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Book-tax differences e gerenciamento de resultados no mercado de ações do Brasil

Book-tax differences y gestión de resultados en el mercado de acciones de Brasil

Book-tax differences and earnings management: evidence in the Brazilian equity market

Resumos

Este estudo verifica a relação entre book-tax differences (BTD) e gerenciamento de resultado em companhias listadas na BM&FBovespa no período de 2005 a 2009. Metodologicamente, foram empregadas duas abordagens: (i) distribuição de frequências e (ii) accruals discricionários - Modelo Jones Modificado. Os achados indicam uma relação diretamente proporcional entre a BTD e os accruals discricionários. Foram identificadas evidências de que as entidades preponderantemente gerenciam seus resultados na mesma direção do sinal observado da BTD, além de buscarem apresentar o montante de BTD em nível e em variação em torno do ponto zero e desta forma evitar sinalizar baixa qualidade do lucro. Adicionalmente, foram encontradas evidências de que o tamanho da firma e a adoção do regime tributário de transição estão relacionados de forma inversamente proporcional ao nível dos accruals discricionários.

Book-tax differences; gerenciamento de resultados; acumulações discricionárias; qualidade do lucro; mercado de capitais


Este estudio verifica la relación entre book-tax differences (BTD) y gestión de resultados en compañías listadas en la BM&FBovespa, en el período de 2005 a 2009. Metodológicamente, fueron empleados dos abordajes: (i) distribución de frecuencias y (ii) accruals discrecionales, Modelo Jones Modificado. Los resultados indican una relación directamente proporcional entre la BTD y los accruals discrecionales. Fueron identificadas evidencias de que las entidades preponderantemente gestionan sus resultados hacia misma dirección de la señal observada de la BTD, además de buscar presentar el monto de BTD en nivel y en variación en torno del punto cero y así evitar señalizar baja calidad del lucro. Adicionalmente, fueron encontradas evidencias de que el tamaño de la empresa y la adopción del régimen tributario de transición están relacionados de forma inversamente proporcional al nivel de los accruals discrecionales.

Book-tax differences; gestión de resultados; acumulaciones discrecionales; calidad del lucro; mercado de capitales


This study aimed to investigate the relationship between book-tax differences (BTD) and earnings management in firms listed on the BM&F Bovespa. The final sample consisted of 485 observations (firm-year) and the analysis included the period from 2005 to 2009. Methodologically, two approaches were employed in this study: (i) frequency distribution and (ii) discretionary accruals - Modified Jones Model. The findings indicate a directly proportional relationship between BTD and discretionary accruals. There was evidence that the firms manage their earnings in the same direction of the observed signal of BTD, and seek to present the amount of BTD in level and variation around the breakeven and thus avoid a relationship with low earnings quality. Additionally, evidence indicate that the size of firm and the adoption of the tax basis transition are inversely related to the level of discretionary accruals.

Book-tax differences; earnings management; discretionary accruals; earnings quality; equity market


ARTIGOS

Book-tax differences e gerenciamento de resultados no mercado de ações do Brasil

Book-tax differences and earnings management: evidence in the Brazilian equity market

Book-tax differences y gestión de resultados en el mercado de acciones de Brasil

Felipe Ramos FerreiraI; Antonio Lopo MartinezII; Fábio Moraes da CostaIII; Renato Rovetta PassamaniIV

IDoutorando em Ciências Contábeis pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis, Fundação Instituto Capixaba de Pesquisas em Contabilidade, Economia e Finanças – Vitória – ES, Brasil, felipe.ramos.ferreira@gmail.com

IIProfessor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis, Fundação Instituto Capixaba de Pesquisas em Contabilidade, Economia e Finanças – Vitória – ES, Brasil, lopo@fucape.br

IIIProfessor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis, Fundação Instituto Capixaba de Pesquisas em Contabilidade, Economia e Finanças – Vitória – ES, Brasil, fabio@fucape.br

IVMestre em Ciencias Contábeis pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis, Fundação Instituto Capixaba de Pesquisas em Contabilidade, Economia e Finanças – Vitória – ES, Brasil, renato.passamani@bol.com.br

RESUMO

Este estudo verifica a relação entre book-tax differences (BTD) e gerenciamento de resultado em companhias listadas na BM&FBovespa no período de 2005 a 2009. Metodologicamente, foram empregadas duas abordagens: (i) distribuição de frequências e (ii) accruals discricionários – Modelo Jones Modificado. Os achados indicam uma relação diretamente proporcional entre a BTD e os accruals discricionários. Foram identificadas evidências de que as entidades preponderantemente gerenciam seus resultados na mesma direção do sinal observado da BTD, além de buscarem apresentar o montante de BTD em nível e em variação em torno do ponto zero e desta forma evitar sinalizar baixa qualidade do lucro. Adicionalmente, foram encontradas evidências de que o tamanho da firma e a adoção do regime tributário de transição estão relacionados de forma inversamente proporcional ao nível dos accruals discricionários.

