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Política tecnológica e política industrial

ARTIGOS

Política tecnológica e política industrial* * O presente artigo retoma aspectos abordados em "Dois estudos sobre tecnologia industrial no Brasil", publicado na revista Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, mar. 1973; escrito com Eduardo Augusto de Almeida Guimarães.

Francisco Almeida Biato

Chefe da Divisão Industrial do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas

O exame do papel que desempenham as atividades educacionais, científicas e tecnológicas como fator dinâmico do processo de desenvolvimento, vem merecendo crescente atenção nos últimos anos. Numerosos estudos até aqui empreendidos enriqueceram o corpo teórico das ciências sociais e despertaram em autoridades governamentais a intenção de utilizar o chamado progresso técnico como alavanca para que mais rapidamente sejam atingidos os objetivos nacionais.

No Brasil, o debate sobre questões relativas à incorporação e difusão do progresso técnico em etapas passadas da industrialização e em especial, a modalidade que esta assume na fase atual, ao mesmo tempo que possibilita a descoberta de fenômenos que operam na sociedade coloca claramente a urgência de tomada de consciência no sentido de identificar objetivos e ações tais que promovam a eliminação de distorções existentes.

A recente intensa veiculação dos problemas referentes à produção e importação de tecnologia, ao mesmo tempo em que reflete o processo de modernização por que passa a economia brasileira, decorre de desdobramento natural do conhecimento das transformações que estão ocorrendo, além de preocupações vigentes em outros países. Mais do que isso, no entanto, resulta da natureza mesma da modernização que - ao exigir um ritmo mais intenso de inovações tecnológicas e ao orientá-las no sentido de níveis crescentes de complexidade - provoca a dramatização de novas e velhas questões no âmbito da problemática científica e tecnológica.

É a deliberação de atuar sobre essas questões que tem induzido à realização de estudos que remetem direta ou indiretamente à sugestão de medidas de política que visam a acelerar a incorporação e difusão do progresso técnico e a aproximar esse processo das características explicitadas em metas de governo.

Cabe constatar, no entanto, que tem sido pequena e esporádica a contribuição dos conhecimentos gerados por tais estudos à definição e à execução da política científica e tecnológica.

Esse fato decorre, em parte, da própria natureza dos estudos empreendidos que, sobretudo pelo nível de agregação em que são formulados, não permitem conclusões suficientemente concretas para se traduzirem em critérios e normas operacionais. Contudo, mais do que dessa limitação, a precariedade da incipiente política científica e tecnológica - que se tem caracterizado pela afirmação de diretrizes excessivamente genéricas e pela improvisação na definição de medida de caráter concreto - parece derivar das deficiências do aparelho institucional envolvido.

Em primeiro lugar, porque, muito embora se enfatize a importância da adequação da política científica e tecnológica ao cumprimento das diretrizes nacionais, a formulação da política de ciência e tecnologia tem-se ressentido da dificuldade de inferir, do projeto de desenvolvimento brasileiro, indicações claras e inequívocas quanto aos objetivos a serem perseguidos por esta política específica. Em particular, tem-se ressentido da indefinição da política industrial quanto às diretrizes concernentes aos problemas tecnológicos.

Contudo, mesmo reconhecendo que as aludidas dificuldades possam impedir que a política de ciência e tecnologia atinja plenamente seus propósitos, é lícito admitir a possibilidade de que, baseada em um conhecimento crescente de sua problemática particular, venha a definir objetivos próprios e orientar o complexo nacional de ciência e tecnologia no sentido do seu desenvolvimento. Não obstante, essa possibilidade não tem sido concretizada. Na verdade, a prática de planejamento científico e tecnológico tem revelado atitude passiva de avaliação e consolidação de experiências e iniciativas isoladas. Ao invés de formular explicitamente e propor seus próprios objetivos, os órgãos responsáveis pela política de ciência e tecnologia têm-se limitado a apoiar, ou negar apoio, a projetos definidos em função dos objetivos e interesses das entidades executoras.

