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Condições e fatores determinantes para uma política nacional de desenvolvimento tecnológico: aspectos externos

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Condições e fatores determinantes para uma política nacional de desenvolvimento tecnológico: aspectos externos

João Frank da Costa

Ministro e chefe da Divisão de Ciência e Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores. Membro do Conselho Nacional de Pesquisas

1. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO

1.1 Algumas definições

Talvez seja interessante, no início da presente exposição, precisar algumas definições.

Ciência é o conjunto organizado dos conhecimentos relativos ao universo objetivo. A ciência pura é inteiramente desligada de preocupações práticas, enquanto que a aplicada, embora usando métodos análogos, visa conseqüências determinadas. Ambas não levam em conta, em princípio, considerações de ordem econômica. Observar-se-á, contudo, que a pesquisa científica só se efetua na base de recursos, por definição, escassos, e que, por conseguinte, a própria ciência fundamental deve obedecer a imperativos de seletividade ditados por fatores econômicos, sociais, culturais e políticos.

A tecnologia é o conjunto ordenado de conhecimentos empregados na produção e comercialização de bens e serviços. Tais conhecimentos podem ser científicos ou puramente empíricos. Assim, a tecnologia distingue-se da ciência por duas características: pode ignorar as causas dos fenômenos que utiliza e encontra-se estreitamente ligada a preocupações de ordem econômica.

Convém notar que a tecnologia pode estar ou não incorporada a bens físicos. A tecnologia incorporada está contida em bens de capital, matérias-primas básicas, matérias-primas intermediárias ou partes. Por exemplo, uma placa de metal é constituída pelo metal mais a tecnologia que tornou possível a sua fabricação e que está incorporada no equipamento industrial. Nesse sentido, a tecnologia corresponde ao hardware. A tecnologia não-incorporada, software ou know-how encontra-se nas pessoas (peritos, técnicos, engenheiros) sob formas de conhecimentos intelectuais, habilidade manual ou mental, ou em documentos que a registram e visam a assegurar suas conservação e transmissão (plantas, desenhos, patentes, relatórios, etc.). As duas formas de tecnologia freqüentemente se confundem.

1.2 Os problemas

No campo da ciência e da tecnologia, ao Brasil interessam, sobretudo, os problemas internacionais resultantes das distorções e disparidades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

A) Concentração das atividades de pesquisa e desenvolvimento nos países desenvolvidos O mundo consagra anualmente US$ 60 bilhões às atividades de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico (Research and development, R-D). Noventa e oito por cento de tal quantia é gasta nos países em desenvolvimento, calculando-se que 3% das atividades de R-D mundiais são consagrados aos problemas específicos daqueles países dividindo-se 2/3 aos em desenvolvimento e 1/3 àqueles desenvolvidos. Tais cifras são, contudo, pouco representativas, em razão das distorções que os problemas dos países industrializados causam sobre os estudos de R-D.

B) Inadaptação da ciência e da tecnologia mundiais aos problemas dos países em desenvolvimento É comum a idéia segundo a qual os problemas científicos e tecnológicos fornecem instrumentos poderosos para o desenvolvimento. O princípio é certo, porém verifica-se que, na realidade, a ciência e a tecnologia não têm sido convenientemente utilizadas para o desenvolvimento.

Em primeiro lugar, a natureza dos conhecimentos acumulados mundialmente parece cada vez menos relevante para os países em desenvolvimento, por terem sido historicamente orientados para as necessidades e objetivos dos países industrializados. Pode-se dizer que o estoque universal de saber não é adequado às condições reais dos países em desenvolvimento, onde a distribuição dos fatores de produção é diferente da que se verifica nos desenvolvidos (escassez de capital, abundância de mão-de-obra, produção de matérias-primas naturais, etc.).

Além disso, é preciso salientar que as atividades mundiais de R-D, muitas vezes se orientam no sentido contrário aos interesses dos países em desenvolvimento. Enquanto pouco ou nada é feito para melhorar a agricultura tropical e incrementar a utilização de matérias-primas naturais, um bilhão de dólares são destinados, anualmente, à R-D para a produção de materiais sintéticos, que deslocam do mercado os produtos naturais.

Enquanto necessidades básicas dos países em desenvolvimento são ignoradas, quantias imensas são consagradas a problema ligado aos armamentos ou ao prestígio das grandes potências, com "recaídas" reduzidíssimas (contrariamente à opinião comum) para as aplicações práticas da vida social e do desenvolvimento. A título de ilustração, o mundo consagra US$ 25 bilhões às despesas com R-D em armamentos, ou seja, 41,5% do total da R-D mundial e quase 1% do PIB mundial (US$ 3 000 bilhões).

Recentemente, os países desenvolvidos tornaram-se conscientes de que o excesso de tais gastos deveria dirigir-se, na medida do possível, para necessidades sociais. Nesse sentido estão reorientando certos recursos para problemas práticos. Mas os problemas práticos dos países desenvolvidos não são aqueles dos em desenvolvimento. Os países industrializados estão, hoje em dia, essencialmente preocupados em controlar os efeitos da ciência e da tecnologia sobre o ambiente, mesmo com sacrifício do ritmo de crescimento. A meta passa a ser então, o crescimento zero (growth zero). Ora, nada mais afastado das preocupações dos países em desenvolvimento, que em nada contribuíram para a poluição atual e que, embora consciente das leis ecológicas, não estão dispostos a sacrificar o seu crescimento.

A porção do estoque mundial de conhecimentos relevantes para os países em desenvolvimento não é, freqüentemente, acessível, devido à existência de obstáculos econômicos, políticos, legais, culturais, detenção privada da maior parte da tecnologia, políticas comerciais restritivas, problemas de acesso à informação, falta de comunicação, etc.

1.3 As metas

Todos esses fatos devem ser levados em conta na escolha da estratégia científica e tecnológica a ser empregada na consecução das metas nacionais: crescimento econômico do país, segurança nacional, estabilidade política, bem-estar individual, qualidade da vida, etc.

Nestas circunstâncias, tal estratégia deve ser orientada no sentido de: a) garantir uma capacidade inovadora própria; b) orientar a estrutura e controle do sistema produtivo; c) visar equitativa distribuição de renda; d) ter efeitos benéficos sobre o balanço de pagamentos.

A) Capacidade inovadora própria

O país não deve depender, essencialmente, da transferência de tecnologia para o seu desenvolvimento. A falta de capacidade inovadora própria teria, com efeito, as seguintes conseqüências: mantê-lo-ia permanentemente no grupo pouco invejável dos have not; seria contrária à margem de autonomia ditada pelas necessidades imprescindíveis de independência política e de segurança nacional; seria incompatível com os imperativos a longo prazo do desenvolvimento do país, por não permitir o pleno aproveitamento de seus recursos produtivos; paralisaria a possibilidade de competir internacionalmente no mercado dos produtos industrializados e semi-industrializados; impediria, inclusive, o país de conhecer claramente as suas necessidades, as oportunidades oferecidas pela ciência e a tecnologia e os meios de selecionar as alternativas que lhe são mais favoráveis.

B) Orientação da estrutura e do controle do sistema produtivo

Deste ponto de vista, dever-se-á tentar: modernizar técnica, gerencial e financeiramente as unidades produtivas pouco eficientes do país; aproveitar economias de escala, ao conferir as unidades produtivas níveis comparáveis aos padrões internacionais; consolidar a participação da empresa genuinamente nacional no processo de desenvolvimento, através da criação de situações para competir em igualdade de condições técnicas e econômicas com as empresas estrangeiras concorrentes, no país e no exterior.

C) Equitativa distribuição de renda

A estratégia científico-tecnológica visará selecionar os padrões que permitam maior absorção de mão-de-obra, desde que a absorção da população ativa excedente não venha a deprimir o nível de produtividade existente, principal responsável pelo ritmo do crescimento econômico. Tal preocupação justifica-se na medida em que o melhor emprego dos fatores incentive o pleno emprego, contribuindo para reduzir os custos, principalmente dos insumos essenciais, o que terá por conseqüências a melhora do nível de vida e a ampliação do mercado interno.