Palavras-chave:Book-tax differences, gerenciamento de resultados, acumulações discricionárias, qualidade do lucro, mercado de capitais

ABSTRACT

This study aimed to investigate the relationship between book-tax differences (BTD) and earnings management in firms listed on the BM&F Bovespa. The final sample consisted of 485 observations (firm-year) and the analysis included the period from 2005 to 2009. Methodologically, two approaches were employed in this study: (i) frequency distribution and (ii) discretionary accruals – Modified Jones Model. The findings indicate a directly proportional relationship between BTD and discretionary accruals. There was evidence that the firms manage their earnings in the same direction of the observed signal of BTD, and seek to present the amount of BTD in level and variation around the breakeven and thus avoid a relationship with low earnings quality. Additionally, evidence indicate that the size of firm and the adoption of the tax basis transition are inversely related to the level of discretionary accruals.

Keywords: Book-tax differences, earnings management, discretionary accruals, earnings quality, equity market.

RESUMEN

Este estudio verifica la relación entre book-tax differences (BTD) y gestión de resultados en compañías listadas en la BM&FBovespa, en el período de 2005 a 2009. Metodológicamente, fueron empleados dos abordajes: (i) distribución de frecuencias y (ii) accruals discrecionales, Modelo Jones Modificado. Los resultados indican una relación directamente proporcional entre la BTD y los accruals discrecionales. Fueron identificadas evidencias de que las entidades preponderantemente gestionan sus resultados hacia misma dirección de la señal observada de la BTD, además de buscar presentar el monto de BTD en nivel y en variación en torno del punto cero y así evitar señalizar baja calidad del lucro. Adicionalmente, fueron encontradas evidencias de que el tamaño de la empresa y la adopción del régimen tributario de transición están relacionados de forma inversamente proporcional al nivel de los accruals discrecionales.

Palabras clave: Book-tax differences, gestión de resultados, acumulaciones discrecionales, calidad del lucro, mercado de capitales.

INTRODUÇÃO

Dois temas recorrentes na literatura contábil nas últimas décadas são gerenciamento de resultado (earnings management) e a divergência existente entre o lucro contábil e lucro tributável (book-tax differences – BTD). Um dos motivos para a grande quantidade de pesquisas empíricas nestas duas áreas se deve à relevância dos dois tipos de usuários da informação contábil vinculados a cada tema, acionistas e governo (SHACKELFORD e SHEVLIN, 2001; HANLON e HEITZMAN, 2010; GRAHAM, RAEDY e SHACKELFORD, 2012).

O gerenciamento de resultado usualmente está associado a práticas discricionárias adotadas pelo gestor no intuito de manipular a informação contábil em consonância com algum tipo de incentivo econômico, ao passo que a BTD basicamente está relacionada a diferenças existentes entre a norma contábil (GAAP) e a norma tributária (por exemplo: Regulamento do Imposto de Renda).

O Brasil, recentemente, sofreu duas alterações na legislação societária no intuito de aproximar cada vez mais as normas contábeis brasileiras das normas contábeis internacionais. Nesta direção, tanto a Lei n. 11.638/07 como a n. 11.941/09 introduziram uma maior flexibilidade para o reconhecimento, mensuração e evidenciação da informação contábil, bem como uma menor influência dos efeitos tributários sobre a questão societária.

Diante do exposto, o objetivo desta pesquisa é verificar a relação entre BTD e o gerenciamento de resultado nas companhias listadas na BM&F Bovespa. Por hipótese, acredita-se que a BTD pode ser parcialmente explicada por práticas oportunistas das empresas orientadas a gerenciar resultados contábeis. Metodologicamente, foram empregadas duas abordagens no estudo: (i) distribuição de frequências da BTD em nível e em variação e (ii) estimação dos accruals discricionários, ambas as técnicas com o objetivo de identificar a relação entre o gerenciamento de resultado e a BTD. Registre-se, por pertinente, que o Modelo Jones Modificado (DECHOW, SLOAN e SWEENEY, 1995) foi escolhido para estimar as acumulações discricionárias, por ser amplamente utilizado em pesquisas desta natureza (AYERS, JIANG e YEUNG, 2006; PHILLIPS, PINCUS, REGO, 2003; RONEN e YAARI, 2008).

Apesar da existência de uma vasta literatura sobre os temas gerenciamento de resultado e book-tax difference, este estudo oferece novos insights para se entender como as práticas de earnings management estão associadas ao planejamento tributário, que emergem no Brasil com características institucionais muito específicas. Os achados trazem importantes implicações para reguladores, auditores, investidores e demais usuários das informações contábeis. A BTD pode ajudar investidores a estimar e avaliar a qualidade das demonstrações financeiras e as autoridades reguladoras a realizar uma supervisão mais orientada de acordo com o perfil da BTD das firmas.

Para tanto, este artigo é apresentado com base na seguinte estrutura: na próxima secção é apresentado um breve referencial teórico, contemplando os principais achados da literatura sobre gerenciamento de resultado e BTD, seguido da apresentação da metodologia de pesquisa, resultados e conclusões.

QUALIDADE DO LUCRO E GERENCIAMENTO DE RESULTADO

Dechow, Ge e Schrand (2010) realizaram uma vasta revisão na literatura sobre a qualidade do lucro (earnings quality) envolvendo proxies, determinantes e consequências, e propuseram a seguinte definição para o termo: "higher quality earnings provide more information about the features of a firm's financial performance that are relevant to a specific decision made by a specific decision maker".

