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A caracterização de um grupo de gerentes: ideologia e prática

ARTIGO

A caracterização de um grupo de gerentes: ideologia e prática

Roberto Venosa

Engenheiro, doutor pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, Paris, e subdiretor acadêmico da EAESP/FGV

RESUMO

Neste texto, o autor, através de pesquisa de atitudes, identifica o estilo de vida de um grupo de gerentes. Ênfase especial é dada às atitudes desse grupo dentro da empresa.

Palavras-chave: Ideologia, gerentes, práticas administrativas, capital social.

ABSTRACT

In this paper the author, through an empirical research, identifies the life style of a group of managers. Special emphasis is put on the attitudes of this group in the firm they work.

Key terms: Ideology, managers, managerial, practices, social capital.

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INTRODUÇÃO

A moderna Sociologia embarcou em um debate teórico que aparentemente não possui solução previsível. A procura por uma melhor caracterização do conceito de classe social produziu uma quantidade enorme de publicações. Algumas enfatizam características econômicas dentro de um referencial marxista, outras o mercado e as oportunidades de vida dentro da tradição weberiana, e um terceiro grupo tenta estabelecer alguma convergência entre Marx e Weber.

Marx e Weber, aparentemente irreconciliáveis, têm sido submetidos a tantas revisões, baseadas em novas realidades empíricas, que a academia e os acadêmicos passaram a enxergar na noção de classe o enigma da esfinge: "decifra-me ou devoro-te".

Saliente-se que, grosso modo, a luta pelo monopolio da explicação legítima segue duas linhas principais: a) a que toma por base a lógica da acumulação, onde a análise das classes sociais precisa ser remetida às relações de produção; e b) a que parte da lógica da formação dos grupos de status, onde "classe social" depende dos movimentos internos que um grupo executa para buscar maior autonomia relativa.

A primeira abordagem combina dois pontos de vista contrastantes: um que considera inovadores os grupos intermediários, tais como os gerentes(1 1 . BERLE, A.A. & MEANS, G.C. The Modem Corporation and Private Property. New York, MacMillan, 1933. ), e outro que os considera acumuladores inescrupulosos, instrumentos das classes dominantes(2 2 . BRAVERMAN, H. Labour and Monopoly Capitalism. New York, Monthly Review Press, 1974. ). A segunda abordagem entende a divisão entre classes e grupos de status como o resultado do conjunto de recursos mobilizados, intencionalmente ou não, de modo a alcançar níveis mais elevados na estrutura de classes e também como resultado dos critérios de inclusão, exclusão e mobilidade profissional(3 3 . BOLTANSKI, L. Les Cadres. Paris, Ed. de Minuit, 1982. ).

Alguns sociólogos consideram também relevantes para o caso de sociedades do Terceiro Mundo as dimensões de raça, de religião e de sexo. Embora reconhecendo a importância dos tópicos acima relacionados, não é objeto deste trabalho aprofundá-los. Este estudo procurará caracterizar os gerentes como parte desses grupos intermediários e examinará as estratégias de sobrevivência por eles desenvolvidas, bem como os sistemas de poder praticados dentro de organizações.

Geralmente, os estudos sobre classes sociais não avaliam os determinantes internos de gênese e estruturação da estratificação em classes, nem as condições de acesso às posições dominantes na hierarquia organizacional. Relações estruturais não ajudam a compreender ou qualificar os grupos intermediários como grupos socialmente distintos. Esses grupos usualmente têm sua ação política e suas estratégias de sobrevivência diminuídas pela sua incapacidade em impor um projeto hegemônico para os restantes atores sociais. Por exemplo, a "burguesia brasileira" (os gerentes são entendidos como aí localizados) pode ser caracterizada como:

1. heterogênea, tendo em vista a sua participação no processo de produção;

2. incoerente, tendo em vista sua tendência a manter baixa coesão interna no delineamento de uma ação política uniforme;

3. fraca, tendo em vista a ocupação de uma posição subordinada, quando se a compara a outros grupos;

4. ilegítima, tendo em vista ser constituída a partir de diferentes estamentos sociais(4 4 . VENOSA, R. et alii. Pequena Empresa. São Paulo, Brasiliense, 1985 (vol. II). ).

