N_Sub) de cada policial. A Tabela 1 apresenta as correlações, a variância explicada e a confiabilidade interna das variáveis.

Os resultados das análises apontam que o modelo de pesquisa se mostra adequado estatisticamente, a partir dos índices de adequação significantes (APC = 0,180, p < 0,01; ARS = 0,160, p = 0,034; e AVIF = 1,224). As variáveis latentes apresentaram confiabilidade e validade interna, além de explicarem as variáveis dependentes do modelo satisfatoriamente.

Em relação às variáveis antecedentes à confiança - profissional e pessoal - no líder, tanto os indicadores de confiança (βpf = 0,346, p = 0,011 e βps = 0,395, p = 0,005) quanto o estilo de liderança consultivo (βpf = 0,254, p = 0,004 e βps = 0,181, p = 0,013) relacionam-se positiva e significativamente. Tais resultados confirmam as hipóteses H1 e H2. Das variáveis de controle, o número de subordinados parece influenciar a confiança profissional no líder (β = 0,145, p = 0,019), sendo que, quanto maior o número de subordinados, maior a confiança.

A confiança profissional no líder, por sua vez, está positivamente relacionada com o comprometimento afetivo (β = 0,146, p = 0,053) e também com o comprometimento normativo (β = 0,204, p = 0,024), confirmando as hipóteses H3a e H4. Já a confiança em relação ao comprometimento instrumental (β = -0,138, p = 0,424) não apresentou significância, rejeitando a hipótese H5. A confiança pessoal no líder também não apresentou relação significante com o comprometimento afetivo (β = 0,090, p = 0,194), e, portanto, devemos rejeitar a hipótese H3b.

De acordo com os resultados, quanto maior a percepção de que a gestão seja consistente e íntegra, de que haja transparência na comunicação e nos processos internos, maior será a confiança profissional no líder. Tanto o estilo de liderança quanto os indicadores de confiança ajudam a explicar cerca de 30% da confiança pessoal no líder (R2 = 0,298).

Tal confiança profissional também está positivamente relacionada ao comprometimento afetivo e ao normativo, isto é, a confiança profissional no líder tem o poder de explicar uma pequena parte do dever moral do policial de permanecer na organização (R2 = 0,042) e uma boa parte do desejo do mesmo em permanecer na UOE (R2 = 0,209).

A hipótese de pesquisa H6, sugerindo que a percepção de suporte da organização não possui influência na relação entre confiança profissional no líder e comprometimento afetivo, foi confirmada (β = -0,324, p = 0,156). A Tabela 2 apresenta os coeficientes da análise estatística do modelo para cada variável, o respectivo nível de significância.

Confiança no líder, na equipe e no colega

As hipóteses H7a e H7b previam que os níveis de confiança profissional e pessoal entre liderado e líder, e entre liderado e colegas ou equipe teriam diferenças significantes. A comparação e o teste de diferença entre as médias de confiança profissional no líder com a confiança profissional na equipe e com a confiança profissional nos colegas apontaram que, ao contrário do proposto, a confiança profissional no líder (M = 5,74, DP = 1,30) é menor que na equipe (M = 6,11, DP = 1,19, t(121) = 3,31, p = 0,001), que, por sua vez, é menor que no colega (M = 6,50, DP = 0,91, t(122) = 7,79, p< 0,001). Acerca da confiança pessoal, a confiança pessoal no colega (M = 5,92, DP = 1,38) é superior que na equipe (M = 4,73, DP = 1,82, t(121) = 7,15, p< 0,001), que, por sua vez, é maior que no líder (M = 4,35, DP = 1,75, t(121) = 10,60, p< 0,001). A partir dos resultados obtidos, rejeitamos a hipótese H7a e confirmamos a hipótese H7b.

Discussões

Os resultados da análise das respostas dos questionários confirmam em grande parte o que as entrevistas individuais em profundidade e grupos focais. De acordo com os nossos achados, a UOE investigada pode ser caracterizada como uma organização que produz forte vínculo emocional e afetivo, baseado em sentimentos de lealdade, irmandade e amizade entre seus membros. Estes achados corroboram o que os estudos realizados por Storani, 2006, Rodrigues-Goulart, 2007; Spulak, 2007 e Decéné, 2009 afirmaram.