As referidas autoras destacam três questões fundamentais para o entendimento deste conceito. A primeira delas é que a qualidade do lucro é condicional à relevância da informação nas decisões. A segunda questão é que a qualidade dos lucros reportados depende se eles são informativos sobre a performance financeira da firma, sabendo que muitos aspectos relativos a performance não são observáveis. E por último, a qualidade do lucro é determinada conjuntamente entre a relevância do desempenho financeiro e a habilidade do sistema contábil em mensurar o desempenho (DECHOW, GE e SCHRAND, 2010).

Portanto, a qualidade do lucro está intimamente ligada com o sistema contábil, que por sua vez é responsável por medir o resultado econômico e financeiro da firma. Nos últimos anos, a contabilidade vem buscando um aperfeiçoamento da norma (GAAP) no sentido de prover informações mais úteis para o processo de decisão dos shareholders e stakeholders. Nesta direção, normas mais baseadas em princípios permitem maior flexibilidade ao gestor para que este possa, por meio de julgamentos, avaliar como representar o efeito econômico das transações vivenciadas pela entidade.

Por outro lado, a flexibilidade representa um trade-off para a contabilidade contemporânea, pois ao mesmo tempo em que busca uma melhoria na qualidade da informação contábil permite que o gestor tome decisões que não necessariamente representem a realidade da firma, mas sim uma realidade que ele gostaria que fosse. Desta forma o gestor estaria utilizando de práticas discricionárias para gerenciar o resultado.

O tema gerenciamento de resultado não é novo na área de contabilidade e finanças. Muitas são as pesquisas desenvolvidas a respeito do tema, mas ainda existe uma gama de questões em aberto, dada a sua ampla aplicação no setor de negócios. Não existe um consenso sobre o conceito de gerenciamento de resultado, e como não é o foco desta pesquisa discutir qual a melhor ou mais apropriada definição utilizaremos a proposta por Healy e Wahlen (1999, p. 6):

Earnings management occurs when the managers use judgment in financial reporting and in structuring transactions to alter financial reports to either mislead some stakeholders about the underlying economic performance of the company, or to influence contractual outcomes that depend on reported accounting numbers.

O gerenciamento de resultado surge com maior frequência a partir de um conflito de interesse existente dentro da firma entre gestor e acionista. Para Ronen e Yaari (2008) as evidências sugerem que os objetivos entre estes agentes são diferentes em razão de: (i) os gestores e acionistas terem diferentes acessos a privilégios concedidos pela firma e ao mesmo tempo alguns investimentos da firma e decisões de produção imporem custos apenas sobre os gestores; (ii) o portfólio do gestor inclui um capital humano específico da firma, o qual não pode ser aplicado em ambientes diferentes; e (iii) o horizonte de tomada de decisão do gestor é diferente do horizonte do acionista e da firma.

Apesar de todas as decisões terem que ser aprovadas pelo board, o gestor é o responsável por tais decisões, e desta forma adquire um conhecimento específico da firma superior em relação aos demais usuários, inclusive em relação aos acionistas (RONEN e YAARI, 2008). Portanto, é esperado que o gestor, de maneira oportunista, maximize sua utilidade mesmo que isso resulte em prejudicar a qualidade da informação divulgada. Assim, entende-se que quanto maior o nível de gerenciamento de resultado apresentado pela firma, menor será a qualidade do lucro observada nas demonstrações contábeis (SUNDER, 1997).

O gerenciamento de resultados pode ser realizado de duas formas: decisões contábeis e decisões operacionais (CARDOSO e MARTINEZ, 2009). A primeira está associada desde o processo de identificação dos atos e fatos administrativos até a sua evidenciação, passando por critérios de mensuração, classificação e reconhecimento. Já as decisões operacionais representam o distanciamento das práticas operacionais normais da firma, como por exemplo a concessão de desconto de vendas, mudanças no nível de produção etc.

Muitas pesquisas internacionais (JONES, 1991; DECHOW, SLOAN e SWEENEY, 1995; KANG e SIVARAMAKRISHNAN, 1995; BECKER e outros, 1998; DEFOND e PARK, 2001) e nacionais (MARTINEZ, 2008; ALMEIDA e ALMEIDA, 2009; FERREIRA e outros, 2011; PAULO, CAVALCANTE, MELO, 2012) focam o gerenciamento de resultados por intermédio das decisões contábeis, enquanto poucas focam nas decisões operacionais (ROYCHOWDHURY, 2006; COHEN e ZAROWIN, 2010; GUNNY, 2010; ZANG, 2012; CARDOSO e MARTINEZ, 2009).

BOOK-TAX DIFFERENCES

A diferença existente entre o lucro contábil (book income) e o lucro tributável (taxable income) é usualmente conhecida como book-tax differences. A existência da BTD ocorre em razão de diversos fatores. O mais básico deles é que os sistemas de apuração de lucro seguem diferentes conjuntos de regras, uma vez que seus objetivos não são homogêneos (HANLON e HEITZMAN, 2010).

Enquanto o lucro contábil é calculado com base nos princípios contábeis geralmente aceitos (GAAP), tendo como objetivo principal fornecer ao usuário informação útil para decisões sobre alocação de recurso, o lucro tributável segue os preceitos da legislação tributária e tem por objetivo atender a questões relativas ao governo.

