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Pequena empresa na agricultura: família e processo de trabalho

ARTIGO

Pequena empresa na agricultura: família e processo de trabalho* * Versão preliminar e parcialmente modificada deste texto foi apresentada no seminário "Mulher, Agricultura e Modernização no Meio Rural Latino-americano", organizado pelo Equity Policy Center de Washington e Fundação Carlos Chagas de São Paulo, ocorrido em Atibaia, São Paulo, set./1983.

Maria Rita Garcia Loureiro

Professora no Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração (FSJ) da EAESP/FGV

É freqüente na literatura atual sobre a agricultura brasileira e mesmo em outros países, como EUA, França etc, destacar-se a predominância estatística dos chamados produtores familiares.1 1 Ver citações no artigo de minha autoria: Controle do processo de trabalho na agricultura. RAE, 21 (3): 29-34, jul./set. 1981. Esclareço que algumas das idéias agora desenvolvidas foram esboçadas neste artigo anterior. Há, porém, mudanças substanciais para o conjunto das análises. Identificando-os, de imediato, como produtores não capitalistas - sejam eles definidos como camponeses ou como produtores simples de mercadorias, os diversos autores preocupam-se em seus estudos em explicar as razões de sua presença na agricultura moderna. Assim, falam em "inviabilidade do capitalismo na agricultura, onde não se consegue realizar o lucro médio nem tampouco a renda da terra", "produto anômalo do capitalismo, mas necessário para a sua acumulação" etc.2 2 Na bibliografia estrangeira, os principais autores desta interpretação são Amin e Vergopoulos (s.d.) No Brasil, Martins (1975 e 1981), Queiroz (1973), Santos (1978),Garcia Jr. (s. d.) e outros definem os produtores familiares como camponeses. Singer (1981) e Nakano (1981) falam por sua vez em produtores simples de mercadoria.

Ora, os levantamentos empíricos que serviram de base para o presente trabalho3 3 A referência empírica deste estudo é o setor agrícola da hortifruticultura em São Paulo, onde predominam os produtores familiares, sendo que os dados foram coletados no município de Piedade, localizado no chamado cinturão verde, à distância aproximada de lOOkm da capital, próximo a Sorocaba. Cabe lembrar que a hortifruticultura em São Paulo é um setor agrícola onde o trabalho familiar se dá junto com um processo de desenvolvimento capitalista em nível já bastante acentuado, tanto em termos tecnológicos como em termos da expansão do valor aí gerado. Eis alguns indicadores. Conforme dados do IBGE, enquanto o número de tratores no conjunto da agricultura paulista cresceu entre 1970 e 1975 craca de 37% nas principais regiões hortifruticultoras (Paranapiacaba e Campos de Itapetininga) este crescimento foi superior a 50% no mesmo período. No município de Piedade, por exemplo, o índice de crescimento da área irrigada entre 1960 e 1975 foi de 2.661, enquanto que em São Paulo, como um todo, foi de apenas 267. Em termos da expansão do valor gerado, basta citar que de 1970 a 1975, isto é, em apenas cinco anos, o valor real da produção, por exemplo, de cebola, em São Paulo, cresceu 365%. mostram que os produtores aparentemente caracterizados como familiares são, quando analisados mais profundamente, bastante diferenciados internamente. Há entre eles produtores que podem ser definidos como pequenos ou até médios capitalistas, cujo processo de produção lhes permite realizar a reprodução ampliada de seu capital (tanto em termos de dinheiro, como de novos meios de produção, como máquinas e equipamentos agrícolas modernos). E, o que é importante, operando o processo de produção não só através de assalariados, mas também através de trabalhadores familiares. Por outro lado, há igualmente produtores para os quais o resultado do processo produtivo de mercadorias mal permite sua reprodução física e social, devendo freqüentemente aliar sua condição de produtor àquela de trabalhador assalariado, isto é, produtores em nítido processo de proletarização.

Para reforçar estas observações, vale citar o trabalho de Sérgio Silva (1982), onde se constata, através de tabulações especiais do Censo Econômico de 1975, que 2,2 milhões de estabelecimentos agrícolas no Brasil, ou seja, 44,21% do total, apresentam um valor médio de produção inferior a meio salário mínimo anual (Cr$ 5.770,00, na época) e 63% deles têm uma renda média anual inferior a dois salários mínimos. Isso significa que a maioria da população de grande parte das unidades produtivas agrícolas, para sobreviver, tem que procurar trabalho fora, como assalariada. Como o mercado de trabalho, especialmente nos estados do Nordeste, é muito fraco, a maioria dos trabalhadores vivem na mais completa miséria, subocupados e marginalizados de economia capitalista nacional. Portanto, a grande maioria dos chamados estabelecimentos agropecuários brasileiros (mais de 60%) esconde uma massa de trabalhadores assalariados subocupados e não contém, como se poderia pensar, uma categoria propriamente dita de produtores rurais.