Em contraste com alguns países industrializados, onde uma classe dominante substituiu outra classe dominante e um modo de produção tomou o lugar do anterior, no Brasil, um novo modo de produção se ajustou às estruturas de produção anteriores. A circulação de elites não ocorreu e, nesse processo de acomodação, as antigas elites criaram condições para a emergência das novas elites, as quais não exibiram o mesmo desempenho das elites modernizantes que, em outros países, ocupando posições dominantes, promoveram a industrialização. A lógica de industrialização brasileira se aproxima do que foi rotulado de modernização conservadora(5 5 . CARDOSO, F.H. Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil. São Paulo, Difel, 1964. ). A "burguesia brasileira" foi recrutada em diversos setores. É um grupo de consolidação recente que, como classe ou fração de classe, demonstra possuir um alto índice de circulação interna de bens e indivíduos e pode ser melhor identificada com os "homens de negócios" do que com os empresários stricto sensu.

Entretanto, um amplo grupo urbano está desenvolvendo alta propensão ao consumo de bens simbólicos e materiais e luta por crescentes padrões de educação. Por essa razão, a categoria "credencialismo", tal como definida por Frank Parkin(6 6 . PARKIN, F. Marxism and Class Theory: A Bourgeois Critique. London, Tavistock Institute, 1987. ), no mais puro reformismo weberiano, pode ser útil para a compreensão dos movimentos desses grupos dentro de organizações:

"The development of the diploma frotn universities, and business and engineering colleges, and the universal clamour for the creation of educational certificates in ali fields make for the formation of a privileged strata in bureaus and offices. Such certificates support their holders claims for intermarriages with notable families, claims to be admitted into the circles that adhere to 'codes of honour' , claims for a 'respectable' remuneration rather than remuneration for work well done, claims for assured advancement and old-age insurance, and, above all, claims to monopolize social and economically advantageous positions. When we hear from all sides the demand for an introduction of regular curricula and special examinations, the reason behind it is, of course, not a suddenly awakened 'thirst for education' but the desire for restricting the supply of these positions and their monopolization by the owners of educational certificates. Today the 'examination' is the universal means of this monopolization, and therefore examinations irresistibly advance".

O conceito weberiano de credencialismo, tal como utilizado por Parkin para o estudo das estruturas de classes, pode também ser aplicado à compreensão do surgimento e expansão dos grupos urbanos intermediários na sociedade brasileira.

O ponto básico para a compreensão da divisão da sociedade em classes é a análise da quantidade de capital econômico, social e educacional que garante aos herdeiros melhores oportunidades de vida, através de uma rede de relações sociais monopolizadas(7 7 . DOMHOFF, G.W. The Bohemian Grove and Other Retreats: a study in ruling -class cohesiveness. New York, Harper Torch Books, 1975. ). No caso brasileiro, deve ser enfatizado o capital social como o divisor de águas entre os destinos dos componentes de diferentes estratos sociais. E precisamente pela ênfase em capital social e credencialismo que as classes médias urbanas podem cuidadosamente excluir os não qualificados em virtude da ausência (nestes últimos) da "competência treinada".

Os grupos detentores de capital econômico e aqueles que detêm capital social e educacional não se excluem mutuamente. Pelo contrário, é exatamente pela circulação entre eles que a acumulação econômica é possível para aqueles que possuem capital social. Em adição, é pela acumulação de capital social que melhores oportunidades de educação formal são garantidas aos filhos da "burguesia".

De modo a manter ou aumentar seus privilégios e as condições de distinção social, esses estamentos intermediários desenvolvem práticas de inclusão e exclusão dentro de organizações sociais concretas, nas interações com outros indivíduos oriundos de outros grupos sociais. E nessas interações que as ideologias desses grupos intermediários são fabricadas, isto é, nas interações eles organizam a visão de mundo, a imagem das empresas e dos sindicatos, as opiniões políticas, os hábitos sociais etc.

Vários estudos indicam que esses gerentes (sobretudo a alta gerência) constituem uma fração especial dentre os grupos intermediários nas sociedades industriais. Embora os gerentes mantenham afinidades eletivas com os proprietários, é bastante provável que eles desenvolvam sua própria ideologia, na medida em que consigam se destacar como grupo ocupacional específico, possuidor de sofisticada educação formal(8 8 . CHILD, J. et alii. The Sociology of Industry. London, George Allen and Urwin, 1980. ). De certa maneira, os novos requisitos de sofisticada educação técnica e administrativa são derivados da crescente complexidade técnica dos modernos processos produtivos. Durante esses processos de diferenciação social a gerência adquire atributos sociais específicos, tais como renda, hábitos, opiniões políticas ou o que Max Weber chamou genericamente de "oportunidades de vida".