Essa limitação dos referidos órgãos em definir objetivos concretos e patrocinar sua implementação - independentemente de ser uma conseqüência dos já mencionados fatores externos - decorre também de falhas da própria estrutura institucional a que se atribui a responsabilidade de gerir a política de ciência e tecnologia, bem como da concepção dos procedimentos e normas operativas que devem ser adotados na sua execução. Nesse sentido, é o próprio modelo de planejamento científico e tecnológico - suas instituições e formas de atuação - que merece ser reavaliado e aprimorado.

A partir dessas considerações é mais fácil pesar a contribuição dos estudos empreendidos tanto em nível governamental como privado, bem como visualizar temas e áreas em que se pode esperar efetivos resultados de trabalhos que venham a ser realizados.

Na medida em que tais estudos permitem a identificação de problemas na concepção mesma do planejamento científico e tecnológico e o avanço no conhecimento de problemáticas específicas, assim como o balanço dos efeitos da adoção de determinadas medidas de política, seguramente poderão ser evitadas ou eliminadas no futuro aquelas deficiências e distorções ora observadas.

Exemplo de estudos já concluídos e que aparecem no quadro das preocupações apontadas são os realizados pelo setor de Indústria do IPEA - Instituto de Planejamento Econômico e Social, Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, A transferência de tecnologia no Brasil e Potencial de pesquisa tecnológica no Brasil, uma vez que procuram, numa primeira aproximação, examinar como vem sendo atendida a demanda interna de tecnologia industrial bem como avaliar a potencialidade do complexo nacional de ciência e tecnologia.1 1 Biato, Francisco Almeida; Guimarães, Eduardo Augusto de Almeida & Figueiredo, Maria Helena Poppe de. A transferência de tecnologia no Brasil. Rio de Janeiro, IPEA, 1970; e Potencial de pesquisa tecnológica no Brasil. Brasília, IPEA/IPLAN, 1971.

Tentou-se verificar, através das informações reunidas, algumas hipóteses e suposições relativas às características tecnológicas da evolução recente da economia brasileira, bem como conhecer o desempenho de instituições e agentes sociais face às mencionadas características e às exigências delas decorrentes. Não se esgotam, no entanto, nessa avaliação, as preocupações que informaram os referidos estudos. A ênfase conferida aos problemas da política científica e tecnológica reflete o reconhecimento de que a capacidade de responder aos desafios que serão impostos no futuro às unidades e sistemas econômicos depende do esforço presentemente empreendido no sentido de se estar habilitado a enfrentá-los. Adotando essa perspectiva e tendo em conta a vinculação entre o IPEA/IPLAN e os organismos no âmbito dos quais se processa a formulação e execução da política nacional de ciência e tecnologia, os estudos realizados, ao mesmo tempo em que pretenderam congregar elementos necessários à definição das diretrizes mais gerais da referida política, buscaram ainda avançar na direção de medidas específicas e implementáveis a curto prazo.

Ao se examinar a maneira pela qual vem sendo atendida a demanda nacional de tecnologia, foram considerados o fluxo de transferência de tecnologia para o País e as fontes produtoras internas de know-how industrial, vale dizer, as instituições de pesquisa e as empresas industriais. Nesse sentido, a análise da produção de conhecimentos técnicos identificou a oferta nacional ex-ante de tecnologia, contrastando com o estudo sobre transferência que examinou um fluxo ex-post. A natureza diversa das abordagens e das metodologias adotadas para os estudos da contribuição interna e da contribuição externa ao atendimento da demanda de tecnologia determinou, desde o início, fossem distintos os resultados esperados em cada caso.

A transferência de tecnologia no Brasil, ao evidenciar a dependência do País face ao know-how externo, apontou os problemas decorrentes: a magnitude crescente e a natureza dos gastos explícitos com importação de tecnologia, os efeitos inibidores do viés tecnológico do sistema produtivo sobre a produção de conhecimentos técnicos e a possível inadequação do know-how importado aos parâmetros socioeconômicos do País.