Por outro lado, mesmo o restante dos estabelecimentos tem uma renda anual não muito elevada. Conforme dados do mesmo autor, "36% da produção agropecuária no Brasil é realizada por 1.600 mil estabelecimentos, que declararam um valor da produção inferior a 18 salários mínimos, e 26% da produção é realizada por 170 mil estabelecimentos médios, com valor da produção entre 18 e 100 salários mínimos" (p. 11-2).

Estas informações reforçam a concepção implícita ao presente trabalho de que a agricultura no Brasil, como em outros países, é, na etapa atual do capitalismo monopolista, um locus de atuação predominantemente do pequeno capital e não do grande capital monopolista. Este atua em torno da atividade produtiva agrícola, nos setores da agroindústria, da comercialização e do financiamento agrícola. E, ainda, como é muito freqüente no país, como capital fundiário, adquirindo enormes extensões de terra conservadas praticamente inexploradas e funcionando apenas como reserva de valor.

Portanto, devo esclarecer que as análises a seguir acerca do papel da família no controle do processo de trabalho referem-se ao primeiro grupo de produtores familiares indicado anteriormente, qual seja, aquele constituído de pequenos e médios capitalistas ou então de camponeses em trajetória de transição para a condição de pequeno-burgueses.

Qual o caráter do trabalho denominado familiar? Na realidade, não se trata de trabalho definido pela família como a denominação faz crer (inclusive aquela de produtores camponeses), mas, ao contrário, é trabalho acionado pelo capital, isto é, pela produção capitalista de mercadorias. Em outras palavras, não são as demandas internas de consumo de um determinado grupo definido como família, ligado ideologicamente por laços de sangue (pais e filhos) e de aliança (marido e mulher) que orientam o processo de produção em termos, por exemplo, do que produzir, em que quantidades, que ritmo imprimir ao processo de trabalho etc. (como ocorria em unidades domésticas de economias fechadas ou semifechadas). Ao contrário, no âmbito empírico analisado, o trabalho dito familiar raramente ocorre nos estritos limites dos membros da família, mas pode-se dar reunindo apenas parte deles (e enviando outros para trabalhos assalariados fora), ou então reunindo junto com os membros ativos da família trabalhadores assalariados de fora. E, ainda, reunindo várias famílias conjugais em torno de uma mesma unidade produtiva. Portanto, a definição por uma destas alternativas não é dada pela família, mas por determinações que estão fora dela, isto é, no movimento de produção de mercadorias, tendo em vista a valorização do capital.

Por outro lado, a própria definição de membros ativos da família (em termos de quantidade, das características de seus componentes por sexo, idade etc.) é orientada pela lógica da produção de mercadorias e pelas dimensões do capital investido. Assim, o trabalho das mulheres pode-se restringir às tarefas domésticas e cuidado da prole se a unidade produtiva for acionada por um capital relativamente grande, capaz de comprar trabalho assalariado quando tiver necessidade e se expandir, prescindindo do trabalho delas; o mesmo ocorre com as crianças de até 10-12 anos, que podem então escolarizar-se. Ao contrário, nas unidades produtivas em que o processo de produção de mercadorias se faz através de um capital muito débil, isto é, pequeno e com condições de acumulação oscilantes, as mulheres e mesmo as crianças passam a ser consideradas membros ativos da família, sendo seu trabalho dentro da unidade produtiva ou mesmo fora, como assalariadas, imprescindível para a reprodução de todos os membros. Passam, então, as mulheres a sobrecarregar o trabalho doméstico com o agrícola e as crianças, no limite, a abandonar mais cedo a escola, ingressando na população economicamente ativa.

Aprofundando a análise do trabalho familiar, é interessante refletir sobre a própria denominação censitária, "responsável e membro não remunerado da família". Esta indica a existência de duas categorias de agentes na produção chamada familiar;

a) produtor responsável, geralmente o pai ou chefe da família;

b) os trabalhadores, membros não remunerados da família, isto é, filhos, esposa e eventualmente outros.