Este trabalho é uma tentativa de caracterização desse grupo intermediário, a partir da análise das respostas a uma pesquisa de campo. Os dados foram coletados durante os anos de 1984 e 1985 junto a uma multinacional do setor automobilístico. Foram entrevistados uma amostra de 112 (de uma população de 432) gerentes intermediários e todos (122) os ocupantes de postos de alta gerência. Entre os mensalistas foram entrevistados 175 (de uma população de 1714).Duas outras categorias, supervisores e horistas, também foram incluídas na pesquisa de campo, mas serão utilizadas somente para comparações, quando necessárias, pois, neste trabalho, optamos por concentrar a análise nos grupos intermediários (alta gerência, gerência média e mensalistas). Os questionários foram desenhados para cada um dos grupos e a bateria de aproximadamente 140 questões abrangia itens tais como:

a) perfil dos respondentes;

b) trabalho e tarefa;

c) imagem do superior;

d) imagem da companhia;

e) comissão de fábrica e sindicato;

f) economia e política.

O PERFIL DOS ENTREVISTADOS

Os nossos entrevistados ocupam posições de mensalistas, gerentes médios (MR= management roll) e alta gerência (SCR + PSR = salary compensation roll + private salary roll).Como seria de se esperar, a concentração etária oscila entre 32 e 52 anos, sendo que, quanto mais alta é a posição na hierarquia, a tendência é para faixas etárias mais altas, conforme se vê na tabela 1. A maioria do corpo administrativo e gerencial é brasileira de origem; porém, o percentual de estrangeiros cresce - praticamente duplica - ao passarmos do nível de mensalistas para o de média gerência, e deste, para o de alta gerência, conforme se vê na tabela 2.

Um dado bastante significativo é o grau de educação formal. Enquanto a proporção de mensalistas que terminaram o curso universitário é de aproximadamente 49%, essa mesma proporção se eleva a 73% na média gerência e para 81% na alta gerência, conforme se vê na tabela 3. As fortes diferenças nos percentuais relativos dos graus de escolaridade ampliam a distância cultural e social no interior da organização. No geral, ao se acentuarem as diferenças sociais e culturais, as discrepâncias educacionais fortalecem o sentimento de superioridade dos altos escalões. Outro aspecto bastante relevante refere-se ao período em que os entrevistados cursaram a faculdade. Como pode ser visto na tabela 4, os mensalistas majoritariamente freqüentaram cursos noturnos, enquanto que os gerentes, principalmente os ocupantes das posições mais elevadas, cursaram faculdades em período diurno. Da mesma forma, a proporção de graduados em universidades cresce na faixa etária de 21 a 25 anos - 40,5% para mensalistas, 51,2% para média gerência e 60,6% para alta gerência - e decresce nas faixas etárias superiores. Com base nessas duas últimas constatações, podemos afirmar que a alta gerência tende a dedicar-se exclusivamente aos estudos na universidade, sem trabalhar, e gradua-se com menos idade. Tendo em vista as disposições encontradas no sistema educacional onde, geralmente, as melhores escolas funcionam durante o dia, encontramos na idade e no período cursado mais dois elementos de reforço da distância social entre os diversos escalões. Cabe ressaltar que essa distância cresce de modo exponencial quando comparamos a educação formal de gerentes e funcionários administrativos com a dos horistas e supervisores.

Para os mensalistas, a importância do curso superior no desempenho de suas funções é menor que para os gerentes. Assim, cabe aos escalões mais altos salientar o peso da educação como pré-requisito para a ascensão na organização, como mostra a tabela 5. A educação, enquanto pressuposto para a mobilidade organizacional, é bem aceita pelos escalões mais baixos. Os mensalistas (52,6%) estão fazendo algum curso e somente 15,1% dos integrantes da alta gerência freqüentam algum curso (língua estrangeira, pós-graduação etc).