Evidentemente, na medida em que os fatores condicionantes da dependência tecnológica podem ser encontrados nas características pretéritas e presentes da evolução socioeconômica do País, o perfeito conhecimento das raízes dessa dependência e das diretrizes políticas que viabilizariam sua superação não se esgota no exame do processo de transferência. Nesse sentido, o estudo empreendido enriqueceu-se através da análise da produção interna de tecnologia mas, sem dúvida, requer ainda trabalhos complementares. Contudo, A transferência de tecnologia no Brasil é incisivo na avaliação de entraves e distorções específicas, permitindo definir formas de atuação governamental e empresarial no sentido de afastá-los.

É conhecido que o processo de transferência, se por um lado pode ser entendido como um fluxo resultante das solicitações do sistema produtivo e das possibilidades de resposta da produção interna de tecnologia, por outro, corresponde a uma das formas de relacionamento do País com o exterior. Sob este último ângulo, as questões pertinentes à política governamental dizem também respeito aos aspectos ligados ao balanço de pagamentos, bem como àqueles inerentes às relações entre o vínculo contratual da importação de know-how e os demais vínculos existentes entre o País e o exterior. Assim, distinguindo empresas nacionais e estrangeiras contratantes de know-how externo, procurou-se identificar fatores que, em cada conjunto de empresas, afetam a evolução do fluxo de pagamentos por importação de tecnologia, dedicando-se especial atenção à sugestão de medidas de política governamental.

No caso das empresas nacionais, o despreparo empresarial e a falta de informações sobre o mercado mundial de tecnologia, ao acarretar a diminuição do seu poder de barganha, implica, muitas vezes, pagamentos excessivamente elevados pelo know-how importado.

Da mesma forma, no caso das empresas estrangeiras, o pagamento estipulado nem sempre reflete o valor da tecnologia efetivamente importada: não que a empresa desconheça as condições vigentes no mercado tecnológico - mas, sendo estabelecido entre unidades pertencentes a um mesmo grupo internacional, o fluxo financeiro resultante do contrato de importação de tecnologia parece depender sobretudo de decisões da empresa internacional quanto à alocação e transferências de recursos entre as várias empresas do grupo, cabendo, pois, admitir a possibilidade de tais pagamentos incluírem remessas de lucros da subsidiária para a matriz ou para alguma empresa associada.

Contudo, é no reconhecimento da necessidade de tornar mais seletiva a importação de know-how que se apoia a diretriz básica da política de transferência de tecnologia sugerida pelo estudo. Sob esse ponto de vista, a referida política poderia constituir-se em fator de intensificação do ritmo de inovação, orientando-o em direção dos objetivos da política de desenvolvimento, e, ao mesmo tempo, de estímulo à realização interna de pesquisas científicas e tecnológicas. Nesse sentido, são nítidos os nexos que deverão existir entre a política tecnológica e a política industrial, indispensáveis à consecução das metas sugeridas.

O risco de um tratamento global para o processo de importação de know-how aponta a conveniência de que a política de transferência de tecnologia se "instrumentalize" através de estrutura institucional suficientemente flexível e capaz de avaliar cada caso específico. Por outro lado, a execução dessa política deve basear-se em conhecimento bastante preciso dos requisitos tecnológicos do sistema produtivo e da potencialidade da produção nacional de ciência e tecnologia.

Mais do que isso, uma política de transferência seletiva, e ao mesmo tempo consistente, deve ser concebida tendo em conta os objetivos nacionais. Em particular, referida política deve refletir a estratégia da política industrial, considerada em seus aspectos gerais e, também, em suas singularidades setoriais. A adequação do processo de transferência a tal estratégia permitiria que a "variável tecnológica" fosse orientada de modo a aproximar a estrutura do parque manufatureiro das características e do perfil desejado (a indústria de bens de capital, por exemplo, cuja produção difunde novas tecnologias e concretiza a ampliação da capacidade produtiva da economia, como se sabe, tem seus avanços claramente determinados pelo potencial científico e tecnológico - por isso, conferir-lhe maior atenção entre prioridades setoriais exige empenho, prévio ou paralelo, no planejamento do "saber fazer" internamente).