Num grupo em que os indivíduos se percebem como uma tropa de elite, é forte o orgulho de pertencimento ao grupo. Apesar de ser uma organização militar em que seus membros devem seguir rigidamente a hierarquia estabelecida, o fato de se constituírem como uma unidade de operações especiais com grande autonomia operacional permite um processo de tomada de decisão ad hoc de alta efetividade em cenários imprevisíveis. O processo seletivo rigoroso e as regras rígidas de convivência criam a percepção de competência e especialidade. Seus membros percebem-se como especialistas, e como tal, geram em si um sentimento de dever para o sucesso da missão que lhes é confiada. Isso faz com que cada membro da equipe perceba grande valor e deseje um estilo de liderança mais consultivo, que não negue o valor compartilhado da hierarquia militar (que algumas vezes é percebido como um antídoto para a desordem institucional), mas que saiba respeitar as contribuições de cada membro de sua equipe. Isso confirma a Hipótese 1 (H1).

Os indicadores de confiança corroboram de forma positiva a expectativa dos membros de uma equipe de operações especiais na sua relação com a liderança. Pela atividade que envolve o risco extremo, espera-se que os líderes apresentem integridade e consistência, e compartilhem informações e autonomia para o sucesso de cada operação. Neste sentido, a autonomia que pode ser distribuída eventualmente não elimina a autoridade formal da hierarquia militarizada, mas opera complementarmente para o sucesso na conquista de objetivos comuns (Migueles, Lafraia, & Costa, 2008). Essa lógica confirma a Hipótese 2 (H2). Tal achado é consistente frente ao trabalho realizado por Zanini (2007), utilizando as mesmas escalas de nosso estudo.

As hipóteses H3a e H4 foram confirmadas. A confiança profissional no líder imediato está positivamente relacionada tanto com o comprometimento afetivo (H3a) quanto com o comprometimento normativo (H4). No entanto, as hipóteses H3b e H5 não foram confirmadas indicando que a relação de confiança no líder não esta relacionada de forma significativa à confiança pessoal nem ao comprometimento instrumental. Esses resultados confirmam os estudos recentes sobre a Teoria da Troca Líder-Liderado (Eisenberger et al., 2010), que mostram uma relação positiva entre confiança e comprometimento afetivo e normativo, e uma relação negativa com comprometimento instrumental. No entanto, nossos resultados mostram que, neste caso específico, a relação positiva da confiança dos liderados no líder está relacionada somente aos aspectos profissionais. Ainda, nossos resultados confirmam os da pesquisa qualitativa, mostrando que há uma relação positiva entre a confiança profissional no líder e a relação de comprometimento afetivo, envolvendo uma relação emocional com a organização, afeto e sentimentos de pertencimento, lealdade e obrigação.

A hipótese de pesquisa H6 foi confirmada. Esse resultado sugere que o suporte organizacional não influencia de forma significativa a relação entre a confiança profissional no líder e o comprometimento afetivo, contrariando outros estudos, como Bishop, Scott, Goldsby e Cropanzano (2005). Esse resultado, porém, confirma o das nossas entrevistas na primeira etapa da pesquisa, quando os policiais afirmaram que o suporte organizacional, os salários e os benefícios são ruins, mas que tal percepção é indiferente em relação ao sentimento de dever para com a missão da unidade e ao orgulho que sentem em fazer parte da UOE. Esse resultado sugere que a relação entre comprometimento afetivo e confiança no líder não depende da percepção por parte dos policiais, do apoio informacional ou material, do reconhecimento por parte da própria unidade ou mesmo da sociedade.