Na comparação com a situação dos pais, 48,6% dos mensalistas, 62,5% da média gerência e 68,6% da alta gerência, acreditam que sua situação melhorou. Nossos dados também revelam que os gerentes já vinham de estamentos médios e altos da sociedade (pais industriais ou altos funcionários em empresas). Não só, portanto, a condição de classe (origem), como também a posição de classe (aceleração) é mais favorável para os ocupantes de posições elevadas. Os ocupantes de posições mais baixas começaram a trabalhar mais cedo também (conforme tabela 6).

Embora haja uma tendência entre todos a se auto-classificarem como classe média, pelos critérios da ABIPEME (Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado), 65,5% dos médios gerentes e 92,6% da alta gerência estão incluídos na classe A. Saliente-se que os mensalistas (89,1%) dependem somente do salário da empresa, enquanto que 19,6% da média gerência e 36,1 % da alta têm rendimentos de outras fontes.

Na posse de bens de consumo, as distâncias sociais ficam ainda mais nítidas. A propensão e a dispersão aumentam para as classes mais altas. Elas possuem um espectro mais variado de bens de consumo (automóveis, televisores, rádios, piscinas, casas de campo, de praia etc.) e também maior quantidade de um mesmo bem, como, por exemplo, o automóvel. No que se refere a lazer, 60,6% dos mensalistas e 58% da média gerência visitam parentes ou amigos nos fins de semana, enquanto que 68% da alta gerência viajam para fora de São Paulo. Seria oportuno lembrar mais uma vez o livro de Domhoff, The Bohemian Grove, para, a partir do lazer, entendermos como as elites se autoprotegem. Os dados sobre viagens ao exterior são também bons indicadores. Enquanto que 84,5% dos mensalistas nunca viajaram para o exterior, 40,6% da média gerência e 85,2% da alta já estiveram fora do Brasil, a serviço ou em turismo.

Os dados sobre os cônjuges são também bastante significativos. De modo geral, mensalistas e gerentes são casados ou vivem maritalmente, porém, os mensalistas (52%) casaram-se entre 21 e 25 anos, enquanto que os gerentes casaram-se mais tarde (48% entre 26 e 30 anos). A instrução dos cônjuges tende a ser mais sofisticada para os escalões mais altos (33% das esposas da alta gerência possuem formação superior completa). Há também uma tendência, entre escalões mais altos, de ambos os cônjuges trabalharem, enquanto que 65,3% das esposas dos mensalistas não possuem atividade remunerada.

A AVALIAÇÃO DA COMPANHIA

Na avaliação da companhia, apareceram os dados mais surpreendentes. Pelo menos por ingenuidade, era de esperar-se que os altos escalões estivessem mais identificados com a empresa e os escalões mais baixos desenvolvessem a "consciência da exploração". Mais ainda, na época das entrevistas dois outros eventos estavam ocorrendo: 1. a empresa estava promovendo um plano de aposentadoria voluntária; e 2. a empresa estava acelerando a oficialização das comissões de fábrica.

Ambos os eventos atingiam, e em geral sem favorecimento, os supervisores que, na pesquisa, foram identificados como tendo a avaliação mais favorável sobre a empresa, chegando mesmo à "gratidão". Os horistas, embora não tão favoráveis quanto os supervisores, também se sentiam honrados em trabalhar para uma multinacional, com um bom plano médico, salário pago em dia, vantagens e benefícios.

As conclusões, ainda que preliminares, nos remetem à sociologia do cotidiano tal como desenvolvida por Peter Berger(9 9 . BERGER, P. & LUCKMAN, T. The Social Construction of Reality. New York, Anchor Books, 1967. ) onde as visões de mundo são construídas a partir da experiência no mundo da vida (lebenszvelt). Assim, a percepção da ação predatoria das multinacionais na economia nacional é elaborada dentro de e para frações do mundo acadêmico. Para os horistas e supervisores, a multinacional é aquela que paga em dia, dá assistência médica, tem festa de natal, auxilia nos acontecimentos desafortunados etc.