Propositadamente, A transferência de tecnologia no Brasil limita-se a apontar as medidas de política exeqüíveis, sem considerar seu detalhamento em função da política industrial vigente. A omissão decorre, em parte, da já observada indefinição da política industrial quanto às diretrizes concernentes aos problemas tecnológicos. Por outro lado, seria ocioso identificar, a partir das intenções da atual política industrial, as linhas que dela derivariam no que diz respeito à transferência de tecnologia. É verdade que a aludida indefinição impede que a orientação do processo de transferência produza todos os benefícios que dela poderiam advir, obrigando a que se determinem autonomamente seus próprios objetivos. Contudo, mesmo desvinculada da política industrial, a ação relativa à importação de tecnologia poderia induzir a modificações expressivas nas características e na evolução do sistema produtivo e do complexo nacional de ciência e tecnologia, bem como contribuir para aprimorar os procedimentos que disciplinam as relações entre empresas do País e do exterior.

A aproximação entre o estudo sobre o fluxo de transferência de conhecimentos técnicos e o referente às fontes produtoras internas de know-how requereria - ao lado da consideração dos aspectos mais gerais do desempenho do complexo nacional de ciência e tecnologia que induzem à importação de conhecimentos técnicos - o confronto, ao nível das próprias características tecnológicas, entre a parcela da demanda de know-how atendida através do fluxo de transferência e a oferta interna. Tal confronto, se realizado de forma suficientemente desagregada, permitiria uma avaliação precisa da dimensão do afastamento entre o perfil da demanda de tecnologia industrial e a potencialidade do complexo tecnológico do País. O referido confronto não foi realizado em virtude de deficiência da metodologia adotada nos estudos e da diversidade das informações reunidas. Ademais, a magnitude do trabalho necessário à realização desse confronto e a especialização requerida da equipe técnica são tais que parecem inviabilizar qualquer esforço nesse sentido que pretenda abranger, simultaneamente, todo o setor industrial. Na verdade, um quadro representativo do hiato entre demanda e oferta interna de tecnologia industrial só poderia ser delineado através da adição de estudos setoriais específicos que identifiquem os gaps a nível de produtos e de segmentos industriais.

Embora não tenha sido possível realizar a aproximação assinalada entre os estudos, como foi visto, ambos são complementares. Os resultados apresentados em Potencial de pesquisa tecnológica no Brasil permitiram avaliar, em determinado nível de agregação, a natureza da produção tecnológica, bem como o desempenho das instituições de pesquisa e das empresas industriais. Tal diagnóstico confirmou suposições difundidas quanto às questões examinadas, revelando, no entanto, em relação a alguns aspectos, uma evidência distinta da que seria de se esperar.

As sugestões derivadas do estudo limitaram-se a descrever os mecanismos e esquemas associados à produção e utilização de tecnologia no País e a apontar possíveis elos de rompimento da situação atual.

Nesse sentido, ao lado da indicação de determinados traços do sistema produtivo e da performance das instituições de pesquisa que têm dificultado evolução mais satisfatória do processo de desenvolvimento tecnológico do País, Potencial de pesquisa tecnológica no Brasil sugere que a possibilidade de alcançar maior autonomia tecnológica depende de ação governamental efetiva, uma vez que, mesmo o desejado funcionamento eficaz do complexo científico e tecnológico e intensas solicitações do sistema produtivo, não seriam capazes de, por si só, determinar modificações substanciais na situação presente.

Ao apontar a busca de maior autonomia tecnológica como o objetivo principal da política de desenvolvimento tecnológico, não se insinuou perseguir uma "autarquização" tecnológica, de resto inconcebível, mas sim acompanhar o progresso mundial da ciência e tecnologia, procurando reduzir os hiatos observados, aperfeiçoando o desempenho do complexo científico e tecnológico nacional e compatibilizando o avanço dos conhecimentos técnicos com as grandes metas nacionais.