As diferenças geradas podem ser de dois tipos: temporárias ou permanentes. A primeira delas ocorre quando o momento do reconhecimento da receita e/ou da despesa é diferente entre as normas. Por exemplo: o GAAP orienta o reconhecimento no período (t) e a legislação tributária no período (t+1). A ideia é de que em algum momento no futuro esta diferença será anulada e deixará de ser observada. No que tange à diferença permanente, a questão não é o lapso temporal, mas sim o não reconhecimento da receita e/ou da despesa por um dos conjuntos de normas.

Adicionalmente ao fato de que a BTD surge a partir da aplicação imparcial de dois diferentes conjuntos de regras com objetivos distintos, os gestores comumente têm incentivos a aumentar o lucro contábil e reduzir o lucro tributável (WEBER, 2009). Portanto a BTD pode ser composta de dois fatores: (i) diferenças normais provenientes do desalinhamento dos conjuntos de regras contábeis e tributários (NBTD – normal book-tax difference); e (ii) diferenças anormais ocasionadas por práticas discricionárias realizadas pelos gestores (ABTD – abnormal book-tax difference). As BTDs anormais podem ser oriundas de práticas de gerenciamento sobre o lucro contábil e/ou práticas de gerenciamento sobre o lucro tributável. Dado a maior flexibilidade do conjunto de normas do GAAP em relação às normas tributárias, o gestor tem um maior poder discricionário sobre o lucro contábil do que sobre o lucro tributável (MILLS e NEWBERRY, 2001).

Uma vez que o incentivo do gestor consiste em maximizar o lucro contábil e reduzir o lucro tributável, a BTD pode ser vista como uma proxy de qualidade do lucro. Algumas evidências empíricas na literatura internacional sinalizam nesta direção (GRAHAM, RAEDY e SHACKELFORD, 2012).

Hanlon (2005) identificou que firmas com grande magnitude de BTD apresentam uma baixa persistência dos lucros quando comparada com firmas de baixa BTD, sugerindo desta forma que altos valores de BTD estão relacionados à baixa qualidade de lucro. Adicionalmente, Hanlon (2005) encontra evidências na direção de que o mercado atribui uma baixa expectativa na persistência dos lucros para empresas que demonstram elevadas e positivas BTDs, sugerindo que o investidor observa esta informação como uma "red flag" sobre a qualidade do lucro corrente.

Ayers, Laplante e McGuire (2010) realizaram um estudo sobre a interpretação dos analistas de créditos das informações contidas nas diferenças entre lucro contábil e tributável e observaram que grandes variações positivas e/ou negativas resultam em mudanças menos favoráveis de rating, ou seja, variações na BTD sinalizam uma informação negativa para as agências de rating.

Heltzer (2009) investigou se variações na BTD revelam informações sobre o conservadorismo nos relatórios contábeis subdividindo o conservadorismo em condicional (condicionado a um evento econômico) e incondicional (não condicionado a um evento econômico). Os achados indicam que a relação entre BTD e conservadorismo varia de acordo com a magnitude da BTD. Firmas com extremas BTDs positivas (negativas) são menos (mais) propensas a reconhecer oportunamente perdas (ganhos) nos lucros contábeis, e desta forma apresentam uma baixa qualidade de lucro.

Os resultados de Phillips, Pincus e Rego (2003) indicam a existência de uma relação entre o lucro contábil e o lucro tributável com os incentivos para práticas de gerenciamento de resultado. Adicionalmente os referidos autores encontraram evidências que as despesas tributárias diferidas são uma boa proxy na detecção de gerenciamento de resultados e podem ser utilizada como um suplemento para detectar práticas discricionárias na direção de reduzir ou evitar perdas.

Badertscher e outros (2009) examinaram as implicações tributáveis e não tributáveis do gerenciamento de resultado antes do lucro tributável. Para tanto, os referidos autores subdividiram as práticas de gerenciamento em dois tipos: (i) book-tax conforming (BTC) e (ii) book-tax nonconforming (BTN). A BTC evidencia um gerenciamento de resultado que aumenta ou reduz ambos os lucros, contábil e tributável (por exemplo, real earnings management), enquanto a BTN é um gerenciamento de resultado que aumenta ou reduz apenas o lucro contábil, sem qualquer impacto sobre o lucro tributável, aumentando desta forma a book-tax difference. A pesquisa utilizou uma amostra com firmas que tiveram que reajustar seus resultados para menos em razão de terem gerenciado resultado para mais. Os resultados sinalizam que a predominância do gerenciamento de resultado é o book-tax nonconfirming e, desta forma, que a BTD é uma ferramenta útil para a predição de restatements.

Tang e Firth (2011) investigaram se a BTD era relacionada ao gerenciamento de resultados e à gestão tributária no contexto de empresas chinesas. Os resultados indicaram que o gerenciamento de resultados pode explicar parte do montante das BTDs. De acordo com essa pesquisa, o efeito tributário da BTD seria mais poderoso que o efeito no lucro nos relatórios contábeis.