Ao rejeitarmos a hipótese H7a e confirmarmos a hipótese H7b, nossos resultados indicam que a confiança profissional e pessoal no colega é maior que a confiança na equipe, que por sua vez é maior que a confiança no líder. Esses resultados estão em concordância com os resultados encontrados em Zanini (2007). Nesse estudo anterior, os respondentes eram executivos de grandes empresas no Brasil e a confiança profissional e pessoal no colega também foi maior que a confiança no superior. Porém, a confiança profissional e pessoal no líder foi maior que a confiança na equipe. Na UOE investigada, ao contrário da nossa expectativa inicial, a confiança profissional e pessoal no colega permanece a maior das três dimensões, e a confiança profissional e pessoal na equipe é maior que a confiança no líder. Como observaram Lewis e Weigert (1985), a importância das diferentes formas de confiança dependerá do tipo de relação social. No caso da UOE investigada, baseado nas informações obtidas em nossas entrevistas individuais, esses resultados nos levam a crer que a alta confiança depositada no colega e na equipe, em relação à confiança no líder imediato, está associada ao risco extremo das operações. Observamos que o líder é um elemento fundamental para estabelecer relações de confiança na UOE investigada, porém, é no colega e na sua equipe de operação, formada por aqueles que se colocam imediatamente ao seu lado, oferecendo proteção e arriscando as suas próprias vidas numa missão de alto risco, que a relação de confiança torna-se extrema, de importância vital. Como as equipes operacionais pouco se alteram nas rotinas da unidade, as pessoas tendem a identificar colegas em especial e grupos a quem devotam grande lealdade e confiança. Esses resultados corroboram com os resultados das entrevistas em profundidade e grupos focais, e igualmente com os fatores motivacionais identificados no questionário (seção Análise Descritiva: Motivações dos Policiais) que apontam para a lealdade como valor central em situações de combate.

Conclusão

Este artigo teve como objetivo melhor compreender os elementos de coordenação informal na gestão de equipes de alto desempenho atuando em cenários complexos e imprevisíveis. Para tanto, selecionamos uma UOE da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, o BOPE. Conduzimos o nosso estudo utilizando, numa primeira etapa, métodos qualitativos para identificar os elementos críticos da coordenação informal e, posteriormente, métodos quantitativos para melhor compreendermos o quanto esses elementos identificados na pesquisa qualitativa contribuem para a qualidade da coordenação das equipes operacionais. Como resultado da primeira etapa da pesquisa, propusemos um modelo teórico que considera a confiança como variável central de pesquisa, e que postula que estilo de liderança e fatores individuais, relacionais e organizacionais estão relacionados à confiança no líder. Nesse sentido, confirmamos a afirmação comum nas entrevistas de que a predisposição a cooperar está relacionada à confiança no líder e no colega de equipe, e que a percepção dessa confiança num colega em especial e na equipe reduz a sensação de risco e motiva para a ação.

Concluímos que o sentido de missão comum, a qualidade da liderança e a qualidade dos vínculos entre os membros da organização (baseados em lealdade e alta confiança) e dos membros com a instituição, são os fatores explicativos da qualidade da coordenação informal nas equipes desta unidade de operações especiais investigada. São esses fatores que explicam a grande propensão ao risco extremo para as operações e o foco em resultados. Concluímos também que esses fatores são capazes de neutralizar a percepção da falta de suporte organizacional mais adequado (vários membros da organização reconhecem que, com maiores investimentos em equipamentos e tecnologia de informação, teriam resultados ainda melhores). Apesar disso, não encontramos dados que possam relacionar esses fatores com a falta de comprometimento do policial desta UOE com a sua missão.

Corroborando com estudos anteriores sobre as unidades de operações especiais, confirmamos que a forte coesão em pequenos grupos, a devoção a uma causa comum e o exercício da liderança são elementos importantes na formação das UOE. Na UOE investigada em nosso estudo, porém, identificamos a confiança no colega como um fator relevante para a coordenação informal. Observamos que, apesar da liderança possuir igualmente um papel estruturante para estabelecer a confiança entre os membros das equipes, os maiores níveis de confiança foram identificados na relação com um colega imediato, com quem se conta nas operações.

Nesse sentido, este estudo traz uma contribuição para a melhor compreensão da coordenação informal em equipes operacionais que atuam sob alto risco, em cenários complexos e imprevisíveis. Este estudo possui limitações que representam igualmente possibilidades para o desenvolvimento de futuros estudos no tema. Principalmente, não analisamos a efetividade da inter-relação dos elementos informais com os elementos formais de coordenação, não fizemos uma análise completa da cultura da organização (mística, ritos, rituais e símbolos), o que poderia nos ajudar a compreender melhor outras perspectivas na análise dos elementos de coordenação informal, e finalmente, também não comparamos com outras UOE de mesma natureza institucional (policial). Dessa forma, nossos resultados abrem espaço para novas pesquisas sobre o tema.