Outro aspecto a ser salientado, embora não possamos avançar como seria desejável, é que a composição da classe trabalhadora está em mutação. Os operários, principalmente os mais qualificados e os supervisores, ou seja, a elite trabalhadora, são urbanos e relativamente afluentes, não sendo mais de origem rural e próxima da miséria. Essa nova configuração parece ter ocasionado uma alta na demanda por bens materiais e um decréscimo nas reivindicações de cunho ideológico(10 10 . Ver:WATSON, T. Sociology Work and Industry. London, Routledge and Kegan Paul, 1987; LITTLER, C.R. The Experience of Work. Portsmouth, The Open University, 1985; STEWART, A. et alii. Social Stratification and Occupations. Cambridge at the University Press, 1980; RUESCHEMAYER, D. Power and Division of Labour. Cambridge, Polity Press, 1986; SPENCER, C. Blue Collar. Chicago, Vanguard Books, 1977; e MANN, M. Consciouness and Action Among the Western Working Class. London, The MacMillan Press, 1973. ).

Olhando os gerentes mais de perto, podemos perceber que se eles são os responsáveis pelo estabelecimento e operacionalização das estratégias da empresa, também se posicionam estrategicamente em relação a ela. Enquanto apenas uma minoria dos horistas (7,2%), supervisores (3%) e mensalistas (12%) acredita que a empresa pague salários inferiores aos das outras empresas, esse percentual sobe para 21,4% na média gerência e para 33,1% na alta. Em contrapartida, poucos sairiam da empresa, em qualquer dos níveis hierárquicos, se lhes fossem oferecidos 20% a mais de salário. Quanto mais se sobe na hierarquia, maior é a tendência a reivindicações. Enquanto 44,8% dos mensalistas acham que sua situação econômica piorou, essa proporção aumenta para 58,9% na média gerência e 61,7% na alta gerência. Os gerentes fazem uma avaliação crítica do grau de autonomia da empresa em relação à matriz, como se vê na tabela 7, porém, vêem com maus olhos a possibilidade de a empresa tornar-se brasileira (ver tabela 8) e, pior ainda, a de a empresa tornar-se do governo (ver tabela 9).

O ambiente de trabalho foi o aspecto mais valorizado. Nenhum dos grupos julgou "ruim" o ambiente de trabalho. Os índices mais positivos foram registrados entre os supervisores. Os mais críticos foram os mensalistas.

Como seria de se esperar, os gerentes fazem uma avaliação positiva ainda que calculem mais a sua inserção na empresa. Nos níveis hierárquicos mais baixos, procura-se enxergar na empresa uma grande família. Na alta gerência a tarefa é dominante em relação à empresa, enquanto que os supervisores e a média gerência, principalmente os mais antigos, valorizam primeiro a companhia depois a tarefa. Para a alta gerência, se a tarefa é estimulante, a avaliação da empresa tende a ser positiva. Para os escalões mais baixos, se a firma é boa, ela tem direito de pedir o que quiser. O que se evidencia é que há menos privação relativa da média gerência para baixo do que entre os gerentes mais qualificados, entendendo-se privação relativa como o quociente entre o que indivíduos ou grupos almejam e o que eles conseguiram. Os supervisores alcançaram o status atual pelo trabalho duro e permanecendo leais à empresa. A companhia tem um grande crédito junto a eles: procuram expressar sua gratidão através de demonstrações cotidianas de adesão irrestrita aos projetos da empresa que, por sua vez, "poderá sempre contar com eles". Se não fosse a empresa, esses gerentes médios de origem mais humilde e com baixa escolaridade não se teriam alçado muito acima dos níveis mais baixos da escala social. Gratidão à empresa é, pois, o sentimento dominante entre esses profissionais. Esses traços são mais evidentes entre os mais idosos, que, coincidentemente, são os de menor escolaridade. Na alta gerência, esse sentimento não existe. Em geral, esses funcionários possuem curso superior e vêm de famílias de classes abastadas. O reconhecimento da companhia aparece para eles como decorrência de seus atributos educacionais e profissionais confirmados pelos diplomas universitários obtidos. Tanto a instrução quanto a rede de relações sociais os colocam em situação de vantagem, na qual eles se percebem como raros para o mercado de trabalho. Em geral, o emprego em uma boa empresa é visto como nada mais do que a confirmação das qualificações que possuem. Assim, as discrepâncias entre os níveis de renda, prestígio e poder são experimentadas como uma "objetiva" inconsistência de status e os tornam bastante reivindicativos.