Comprix, Graham e Moore (2011) analisaram se BTDs mensuradas em nível anual ou mensuradas por variações em séries temporais ao longo de cinco anos estão relacionadas com três formas distintas de divergência de opinião entre os participantes de mercado. Os resultados sugerem que BTDs têm uma associação positiva com relação à turnover de ações, dispersão das previsões dos analistas e com a variância dos retornos.

Observa-se um número restrito de pesquisas desenvolvidas com dados brasileiros. Formigoni, Antunes e Paulo (2009) investigaram se o gerenciamento de resultado e/ou o gerenciamento de tributos seriam capazes de explicar a existência da BTD em companhias abertas brasileiras, porém os resultados encontrados foram inconclusivos.

Machado e Nakao (2012) analisaram a utilidade da BTD na identificação do oportunismo existente por parte dos gestores na elaboração das demonstrações financeiras das companhias de capital aberto brasileiras. Os resultados encontrados, para o período de 1994 a 2007, indicam que a média do lucro tributável foi significativamente maior que a média do LAIR, ambos ponderados pelo ativo total.

METODOLOGIA

Esta pesquisa utilizou duas abordagens para detecção de práticas de gerenciamento de resultados: distribuição de frequências e estimação de accruals discricionários.

A distribuição de frequências foi utilizada para avaliar se há uma descontinuidade em torno do target beating, indicando que haveria gerenciamento de resultados para evitar a apresentação de BTD em nível e/ou variação entre períodos.

No que tange à estimação dos accruals, existem várias maneiras apresentadas pela literatura (JONES, 1991; DECHOW, SLOAN e SWEENEY, 1995; KANG e SILVARAMAKRISHNAN, 1995; DEFOND e PARK 2001). Para fins desta pesquisa foi utilizado o modelo Jones Modificado (DECHOW, SLOAN e SWEENEY, 1995), devido à sua ampla aplicação nas pesquisas em contabilidade e finanças (HEALY e WAHLEN, 1999).

Modelo Jones Modificado

O Modelo Jones Modificado (DECHOW, SLOAN e SWEENEY, 1995) utiliza a variação das receitas líquidas e dos valores dos ativos imobilizados, partindo do pressuposto de que as acumulações não discricionárias dependem destas variáveis, que são medidas em função dos ativos totais.

O Modelo Jones Modificado busca medir o total de acumulações discricionárias (correntes e não correntes) utilizando as seguintes variáveis, conforme descreve Dechow, Sloan e Sweeney (1995):

NDAit = αi[1/Ait-1] + β1iREVit - ΔRECit] + β2i[PPEit] + εit (Equação 1), em que:

  • NDAit = acumulações não discricionárias da firma i no ano t;

  • Δ

    REVit = variação receita bruta da firma i entre os anos t e t-1, ponderados pelos ativos totais no final do período t-1;

  • Δ

    RECit = variação das contas a receber (clientes) da firma i entre os anos t e t-1, ponderados pelos ativos totais no final do período t-1;

  • PPEit = imobilizado da firma i no ano t, ponderados pelos ativos totais no final do período t-1;

  • Ait

    -1 = ativo total da firma i no ano t-1;

  • ε

    it = resíduo da regressão para a firma i no ano t;

As estimativas dos parâmetros da Equação 1 αi, β1i e β2i são gerados pelo seguinte modelo:

TAit /Ait-1 = αi[1/Ait-1] + β1i REVit] + β2i [PPEit] + εit (Equação 2), em que:

  • TAit = acumulações totais da firma i no ano t;

  • εit = resíduo da regressão para a firma i no ano t;

  • demais variáveis têm a mesma definição da equação 1.

As acumulações totais são calculadas com base na abordagem do Balanço Patrimonial da seguinte forma:

TAit = [(ΔACit - ΔDispit) – (ΔPCitDivit) – Deprit] / Ait-1 (Equação 3), em que:

  • Δ

    ACit = variação do ativo corrente (circulante) da empresa i no final do período t-1 para o final do período t;

  • Δ

    Dispit = variação das disponibilidades da empresa i no final do período t-1 para o final do período t;

  • Δ

    PCit = variação do passivo corrente (circulante) da empresa i no final do período t-1 para o final do período t;

  • Δ

    Divit = variação dos financiamentos e empréstimos de curto prazo da empresa i no final do período t-1 para o final do período t;

  • Deprit = montante das despesas com depreciação e amortização da empresa i durante o período t.

  • Ait

    -1 = ativo total da firma i no ano t-1;

Os accruals discricionários terão como base de cálculo a diferença entre os totais e os não discricionários, conforme relata Jones (1991, p. 207).

DeAngelo (1986) usou as acumulações totais de um período anterior (t – k) como uma medida de acumulações totais "normais". Ela define a acumulação "anormal" (ΔTA) como a diferença entre a acumulação total corrente e a acumulação total normal, que, por sua vez, pode ser segregada em discricionária e não discricionária:

TAt = NDAt + DAt (Equação 4), em que:

  • DAt = acumulações discricionárias da empresa no período t;

  • demais variáveis têm a mesma definição das equações 1, 2 e 3.