D) Balanço de pagamentos

Finalmente, no que se refere aos problemas associados com o balanço de pagamentos, a estratégia será orientada no sentido de: substituir, sempre que possível, as importações por bens produzidos internamente; estimular as exportações pelo pleno aproveitamento dos fatores nacionais de produção e a redução dos custos; reduzir os gastos com importação de tecnologia, sem que isto redunde na diminuição do ritmo do desenvolvimento.

1.4 Os meios de ação

A estratégia científica e tecnológica pode ser executada através de três planos principais de ação. O primeiro é referente à oferta, que corresponde à capacidade e potencialidade nacional em matéria de ciência e tecnologia. O segundo relaciona-se com a demanda, que traduz as necessidades científicas e tecnológicas do sistema produtivo e, de modo geral do desenvolvimento global do país. O último diz respeito à ação do país no nível internacional.

Até agora, a estratégia do país tem-se concentrado quase que exclusivamente no aspecto "oferta". Os esforços têm-se limitado, de modo geral, a tentar melhorar os recursos humanos, fortalecer as instituições de pesquisa, prever alguns mecanismos de informação científica e tecnológica. Tem-se agido, com freqüência, como se a demanda de ciência e de tecnologia por parte do sistema produtivo obedecesse unicamente aos automatismos de mercado e escapasse à ação planificadora. Outrossim, considerava-se que, no plano internacional, a transferência da ciência e da tecnologia era satisfatoriamente regida pelo laissez-faire.

O Brasil tem plena consciência, hoje em dia, que já é tempo de alterar tal abordagem unilateral do problema, e que é necessária verdadeira mobilização interna e externa para conseguir as metas que acabam de ser descritas.

2. A OFERTA DE TECNOLOGIA

É de grande importância e atualidade a necessidade de fortalecer-se a oferta interna do sistema científico-tecnológico nacional. O atendimento da demanda do país na matéria tem-se processado, predominantemente, através da importação da tecnologia estrangeira, de forma clara ou disfarçada. Torna-se indispensável reforçar a oferta proporcionada pelo complexo científico-tecnológico nacional. Os principais meios de ação consistirão em política de recursos humanos, estímulos diretos às atividades nacionais de pesquisa e desenvolvimento e implantação de sistemas de informação científica e tecnológica.

2.1 Política de recursos humanos

O país procurará obter do exterior, seja através da concessão de bolsas de estudos ou do envio de professores e técnicos, complementação do esforço próprio. Não é conveniente, entretanto, sistematizar tal recurso ao exterior, pois a formação assim proporcionada é não raro pouco adequada às condições locais, e é facilmente fonte de desperdício e desajustamento. O Governo empreenderá esforços para centralizar e manter o controle sobre as facilidades oferecidas pelos países estrangeiros e as instituições internacionais, que têm suas metas próprias que nem sempre coincidem com as prioridades e os interesses nacionais.

2.2 Estímulos diretos às atividades nacionais de pesquisa e desenvolvimento

Tais estímulos podem ser concedidos na base das empresas, das instituições de pesquisa e de entidades governamentais.

A) Empresas privadas

As empresas nacionais têm considerado a importação de know-how estrangeiro como solução mais econômica e conveniente. Não possuem, de modo geral, a estrutura e as dimensões necessárias para empreender ou contratar pesquisas. Ademais, devido às modestas solicitações das atividades tradicionais de caráter primário-exportador e pela forma de substituição de importação que assumiu, no início, o processo de industrialização, as empresas nacionais viram-se tecnologicamente dependentes do exterior.

As empresas estrangeiras sediadas no país têm ainda menos incentivos para procurar desenvolver tecnologias próprias e evitar a importação de know-how.

A política empreendida pelo Governo de reformar, modernizar e criar empresas visa agir sobre a oferta interna de tecnologia. O aumento do poder competitivo de tais empresas depende, com efeito, de maior esforço de elaboração tecnológica e, em última análise, de capacidade crescente de adaptação e de inovação.

B) Instituições de pesquisas

Paralelamente, tentar-se-á fortalecer as instituições nacionais de pesquisa, estreitar os seus vínculos com o sistema produtivo e fomentar o atendimento à demanda efetiva suscitada pelo dinamismo da economia e as medidas governamentais.

As instituições de pesquisa deveriam incorporar, na medida do possível e no limite de suas atribuições, especialistas em economia, marketing, engenharia de sistemas, ciências sociais, etc. a fim de garantir investigações realistas e correspondentes às necessidades globais do país.

C) Papel do Governo

Cabe ao Estado avaliar as verdadeiras necessidades do país em matéria de produção interna de ciência e de tecnologia, já que a empresa, na sua escolha forçosamente microeconômica, não está em condições de apreciar os custos sociais reais das tecnologias alternativas e orienta-se exclusivamente pelos preços do mercado ou decisões provenientes do exterior.

D) Órgãos financiadores

Os recursos externos devem complementar o esforço nacional. É de interesse que sejam orientados pelo país recipiente e que respondam às suas peculiaridades e necessidades específicas. Os órgãos de financiamento externo, quer se trate de organismos internacionais, quer de países desenvolvidos, devem conceder tratamento apropriado aos projetos que lhes são apresentados no domínio da ciência e da tecnologia, sendo desejável, em particular, que:

ajustem a concessão de recursos às prioridades do país recipiente, e não o contrário;

afastem na avaliação e seleção de tais projetos os critérios e técnicas de análise que visam retorno econômico a curto prazo;

levem em conta a estrutura especial das despesas com ciência e tecnologia, as quais acarretam, de modo geral, gastos vultosos no exterior, que não se limitam à fase de instalação inicial;

concedam financiamento a longo prazo, exigido pela natureza da atividade técnico-científica;

financiem a parte interna das despesas com ciência e tecnologia, não se limitando, como o fazem atualmente, à parte importada;

não vinculem a execução de tais projetos à vinda de equipamentos, peritos e técnicos do exterior ou de países determinados;

eliminem totalmente as restrições hoje em dia existentes quanto às despesas de custeio, manutenção e assistência técnica;

acompanhem a concessão de recursos para a realização de projetos, especialmente de grande porte e de infra-estrutura, de meios financeiros para a realização de R-D no setor em apreço.

2.3 Política de informação científica e tecnológica

A transição da tecnologia importada para um esforço de criação própria não significa que novas invenções tenham que ser originadas forçosamente no país. Na realidade, qualquer centro de pesquisas, pequeno ou grande, só pode originar uma percentagem muito reduzida de tecnologia realmente nova. O esforço deve ser dirigido para utilizar, no processo de desenvolvimento, fatos conhecidos para a elaboração de novos conceitos. O sucesso de tal empreendimento depende da capacidade dos centros nacionais de utilizar a tecnologia assimilada através da informação científica e técnica ou de contatos para o desenvolvimento de processos ou produtos novos ou melhorados.

É, portanto, de extrema relevância que o país se beneficie da informação científica e tecnológica disponível no âmbito mundial. Tal informação, freqüentemente, propicia soluções para os seus problemas específicos.

O Brasil necessita do pleno acesso aos recursos da informação científica e tecnológica dos países desenvolvidos e dos em desenvolvimento; aos equipamentos necessários para a avaliação, seleção e transferência da informação mais apropriada às suas necessidades, e, sobretudo, ao seu desenvolvimento econômico. É também importante o acesso indispensável para ajudar o país a adaptar a informação e absorvê-la convenientemente.

É de interesse nacional beneficiar-se dos processos mais modernos relacionados com a informação científica e tecnológica, pois tais processos, ao multiplicar os beneficiários, reduzir ao mínimo o tempo de busca, economizar espaço e comprimir os estoques de documentos, permitem, apesar do seu custo elevado, repartir melhor as despesas entre os usuários.

Devem ser reduzidos ou totalmente eliminados os obstáculos políticos, econômicos, jurídicos e administrativos à livre circulação da informação científica e tecnológica, tais como políticas de preços discriminatórios, reservas de freqüências em matéria de telecomunicações, privilégios excessivos dos detentores, regulamentos postais e alfandegários arcaicos, etc.