A escolaridade é uma variável fundamental para a compreensão das atitudes que prevalecem nos diversos níveis hierárquicos. Poderíamos afirmar, a partir desses dados, que quem tem baixa educação formal e ocupa posição de mando faz uma avaliação generosa da companhia. O trabalho duro e a dedicação profissional são decorrência de uma baixa educação para os ocupantes de posições de chefia, caso típico da média gerência, sobretudo aqueles que têm origem em classes populares e que, pela mesma razão, se destacam no núcleo social mais próximo.

Quando a escolaridade é elevada e mais sofisticada, ocorre o inverso e a avaliação da empresa é mais severa. Na medida em que aumenta o grau de escolaridade, crescem também as expectativas de bons salários, melhores benefícios e vantagens adicionais no emprego. Os gerentes mais qualificados são mais atualizados e pressionam sempre por uma constante adaptação da empresa ao que existe de mais moderno. Em geral, são mais liberais, tolerantes e ponderados, principalmente em relação a sindicatos, comissões de fábrica e pressões populares. Ao contrário do que se poderia esperar, a alta gerência não é o grupo mais satisfeito, nem tampouco o menos "progressista". Cabe principalmente aos supervisores de produção manifestarem as posições mais conservadoras, entendendo-se por conservadorismo a somatória de vários indicadores, tais como religião, preferências políticas (Paulo Maluf era o candidato dos supervisores para a Presidência), ou posturas perante sindicatos e comissões de fábrica (ambos com alto índice de rejeição entre os supervisores).

OPINIÕES POLÍTICAS E ECONÔMICAS

Os gerentes preferem trabalhar em uma empresa estrangeira e, sem dúvida, rejeitam a hipótese de nacionalização. Ao mesmo tempo, mantêm distância da empresa e valorizam o emprego. Admitem que o ambiente de trabalho é bom e declaram que o grau de cooperação entre eles é baixo, conforme se vê na tabela 10. Não estão suficientemente satisfeitos com os subordinados (ver tabela 11), não acreditam nos critérios de avaliação de desempenho (ver tabela 12), declaram-se regularmente satisfeitos com o emprego (ver tabela 13), e acham que estão recebendo menos do que merecem (ver tabela 14). No seu conjunto, esses fatores indicam a formação de uma casta que procura constantemente construir símbolos de distinção e superioridade em relação aos demais funcionários. Tudo se passa como se eles não tivessem seus méritos devidamente reconhecidos.

E, todavia, no quadro das opiniões políticas e econômicas que revelam um certo "liberalismo". Quando indagados sobre trabalho participativo emitem opinião favorável, conforme se vê na tabela 15, embora alguns concordem que os conflitos irão aumentar (ver tabela 16). Defendem a prática do trabalho participativo como fator de melhora nos relacionamentos (ver tabela 17) mas, curiosamente, declaram que o operário brasileiro ainda não está preparado para o trabalho participativo (ver tabela 18). Acham que sindicatos e comissões de fábricas são legítimos e necessários (ver tabelas 19 e 20) mas se dividem na avaliação dos dirigentes sindicais (ver tabela 21). Apoiam as demandas sindicais baseadas nas necessidades dos trabalhadores (ver tabela 22), porém acreditam na conciliação entre empregados e empregadores (ver tabela 23). Quanto à orientação política, demonstraram preferência por políticos de centro-direita, como se vê nas tabelas 24 e 25.

Com relação à Comissão de Fábrica - o dado político organizacional mais relevante à época das entrevistas - a alta gerência não tem posição antagônica a ela, ao contrário do que se esperava, embora a considere prejudicial às funções de supervisão. A posição dos gerentes mais qualificados tem variações e é mais complexa que a dos gerentes médios, havendo uma clara tendência à polarização. Por isso mesmo, merece uma análise mais cuidadosa. Quase todos (97%) os gerentes entendem que mecanismos participativos são necessários para uma moderna gestão empresarial e aceitam, ainda que em menor número, que as relações trabalhistas podem melhorar com a Comissão. No entanto, o percentual, dos que afirmam que com a Comissão de Fábrica a empresa evoluiu, criando melhores relações com os operários, muda de 58% entre os gerentes MR, para 53% entre os gerentes SCR/PSR. A rejeição da Comissão também não é significativa e a proporção dos que entendem que houve uma piora nas relações de trabalho é da ordem de 8% entre a média gerência, e de 2% na alta gerência. Quando se trata, porém,de equacionar os limites da participação, mais de um terço dos gerentes acha que as demandas da Comissão estão prejudicando a empresa e 27% dos MR e 31% dos SCR/PSR acreditam que se deve tomar medidas enérgicas contra os "abusos e exageros" da Comissão de Fábrica. A média gerência divide-se entre uma facção hostil e outra mais favorável à Comissão de Fábrica.