Notas

Artigo recebido em 30.04.2012.

Última versão recebida em 01.10.2012.

Aprovado em 31.10.2012.

  • Bartram, T., & Casimir, G. (2007). The relationship between leadership and follower in-role performance and satisfaction with the leader: the mediating effects of empowerment and trust in the leader. Leadership & Organization Development Journal, 28(1),4-19. doi: 10.1108/01437730710718218
  • Bishop, J. W., Scott, K. D., Goldsby, M. G., & Cropanzano, R. (2005). A construct validity study of commitment and perceived support variables: a multifoci approach across different team environments. Group and Organization Management, 30(2),153-180. doi: 10.1177/1059601103255772
  • Borman, W. C., Motowidlo, S. J., Rose, S. R., & Hansen, L. M. (1985). Development of a model of soldier effectiveness (Institute Report Nş 95). Personnel Decisions Research Institute, Minneapolis, MN.
  • Bittner, E. (2003). Aspectos do trabalho policial São Paulo: Edusp.
  • Burke, C. S., Sims, D. E., Lazzara, E. H., & Salas, E. (2007). Trust in leadership: a multi-level review and integration. The Leadership Quarterly, 18(6),606-632. doi: 10.1016/j.leaqua.2007.09.006
  • Butler, J. K., Jr. (1991). Toward understanding and measuring conditions of trust: evolution of conditions of trust inventory. Journal of Management, 17(3),643-663. doi: 10.1177/014920639101700307
  • Clark, M. C., & Payne, R. L. (1997). The nature and structure of workers' trust in management. Journal of Organizational Behavior, 18(3),205-224. doi: 10.1002/(SICI)10991379(199705)18:3<205::AID-JOB792>3.0.CO;2-V
  • Clark, M., & Payne, R. (2006). Character-based determinants of trust in leaders. Risk Analysis, 26(6),1161-1173. doi: 10.1111/j.1539-6924.2006.00823.x
  • Decéné, E. (2009). A história secreta das forças especiais de 1939 a nossos dias São Paulo: Larousse do Brasil.
  • Eisenberger, R., Huntington, R., Hutchison, S., & Sowa, D. (1986). Perceived organizational support. Journal of Applied Psychology, 71(3),500-507. doi: 10.1037/0021-9010.71.3.500
  • Eisenberger, R., Karagonlar, G., Stinglhamber, F., Neves, P., Becker, T. E., Gonzalez-Morales, M. G., & Steiger-Mueller, M. (2010). Leader-member exchange and affective organizational commitment: the contribution of supervisor's organizational embodiment. Journal of Applied Psychology, 95(6),1085-1103. doi: 10.1037/a0020858
  • Emery, C. R., & Barker, K. J. (2007). The effect of transactional and transformational leadership styles on the organizational commitment and job satisfaction of customer contact personnel. Journal of Organizational Culture, Communication and Conflict, 11(1),77-90.
  • Ferrin, D. L., & Dirks, K. T. (2002). Trust in leadership: meta-analysis findings and implications for research and practice. Journal of Applied Psychology, 87(4),611-628. doi: 10.1037//00219010.87.4.611
  • Frederico, J. M. B. (2012). A relação entre confiança, idade e escolaridade no ambiente organizacional (Dissertação de mestrado). Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
  • Gillespie, N. (2003, August). Measuring trust in working relationships: the behavioral trust inventory. Proceedings of the Academy of Management, Seattle, Washington, USA.
  • Kellet, A. (1987). Motivação para o combate, o comportamento do soldado na luta Rio de Janeiro, Brasil: BIBLEX.
  • Korsgaard, M. A., & Roberson, L. (1995). Procedural justice in performance evaluation: the role of instrumental and non-instrumental voice in performance appraisal discussions. Journal of Management, 21(4),657-669. doi: 10.1177/014920639502100404
  • Lewis, J. D., & Weigert, A. (1985). Trust as a social reality. Social Forces, 63(4),967-985. doi: 10.1093/sf/63.4.967
  • Mayer, R. C., Davis, J. H., & Schoorman, F. D. (1995). An integrative model of organizational trust. Academy of Management Review, 20(3),709-734. doi: 10.2307/258792
  • Mcallister, D. J. (1995). Affect-and cognition-based trust as foundations for interpersonal cooperation in organizations. Academy of Management Journal, 38(1),24-59. doi: 10.2307/256727