3. A DEMANDA DA TECNOLOGIA

Outro instrumento extremamente poderoso na execução da estratégia científica e tecnológica do país é a ação sobre a demanda, através do fortalecimento do sistema produtivo nacional. Com efeito, o esforço para incrementar a produção interna de know-how só tem sentido na medida em que venha atender às solicitações específicas e às necessidades futuras do sistema produtivo. Daí a necessidade de fortalecer o sistema produtivo nacional e incentivar a demanda da empresa privada nacional, do setor público e da empresa estrangeira.

3.1 A empresa privada nacional

O Brasil tem optado por regime econômico de mercado, fundado na aliança dos setores público e privado. Em tais condições, o Governo orienta-se no sentido de aumentar o poder de competição das empresas nacionais, incentivando a inovação tecnológica, adotando técnicas de gestão e controles operacionais eficientes.

Examinemos, em seguida, as medidas tendentes a modernizar e reforçar a grande empresa nacional, as pequenas e médias empresas e as de marketing, consultoria e assistência técnica.

A) A grande empresa nacional

Para a consecução de vastos empreendimentos nacionais, é particularmente indicada a fórmula da grande empresa ou da associação de empresas induzidas a participarem em projetos de considerável porte, especialmente os correspondentes a setores de alta prioridade ou com atividade de tecnologia complexa.

Com efeito, tais setores, em razão de fenômenos de escala, indivisibilidade e outros fatores, exigem níveis mínimos de inversão para que as atividades correspondentes passem a ser realizadas com eficiência, em base de planos a longo prazo e de políticas de previsão.

B) As pequenas e médias empresas

Entretanto, as pequenas e médias empresas não deixam de desempenhar um papel no processo descrito. São, de modo geral, firmas genuinamente nacionais e por conseguinte mais fáceis de serem integradas na política geral de desenvolvimento científico e tecnológico. Podem realizar, isoladamente, atividades de R-D que não interessam às grandes empresas. Podem-se associar, com o auxílio do Governo, para empreender ou contratar com instituições de pesquisas ou outras empresas, projetos de R-D. O Governo pode, através de fundos de modernização e outros mecanismos, conferir às pequenas empresas novas potencialidades, induzindo-as a melhores níveis de eficiência e a maior racionalidade na gestão e na produção. Finalmente, as pequenas e médias empresas devem-se beneficiar, na medida do possível, das informações científicas e tecnológicas captadas no exterior ou geradas dentro do país.

C) Empresas de marketing, consultoria e assistência técnica

Outrossim, tentar-se-á promover um marketing dinâmico, visando a prospecção e a preparação de mercados que permitam, através da criação, desenvolvimento ou melhora de produtos e serviços, expandir a demanda de tecnologia nacional.

Finalmente, serão incentivadas as atividades das empresas nacionais de consultoria e assistência técnica, as quais, pelo contato com as unidades produtivas do país e pela qualificação de seus quadros técnicos, poderiam ser focos de difusão interna de tecnologia bem como elementos de ligação entre as unidades produtivas e o sistema científico-tecnológico do país.

3.2 Setor público

Os organismos públicos podem estimular a demanda de tecnologia nacional, dando preferência, nos seus contratos, a produtos que utilizam técnicas desenvolvidas no país. Entretanto, existem dois instrumentos mais diretos e eficazes para assegurar tal estímulo: a empresa estatal e os contratos públicos de pesquisa e desenvolvimento.

A) A empresa pública

Nesse sentido, devem ser sublinhadas as vantagens das empresas estatais, particularmente qualificadas em virtude de suas dimensões, impacto no sistema econômico, dinâmica em setores prioritários, acesso mais fácil às fontes de financiamento, volume de recursos que concentram e, finalmente, natural integração na política de desenvolvimento do país.

As empresas públicas correspondem, de modo geral, três tipos de atividades: o núcleo de expansão básica que visa assegurar o suprimento dos insumos essenciais (siderurgia, petroquímica, matérias-primas industriais, etc), o atendimento das necessidades sociais, cuja satisfação escapa, de modo geral, à empresa privada (tais como educação, habitação, saúde, ambiente, urbanização, etc); os "setores de ponta" com grandes potencialidades (atividades espaciais, energia nuclear, computadores, etc.).

B) Contratos de pesquisa e desenvolvimento

O Estado encarrega-se de estimular a demanda de ciência e tecnologia e incentivar as atividades de R-D, através de contratos de pesquisa e desenvolvimento celebrados com entidades nacionais privadas ou públicas. Nesse domínio, pode-se distinguir:

os contratos de pesquisas ligados a necessidades específicas da administração (fornecimento de material ou de serviços), ficando entendido que os resultados do trabalho local de adaptação ou inovação estendem-se ao setor privado;

os contratos de incentivos à pesquisa (pesquisa fundamental ou tecnologia), cuja finalidade não é mais a obtenção de um produto ou serviços definidos, mas os resultados econômicos provenientes da adaptação ou inovação tecnológica, em domínios, de modo geral, de rentabilidade aleatória ou de longo prazo.

Pelo contrato de pesquisa-desenvolvimento, o Estado pode delegar parte de suas responsabilidades em matéria científica e tecnológica a instituições independentes. No caso de possibilidades de exploração comercial, a contrapartida fornecida pelo contratante poderá ser a cessão de patentes ao Estado ou a terceiros, o reembolso de certas quantias, a participação do Estado nos benefícios, etc. Mas, o Estado visará essencialmente, não tais compensações aleatórias, mas, sim, os benefícios diretos das tecnologias desenvolvidas ou as "recaídas invisíveis" de avaliação mais difícil, que têm impacto no sistema científico-tecnológico e na economia (transferência de informação científica e técnica, difusão de know-how, descobertas científicas, melhora na qualidade dos produtos, redução dos custos, etc).

3.3 As empresas estrangeiras e multinacionais

Deve-se reconhecer que as empresas estrangeiras e multinacionais têm desempenhado papel importante no desenvolvimento do país, ao servirem de veículo para a transferência de tecnologia. Para que esta contribuição seja melhor aproveitada é preciso integrá-las perfeitamente no processo de expansão nacional, induzindo-as a:

a) participar do processo de difusão interna da tecnologia que importam;

b) realizar ou contratar atividades de pesquisa e desenvolvimento localmente, de preferência aquelas previstas por dotações específicas no orçamento de suas subsidiárias;

c) adaptar as tecnologias originais de acordo com as necessidades econômico-sociais do país;

d) empregar preferencialmente matérias-primas locais;

e) formar e utilizar mão-de-obra e pessoal técnico de gestões locais;

f) renunciar às situações monopolistas de que se beneficiam freqüentemente ao abrigo de sistemas protecionistas que visavam, originariamente, proteger as empresas nacionais;

g) trabalhar em ambiente de concorrência efetiva.

Tais resultados podem ser obtidos através da reforma do estatuto, direitos e obrigações das empresas subsidiárias estrangeiras ou multinacionais. Normas claras referentes às remessas para o exterior e às garantias de investimento garantem uma colaboração mais eficaz.

A associação de empresas estrangeiras ou multinacionais a esforços brasileiros (joint ventures) constitui fórmula prática para proporcionar ambiente favorável à participação útil e direta do exterior ao desenvolvimento econômico do país. Aliás, a aliança entre o poder público - empresas públicas e agências de fomento - e a empresa nacional favorece a associação com a estrangeira em condições vantajosas e seguras. A organização resultante do consórcio garante contatos diretos com fontes externas de grande poder inovador bem como a perfeita integração nos objetivos nacionais.

4. TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

4.1 Características do comércio de tecnologia

Já vimos que a tecnologia pode estar ou não incorporada a certos bens. Pode-se dizer, grosso modo, que no primeiro caso, a tecnologia é objeto do comércio indireto (bens importados, usinas implantadas, etc.) e no segundo, do comércio direto. Ê evidentemente complexo, para não dizer impossível, separar o preço da tecnologia dos outros elementos, quando se trata da aquisição de um bem ou de investimentos estrangeiros mediante a instalação de unidades de produção.

