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NASCIMENTO, Direito Sindical

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Sérgio Amad Costa

Professor de sociologia e autor dos livros O CGT e as lutas sindicais brasileiras (1960-64). São Paulo, Editora do Grêmio Politécnico, 1981; Idéias em Debate. São Paulo, Gráfica da FEI, 1982

Nascimento, Amauri Mascaro. Direito Sindical. São Paulo, Ler/Editora da USP, 1982, 368p.

É muito freqüente, em nosso país, observar o cotidiano político e profissional dos trabalhadores sem levar em consideração o ordenamento jurídico no qual estamos inseridos. A vida dos operários na fábrica está direta ou indiretamente condicionada por todo um complexo de leis que, sem dúvida alguma, constituem o instrumento institucionalizado mais importante do controle social.

Partindo do princípio de que o sindicato deve ser a entidade mais representativa, em termos de trabalho, das categorias profissionais, podemos afirmar que as formas de controle das atividades na fábrica estão, de uma forma ou de outro, vinculadas à vida sindical. É dentro deste contexto que podemos analisar o Estado como agente de controle sindical. É evidente que o instrumento mais eficaz utilizado para conseguir tal controle é a norma jurídica,ou seja, no caso aqui enfocado, a legislação sindical.

A legislação sindical é sempre expressão de uma determinada ordem social, cuja regulamentação, cujo controle e cuja proteção se destina a realizar. Cumpre, assim, um papel conservador do status quo de uma- sociedade. Porém, as normas jurídicas, referentes ao mundo do trabalho, podem exercer, e exercem, uma função de agente transformador do meio, quando editadas atendendo às novas necessidades sociais, sentidas pelos órgãos legiferantes. Assim, elas podem resultar em modificações da sociedade, alterando-lhe, pelo menos, uma parte do sistema de controle social.

Mas é fundamental observar que o ordenamento jurídico, em qualquer sociedade, assume, também, um aspecto ideológico, na medida em que molda as opiniões sociais e, portanto, o comportamento grupai, por meio de um processo de aprendizado e de convencimento de que é socialmente útil, ou bom, agir de certo modo, É dentro deste quadro que consideramos fundamental a compreensão do peso da legislação sindical no controle dos mais variados aspectos que tangem o mundo do trabalho.

Esta perspectiva, sem dúvida alguma, revela a necessidade do estudo do direito sindical do nosso país. Um dos livros a que podemos recorrer, para tal compreensão, é Direito sindical, de Amauri Mascaro Nascimento, professor titular de direito do trabalho na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Trata-se de ensaio com enfoque preponderantemente jurídico, porém sempre ressaltando os aspectos sociológicos, políticos e econômicos que envolvem as questões abordadas.

Dividindo o seu trabalho em nove partes, o autor versa, com mestria, temas importantíssimos, como história do sindicalismo, principio da liberdade sindical, organização sindical, tipos de sindicatos no Brasil, conflitos coletivos de trabalho e greves.

Logo no início do estudo, o ensaísta salienta que não são uniformes os critérios de classificação dos sistemas sindicais, apresentando cinco modelos. O primeiro obedece o tipo de economia do país. Nos países capitalistas prevalece maior autonomia dos sindicatos perante o Estado; nos socialistas há uma intervenção forte do Estado nas entidades dos trabalhadores. O segundo tipo de classificação tem como ponto de partida a opção adotada pelo país quanto à base sociológica que o sindicato representa, havendo sistemas de sindicatos por empresas, por profissões e por categorias. O terceiro critério parte da atribuição ou não da personalidade jurídica ao sindicato. Baseando-se na natureza jurídica do sindicato, temos o quarto critério. Finalmente, o quinto e último tipo de classificação funda-se na garantia ou não da liberdade sindical, pois em alguns países não há autonomia para a constituição dos sindicatos, enquanto em outros países é garantida e respeitada pelo Estado a organização sindical espontânea dos próprios interessados.

Entretanto, observa Amauri Mascaro Nascimento, "tais critérios de classificação não podem ser considerados absolutos, uma vez que, de um lado, algumas dessas características aparecem combinadas num mesmo país, como também em um conjunto de países. De outro lado, há modificações do modelo sindical, especialmente em função das alterações de estrutura política, como aconteceu, recentemente, em Portugal e na Espanha, com profundas transformações na organização dos sindicatos."

Após expor, de forma sucinta, a estrutura sindical em países como a União Soviética, o sindicalismo corporativista vigente na Itália de Mussolini, na Espanha de Franco e no Portugal de Salazar, o trade-unionismo da Inglaterra e o sindicalismo alemão, francês, italiano e norte-americano, o autor analisa a questão sindical, especificamente, do nosso país. São abordados temas que abrangem desde os primeiros sindicatos no Brasil, com a presença marcante, no início deste século, do anarco-sindicalismo, passando pela organização sindical criada por Getúlio Vargas, a partir de 1930, chegando até as tendências do movimento sindical em 1980.