A tradução dessa diretriz geral em linhas de atuação específicas sublinhou, como medida mais fecunda, o estímulo às atividades de institutos tecnológicos e instituições universitárias de pesquisa, bem como das empresas estatais e de economia mista. Tal indicação não ignora a necessidade de rever e aprimorar as medidas de incentivo aos investimentos do setor privado em pesquisa e engenharia de desenvolvimento, bem como, paralelamente, na formação de mão-de-obra qualificada. São conhecidas, no entanto, algumas das dificuldades por que passam as empresas industriais na mobilização de recursos reais e financeiros para seu processo de ampliação de capacidade produtiva, o que leva a crer que tais medidas, pelo menos a curto prazo, em nada, ou quase nada, se refletiriam em incrementos expressivos da produção de tecnologia dessas empresas. De resto, elas carecem, em sua maioria, de estruturas organizacionais compatíveis com o desenvolvimento de investigações tecnológicas complexas. Sua realização também é, muitas vezes, desaconselhada pelos parâmetros e critérios que informam as decisões empresariais. Daí, a ênfase na ação governamental apontada.

O desdobramento das medidas governamentais indicadas em outras, específicas, tendentes a fortalecer as instituições de pesquisa, demandaria diagnóstico do desempenho de cada uma das instituições, sem dúvida mais profundo do que o empreendido pelo IPEA/IPLAN. Admitiu-se, no entanto, a oportunidade de afirmar a conveniência de concentrar esforços e recursos em projetos de pesquisas e entidades selecionadas, identificadas como aquelas capazes de propagar, dentro do complexo científico e tecnológico, os estímulos recebidos. Nesse sentido as conclusões a que se chegaram fornecem indicações para estudos posteriores. Por outro lado, é necessário que as medidas de política, e os estudos prévios que devem informá-las, não contemplem apenas as instituições de pesquisa como unidades estanques, mas que considerem também a tempestiva integração do complexo nacional de ciência e tecnologia além da necessária aproximação entre empresas e institutos.

Na verdade, o reconhecido afastamento entre instituições de pesquisa e empresas constitui obstáculo a que uma evolução mais satisfatória daquelas tenha o impacto desejado no sistema produtivo. Assim, a ausência de articulação entre aqueles segmentos pode implicar que o fortalecimento dos institutos resulte inútil face à inexistência de demanda dirigida no seu sentido.

Por isso, a política de desenvolvimento tecnológico não pode restringir-se a estimular a produção interna de know-how mas deve induzir igualmente a que o sistema produtivo pondere a alternativa de obter no País a tecnologia de que necessita. Potencial de pesquisa tecnológica no Brasil não se detém no exame dos fatores determinantes, no nível de decisão empresarial, das opções tecnológicas: a análise de tais fatores constitui, no entanto, requisito imprescindível à definição de medidas de política destinadas a orientar a demanda de know-how.

Assinale-se ainda que uma política que atue pelo lado da demanda de tecnologia deveria considerar as possibilidades decorrentes de uma ação de empresas estatais e de economia mista no sentido de dirigir solicitações específicas às instituições de pesquisa. Da mesma forma, a política de compras dos organismos governamentais e das referidas empresas poderia contemplar preferencialmente produtos que utilizem conhecimentos técnicos desenvolvidos no País. Tais questões foram apenas apontadas nos estudos realizados, não merecendo exame mais detalhado. Igualmente, não foram analisadas as funções que poderiam ser preenchidas pelas empresas nacionais de consultoria na absorção e difusão de tecnologia. Como se sabe, essas empresas, pelo contato mais freqüente com as unidades produtivas e pela qualificação de seus quadros técnicos, poderiam ser foco da difusão interna de tecnologia importada, bem como elemento de aproximação entre empresas industriais e as fontes produtoras internas de know-how.'2 2 Os temas indicados, entre outros, vêm sendo estudados pelo Grupo de Pesquisas da Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP.

De resto, é evidente que tal política somente poderia ser adequadamente concebida e implementada tendo em conta seus múltiplos desdobramentos, orientando-se segundo os objetivos nacionais e, em particular, os da política industrial.