No que se refere ao comércio direto, o custo costuma ser contabilizado em forma independente (licenças e know-how). Mas aqui também há numerosas incógnitas provenientes de deformações e irregularidades. Em verdade as importâncias reais pagas para transferência de tecnologia são muito superiores às que constam das estatísticas, em virtude da existência de práticas comerciais restritivas (sobrefaturamento de produtos intermediários de aquisição obrigatória, salários de pessoal estrangeiro, assistência técnica proveniente do fornecedor, etc), de evasão fiscal, de fuga ao controle cambial. Nesse sentido, compara-se o comércio de tecnologia a um iceberg', a parte visível é muito menor que a parte escondida. Calcula-se, por exemplo, que no comércio de tecnologia entre os Estados Unidos e a América Latina os pagamentos referentes ao mecanismos dos investimentos correspondem a seis vezes os referentes ao comércio direto.

Igualmente dignas de nota são as características do mercado de tecnologia.

Os mecanismos de mercado de tecnologia, especialmente quando se trata de transferência entre país desenvolvido e em desenvolvimento, apresentam notáveis deficiências, especialmente em razão dos seguintes fatores:

a) diferença existente entre o ponto de vista da empresa e os interesses nacionais. Enquanto a empresa se orienta, sobretudo, por fatores de ordem microeconômica, o país, além dos aspectos econômicos, precisa levar em consideração problemas relacionados com sua soberania, o bem-estar social e a preservação de valores culturais;

b) peculiaridades do exportador de tecnologia, que é, de modo geral, um especialista ou um grande produtor industrial de bens, para o qual o custo marginal da tecnologia exportada é baixíssimo, pois já foi desenvolvida, utilizada e amortizada no mercado interno; é protegido por monopólio legal (patentes); possui condições ótimas de informações e de publicidade; costuma controlar o financiamento e goza de grande experiência em matéria de comércio de tecnologia;

c) peculiaridades do importador de tecnologia que é, de modo geral, uma empresa de dimensões modestas, com um custo marginal de tecnologia elevadíssimo (se pudesse ou quisesse produzir em vez de importar a tecnologia); não é protegido por tarifas ou regulamentações relativas à importação de tecnologia; não possui informações sobre as alternativas disponíveis; não dispõe de capacidade financeira de monta nem de fontes internas de financiamento, especialmente em divisas; importa a tecnologia em package junto com outros itens dificilmente distinguíveis.

Existe, em conseqüência, elementos monopolistas no comércio de tecnologia, a proveito do vendedor, deixando ao comprador baixa capacidade de negociação. O resultado é a cessão a altos preços e a reserva exclusiva.

Como disse o então Ministro Mário Gibson Barbosa, "é inaceitável que um elemento de tal transcendência para o nosso desenvolvimento seja transacionado em condições tão desfavoráveis".

Em tais condições, o processo de transferência de tecnologia não pode ser deixado aos canais "normais" das transações comerciais espontâneas, como bem o reconhecem, aliás, as Nações Unidas (Comitê Consultivo sobre a Aplicação da Ciência e da Tecnologia ao Desenvolvimento, Resolução n.º 2 626, XVI, da Assembléia Geral, Plano de Ação, etc.), a UNCTAD e a CACTAL.

4.2 Princípios orientadores da política de transferência de tecnologia

Há necessidade, por conseguinte, de uma política de transferência de tecnologia, intimamente ligada à política de desenvolvimento científico e tecnológico.

O Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT) 1973-74 descreve as bases da política de transferência de tecnologia no exterior:

"- definição de setores prioritários segundo a natureza do produto e/ou do processo a ser importado e sua significação para o desenvolvimento nacional, e a possibilidade de solução interna do problema tecnológico;

- esforço de redução dos custos da importação de tecnologia, com progressivo declínio de deficit em divisas do balanço tecnológico com o exterior;

- melhor conhecimento da oferta mundial de tecnologia, a fim de permitir ampla avaliação na escolha de alternativas e conferir maior poder de negociação às empresas nacionais;

- utilização flexível do sistema mundial de patentes, visando a sufruir os benefícios que dele possam advir e evitando aqueles que se constituem em obstáculos ao desenvolvimento econômico;

- remoção dos obstáculos à absorção e difusão interna de tecnologia importada, através de medidas tendentes a eliminar as restrições contratuais ou implícitas que possam acompanhar os acordos de transferência."

Convém analisar pormenorizadamente os interesses que devem orientar a aplicação de tal política.

Toda transação deve ser determinada pelas prioridades nacionais correspondentes aos planos de desenvolvimento global do país.

O desejo de conferir maior independência ao sistema produtivo e diminuir a dependência tecnológica do exterior não deve prejudicar o dinamismo da economia; para tanto, qualquer política seletiva de importação de tecnologia deve ser acompanhada de medidas tendentes a fortalecer internamente os setores correspondentes.

A incorporação de tecnologia ao sistema produtivo a partir de fontes internas não exclui, mas sim, completa a importação de tecnologia. Essa é apenas uma das fases do processo de transferência de tecnologia.

É indispensável que os centros de decisão, em matéria de transferência de tecnologia, fiquem no âmbito nacional, e, mais particularmente, no estatal.

Não é aconselhável um tratamento global para o processo de transferência. O desejável são mecanismos flexíveis para avaliar os casos específicos à luz dos requisitos de cada setor do sistema produtivo e da correspondente potencialidade do sistema científico e tecnológico interno. Além disso, a tecnologia importada não deve prejudicar a capacidade inovadora local; ter custo excessivo, em termos aparentes ou disfarçados e acompanhar-se de práticas restritivas ainda mais nocivas do que o excesso de remuneração.

4.3 Proteção dos centros nacionais de decisão, do sistema produtivo interno e do complexo científico-tecnológico do país

Dentre os meios tendentes a proteger os centros nacionais de decisão, o sistema produtivo interno e o sistema científico-tecnológico do país no processo de transferência de tecnologia, alguns merecem especial atenção:

A) No processo de seleção de tecnologias:

o estabelecimento de barreiras às técnicas não-adaptáveis às necessidades socieconômicas do país, às tecnologias obsolescentes e às que correspondem a padrões de consumo indesejáveis por serem próprios de países desenvolvidos;

ampliação da oferta de tecnologia, que permita, com assessoria do Governo, larga avaliação, escolha de alternativas e diversificação das fontes de tecnologia importada;

a fixação de tratamento diferenciado para as remessas relativas à importação de tecnologia, segundo o grau de prioridade dos setores a que se destina.

B) No processo de difusão:

a supressão das possibilidades de bloqueamentos preventivos do desenvolvimento do país, especialmente pelo registro de patentes que não são utilizadas;

a eliminação das restrições contratuais ou outras que possam acompanhar a concessão de licenças, vendas de patentes, arranjos entre matrizes e subsidiárias, tais como: interdição de fabricar os produtos em associação com outras empresas locais; interdição de utilizar o material empregado para fabricar outros produtos; proibição de fabricar produtos no mesmo ramo; obrigações vinculadas de compra de matérias-primas, produtos intermediários e equipamentos; restrições à exportação dos bens fabricados sob licença; restrições quanto ao uso da mão-de-obra e do pessoal técnico e de gestão local, etc.

C) No que refere à remuneração da tecnologia importada:

a eliminação dos efeitos negativos dos contratos de importação de tecnologia, no caso das empresas multinacionais, tendo em conta que estas procuram efetuar remessas financeiras através dos canais cujo tratamento fiscal ou cambial lhes seja mais conveniente;

melhora de posição negociadora das empresas nacionais e retificação do desequilíbrio das negociações tecnológicas;

exame do nível de remuneração da tecnologia importada, com referência às condições do mercado mundial e, em particular, às transações entre países desenvolvidos;

procura de novos critérios para remuneração da tecnologia importada, tanto no nível da empresa quanto no plano nacional;

eliminação do sobrefaturamento das matérias-primas, produtos intermediários, equipamentos, assistência técnica, gestão, etc, cujo fornecimento se encontre vinculado, por disposições contratuais ou de fato, à importação de tecnologia;

determinação do custo real da transferência de tecnologia, e não simplesmente do fluxo financeiro nominal e aparente.

4.4 Instrumentos para uma política de transferência de tecnologia

Uma política integrada de transferência de tecnologia exige esforços nos planos interno e externo.