A estrutura sindical oficial vigente no Brasil tem suas origens no Decreto nº 19.770, de março de 1931, conhecido como "Lei de Sindicalização", válido tanto para os empregados como para os empregadores. Este decreto, além de estabelecer o controle financeiro do Ministério do Trabalho sobre os recursos dos sindicatos, permitia aos delegados desse órgão oficial participarem das assembléias dos sindicalistas. Vedava o desenvolvimento de atividades políticas e ideológicas dentro das entidades classistas, proibindo sua filiação a organizações sindicais internacionais. Limitava a participação de trabalhadores estrangeiros nos sindicatos. Nesse decreto também é feita a opção pelo sindicato único, definindo-o como órgão de colaboração com o poder público.

Em 1939, com a instituição do enquadramento sindical e do imposto sindical - hoje denominado contribuição sindical - estava consolidada a estrutura sindical, oficial e subordinada ao Estado. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), promulgada por Getúlio Vargas, em 1? de maio de 1943, concretizou a sistematização desta legislação social. Vale lembrar que este modelo não permite a formação de organizações horizontais, como a Central Sindical - isto é, não possibilita a existência de entidades sindicais que congreguem, ao mesmo tempo, trabalhadores de categorias profissionais distintas. Assim, o Estado, atrelando os sindicatos à sua tutela, impossibilita uma ação livre dos trabalhadores.

Esta legislação sindical, inspirada na Carta dei Lavo manteve-se praticamente intacta até os dias de hoje, a despeito do anseio generalizado de profundas modificações. Amauri Mascaro Nascimento, ao tratar das tendências do movimento sindical a partir de 1980, observa que essa estrutura legal instituída no período do Estado Novo, baseada no modelo corporativo da Itália, da Espanha e de Portugal, permite ao Estado um forte controle sobre os sindicatos. "Esses três países, no entanto, extinguiram o corporativismo e adotaram um modelo sindica! mais flexível, permitindo a autonomia privada coletiva."

No Brasil, o sistema legal não se modificou. Segundo o tratadista, porém, dois fatos devem ser mencionados, indicativos de novas tendências: o propósito de reforma política e a ação dos trabalhadores. O primeiro fato é que a reforma política tem por finalidade anunciada a abertura democrática gradualmente instituída. "A reforma política do país não poderá prescindir da reforma sindical, uma vez que ambas fazem parte de um todo indecomponível; seria contraditório o país atingir as metas democráticas e manter a estrutura sindical corporativa do Estado Novo." O segundo fato significativo é o movimento sindical do ABC que força, também, novos rumos no mundo do trabalho.

Ao fazer um estudo sobre centrais sindicais, tema muito em voga nos dias de hoje, o jurista relembra a curta existência do CGT no Brasil, salientando que, sob o prisma da legalidade, esta entidade não é prevista. Entretanto, aqui o autor incorre em um pequeno equívoco de cunho historiográfico, ao assinalar que o CGT comandou a greve de 1960, envolvendo 400 mil trabalhadores, Isto não sucedeu, pois o Comando Geral dos Trabalhadores surgiu em decorrência, isso sim, da greve geral de julho de 1962 - quando reivindicavam um Gabinete Nacionalista -e foi formado, "oficialmente", por trabalhadodores, durante o IV Encontro Sindical Nacional, realizado em São Paulo, em agosto daquele mesmo ano, Esta pequena imprecisão, porém, em nada invalida as teses do ensaísta, mas, por uma questão de exatidão informativa, sugerimos ser corrigida nas próximas edições do volume.

Nessa parte do trabalho, Amauri Mascaro Nascimento serve-se de teses que, do ângulo da ciência jurídica, defendem ou criticam a existência de centrais sindicais e conclui que possível aduzir que há um aspecto técnico indicativo de necessidade de união geral, ao menos em certas ocasiões. Existem problemas comuns a todos os sindicatos de trabalhadores e que interessam, portanto, de um modo geral. Questões como o desemprego são gerais e afetam a todos, independentemente do setor em que se encontram, embora o problema possa setorializar-se. Assim, algumas reivindicações são de todos os trabalhadores e poderiam ser objeto de um diálogo eficaz, desde que se tivesse a amplitude necessária, o que supõe uma organização adequada e um sistema de negociações de dimensões maiores do que as que temos".

Direito sindical é um estudo sério, escrito em estilo agradável e, acima de tudo, didático, o que facilita a um público maior tomar conhecimento de um aspecto fundamental da problemática de todos os que trabalham.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1984
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