Portanto, há que se estabelecer a relação existente entre eles. Existe, de fato, uma coletividade de trabalhadores, ligados pela cooperação, ajuda mútua e.apropriação comum dos resultados deste trabalho, como a ideologia faz crer? Ou a relação existente entre eles é de outra natureza, incluindo até vínculos de exploração?

Tomemos a expressão "não remunerados". Por que estes trabalhadores, inseridos numa economia mercantil, não são remunerados? Porque são membros da família, "tudo é uma coisa só", exprimem-se alguns entrevistados. Em outras palavras, não são remunerados com salários (ou equivalente) porque & família remunera. Como? Através do fornecimento de meios de vida de que o trabalhador necessita para sobreviver, como todo trabalhador em qualquer sociedade. Entretanto, como estão inseridos numa produção de mercadoria, estes trabalhadores tém acesso aos meios de vida, através da família, que em grande parte os adquire no mercado, isto é, estabelecendo, portanto, um valor a eles correspondente. A questão que se coloca aqui é saber se a remuneração que a família faz ao trabalhador "familar" se dá no limite de sua reprodução ou, ao contrário, corresponde à totalidade do valor gerado por eles. Em outras palavras, o trabalhador membro da família apropria-se apenas de parte do valor necessário para a sua reprodução, configurando-se, portanto, como mero trabalhador, ou apropria-se de um excedente acumulável que lhe permita reproduzir-se como produtor e inclusive, em nível ampliado, como produtor capitalista?

Essas alternativas se definem em cada unidade produtiva em função do processo de transmissão do patrimônio entre os membros da família e, o que é mais importante, do caráter mais ou menos débil da unidade produtiva (debilidade essa definida basicamente pelo montante de capital investido). Assim, nas unidades produtivas em decadência, onde os produtores estão em trajetória de proletarização, o trabalho do produtor e dos membros ativos de sua família, dada a condição de ausência de capital e de minifúndio, configura-se apenas como meio de gerar seus bens de consumo, não permitindo a nenhum deles reproduzir-se como produtor.

Nas unidades produtivas em processo de acumulação, onde os produtores estão-se definindo como pequenos capitalistas, deve-se marcar que essa definição não ocorre necessariamente para todos os indivíduos que se constituíram como membros ativos delas, mas para um e, mais raramente, para mais de um deles. Isso porque as dimensões reduzidas não só de terra, mas sobretudo de capital, impossibilitam ou dificultam a reprodução de todos os filhos como produtores. Grande parte deles vai para trabalhos assalariados urbanos ou no próprio meio rural, havendo aí a possibilidade ainda de acesso à condição de produtor através da parceria. Os critérios que definem a exclusão da maior parte dos membros são de ordem pessoal (por exemplo, ausência de iniciativa, capacidade empreendedora etc) , mas, sobretudo, cultural: de modo geral, todas as filhas e os filhos mais velhos, cabendo ao filho caçula a condição privilegiada de reproduzir-se como produtor, comprando freqüentemente a preços simbólicos e, às vezes, nem isso, a parte correspondente dos irmãos na herança da terra (sem incluir, por exemplo, o preço das benfeitorias, dos equipamentos agrícolas etc.4 4 Deve-se lembrar aqui que a transmissão do patrimônio para apenas o filho mais novo (situação esta conhecida juridicamente como minorato) já foi encontrada entre os descendentes de italianos, estabelecidos no Rio Grande do Sul, desde o século passado, e que hoje são pequenos produtores de uva. Ver a respeito o estudo de Santos (1978). Sobre os mecanismos de herança da terra entre pequenos produtores em Minas Gerais, ver o trabalho de Moura (1978). Exemplifiquemos com uma situação concreta.