A) Instrumentos internos:

revisão constante da legislação relativa à propriedade industrial, como a que acaba de ser feita;

adoção de instrumentos destinados a regular e orientar a importação de tecnologia, não só no que diz respeito à remuneração direta e aparente da transferência (royalties, preço de compra em bloco, etc.) mas ainda ao exame prévio dos contratos de assistência técnica, serviços de engenharia, investimento e reinvestimentos, sem deixar de lado as relações menos ostensivas entre empresas estrangeiras e multinacionais e suas subsidiárias;

estabelecimento de um sistema integrado de análise e seleção da tecnologia importada, o que necessita não só um aparato legal complexo, mas ainda um mecanismo de avaliação técnico e socioeconômico;

plena integração das empresas estrangeiras e multinacionais na política de desenvolvimento do país, como já foi dito;

criação de condições favoráveis à eficiente e rápida absorção da tecnologia importada.

B) Instrumentos internacionais:

No plano internacional, a ação tendente a facilitar a execução de tal política de transferência de tecnologia pode ser exercida com relação aos países em desenvolvimento, aos desenvolvidos e às instituições internacionais.

No que se refere às relações com os países em desenvolvimento, tentar-se-á:

contribuir para uma plena tomada de consciência, por parte de todos os países em desenvolvimento, dos problemas suscitados pela transferência de tecnologia;

tentar estabelecer, no seio dos países em desenvolvimento, posições comuns e ação conjugada com referência aos problemas de transferência de tecnologia, o que, apesar de pontos controvertidos, não se afigura impossível; unidos, tais países conseguiriam mais facilmente concessões por parte das empresas e dos governos dos países desenvolvidos;

facilitar a disseminação e intercâmbio das tecnologias elaboradas pelos países em desenvolvimento, porventura mais satisfatórias, por terem tais países condições ecológicas semelhantes à distribuição análoga dos fatores de produção;

examinar as possibilidades de compras concertadas de tecnologia, prestação recíproca de assistência técnica e serviços diversos, criação de empresas multinacionais controladas pelos países em desenvolvimento.

No que se refere às relações com os países desenvolvidos, o esforço será dirigido no sentido de:

convencê-los de que é do seu próprio interesse a longo prazo que não se perpetue ou até se agrave a divisão entre países que dispõem quase que exclusivamente da tecnologia mundial e países desprovidos de capacidade própria; bem entendido, será menos difícil convencer os governos do que as empresas;

obter, portanto, que os governos dos países industrializados incentivem suas empresas nacionais, através de medidas diversas (especialmente incentivos fiscais e financeiros), a transferirem para os países em desenvolvimento, em termos favoráveis aos mesmos, as tecnologias de que necessitam. Que, além disso, as referidas empresas disciplinem as atividades de suas subsidiárias, favoreçam a adaptação das tecnologias exportadas, etc;

concitá-los a promover a eliminação de todas as práticas comerciais restritivas, de acordo com o parágrafo 37 da Estratégia das Nações Unidas para o Desenvolvimento;

obter a revisão das regras internacionais, por eles ditadas, que dizem respeito à transferência de tecnologia para os países em desenvolvimento, inclusive nos seus aspectos comerciais e jurídicos, considerando-se, por exemplo, a possível introdução da cláusula de nação mais favorecida;

conseguir a eliminação das barreiras para a importação dos produtos manufaturados ou semimanufaturados produzidos nos países em desenvolvimento, e inclusive, no espírito da UNCTAD, conceder-lhes regime preferencial; no mesmo sentido, obter a erradicação das limitações que impedem a exportação de produtos elaborados com tecnologia importada e do sistema de repartição de mercados entre matrizes e subsidiárias;

instruir entidades encarregadas de proporcionar aos países em desenvolvimento informações relativas às tecnologias disponíveis e às possibilidades de alternativas.

Tal programa pode parecer, evidentemente, irrealista. É preciso, porém, não esquecer que, em virtude da saturação que começa a se manifestar na economia dos países desenvolvidos, as suas empresas necessitarão cada vez mais do mercado oferecido pelos em desenvolvimento e estarão mais levadas a efetuar as concessões pretendidas. Outrossim, muitas empresas multinacionais deixarão de se beneficiar do apoio indiscriminado dos governos dos países desenvolvidos, cada vez mais cônscios do fato que os interesses de tais empresas não coincidem com os deles.

No que se refere às instituições internacionais: poderá ser procurado o auxílio das instituições internacionais para realização de tal política. Tais organismos estão especialmente habilitados para:

participar de mecanismos internacionais de informação e processos sistemáticos de documentação sobre as alternativas tecnológicas disponíveis, para fins de escolha, e das informações técnico-científicas mantidas nas patentes ou pedidos de concessão de patentes, para fins de R-D; tais mecanismos auxiliarão o país a utilizar de maneira flexível o sistema mundial de patentes, como prescreve o PBDCT; deve-se citar, em particular, o sistema de rodadas multilaterais de negociações tecnológicas proposto pelo Brasil na União de Paris (OMPI) e na UNCTAD;

proporcionar pessoal experimentado para auxiliar os países em desenvolvimento na elaboração, negociação e execução de projetos relativos à transferência de tecnologia; estabelecer programas de treinamento e intercâmbio de pessoal de tais países;

proporcionar recursos financeiros para auxiliar o estabelecimento dos órgãos necessários à execução de uma política de transferência de tecnologia;

fornecer o foro para entendimentos e confrontações.

5. INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

5.1 Inovação e adaptação tecnológicas

A inovação tecnológica não mantém mais, na prática, relações com as atividades aleatórias, isoladas e casuais que caracterizavam os grandes saltos do passado. A inovação, hoje em dia, deve ser considerada como um processo de produção altamente especializado que exige mobilização organizada, com o uso de métodos eficientes de gestão, mão-de-obra, técnicas, equipamentos e recursos.

É somente quando o país está dotado de capacidade de seleção, adaptação e inovação que a importação de tecnologia pode ter efeito multiplicador e contribuir para o desenvolvimento auto-sustentável, baseado em empresas plenamente integradas no esforço nacional. Existe, com efeito, continuidade entre as atividades de transferência, adaptação e inovação. Um país em desenvolvimento ainda não tem a capacidade de multiplicar inovações absolutamente originais que possam contribuir substancialmente para alargar as fronteiras do conhecimento humano e suas aplicações práticas. Inovação significa essencialmente, no nosso contexto atual, a modificação do sistema produtivo, na base de conhecimentos científicos e tecnológicos, no sentido de utilizar melhor, em termos reais, os fatores de que dispõe o país, de adaptar os produtos às condições específicas da demanda nacional e de resolver problemas tecnológicos próprios. Corresponderá, quase sempre, à oferta de novos bens e serviços, à substituição de matérias-primas, à melhora de qualidade ou redução do custo de produtos ou serviços existentes, à elaboração de tecnologias adaptadas à produção em menor escala, à utilização de tecnologias já conhecidas a novas aplicações.

5.2 Incentivos à inovação

O incentivo à inovação também requer uma visão global e integrada das necessidades do país e do processo nacional de desenvolvimento. Por conseguinte, além de medidas no plano setorial ou da empresa, há necessidade de um planejamento central.

A) No nível central, é importante haver:

compatibilização e coordenação das atividades dos órgãos setoriais e das empresas, à luz de perspectiva a longo prazo;

controle dos mecanismos de avaliação dos aspectos sociais e culturais da ciência e da tecnologia, para o exame da relação custo/benefício da inovação tecnológica, de acordo com critérios que não sejam unicamente econômicos, tal como o problema da utilização da mão-de-obra.

B) No nível setorial e das empresas, o processo de inovação exige ações conjugadas e integradas de ordem diversa:

avaliação econométrica de projetos para evitar gastos indevidos com R-D), no estágio seletivo e preparatório: estudos de pré-inversão, pré-engenharia e outros serviços de consultoria prévia;

atividades de informação e de gerência, que realizem a síntese dos elementos científicos, tecnológicos, econômicos e sociais, em vista da direção a ser dada ao projeto;

criação de novos processos e produtos e adaptação dos existentes, graças à interação recíproca entre os sistemas produtivo e científico-tecnológico;

engenharia de produto e de processo, para criar modelos e processos nacionais, na fase de aplicação prática das novas idéias;

atividades de desenho e construção de equipamentos e, de modo geral, de bens de produção tornados necessários para inovação;

serviços de extensão encarregados de promover o uso pronto e generalizado da inovação do sistema produtivo;

serviços de comercialização;

serviços de consultoria e assistência técnica, em todas as fases.