Os resultados desta pesquisa sugerem que a Comissão de Fábrica é quase que unanimemente aceita pelos gerentes como proposta, mas a sua atuação concreta é objeto de críticas por uma parcela não desprezível da gerência. Aproximadamente 10% dos MR e 5% dos SCR/PSR são bastante refratários à Comissão. Em resumo, 92% dos gerentes MR e 98% dos gerentes SCR/PSR acham que a implementação de mecanismos de participação faz com que as empresas avancem no rumo de melhores relações de trabalho.Porém, 36% dos MR e 35% dos SCR/PSR acham que as exigências da Comissão prejudicam a companhia; e 27% dos gerentes MR e 31% dos gerentes SCR/PSR acham que se deve usar de energia contra os abusos da participação.

A análise da economia brasileira é sensivelmente cautelosa. Não se acredita em grande expansão (ver tabela 26) e, se houver crescimento, atribui-se ao setor automobilístico um papel importante (ver tabela 27), principalmente em se tratando de exportações (ver tabela 28).

CONCLUSÕES

Desigualdades associadas a sistemas de classes sociais podem ser encontradas em diferentes processos sociais(11 11 . PARKIN, F. Class Inequality and Political Order. New York, Praeger Publishers, 1972. ). De um lado, encontramos a alocação de recompensas para diferentes posições na hierarquia social; de outro lado, está o modo de recrutamento para essas posições. Doutrinas igualitárias advogam a atribuição de recompensas conforme as necessidades individuais. Ideologias meritocráticas defendem a justa seleção e o imparcial recrutamento para quaisquer posições da organização. A educação, para a meritocracia, é o modo de se promover a justiça social.

Os dados desta pesquisa apontam na direção oposta. Pelo que foi visto,a educação permite que, objetivamente, as distâncias sociais se mantenham e, subjetivamente, elas permaneçam legítimas, aos olhos dos diferentes atores sociais, enquanto mecanismo de ascensão. Na média gerência, mesmo não vendo relação entre o que se faz e o que se aprende nas universidades, aceita-se e investe-se em educação. Na alta gerência, vê-se como "natural" a ocupação dos altos postos pelos mais educados e não se aprofunda o exame das relações entre classes sociais, posições na hierarquia organizacional e oportunidades de melhor educação formal.

Este trabalho revela também que é, pelo menos, precário aceitar-se que os ocupantes de postos mais elevados sejam mais aderentes, leais e ajustados às empresas. Com o conceito de privação relativa, procuramos entender as razões que levam os ocupantes de níveis mais baixos nas organizações a desenvolverem maior fidelidade que os ocupantes de posições de destaque, mando e decisão.

Examinados isoladamente, os componentes da alta gerência indicaram ser bastante reivindicativos, fundamentalmente enraizados na tarefa e propensos a elaborar uma ideologia de proprietários. Aceitam o exercício de sua autoridade como natural, adotam posições menos conservadoras e desenham um círculo de excelência ao redor deles mesmos.(12 12 . Este texto foi baseado em pesquisa de campo realizada por uma equipe que incluiu, entre outros, o autor e a Profa. Arakcy M. Rodrigues, e foi coordenada pelo Prof. Leôncio Martins Rodrigues. )

  • 1 BERLE, A.A. & MEANS, G.C. The Modem Corporation and Private Property. New York, MacMillan, 1933.
  • 2. BRAVERMAN, H. Labour and Monopoly Capitalism. New York, Monthly Review Press, 1974.
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  • 5. CARDOSO, F.H. Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil. São Paulo, Difel, 1964.
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    . Este texto foi baseado em pesquisa de campo realizada por uma equipe que incluiu, entre outros, o autor e a Profa. Arakcy M. Rodrigues, e foi coordenada pelo Prof. Leôncio Martins Rodrigues.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1989
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