O caso do Sr. Lício é ilustrativo. Ele mora, assim como outro irmão também casado e suas respectivas famílias, em casas construídas no terreno de propriedade do pai. Como esta terra é pequena (12ha) para que todos a cultivem, e não tendo capital suficiente, o Sr. Lício, como também seu irmão, sempre produziu como parceiro. Durante 10 anos, plantou cebola, mas, como "nunca ganhou dinheiro", passou há uns sete anos a plantar mandioquinha, com que "não ganha muito, mas também não perde". Além do trabalho como parceiro, ele e o filho trabalham cerca de três dias por semana como assalariados. Suas irmãs, com o casamento, saíram da unidade produtiva do pai. Apenas seu irmão mais novo, ainda solteiro, usa a propriedade do pai, produzindo mercadorias agrícolas através de trabalho próprio e de assalariados, percorrendo trajetória claramente ascensional. Portanto, a propriedade territorial do pai do Sr. Lício constituiu-se como meio de produção para apenas um dos filhos, enquanto que para alguns (os filhos mais velhos) constituiu-se somente como lote onde construir a casa (o chamado "lote de morada") e para outros (as filhas) nem isso. Assim, também o capital investido, pelas suas dimensões reduzidas, permitiu que o excedente gerado pelo trabalho do pai, da mãe e de todos os filhos, durante os vários anos de duração da unidade produtiva, se configurasse como capital para apenas um deles, o filho mais novo. Isso, mesmo antes da morte do pai e da transmissão jurídica do patrimônio. Quanto aos demais membros, a parcela do valor de que se apropriaram permitiu-lhes tão-somente reproduzir suas condições de vida como trabalhadores, configurando-se, para eles, a relação de trabalho familiar como uma relação de exploração. Não importa, para esses trabalhadores, e do ponto de vista que me interessa analisar aqui, se a taxa de exploração foi baixa, já que o capital que os explorava era débil, não podendo, por exemplo, potencializar ao máximo sua capacidade de trabalho e gerar excedente maior. O que deve ser retido é a existência de relações de exploração no trabalho, mesmo quando os vínculos do parentesco possam dificultar sua percepção.5 5 Mas nem sempre a ideologia, isto é, a idéia de "família" é tão forte que permite "cimentar" consistentemente as relações destes indivíduos no trabalho. Ao contrário, há momentos de fissura, quando então se vé com clareza a exploração, como revela o depoimento desta jovem que alterna o trabalho de assalariada com aquele na unidade produtiva do pai: "Bem que eu queria trabalhar só de camarada 'prá ganha' um dinheiro que é meu, mas não posso porque tenho que 'trabalha' também 'prô' meu pai..."

Nas unidades produtivas mais sólidas, acionadas por montantes mais elevados de capital, há possibilidade de que todos os membros da família do capitalista se reproduzam enquanto tal, isto é, o trabalho de comando e mesmo o trabalho produtivo direto (potencializado por máquinas e equipamentos modernos) que eles eventualmente possam executar configura-se como meio de acumulação de capital e não apenas como meio de sobrevivência.6 6 É também relativamente freqüente a reprodução de membros da família de produtores capitalistas como trabalhadores urbanos autónomos ou ainda assalariados de nível superior.

Se o trabalho chamado familiar pode-se constituir como trabalho que permite a seu portador reproduzir apenas seus meios de vida, é correto definir este trabalhador como um assalariado disfarçado? Do meu ponto de vista, não. Embora o trabalho como membro da família do produtor represente freqüentemente para a maioria dos trabalhadores, como tentei mostrar, a mera reprodução de sua condição de trabalhador, ele não pode ser identificado como trabalho assalariado. Ser trabalhador da família é muito distinto de ser trabalhador "de fora" ou assalariado. Ser trabalhador da família é trabalhar comprometido com a produção, é ter interesse nos seus resultados, é "fazer o trabalho bem feito, "é trabalhar com vontade, porque se trabalha no que é da gente". Trata-se, portanto, de uma situação com componentes ideológicos (simbólicos) que produzem resultados materiais concretos: maior produtividade econômica. E isso qualquer produtor sabe muito bem: não se pode igualar trabalhos cujos rendimentos são desiguais.

Este parece-me ser o aspecto fundamental a ser retido: o trabalho acionado por indivíduos ligados por vínculos ideológicos de parentesco tem efeitos materiais concretos: eleva a produtividade em relação àquela alcançada, nas mesmas condições de execução, pelo trabalho assalariado.

Pensando em termos mais amplos, nos setores produtivos onde o desenvolvimento da produção capitalista ainda não alcançou um patamar elevado de controle do processo de trabalho que permita níveis satisfatórios de produtividade para o capital (isto é, condizentes com as taxas de mais-valia vigorantes em média no mercado), o trabalho executado por membros da família do produtor que exercem autocontrole sobre sua atividade aparece como forma mais adequada em relação ao trabalho assalariado.7 7 Do meu ponto de vista, é apenas nesta etapa de desenvolvimento ainda retardatário com relação ao modo de produzir (relações técnicas de produção) que se pode falar em "superioridade técnica" da produção familiar em relação à produção acionada pelo trabalho assalariado.