  • Meyer, J. P., & Allen, N. J. (1991). A three-component conceptualization of organizational commitment. Human Resource Management Review, 1(1),61-89. doi: 10.1016/10534822(91)90011-Z
  • Migueles, C., Lafraia, J. R., & Costa, G. (2008). Criando o hábito da excelência Rio de Janeiro, Qualitymark.
  • Oetting, D. (1988). Motivation und Gehechtswert: von Verhalten des Soldaten im Kriege (Relatório de Pesquisa/1988). Frankfurt, Alemanha, Verlag.
  • Parra, M. G., Nalda, A. L. de, & Perles, G. S. M. (2011). Towards a more humanistic understanding of organizational trust. Journal of Management Development, 30(6),605-614. doi: 10.1108/02621711111135206
  • Podsakoff, P., Mackenzie, S., Moorman, R., & Fetter, R. (1990). Transformational leader behaviors and their effects on followers' trust in leader, satisfaction, and organizational citizenship behaviors. Leadership Quarterly, 1(2),107-142. doi: 10.1016/1048-9843(90)90009-7
  • Reiner, R. (2000). A política da polícia São Paulo: Edusp.
  • Rhoades, L, & Eisenberger, R. (2002). Perceived organizational support: a review of the literature. Journal of Applied Psychology, 87(4),698-714. doi: 10.1037//0021-9010.87.4.698
  • Robinson, S. L. (1996). Trust and breach of the psychological contract. Administrative Science Quarterly, 41(4),574-599.
  • Rodrigues-Goulart, F. (2007). Combat motivation. Military Review, 86(6),93-96.
  • Rousseau, D. M., Sitkin, S. B., Burt, R. S., & Camerer, C. (1998). Not so different after all: a cross-discipline view of trust. Academy of management review, 23(3),393-404. doi: 10.5465/AMR.1998.926617
  • Spulak, R. (2007). A theory of special operations: the origin, qualities, and use of SOF (Relatório de Pesquisa 07-7). Hurlburt Field, FL, USA. JSOU Press.
  • Storani, P. (2006). Vitória sobre a morte: a glória prometida. O "rito de passagem" na construção da identidade dos operações especiais do BOPE/PMERJ (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
  • Sutter, M., & Kocher, M. G. (2007). Trust and trustworthiness across different age groups. Games and Economic Behavior, 59(2),364-382. doi: 10.1016/j.geb.2006.07.006
  • Tzafrir, S. S., & Dolan, S. L. (2004). Trust me: a scale for measuring manager-employee trust. Management Research: The Journal of the Iberoamerican Academy of Management, 2(2),115-132. doi: 10.1108/15365430480000505
  • Webber, S. (2008). Development of cognitive and affective trust in teams -a longitudinal study. Small Group Research, 39(6),746-769. doi: 10.1177/1046496408323569
  • Whitener, E., Brodt, S., Korsgaard, M. A., & Werner, J. (1998). Managers as initiators of trust: an exchange relationship for understanding managerial trustworthy behavior. Academy of Management Journal, 23(3),513-530. doi: 10.5465/AMR.1998.926624
  • Zanini, M. F. (2007). Trust within organizations of new economy - a cross-industrial study. Wiesbaden, Alemanha: DUV.
  • Zanini, M. F. (2011). Trust nanagement. In R. Stock-Homburg & B. Wolff (Eds.), Handbuch strategisches personalmanagement (pp. 335-352). Wiesbaden, Alemanha: Gabler Verlag.
  • Zur, A., Terawatanavong, C., & Webster, C. (2009). Cognitive and affective trust between Australian exporters and their overseas buyers. Melbourne Business School Recuperado de http://works.bepress.com/cgi/viewcontent.cgi?article=1004&context=andrew_zur
  • 1
    O que chamamos aqui de elementos de coordenação informal se refere aos aspectos não estruturais das organizações que Chester Barnard aborda como relevantes já em 1938, e que mais tarde são tratados como os aspectos políticos e simbólicos das organizações. Ver: Barnard, C. (1938).
    The functions of the executive. Cambridge: Harvard University Press; Williamson, O. (1995).
    Organization theory. New York & Oxford: Oxford University Press; Ramos, A. G. (1981).
    A nova ciência das organizações. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas.
  • 2