As considerações anteriores revelam a amplitude e as limitações dos estudos efetuados pelo IPEA/IPLAN. Indicam ainda que, embora os resultados alcançados permitam a definição de uma política de importação de know-how, a metodologia que informou a análise da produção e da utilização interna de tecnologia apenas ensejou a veiculação de subsídios gerais ao estabelecimento de uma política de desenvolvimento tecnológico. Contudo, constituindo uma aproximação à análise da problemática tecnológica do País, os estudos procuraram reunir informação empírica até então inexistente e apresentar um esboço dos problemas mais graves de modo a tornar imperativas determinadas medidas de política.

Resta, portanto, um amplo campo a investigar, seja aprofundando os estudos sobre oferta e demanda de tecnologia já empreendidos, seja buscando realçar o escopo metodológico de referidos estudos, realizando análises "de tipo diagnóstico", quando visam a um conhecimento mais amplo da situação atual em matéria de tecnologia, e análises "de tipo operacional", quando destinam-se a informar a definição e/ou aprimoramento de medidas de política e avaliação de sua repercussão.

Se os estudos "de tipo diagnóstico" são relativamente fáceis de serem indicados e desenvolvidos, uma vez que centram-se em aspectos da própria realidade macro ou microssetorial, o mesmo não pode ser assegurado quanto aos estudos "de tipo operacional".

Já se destacou, no início, a relevância de tais estudos. Veicula-se presentemente, inclusive em planos governamentais, a importância da adequação da política nacional de desenvolvimento científico e tecnológico ao cumprimento das grandes metas governamentais. Não tem merecido, no entanto, a devida atenção, a compatibilidade entre as diversas diretrizes e medidas da política global e os objetivos mal ou bem explicitados em relação à ciência e tecnologia. Do mesmo modo, ainda que esboçado, o funcionamento articulado do complexo nacional de ciência e tecnologia, respondendo a definições de caráter concreto formuladas pelos agentes pertinentes, não é meta alcançável a curto prazo. Por isso, é possível que muitas das políticas em execução tenham, na verdade, efeito perverso sobre o desenvolvimento científico e tecnológico. Como é possível também que a desarticulação ora observada conduza ao enfraquecimento do planejamento científico e tecnológico, que se busca justamente promover. Nesse sentido, é oportuno investigar a política tecnológica implícita nos múltiplos usos de instrumentos e nos procedimentos governamentais e sua consistência frente à política setorial adotada. Não menos importante é o exame do relacionamento institucional entre formuladores e executores dessa política.

Não se trata de atribuir prioridade absoluta à política de ciência e tecnologia; tampouco se defende ser necessário a ela submeter os demais campos de ação governamental. Contudo, ao se anunciar empenho decisivo visando a maior e melhor capacitação tecnológica do País, cumpre, simultaneamente, avaliar o grau de convergência entre esse objetivo específico e a orientação que vem sendo delineada para a evolução do sistema econômico-social brasileiro.

  • 1 Biato, Francisco Almeida; Guimarães, Eduardo Augusto de Almeida & Figueiredo, Maria Helena Poppe de. A transferência de tecnologia no Brasil. Rio de Janeiro, IPEA, 1970;
  • e Potencial de pesquisa tecnológica no Brasil. Brasília, IPEA/IPLAN, 1971.
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    O presente artigo retoma aspectos abordados em "Dois estudos sobre tecnologia industrial no Brasil", publicado na revista Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, mar. 1973; escrito com Eduardo Augusto de Almeida Guimarães.
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    Biato, Francisco Almeida; Guimarães, Eduardo Augusto de Almeida & Figueiredo, Maria Helena Poppe de.
    A transferência de tecnologia no Brasil. Rio de Janeiro, IPEA, 1970; e
    Potencial de pesquisa tecnológica no Brasil. Brasília, IPEA/IPLAN, 1971.
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    Os temas indicados, entre outros, vêm sendo estudados pelo Grupo de Pesquisas da Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1974
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