População e amostra

O espaço temporal contemplado nesta pesquisa foram os exercícios sociais de 2005 a 2009, perfazendo um total de cinco exercícios sociais (informações anuais). Cabe salientar que o exercício social encerrado em 31 de dezembro de 2004 foi utilizado como base de cálculo de variações e serviu de referência para algumas variáveis contempladas no modelo (por exemplo: Ativo Total no período t-1) em relação ao ano de 2005.

O processo de seleção abrangeu inicialmente as empresas de capital aberto brasileiras que atendem pelo menos uma das regras apresentadas abaixo:

  • Ser uma empresa membro do IBX100.

  • Estar entre as duzentas (200) maiores empresas em volume de vendas em qualquer um dos anos entre 2004 e 2009, conforme informações divulgadas pela Revista

    Exame.

Após a primeira seleção, foram excluídas as empresas do setor financeiro e as empresas cujas demonstrações financeiras não foram disponibilizadas para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Urge registrar que tais critérios de exclusão são usuais na literatura internacional e no Brasil.

Como técnica de coleta de dados foram avaliadas as informações contidas no Sistema de Divulgação Externa ITR/DFP/IAN (DIVEXT) disponível no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Os dados observados foram os contidos no Balanço Patrimonial, Demonstração do Resultado do Exercício, Notas Explicativas, dentre outros.

As informações contábeis das empresas foram filtradas pelo tipo de Demonstração Consolidada, e caso essas informações não estivessem disponíveis, utilizaram-se dados da controladora.

No que tange especificamente às informações necessárias para a formação do banco de dados, formalizam-se os seguintes parâmetros no Quadro 1:


Após a seleção inicial e alguns ajustes, conforme demonstrado anteriormente, foram analisadas 118 empresas no período de 5 anos, totalizando 485 observações empresas-ano, uma média de 4,11 observações por empresa. Conforme observado no Painel B da Tabela 1, a distribuição da amostra por período é relativamente homogênea. O ano com maior número de observações é o ano de 2009, enquanto o ano com menos observações é o de 2005. A maioria das empresas (64%) apresenta informação para todos os períodos analisados, ao passo que apenas 7% da amostra refere-se a empresas com uma observação. Desta forma, o viés nos resultados que poderia ser gerado por uma amostra não homogênea em relação ao período analisado, bem como pela quantidade de observações por empresas, foi controlado.

Hipóteses de pesquisa

Hipótese 1

As empresas gerenciam resultados para aproximar a BTD em nível e em variação do ponto zero.

Supõe-se que as empresas gerenciam resultados para aproximar a BTD em nível e/ou em variação do ponto zero. Mudanças elevadas na diferença entre o lucro contábil e o lucro tributável sinalizam uma baixa qualidade do lucro, e desta forma tais empresas poderiam receber algum tipo de penalização por parte do mercado (HANLON, 2005; AYERS, LAPLANTE e MCGUIRE, 2010; HELTZER, 2009).

Para testar esta hipótese foi utilizada a abordagem de análise de distribuição de frequências, com objetivo de examinar o comportamento estatístico da distribuição entrecruzada (cross-sectional) em torno do ponto zero. Tal metodologia, apesar de suas limitações conclusivas, é largamente utilizada em pesquisa na área de earnings management (BURGSTAHLER e DICHEV, 1997; DEGEROGE, PATEL e ZECKHAISER, 1999; PILCHER e ZAHN, 2008).

Hipótese 2

A diferença entre o lucro contábil e o lucro tributável (BTD) possui relação com o nível de gerenciamento de resultado.

Supõe-se que a diferença entre o lucro contábil e o lucro tributável (BTD) possui relação com o nível de gerenciamento de resultado. A BTD pode ser composta de dois fatores: (i) diferenças normais provenientes do desalinhamento dos conjuntos de regras contábeis e tributários (NBTD – normal book-tax difference) e (ii) diferenças anormais ocasionadas por práticas discricionárias realizadas pelos gestores (ABTD – abnormal book-tax difference). As BTDs anormais podem ser oriundas de práticas de gerenciamento sobre o lucro contábil e/ou práticas de gerenciamento sobre o lucro tributável.

Com base em Mills e Newberry (2001) assumimos que o gestor tem um maior poder discricionário sobre o lucro contábil do que sobre o lucro tributável, dada a maior flexibilidade do conjunto de normas do GAAP em relação às normas tributárias. Portanto, existiria uma maior propensão ao gerenciamento ser realizado sobre o lucro contábil. Adicionalmente assumimos por hipótese que o gerenciamento do lucro tributável por escolhas contábeis constituiria fraude fiscal, e desta forma não seria observado.

Com o intuito de testar a hipótese 2, bem como de verificar a relação entre os accruals discricionários e as variáveis de controle, foi realizada uma análise com base no modelo geral para detecção de gerenciamento de resultados contábeis proposto por McNichols e Wilson (1988, p.5):

DAit = α + β[PARTit] + εit (Equação 5), em que:

  • DAit =

    accruals discricionários reais da empresa i no período t.

  • PARTit = conjunto de variáveis particionadas que capturam os fatores que presumidamente motiva o gerenciamento do

    accruals na empresa i no período t.

  • ε

    it = resíduo da regressão para a firma i no ano t;

Hipótese 3

As empresas com BTD positiva (negativa) estão preponderantemente gerenciando o resultado contábil para mais (menos).