Ora, em grande parte do setor agrícola, o modo de produzir do ponto de vista técnico não foi ainda revolucionado pelo capital,8 8 Ver Marx. El Capital. 3. ed. Buenos Aires, Siglo Vientiuno, 1974, Livro 1, cap. 34 (inédito). não se conseguindo adotar ainda técnicas capazes de controlar inteiramente o trabalho, como ocorre na indústria com a introdução, por exemplo, da linha de montagem, da esteira rolante etc.9 9 As observações de Mollard (1978) a esse respeito são interessantes: "A indústria capitalista não pode moldar inteiramente a agricultura à sua imagem, devido às especificidades da produção agrícola e isto é o que fundamenta os itinerários particulares da agricultura. Ora, estes itinerários particulares têm sua origem, de um lado. na própria especificidade da gestão dos recursos naturais, no estado atual das técnicas. Assim, a agricultura é grande consumidora de espaço, o que lhe confere numerosas particularidades, notadamente o deslocamento das máquinas sobre o suporte da produção, enquanto na indústria a maioria dos postes das máquinas são fixos e as matérias-primas móveis. É igualmente evidente que os processos biológicos mobilizados apresentam seus limites (aqueles do próprio ciclo biológico) e que estes especificam fortemente o processo de trabalho e de produção (...) " (p. 22).

No setor da hortifruticultura, que estou analisando, a presença do trabalho familiar está relacionada com a incapacidade do capital de instaurar aí o controle "taylorista"10 10 Segundo Braverman (1980), "Taylor elevou o conceito de controle a um plano inteiramente novo quando asseverou como uma necessidade absoluta para a gerência adequada a imposição ao trabalhador de uma maneira rigorosa pela qual o trabalho deve ser executado. Para ele, "a gerência só podia ser um empreendimento limitado e frustrado se deixasse ao trabalhador qualquer decisão sobre o trabalho" (p. 86). do trabalho, retendo o trabalhador as decisões de como operar o trabalho. Como se trata de culturas que exigem cuidados verdadeiramente artesanais, o modo de efetuar cada operação é fundamental para se alcançar determinados níveis de produtividade. Depende, portanto, do trabalhador (e não do capital), de sua habilidade, destreza, de sua vontade e esforço, os resultados materiais da produção. As máquinas - ou melhor, o capital materializado em máquinas - não conseguiram ainda impor o modo de trabalhar ao trabalhador, isto é, este ainda não está subordinado realmente ao capital. A "família", portanto, enquanto permanecer nessas condições técnicas de produção, supre esta ausência.11 11 É interessante observar que, nas pequenas empresas, os agentes do capital controlam o trabalho dos assalariados fazendo, eles também, o trabalho produtivo.