6. COOPERAÇÃO INTERNACIONAL EM MATÉRIA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Até este momento, foi examinada mais particularmente, a ação unilateral do Estado sobre problemas ligados à ciência e à tecnologia. Convém analisar agora a cooperação internacional na matéria.

6.1 Considerações de ordem geral

A) Caráter complementar da colaboração internacional

A assistência internacional, com exceção dos países de menor desenvolvimento relativo, consegue resolver apenas problemas setoriais. O seu alcance é, aliás, muito limitado. Por exemplo, o programa global de apoio técnico da ONU a todos os países em desenvolvimento, principalmente ligado às áreas de ciência e tecnologia, é da ordem de US$ 300-320 milhões (Cr$ 1,8-1,9 bilhões 1973), enquanto o primeiro PBDCT brasileiro prevê dispêndios federais da ordem de Cr$ 2,150 bilhões por ano.

No que se refere ao mesmo PBDCT 1973-74, os recursos externos previstos para o seu financiamento são da ordem de 4,8% (empréstimos do BID e EXIMBANK, cooperação técnica multilateral - PNUD, OEA - e bilateral), enquanto os recursos próprios dos ministérios equivalem a 65,8%, os mecanismos financeiros internos a 23,3%, as outras fontes internas a 6,1%.

Em outros termos, o país deve essencialmente contar com recursos próprios para desenvolver o seu potencial científico e tecnológico. O auxílio externo, seja ele por parte de países desenvolvidos ou de instituições internacionais, será apenas complementar. Aliás, a dependência exclusiva de fontes externas, por melhor intencionadas que elas sejam, ameaçaria os centros internos de decisão e tornaria demasiadamente frágil o sistema nacional. Isto não significa, conforme foi salientado, que o país deixe de aproveitar as estruturas internacionais existentes para congregar os esforços dos países em desenvolvimento no sentido de exercer justificada pressão sobre aqueles desenvolvidos, mormente no que diz respeito à transferência de tecnologia.

B) Condições da cooperação em matéria de ciência e tecnologia

A cooperação em matéria de ciência e de tecnologia não é um fim em si. Deve ser motivada:

por uma vontade política comum correspondente a uma concepção do crescimento aceita por todos os países participantes e a uma visão análoga do papel da ciência e da tecnologia no processo do desenvolvimento econômico, social e cultural;

pelo desejo de proporcionar aos Estados individuais e especialmente aos de menor desenvolvimento relativo, meios de empreender esforços que não estariam em condições de realizarem isoladamente, seja em razão do vulto das despesas, seja da natureza global da pesquisa (ambiente, oceanografia, espaço cósmico, meteorologia, telecomunicações, etc);

por um acordo relativo às formas de cooperação mais apropriadas a cada setor, que podem ir desde a simples troca de informações até formas integradas e institucionais, passando pelo concerto das iniciativas nacionais e coordenação de programas;

pela perspectiva de cada Estado de receber justa contrapartida por sua contribuição à cooperação. Isso não significa que cada um deva recuperar os fundos com que participou, mas que pode esperar retornos positivos decorrentes da realização concreta das finalidades da cooperação (tais como o crescimento acelerado dos recipiendarios) ou situada em outros planos (estabilidade política, relações harmônicas, etc.).

6.2 Cooperação científica e cooperação tecnológica

A) Cooperação científica

Na área científica, a coordenação de programas não apresenta problemas insolúveis, e é plenamente desejável por todos a fim de evitar duplicações, repartir tarefas e concentrar esforços para a solução de problemas específicos.

Em particular, os Estados devem-se esforçar no sentido de fortalecer e integrar com o auxílio das organizações internacionais, as comunidades científicas, através de contatos pessoais e intercâmbio entre instituições, colóquios, conferências, seminários, que se processem de maneira sistemática e programada e, eventualmente, através da criação de entidades.

Papel relevante, em matéria de cooperação científica (e de informação tecnológica livre) cabe aos organismos de captação e disseminação da informação, nos planos nacional, regional e mundial. Neste terreno, a cooperação internacional poder-se-á manifestar pela organização de redes regionais e mundiais, pela concessão de recursos financeiros e de assistência técnica para a implantação dos serviços nacionais dos países em desenvolvimento.

B) Cooperação em matéria de tecnologia

Em matéria de tecnologia patenteada, pelo contrário, a cooperação é bem mais complexa, em razão:

de as empresas, e não o Estado, deterem a tecnologia que interessa aos países em desenvolvimento;

dos interesses divergentes, pelo menos a curto prazo, de cada país;

do caráter inadmissível do planejamento global e da divisão internacional do trabalho, face aos imperativos políticos, econômicos, sociais e de segurança de cada país.

Em tais condições, a cooperação tecnológica limitar-se-á, de modo geral:

entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, à realização de melhores condições para a transferência de tecnologia, principalmente no campo geralmente subtraído à empresa privada (campo "social" e setores de vanguarda);

entre países em desenvolvimento, ao aproveitamento das experiências de todos e da cross fertilization para a solução dos problemas comuns ou análogos;

no seio dos organismos internacionais, ao levantamento das áreas em que se afigurem mais frutíferas as possibilidades concretas de cooperação; ao inventário das instituições e empresas que estão em condições de contribuir para a solução dos problemas dos países em desenvolvimento; à promoção de contatos entre as instituições e empresas que tratam de problemas análogos, com o objetivo de desenvolver programas comuns de trabalho; à contratação de instituições ou empresas para a realização de estudos dos problemas dos países que não possuem facilidades locais para analisá-los adequadamente; ao apoio às instituições ou empresas dos países em desenvolvimento que já possuem o nível suficiente para ajudar outros países em desenvolvimento na solução de seus problemas; ao apoio à execução de acordos bilaterais ou multilaterais para a realização de programas comuns.

Uma observação fundamental: qualquer programa internacional deve ser elaborado de maneira "ascendente", isto é, deve tomar como base os planos de desenvolvimento de cada Estado participante. Não é admissível a imposição de esquemas que não se inserem integralmente nas metas de desenvolvimento e crescimento de um país.

6.3 O problema da quantificação do esforço científico e tecnológico para o desenvolvimento

Nos últimos tempos, vários estudos têm tentado quantificar os recursos necessários ao desenvolvimento científico e tecnológico dos países menos avançados, como o Relatório Pearson, da Comissão de Desenvolvimento Industrial (Partners in Development. Praeger, 1969), o Relatório Jackson, encomendado pelo ECOSOC, o Relatório da Universidade de Sussex, intitulado Science, Technology and Underdevelopment: The Case for Reform e principalmente o Plano Mundial de Ação, atualmente em fase de exame pelas Nações Unidas.

Tais documentos, concluem de modo geral, que o desenvolvimento exige maciça aplicação e mobilização de recursos provenientes de três fontes: esforços próprios dos países em desenvolvimento; contribuição dos países desenvolvidos; recursos adicionais.

A) A Estratégia Internacional do Desenvolvimento

A Estratégia Internacional do Desenvolvimento (Resolução n.º 2 626, XXV da Assembléia Geral das Nações Unidas) contém algumas considerações sobre a quantificação, mas só chega a determinar o esforço dos países em desenvolvimento (a chamada Meta I). A Meta II (contribuição direta dos países desenvolvidos para auxiliar a consecução da Meta I) e a Meta III (procura pelos países desenvolvidos de soluções para os programas específicos dos países em desenvolvimento) são tratadas de maneira bastante confusa, limitando-se a Estratégia a salientar o caráter desejável da quantificação.