Supõe-se que as empresas com BTD positiva (negativa) estão preponderantemente gerenciando o resultado contábil para mais (menos), uma vez que o gestor estaria aumentado a distância entre o lucro contábil e o lucro tributável. Conforme mencionado anteriormente, assumimos por hipótese que o gerenciamento do lucro tributável por escolhas contábeis constituiria fraude fiscal, e desta forma não seria observado. Assim, assumimos que o distanciamento do lucro contábil em relação ao lucro contábil para mais ou para menos seria alcançado via prática de gerenciamento de resultado, inflando ou deflacionando o lucro contábil na mesma direção.

Para testar a hipótese 3 foram utilizados grupos de controle para analisar o sinal dos accruals discricionários.

RESULTADOS

Inicialmente são demonstradas as estatísticas descritivas da variável Book-Tax Difference em nível (BTD) e em variação (ΔBTD), ambas ponderadas pelo Ativo Total no período t-1. Pode-se observar na Tabela 2 que estas variáveis, de acordo com o teste de Jarque-Bera, não seguem uma distribuição normal ao nível de significância de 0,01.

Os Gráficos 1 e 2 apresentam os histogramas com a distribuição de frequência das variáveis BTD e ΔBTD. Pode-se observar que a distribuição concentra-se em torno do ponto zero entre o intervalo –0.05 e 0.05. De acordo com Burgstahler e Dichev (1997), é esperado que os resultados apresentem uma distribuição normal. Desta forma pode-se intuitivamente concluir que existem evidências de um comportamento discricionário para não apresentar resultados de BTD, bem como de ΔBTD elevados, corroborando inclusive com evidências empíricas anteriores (HANLON, 2005; AYERS, LAPLANTE e MCGUIRE, 2010; HELTZER, 2009).



A análise descritiva das variáveis sugeridas do Modelo Jones Modificado é apresentada no Painel A da Tabela 3. A regressão para estimar os accruals discricionários foi realizada com base na abordagem cross-sectional. Os coeficientes gerados pela regressão (Equação 2) são apresentados no Painel B do Tabela 3. As variáveis 1/Ait-1, ΔREVit e PPEit apresentaram significância estatística ao nível de 0,01. Apenas a constante do modelo não demonstrou ser significativamente diferente de zero.

O modelo estimado apresenta limitações de heterocedasticidade, autocorrelação serial e de não normalidade dos resíduos. Cumpre destacar que com base no Teorema Central do Limite os estimadores do método de Mínimos Quadrados Ordinários satisfazem a normalidade assintótica, ou seja, em amostras suficientemente grandes eles se aproximam de uma distribuição normal (WOOLDRIDGE, 2005). Portanto, apesar de teste específico, o pressuposto de normalidade é relaxado no que tange aos parâmetros do modelo, pois seus coeficientes estimados são consistentes e não viesados assintoticamente, ainda que sob a presença de heterocedasticidade e autocorrelação (FORMIGONI, ANTUNES e PAULO, 2009).

No caso específico da hipótese 2, o objetivo é verificar se a BTD possui relação com o nível dos accruals discricionários, independente se para mais ou para menos. Portanto, optou-se por trabalhar com o valor absoluto dos accruals discricionários e da BTD. Adicionalmente foram aplicados controles do tipo: (i) alteração na norma contábil, proveniente da Lei n. 11.638/07; (ii) opção pelo regime tributário de transição; (iii) apuração de prejuízo fiscal no ano corrente; e (iv) tamanho da firma por meio do logaritmo natural do ativo.

DA (ABS) = α + β1[BTD_ABS] + β2[ANO] + β3[RTT]+ β4[NOL]+ β5[LN_AT]

  • DA (ABS) =

    accruals discricionários na forma absoluta;

  • BTD_ABS = diferença entre o lucro contábil e o lucro tributável (BTD) na forma absoluta;

  • ANO = variável

    dummy (1 = ano posterior à Lei n. 11.638/07, se não = 0);

  • RTT = variável

    dummy (1 = Regime Tributário de Transição, se não = 0);

  • NOL = variável

    dummy (1 = Prejuízo Fiscal no ano corrente, se não = 0);

  • LN_AT = logaritmo natural da variável ativo total;

De acordo com o Painel B da Tabela 4 é possível observar que as variáveis BTD_ABS e LN_AT apresentam-se estatisticamente significante ao nível de 0,05 e a variável RTT estatisticamente significante ao nível de 0,10, para explicar os accruals discricionários na forma absoluta. Desta forma, a hipótese 2 de que as diferenças entre o lucro contábil e o lucro tributável (BTD) possui relação com o nível de gerenciamento de resultado foi validada. O sinal positivo do coeficiente da variável BTD_ABS indica que quanto maior o nível absoluto de BTD maior será o montante na forma absoluta das acumulações discricionárias. No que tange ao tamanho da firma, controlado pela variável LN_AT, foram encontradas evidências da existência de uma relação inversamente proporcional aos accruals totais, ou seja, que quanto maior o tamanho da firma menor o nível de práticas discricionárias sobre o lucro da firma. Algumas justificativas podem ser sugeridas para tal evidência, como melhores níveis de ferramentas de governança coorporativa, auditoria, monitoramento etc, porém não faz parte do escopo desta pesquisa identificar quais os reais motivos para tal evidência. Quanto às firmas que adotaram o regime tributário de transição, concluímos que, com base no sinal negativo do coeficiente estimado, gerenciam menos o resultado do que as que não adotaram tal regime.

