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FÓRUM DE OPINIÕES

No n.º 7 da REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS foi publicado um artigo do Sr. Jack Kempner: "Análise do Fluxo de Fundos". O assunto é muito importante para todos os que lutam no Brasil com os problemas do controle econômico-finaneeiro.

Como tema o artigo foi desenvolvido lógica e coerentemente. Porém, talvez pelas dificuldades de tradução, deixa êle de ser claro em alguns pontos -, e, em outros, dá possibilidade de uma interpretação errônea do caráter dos vários componentes da origem do fluxo, ou do próprio fluxo.

Gostaríamos de discutir aqui algumas das partes do texto que nos deram a impressão, pelo menos, de ambigüidade.

Página 27, linha 1. "O capital circulante é uma quantia estática..." Em sua conotação a palavra "circulante" desafia o têrmo "estática". Concordamos que, considerando-se o balanço como uma demonstração de valor histórico, podemos considerar os valores ou os componentes contábeis do balanço como quantias estáticas. Porém, o capital circulante toma um sentido tipicamente dinâmico, uma vez que o consideramos em função do fluxo de fundos. Como "quantia" é o capital circulante que permite a empresa ter uma política independente e agressiva.

Página 32, linhas 2 a 9. Qualquer que seja o serviço prestado a um cliente, sempre terá êste serviço um elemento de custo; mesmo em uma transação tão irregular que êste custo seja simplesmente o custo da emissão de uma duplicata. Assim, os lucros retidos não podem ter o mesmo valor que a respectiva duplicata. Em caso de despesa para serviços, esta sairá de caixa compensando o verdadeira lucro retido, que será registrado no passivo não circulante, e mudando os valores finais do fluxo.

Queremos, também, protestar aqui contra a insinuação, feita na linha 7, de que as receitas por serviços prestados podem ser consideradas como lucro retido.

Página 35, "Transações que Não Afetam o Fluxo de Fundos", linhas 8 a 11 e 15 a 17. Para nós "a conversão de uma dívida a longo prazo por outra" significa uma coisa só: a reforma. Como o fluxo de fundos é importantíssimo nas projeções orçamentárias, é perigoso fazer uma declaração como: "esta conversão não tem influência sobre o fluxo de fundos". Pode ter e muito grande, especialmente no Brasil.

Para discutir êsse ponto preferimos raciocinar com grandes valores. Tomamos um empréstimo de CrS 100 milhões. Estamos no ano 1963, no Brasil. O empréstimo vencer-se-á em 30 de setembro de 1963; queremos reformá-lo para 31 de dezembro de 1964. A reforma dos Cr$ 100 milhões com o ágio de 25% ao ano, despesas de corretagem, imposto de renda, empréstimo compulsório etc. etc., custará aproximadamente Cr$ 110 milhões. A reforma deve ser executada antes do vencimento original. Terão de ser emitidas nessa ocasião novas notas (títulos) no valor de Cr$ 210 milhões. A lei permite que a despesa da reforma seja amortizada em 1963.

Existem muitas emprêsas que gostariam de obter um empréstimo dessa natureza; existem poucas que desprezariam no seu fluxo de fundos o impacto e as conseqüências da amortização dos Cr$ 110 milhões.

Página 38, linhas 8 a 10. Quando a mercadoria é obtida dos fornecedores através de crédito a curto prazo, o efeito pode ser desprezado somente no caso de uma transação única, não repetida. Porém, no Brasil, usa-se constantemente o crédito de 60 a 90 dias. Assim, uma firma que compre mensalmente materiais no valor "A" e pague essa importância 90 dias depois, deve considerar essas transações como um tipo de empréstimo. A influência de Contas a Pagar sobre o fluxo de fundos é especialmente importante quando oscilam as compras e a produção (uso da mercadoria ou materiais). Neste caso a situação dos impostos deve ser cuidadosamente verificada, especialmente quando as operações são vultosas. Suas influências sobre o Fluxo de Fundes podem ser consideráveis.

O artigo discutido tem definitivo valor, especialmente em vista da escassez da literatura sobre o assunto. É um esforço que merece aplauso. Somos de opinião, porém, que o autor deveria fazer uma exposição adicional de todos êsses pontos que criarão nos leitores impressões duvidosas. Tais esclarecimentos crescem em importância quando lembramos estas declarações do autor: "A projeção das demonstrações de fundos dá ao administrador a possibilidade de prever sua necessidade de fundos para os meses - e mesmo para os anos - futuros... Os fundos fluem para a emprêsa continuamente..." Concordamos plenamente com essas declarações porque elas sintetizam perfeitamente o conceito do Fluxo de Fundos e deveriam servir como um guia no desenvolvimento de qualquer tratado sobre o assunto.