    O BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) é uma UOE reconhecida por outras UOE de todo o mundo por ter desenvolvido técnicas de progressão e combate em favelas no enfrentamento de conflitos com características de guerrilha urbana. Seus cursos de formação são frequentados por policiais civis e militares de diversas forças estaduais e federais, e de outras UOE de outros países. Pelo seu reconhecimento, é frequente a visita de membros das diversas UOE de todo o mundo.
  • 3
    Com o método da historiografia oral buscamos compreender a evolução, no tempo, da organização em seu contexto, para compreender como foram construídos mecanismos de integração interna capazes de responder aos desafios externos. Os relatos individuais foram comparados com os seguintes objetivos: (a) Obter o maior volume de informações possíveis que nos permitissem compreender de forma ordenada a evolução daquele grupo, com um relato completando a narrativa de outro. Essas entrevistas foram conduzidas até que o volume de repetições apontasse para o esgotamento desse recurso. (b) Para garantir o melhor controle da veracidade e acuracidade das informações, compreendidas sempre como produtos das interpretações de cada indivíduo. Os relatos foram confrontados entre si e com fontes secundárias sempre que possível. (c) Para compreender que categorias de análise que os membros da organização selecionavam como dominantes para explicar a história do grupo. Com as entrevistas individuais e os grupos focais, buscamos compreender o sentido e o significado do trabalho para os policiais, sua identidade na organização, a percepção da missão da organização e os fatores que contribuem para a formação do vínculo dos indivíduos entre si e desses com a instituição. Desde a primeira fase da pesquisa qualitativa, da análise histórica, a qualidade do vínculo dos indivíduos entre si, apoiados sobre a confiança mútua e do conjunto dos policiais na liderança da unidade apareceram como fatores explicativos para os resultados, na visão dos entrevistados. Isolamos então o fator confiança e buscamos explicações teóricas para averiguar a possibilidade de tratar confiança como variável explicativa. Em termos macro, nesta primeira fase da pesquisa, realizamos incursões exploratórias, com abordagem indutiva, para compreender o conjunto de variáveis que compunham o quadro em questão. Procedemos da seguinte forma: (a) Buscar compreender o fenômeno da formação e da evolução institucional da unidade pesquisa por método historiográfico (Cadiou, F. (2007).
    Como se faz história: historiografia, método e pesquisa. Rio de Janeiro: Vozes), para visualizar o conjunto de elementos que interagiram no tempo, dando forma à instituição atual. (b) Seguido pela análise de discurso dos membros da instituição que nos permitissem compreender o conjunto de representações por eles criadas para compreender a instituição e sua ação dentro dela. A análise de discurso foi realizada por meio de uma abordagem antropológica, em que buscávamos compreender a teia de significados que estrutura a percepção da realidade (Geertz, C. A. (1989).
    Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC Livros Técnicos e Científicos Editora S.A.; Weber, M. (2000).
    Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora Universidade de Brasília). Reconhecendo, com Weber (2000), que os supostos motivos dos agentes sociais podem ocultar, do próprio agente, o nexo real da sua ação, buscamos o melhor controle da interpretação compreensiva do sentido, reconhecendo que essa só pode ser atingida com precisão relativa.
  • *
    Endereço: Marco Tulio Zanini EBAPE/FGV, Praia de Botafogo, 190, 5º andar, Rio de Janeiro/RJ, 22250-900.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      30 Abr 2012
    • Aceito
      31 Out 2012
    • Revisado
      01 Out 2012
    Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração Av. Pedro Taques, 294,, 87030-008, Maringá/PR, Brasil, Tel. (55 44) 98826-2467 - Curitiba - PR - Brazil
    E-mail: rac@anpad.org.br