Convém parafrasear o conteúdo da Estratégia no que diz respeito à ciência e à tecnologia:

"a) Consideração geral: Com a ajuda dos países desenvolvidos, os países em desenvolvimento empreenderão esforços concentrados para aumentar a sua capacidade de aplicar a ciência e a tecnologia ao desenvolvimento de modo que o desnível tecnológico possa ser reduzido sensivelmente ( § 60).

b) Meta I: Os países em desenvolvimento continuarão a aumentar as suas despesas com R-D e esforçar-se-ão para levá-las a um nível médio mínimo correspondente a 0,5% do seu PNB no fim da Década de Desenvolvimento (1980). Tentarão infundir nos seus cidadãos o senso do método científico que deve influenciar toda a sua política em matéria de desenvolvimento. O programa de pesquisa será orientado para o aperfeiçoamento de técnicas em harmonia com as características e as necessidades de cada país e região. Tais países darão uma atenção especial à pesquisa aplicada e esforçar-se-ão para lançar as bases de uma infra-estrutura científica e de instituições científicas e técnicas (§ 61).

c) Princípios de cooperação internacional: O empreendimento, reforço e promoção de pesquisas científicas e de atividades tecnológicas suscetíveis de influenciar a expansão e a modernização da economia dos países em desenvolvimento serão objeto de uma cooperação internacional completa. Serão particularmente encorajadas as tecnologias apropriadas a tais países e incentivado o esforço de pesquisa relativa a certos problemas cuja solução é suscetível de ter um efeito catalítico que acelere o desenvolvimento. Assistência será igualmente prestada para criar instituições de pesquisa nos países em desenvolvimento, especialmente em base regional ou sub-regional, e, eventualmente, para desenvolver e melhorar as que existem. Será promovida igualmente cooperação estreita entre o trabalho científico e o pessoal dos centros de pesquisas dos países em desenvolvimento e entre os dos países desenvolvidos e os dos países em desenvolvimento (§ 62).

d) Meta II: No decorrer da Década, os países desenvolvidos, no quadro dos seus programas nacionais de ajuda e assistência técnica, intensificarão substancialmente sua ajuda no sentido de apoiar direta e indiretamente a ciência e a tecnologia nos países em desenvolvimento. A questão da fixação de meta correspondente à percentagem determinada do PNB dos países desenvolvidos seria estudada por ocasião do primeiro exame bienal da Estratégia (isto é, em 1973). Levando em conta a sua política de ajuda e investimento, os países desenvolvidos ajudarão os países em desenvolvimento a identificar as tecnologias que convêm à sua situação e evitar que as que não lhes são adequadas possam absorver recursos raros (§ 63, início e fim).

e) Meta III: Outrossim, os países desenvolvidos contribuirão, no quadro dos seus programas próprios de R-D, na procura de soluções para os problemas específicos dos países em desenvolvimento e, para tal fim, esforçar-se-ão para fornecer recursos suficientes. A questão de um objetivo definido neste domínio seria seriamente estudada por ocasião do primeiro exame bienal da Estratégia. Os países desenvolvidos esforçar-se-ão particularmente para efetuar nos países em desenvolvimento parte importante de suas despesas com atividades de R-D consagradas aos problemas próprios dos países em desenvolvimento. Será estudada a possibilidade de alguns de seus projetos de R-D serem realizados nos países em via de desenvolvimento. As fundações, instituições e organizações privadas serão encorajadas a fornecer uma assistência suplementar para estender e diversificar as atividades de pesquisa úteis aos países em desenvolvimento (§ 63).

f) Transferência de Tecnologia: Os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, assim como as organizações internacionais competentes, estabelecerão e executarão um programa que vise favorecer a transferência de tecnologia para os países em desenvolvimento, no âmbito do qual se comprometerão, especialmente: 1.º a reexaminar as convenções internacionais relativas às patentes, 2.º a identificar e atenuar os obstáculos que se opõem à transferência de tecnologia para os países em desenvolvimento, a fim de facilitar a estes países o acesso às tecnologias patenteadas e não-patenteadas em termos e condições equitativos e razoáveis, 3.º a facilitar a utilização das tecnologias transferidas para os países em desenvolvimento a fim de ajudar tais países a atingir as suas metas em matéria de comércio e de desenvolvimento, 4.º a aperfeiçoar tecnologias adaptadas à estrutura de produção dos países em desenvolvimento e a tomar medidas para acelerar o aperfeiçoamento de tecnologias locais."

B) O Plano Mundial de Ação para a Aplicação da Ciência e da Tecnologia ao Desenvolvimento

Paralelamente, o Comitê Consultivo para a Aplicação da Ciência e da Tecnologia ao Desenvolvimento (ACASTD, do ECOSOC), na base de estudos anteriores, preparados para a Segunda Década do Desenvolvimento (Science and Technology for Development, E.70,1.23), incluía na sua proposta de Plano Mundial de Ação de 1971 (E/4962/Rev.2) considerações quantitativas sobre as metas, ficando entendido que as Metas I e II se referiam não só às atividades de R-D, mas também à infra-estrutura científica e tecnológica. A Meta III, todavia, limitar-se-ia à pesquisa e desenvolvimento.

C) Outras considerações das Metas

As metas foram ainda objeto de consideração por parte da UNCTAD, especialmente na II Conferência Geral de 1972, por um grupo de peritos convocados em Bonn pela Fundação Alemã para os Países em Desenvolvimento (16-18 de fevereiro de 1972), por outro grupo reunido em Baden (Áustria) pelo Governo austríaco e a Unesco (23-29 de maio de 1972), ainda pela ACASTD na sua XVII Sessão (E/c.8/2), por um grupo de peritos convocados pelo Secretário-Geral das Nações Unidas (15-19 de janeiro de 1973), pelo próprio Secretário-Geral (Relatório submetido ao Comitê de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento, 31 de janeiro de 1973, E/c.8/10), pelo Comitê que acaba de ser mencionado (12-30 de março de 1973) e por um grupo de peritos ad hoc, (3-7 de dezembro de 1973), de caráter intergovernamental.

6.4 As Metas no Comitê de Ciência e Tecnologia das Nações Unidas

A maior ênfase nas Metas foi dada pelo novo Comitê de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento, das Nações Unidas, o qual se revelou foco de ação positiva por parte dos países em desenvolvimento.

Na I Sessão do Comitê (Nova York, 12 de março - 9 de abril de 1973) o esforço dos países em desenvolvimento tendeu para concentrar prioritariamente a atividade do novo órgão no problema das Metas, e particularmente da Meta III, a única realmente controvertida. Tentaram, igualmente, mas em vão, obter um compromisso sobre a quantificação das Metas.

No início da sessão, o Grupo dos 77 resolveu apresentar um projeto de revisão dos §§ 60, 61 e 63 da Estratégia Internacional nas bases numéricas de 1% do PNB dos países em desenvolvimento (Meta I), 0,05% do PNB dos países desenvolvidos (Meta II) e 10% do esforço de R-D dos países desenvolvidos, incluindo as despesas militares (Meta III). Tratava-se, evidentemente, de posição de base, que não excluía negociações.

No decorrer da sessão, apesar do evidente desejo de conciliação por parte dos países em desenvolvimento, os desenvolvidos preferiram adotar uma atitude de intransigência total, recusando qualquer negociação sobre a quantificação, por eles qualificada de impossível.

Em tais condições, só restava aos países em desenvolvimento forçar votação do seu projeto, o único oficialmente existente. O texto foi aprovado por 26 votos (países em desenvolvimento e Romênia), 13 contra (ocidentais, sem exceção) e 5 abstenções (socialistas).

Apesar da falta de efeito concreto e imediato de uma resolução puramente majoritária, a votação foi útil na medida em que:

a) expunha da maneira mais nítida possível o desacordo real entre os 77 e o Grupo B no que se refere às Metas;

b) mantinha intacto o texto original dos 77 para fins de negociações a serem retomadas na II Sessão do Comitê e nas demais instâncias do processo de revisão da Estratégia;

c) proporcionava aos 77 forte elementos de barganha, no contexto das negociações sobre as demais seções da estratégia;

d) representava clara manifestação da vontade política dos 77, apesar de certas tendências centrífugas.

Outra recomendação do Comitê, no sentido de convocar um grupo de peritos governamentais sobre a quantificação, veio completar utilmente a primeira.

6.5 Evolução da quantificação

Examinemos agora a evolução da quantificação e a situação presente de cada uma das três Metas, após aprovação de resolução que recomenda metas quantificadas.

A) Meta I

O esforço próprio dos países em desenvolvimento no fim da década passaria para 1% do PNB, incluindo agora, não somente atividades de R-D, mas também a infra-estrutura científica e tecnológica (em princípio, 0,5% do PNB para cada uma, variando a proporção de acordo com o estágio atingido por cada país). Trata-se de despesa global da ordem de $5 a 6 bilhões.