São Paulo, SP

Hurfr Yarduty Podolski

Consultor Técnico em Administração

Acreditamos que o autor de qualquer publicação se deleite ao receber críticas ao seu trabalho, ainda que negativas, pois isso prova que o artigo foi realmente lido. Apreciamos o fato de que o Sr. Podólski tenha tido a atenção de ler o artigo e o trabalho de expressar-se a respeito de alguns pontos que não lhe pareciam estar inteiramente claros, O Professor Ivan Pinto Dias (meu colega, que foi um dos tradutores do artigo em questão) e eu apreciamos a oportunidade de responder aos comentários do Sr. Podolski.

Afirma o referido senhor, no segundo parágrafo de sua carta, que "... talvez pelas dificuldades de tradução, deixa êle de ser claro em alguns pontos -, e, em outros, dá possibilidade de uma interpretação errônea..." e no parágrafo seguinte:. . em sua conotação a palavra 'circulante' desafia o têrmo 'estática'..." Ora, na nota de rodapé n.º 2 (nota dos tradutores), na página 28 do artigo 1em epígrafe, é chamada a atenção do leitor para o fato de que o têrmo "working capital" foi traduzido por "capital circulante" e que alguns autores empregam a expressão "net working capital" na acepção de "working capital" usada pelo autor. Além disso, no mundo de negócios brasileiro -, são vários os têrmos pelos quais a expressão "working capital" é conhecida, a saber: capital circulante (conforme relatório anual de 1961 da Esso Brasileira de Fetróleo S. A., com Demonstrações do Fluxo de Fundos para os anos de 1960-59 e 1961-60), capital de giro (relatórios de 1962 e de 1963 da Willys Overland do Brasil S.A., 'com Demonstrações do Fluxo de Fundos para diversos períodos), capital operacional (empregado principalmente nos meios bancários de certas regiões geoeconômicas do país), capital de trabalho (usado talvez como influência da tradução de obras da língua inglêsa para o castelhano) etc. Em virtude do fato de que as expressões "capital circulante" e "capital de giro" (ou "capital circulante liquido" e "capital de giro líquido") são as mais utilizadas na prática comercial brasileira -, e, também, nos diversos cursos de Administração Contábil e Financeira da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, foi escolhido o têrmo "capital circulante" com nota de rodapé explicativa.

Ademais, acreditamos necessário lembrar que o movimento real do capital circulante é, na realidade, um conceito dinâmico, tendo sido exatamente para mostrar de que forma êsses fundos circulam que preparamos Demonstrações de Fluxo de Fundos. Todavia, no balanço, a quantia que se refere ao capital circulante é, na realidade, estática, pois mostra quanto resta de capital circulante ao fim de qualquer exercício fiscal.

Assim, não procede a alegação do Sr. Podolski de que haja contradição no uso da palavra "estática"; também nâo procede a dúvida de que seja inadequado o uso do termo "capital circulante" para o conceito a que se refere.

Quanto aos comentários do Sr. Podolski sôbre a página 32, linhas 2 a 9 do artigo mencionado, nao há dúvida de que, embora pequeno, exista custo relacionado com a emissão de vmn fatura (duplicata a receber ou conta a receber) para um freguês. Todavia, êsse custo nâo é subtraído da receita total recebida, mas adicionado às várias despesas que eventualmente serão deduzidas da receita total, a fim de chegar-se ao lucro líquido. De qualquer maneira, êsse elemento do custo não parece estar diretamente relacionado ao conceito de fluxo de fundos, pelo menos na forma pela qual é discutido neste ponto específico do artigo. No parágrafo seguinte da carta do Sr. Podolski, encontramos: - "Queremos, também, protestar aqui contra a insinuação, feita na linha 7, de que as receitas por serviços prestados podem ser consideradas como lucro retido." Nós ê que somos forçados a protestar. Se, como resultado de serviços prestados ou produtos vendidos, as receitas acumuladas não são incrementos nos lucros retidos, que são elas, então? Quaisquer receitas a que uma emprêsa faça jus são refletidas por um aumento em algum ativo (geralmente "Caixa" ou "Contas e Duplicatas a Receber") e um aumento correspondente ao patrimônio líquido ("Lucros Retidos"). Naturalmente, o lançamento original mostrará um aumento em uma conta temporária de receitas, tais como "Remitas por Serviços Prestados?', "Receitas de Comissões", ou "Vendas". Todavia, eventualmente, os saldos destas contas são transferidos para "Lucros Retidos", na forma de lucro líquido do período.