As demais variáveis testadas neste trabalho não explicam a variável DA (ABS). Portanto, não foram encontrada evidências de que a adoção da Lei n. 11.638/07 tenha influenciado o nível das acumulações discricionárias no período estudado. Da mesma forma não foram encontradas evidências de que a apuração de um prejuízo fiscal no ano corrente tenha influenciado a utilização de práticas discricionárias por parte dos gestores.

Para testar a hipótese 3 de que as empresas com BTD positiva (negativa) estão preponderantemente gerenciando o resultado contábil para mais (menos), a amostra foi segregada em dois grupos de acordo com o sinal da BTD ponderada pelo ativo total no período t-1. Para segregação da amostra nestes dois grupos foi utilizada uma variável dummy denominada S_BTD (em que: 0 = BTD com sinal negativo e 1 = BTD com sinal positivo).

Pode-se observar que no grupo BTD (positiva) o predomínio dos accruals discricionários foi de sinal positivo, ou seja, a maior quantidade de empresas utilizou práticas de gerenciamento para inflar seus lucros. Tais resultados estão relacionados à hipótese 3, corroborando que o sinal da BTD e dos accruals discricionários seguem preponderantemente na mesma direção. A mesma evidência é encontrada quando analisadas as empresas com BTD (negativa), as quais apresentaram accruals discricionários preponderantemente e em média negativos.

CONCLUSÃO

Este trabalho buscou evidências de associação entre práticas de gerenciamento de resultados e a diferença entre o lucro contábil e lucro tributável (BTD). Foi possível diagnosticar que as companhias de capital aberto brasileiras buscam apresentar o montante de BTD em nível e em variação em torno do ponto zero e desta forma evitar algum tipo de penalização por parte do mercado, dado que elevados valores e oscilações da BTD estão associados à baixa qualidade do lucro.

Em relação ao nível de gerenciamento de resultado com o montante da BTD foi identificada uma relação diretamente proporcional, ou seja, quanto maior o valor da BTD em termos absolutos, maior o valor dos accruals discricionários. Este resultado sugere que a BTD pode servir de suplemento para detectar práticas discricionárias utilizadas pelos gestores. Adicionalmente foram encontradas evidências de que o tamanho da firma e a adoção do regime tributário de transição estão inversamente proporcionais relacionadas ao nível das acumulações discricionárias.

No que tange à mudança proporcionada pela promulgação da Lei n. 11.638/07, a qual trouxe uma maior flexibilidade para mensuração das variações patrimoniais, não foi identificada relação desta com os accruals discricionários. O estudo também não identificou associação entre a apuração de prejuízos fiscais no ano corrente com práticas de gerenciamento de resultado.

A análise dos dados com base nos grupos de empresa com BTD (positiva) e BTD (negativa) forneceu evidências de que as entidades preponderantemente gerenciam seus resultados na mesma direção do sinal observado da BTD.

Os dados permitiram expandir os achados empíricos sobre práticas de gerenciamento de resultados e BTD. Em relação à literatura internacional, este estudo pode ser visto como complementar, uma vez que reafirmou a maioria das evidências encontradas em ambientes externos, ao passo que do ponto de vista da literatura nacional este trabalho tem relevância significativa, pois pesquisas empíricas contemplando dados brasileiros até o momento da realização deste estudo eram escassas e apresentavam resultados inconclusivos.

Cumpre informar que os achados deste trabalho restringem-se às entidades pesquisadas, bem como ao intervalo temporal objeto desta pesquisa. Adicionalmente, este estudo apresenta limitações referentes ao modelo estatístico utilizado.

Por se tratar de uma literatura relativamente recente no Brasil, sugere-se um aprofundamento do tema, por meio de pesquisas futuras, de questões não contempladas neste trabalho. Uma análise cross-country (segregando países code law e common law) permitiria evidenciar se a relação entre BTD e earnings management segue em linha com os resultados evidenciados no mercado brasileiro ou se apresenta diferentes níveis, bem como se está relacionada a diferentes tipos de incentivos. Adicionalmente, seria de grande relevância estudos que explorassem não só o impacto do gerenciamento de resultado no mercado acionário (por exemplo, efeito no preço da ação, bem como volume de negócios), mas também a resposta do investidor a diferentes níveis de BTD. Por fim , a extensão do espaço temporal, bem como a aplicação de novos modelos econométricos seriam interessantes no intuito de aumentar a robustez dos achados.

NOTA DA REDAÇÃO

Este artigo foi apresentado no XXXV Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (EnANPAD) realizado em 2011 e convidado a participar do processo de avaliação double blind review da RAE pela Diretoria da ANPAD.

Recebido em 16.11.2011. Aprovado em 24.08.2012

Avaliado pelo sistema double blind review

Editor Científico: José Alonso Borba

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Out 2012
  • Data do Fascículo
    Out 2012

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2011
  • Aceito
    24 Ago 2012
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