A adoção 0,5 do PNB para atividades de R-D pode parecer modesta, contudo representa para muitos, esforços consideráveis. Atualmente, as cifras são, aproximadamente, as seguintes:

É evidente que, para o Brasil, a taxa de 0,5% no final da década seria insuficiente, devendo-se levar em conta as opções entre importação maciça de tecnologia (solução japonesa) ou esforço próprio de R-D intensiva, com taxas variando de 1,5 a 3%.

B) Meta II

A Meta II, na sua evolução, sofreu verdadeira inversão, o que dificulta a sua clara compreensão e dá a ilusão de que se trata de novo esforço por parte dos países desenvolvidos. Na realidade, a Meta II já está incluída no esforço total de ajuda direta dos países adiantados em prol do desenvolvimento. Isto é, corresponderia a uma opção dos países em desenvolvimento para aplicar recursos nas áreas da ciência e da tecnologia às expensas de outros setores, sem que haja aumento quantitativo nas prestações dos países desenvolvidos.

Trata-se essencialmente de superar as dificuldades orçamentárias e, sobretudo, cambiais, que os países em desenvolvimento encontram na realização da Meta I, o que, estima-se, corresponde ao acréscimo de uma certa proporção da mesma (inicialmente calculada em 25%). Entretanto, em vez de dizer que os países em desenvolvimento devem consagrar certa proporção da ajuda recebida à ciência e à tecnologia, diz-se que os desenvolvidos devem consagrar 0,05% do seu PNB à Meta II. De qualquer modo, tal importância equivale a $1 250 milhões, isto é, a aproximadamente à quarta parte da Meta I. Isto corresponderia a 1/4 da assistência total no quadro da Estratégia, se a ajuda global atingisse a meta prevista de 0,7% do PNB dos países desenvolvidos.

Mais uma vez, os países desenvolvidos não podem seriamente se opor à Meta II, que não implica novos compromissos financeiros. Apenas pode criar problemas de disponibilidade de material científico e técnico e de peritos que são tão necessários quanto o auxílio monetário.

C) Meta III

A Meta III, contrariamente às precedentes, sofreu evolução considerável.

a) O Relatório Pearson prescrevia que, para 1972, 5% dos gastos públicos em R-D dos países desenvolvidos fossem aplicados a projetos específicos dos países em desenvolvimento, sendo a metade in loco.

b) O Plano Mundial de Ação recomenda que os países desenvolvidos consagrem 5% de seus gastos em pesquisa e desenvolvimento não-militares aos problemas específicos de R-D de interesse para os países em desenvolvimento, o que corresponderia aproximadamente a US$ 2 250 milhões no fim da década, isto é, 50% da Meta de 0,1 % do PNB dos países desenvolvidos. Trata-se, em suma, de certa mobilização dos recursos humanos e técnicos dos países desenvolvidos para: resolver os problemas prioritários dos países em desenvolvimento; adaptar as tecnologias existentes às condições peculiares desses países; elaborar tecnologias novas particularmente orientadas para a indústria e as necessidades desses países.

c) Na III Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento, os países em desenvolvimento pediram que a cifra de 5% passasse para 10%, pretensão que foi consignada em resolução unanimemente aprovada (39, II) e reiterada no seio dos outros órgãos da UNCTAD.

d) O Grupo de Baden recomendou que a Meta III seja calculada no conjunto das despesas de R-D, militares ou não.

e) O Secretário-Geral das Nações Unidas, na base dos trabalhos do Grupo de Peritos sobre Metas, recomenda (E/c.8/10) 5% de todas as despesas de R-D militares ou não.

f) Finalmente, o Comitê de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento recomenda 10% das despesas totais em R-D, militares ou não. Reformulou destarte a parte do § 63 da Estratégia consagrada à Meta III:

"Outrossim, os países desenvolvidos consagrarão parte crescente de suas despesas com pesquisa e desenvolvimento experimental a problemas específicos de interesse primordial dos países em desenvolvimento. Parte significante de tais despesas será efetuada nos países em desenvolvimento. Os países desenvolvidos atingirão, no fim da década, a meta de 10% de suas despesas com pesquisa e desenvolvimento experimental consagrada aos problemas específicos dos países em desenvolvimento, selecionados em consulta com aqueles, de acordo com critérios elaborados por mecanismos apropriados no seio das Nações Unidas. As despesas correspondentes a esta categoria não serão consideradas como fazendo parte das metas de transferência financeira e assistência dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. Em cooperação com os países em desenvolvimento, os países desenvolvidos continuarão a examinar a possibilidade de localizar alguns dos seus projetos de R-D nos países em desenvolvimento. As fundações, instituições e organizações privadas serão encorajadas a fornecer assistência adicional para expandir e diversificar as atividades de pesquisas em benefício dos países em desenvolvimento".

Nessa última formulação, pode-se considerar que a Meta III é financeiramente equivalente à Meta I, isto é, $5 a 6 bilhões (talvez mais, caso cresçam as despesas totais em R-D dos países desenvolvidos). Ora, levando em consideração o volume das atuais despesas em R-D militares ($25 bilhões) e as despesas totais militares estimadas para o fim da década ($360 bilhões), verifica-se que a Meta III está perfeitamente dentro do possível.

6.6 O Grupo de Peritos sobre Quantificação das Metas

O Grupo Intergovernamental de Peritos sobre a Quantificação das Atividades Científicas e Tecnológicas Relativas ao Desenvolvimento foi convocado pela Resolução n.º 1822 (LV) do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas e reuniu-se em Paris em dezembro de 1973.

O mandato do Grupo era, inter alia:

examinar e recomendar critérios e definições para classificar as diversas atividades científicas e tecnológicas no quadro das três metas da Estratégia Intergovernamental para o Desenvolvimento;

apresentar um relatório sobre os resultados de tais pesquisas à II Sessão do Comitê da Ciência e Tecnologia das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Em tais condições, não tomou posição, de acordo com o seu caráter neutro, sobre o problema da factibilidade das Metas ou cifras específicas sobre as mesmas.

A fim de que a necessidade de uma quantificação muito precisa não possa servir de pretexto para adiar a realização de atividades em prol do desenvolvimento, o perito brasileiro insistiu para que fosse incluída no relatório a seguinte disposição (novo § 28):

"Na espera de um sistema elaborado de quantificação, os países desenvolvidos e em via de desenvolvimento podem evidentemente empreender, prosseguir e reforçar atividades que se enquadram nas categorias definidas no presente capítulo", (isto é, as três Metas).

As conclusões do Grupo são as seguintes:

a) a metodologia relativa à quantificação das Metas I e II já se encontra disponível, pelos menos no que tange à R-D;

b) a quantificação da Meta III necessita sistemas mais elaborados de dados, embora seja desde já possível no caso de países que dispõem de estatísticas científicas e de uma relação legível por computador de títulos de projetos, levando em conta que ainda resta a definir o que são os "problemas específicos dos países em desenvolvimento". Para tal definição, o mecanismo apropriado das Nações Unidas poderá utilizar o Plano Mundial de Ação revisto, completado e corrigido;

c) por volta de 1980, muitos países desenvolvidos disporão de bases de dados adequados, bastando para a quantificação razoavelmente precisa da Meta III acrescentar, quando necessário, os dados suplementares já sugeridos. A quantificação da Meta III deve ser possível em quase todos os países no fim da década. Antes de 1975, ordens de grandeza já poderão ser obtidas.

Em resumo, as conclusões do Comitê são altamente positivas e construtivas. O simples fato de reconhecer que a quantificação é possível (o que os países desenvolvidos negavam em Nova York) já constitui uma vitória. Outrossim, motivo técnico algum pode agora ser invocado para impedir a incorporação das Metas quantificadas nas próximas revisões da Estratégia, caso seja conseguido um consenso sobre as cifras. Na realidade, passou-se do conceito das Metas como idéia-força e símbolo, sem grande conteúdo prático, para as Metas cientificamente determinadas, positivas, e por isso mesmo, certamente de aplicação não-imediata.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1974
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