Relacionado êsse aumento em lucros retidos ao fluxo de fundos, gostaríamos de elaborar um pouco a explicação dada no artigo (página 32, linhas 5 a 9). Como resultado de uma transação que proporcionou receita, as "Contas a Receber" aumentarão, causando um aumento no capital circulante (fundos) e os "Lucros Retidos" (refletidos em uma conta temporária, "Receita por Serviços Prestados") também aumentarão, ocasionando um aumento no "Passivo não circulante líquido" (dívidas a longo prazo e patrimônio líquido menos ativo circulante).

Os comentários do Sr. Podolski a respeito da conversão ou renovação, ou ainda, reforma de uma dívida a longo prazo por outra (página 35, linhas 8 a 11 e 15 a 17) são perfeitamente compreensíveis, mormente tendo-se em vista a inflação galopante no Brasil. Temos de concordar que seria impossível reformar ou renovar uma nota promissória (ou outro título), a longo prazo, sem aumentar o valor nominal da nota promissória original a fim de compensar-se do valor decrescente do cruzeiro. Contudo, apesar de a nova rota promissória ter um valor nominal maior, os fundos não fluirão para a emprêsa e da emprêsa na época em que a nota promissória for reformada. Os fundos fluirão da emprêsa apenas quando, em alguma data do futuro, a nova nota promissória fôr liquidada. Na época da renovação ou reforma -, o passivo a longo prazo é aumentado pela diferença entre a nota promissória antiga e a nova nota promissória, sendo que alguma conta ou contas de despesa devem ser debitadas, uma vez que a diferença existente é um custo adicional para tomar-se um empréstimo, não importando que essa diferença seja chamada de "Despesa de furos", "Despesa de Corretagem", "Despesa de Comissões" ou outros nomes quaisquer. Esta despesa resulta na diminuição dos lucros retidos, do mesmo modo que as receitas resultam em aumentos nesses lucros. O efeito da transação acima causou, portanto, um aumento no passivo a longo prazo e uma correspondente diminuição no patrimônio líquido. Nenhuma conta circulante, quer ativo circulante, quer passivo circulante, foi alterada e, portanto, não houve movimento de fundos para a emprêsa e da emprêsa nessa época.

Todavia, o Sr. Podolski está certo quando afirma que a reforma de um empréstimo de tal tipo terá um efeito no futuro movimento de fundos da emprêsa e deve ser considerado quando se prepare uma Demonstração do Fluxo de Fundos projetada juntamente com outras demonstrações constantes no orçamento de uma firma.

Na página 38, linhas 8 a 10 do artigo ora comentado, afirmamos que, quando se obtêm mercadorias de fornecedores através do crédito a curto prazo, não há movimento de fundos para a emprêsa e da emprêsa. O Sr. Podolski aponta o fato de que "no Brasil... uma firma que compre mensalmente materiais no valor "A", e pague essa importância 90 dias depois, deve considerar essas transações como um tipo de empréstimo". As afirmativas acima são absolutamente verdadeiras e, na realidade, êsse tipo de empréstimo é denominado crédito espontâneo. Porém, estamos falando sôbrè fluxo de fundos - não sôbre os vários tipos de empréstimos - e quando não se altera o capital circulante, não há movimento de fundos para a emprêsa e da emprêsa. Na transação acima -, é aumentado o ativo circulante "Mercadorias", mas também o mesmo fato ocorre com o passivo circulante "Contas e Duplicatas a Pagar". Portanto, o ativo circulante líquido ou capital circulante, permanece o mesmo. Mesmo quando esta obrigação fôr quitada depois de 60 ou 90 dias -, os fundos não fluirão para a emprêsa e da emprêsa, pois, nesse caso, o ativo circulante "Caixa" e o passivo circulante "Contas e Duplicatas a Pagar" são diminuídos pela mesma importância e novamente o capital circulante não se altera.

É importante lembrar-se que um empréstimo bancário a curto prazo também não tem efeito sôbre os fundos, quer quando se receba o dinheiro do banco (ou seja êle creditado em conta corrente), quer quando o empréstimo seja pago. No inicio dessa transação o ativo circulante e o passivo circulante são aumentados por quantias similares; na época da quitação do empréstimo as duas contas circulantes são também diminuídas por quantias iguais. Se estivéssemos discutindo sobre fluxo de caixa e não sôbre fluxo de fundos, então haveria um movimento de caixa; porém, os fundos não se movimentam para a emprêsa e da emprêsa, isto é, rmo há fluxo de fundos, a não ser que o capital circulante aumente ou diminua.

Esperamos que os comentários acima tenham ajudado a esclarecer quaisquer ambigüidades que porventura existissem no artigo em epígrafe e, novamente, desejamos expressar nosso aprêço ao Sr. Podolski, pelo tempo gasto em exprimir seus pensamentos.

São Paulo, SP.

JACK J. KEMPNER e IVAN PINTO DIAS

Professores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Ago 2018
  • Data do Fascículo
    Dez 1963
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