  • Amin, Samir & Vergopoulos, Kostas. La Cuestion campesina y el capitalismo. México Nuestro Tiempo, s. d.
  • Braverman, Harry. Trabalho e capital monopolista. 2. ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1980.
  • Garcia Jr. Afrânio. Salário e campesinato. Rio de Janeiro, s. d. mimeogr.
  • Martins, José de Souza. Capitalismo e tradicionalismo: estudos sobre as contradições agrárias no Brasil. São Paulo, Pioneira, 1975.
  • ______. Os Camponeses e a politica no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1981.
  • Mollard, Amédée. Paysans exploités. Presses Universitaires de Grenoble, 1978.
  • Moura, Margarida M. Os Herdeiros da terra. São Paulo, Hucitex, 1978.
  • Nakano, Yoshiaki. A destruição da renda da terra e da taxa de lucro na agricultura. Revista de Economia Politica. 1 (3),jul./ago. 1981.
  • Santos, José Vicente Tavares. Colonos do vinho. São Paulo, Hucitex, 1978.
  • Silva, Sérgio. Sobre a estrutura de produção no Campo II. Campinas, 1982. mimeogr.
  • Singer, Paul. Dominação e desigualdade (estrutura de classes e repartição da renda no Brasil). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
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    Versão preliminar e parcialmente modificada deste texto foi apresentada no seminário "Mulher, Agricultura e Modernização no Meio Rural Latino-americano", organizado pelo Equity Policy Center de Washington e Fundação Carlos Chagas de São Paulo, ocorrido em Atibaia, São Paulo, set./1983.
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    Ver citações no artigo de minha autoria: Controle do processo de trabalho na agricultura.
    RAE, 21 (3): 29-34, jul./set. 1981. Esclareço que algumas das idéias agora desenvolvidas foram esboçadas neste artigo anterior. Há, porém, mudanças substanciais para o conjunto das análises.
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    Na bibliografia estrangeira, os principais autores desta interpretação são Amin e Vergopoulos (s.d.) No Brasil, Martins (1975 e 1981), Queiroz (1973), Santos (1978),Garcia Jr. (s. d.) e outros definem os produtores familiares como camponeses. Singer (1981) e Nakano (1981) falam por sua vez em produtores simples de mercadoria.
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    A referência empírica deste estudo é o setor agrícola da hortifruticultura em São Paulo, onde predominam os produtores familiares, sendo que os dados foram coletados no município de Piedade, localizado no chamado cinturão verde, à distância aproximada de lOOkm da capital, próximo a Sorocaba. Cabe lembrar que a hortifruticultura em São Paulo é um setor agrícola onde o trabalho familiar se dá junto com um processo de desenvolvimento capitalista em nível já bastante acentuado, tanto em termos tecnológicos como em termos da expansão do valor aí gerado. Eis alguns indicadores. Conforme dados do IBGE, enquanto o número de tratores no conjunto da agricultura paulista cresceu entre 1970 e 1975 craca de 37% nas principais regiões hortifruticultoras (Paranapiacaba e Campos de Itapetininga) este crescimento foi superior a 50% no mesmo período. No município de Piedade, por exemplo, o índice de crescimento da área irrigada entre 1960 e 1975 foi de 2.661, enquanto que em São Paulo, como um todo, foi de apenas 267. Em termos da expansão do valor gerado, basta citar que de 1970 a 1975, isto é, em apenas cinco anos, o valor real da produção, por exemplo, de cebola, em São Paulo, cresceu 365%.
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    Deve-se lembrar aqui que a transmissão do patrimônio para apenas o filho mais novo (situação esta conhecida juridicamente como
    minorato) já foi encontrada entre os descendentes de italianos, estabelecidos no Rio Grande do Sul, desde o século passado, e que hoje são pequenos produtores de uva. Ver a respeito o estudo de Santos (1978). Sobre os mecanismos de herança da terra entre pequenos produtores em Minas Gerais, ver o trabalho de Moura (1978).
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    Mas nem sempre a ideologia, isto é, a idéia de "família" é tão forte que permite "cimentar" consistentemente as relações destes indivíduos no trabalho. Ao contrário, há momentos de fissura, quando então se vé com clareza a exploração, como revela o depoimento desta jovem que alterna o trabalho de assalariada com aquele na unidade produtiva do pai: "Bem que eu queria trabalhar só de camarada 'prá ganha' um dinheiro que é meu, mas não posso porque tenho que 'trabalha' também 'prô' meu pai..."
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    É também relativamente freqüente a reprodução de membros da família de produtores capitalistas como trabalhadores urbanos autónomos ou ainda assalariados de nível superior.
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    Do meu ponto de vista, é apenas nesta etapa de desenvolvimento ainda retardatário com relação ao modo de produzir (relações técnicas de produção) que se pode falar em "superioridade técnica" da produção familiar em relação à produção acionada pelo trabalho assalariado.
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    Ver Marx.
    El Capital. 3. ed. Buenos Aires, Siglo Vientiuno, 1974, Livro 1, cap. 34 (inédito).
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    As observações de Mollard (1978) a esse respeito são interessantes: "A indústria capitalista não pode moldar inteiramente a agricultura à sua imagem, devido às especificidades da produção agrícola e isto é o que fundamenta os itinerários particulares da agricultura. Ora, estes itinerários particulares têm sua origem, de um lado. na própria especificidade da gestão dos recursos naturais, no
    estado atual das técnicas. Assim, a agricultura é grande consumidora de espaço, o que lhe confere numerosas particularidades, notadamente o deslocamento das máquinas sobre o suporte da produção, enquanto na indústria a maioria dos postes das máquinas são fixos e as matérias-primas móveis. É igualmente evidente que os processos biológicos mobilizados apresentam seus limites (aqueles do próprio ciclo biológico) e que estes especificam fortemente o processo de trabalho e de produção (...) " (p. 22).
  • 10
    Segundo Braverman (1980), "Taylor elevou o conceito de controle a um plano inteiramente novo quando asseverou como uma necessidade absoluta para a gerência adequada a imposição ao trabalhador de uma maneira rigorosa pela qual o trabalho deve ser executado. Para ele, "a gerência só podia ser um empreendimento limitado e frustrado se deixasse ao trabalhador qualquer decisão sobre o trabalho" (p. 86).
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    É interessante observar que, nas pequenas empresas, os agentes do capital controlam o trabalho dos assalariados fazendo, eles também, o trabalho produtivo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1984
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