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Os ganhos de capital como elemento tributável

ARTIGOS

Os ganhos de capital como elemento tributável

Ary Oswaldo Mattos Filho

Professor do Departamento de Ciências Sociais da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas

1. Nos sistemas fiscais modernos, a tributação é exercida não só como meio pelo qual o Estado satisfaz suas necessidades mais prementes de recursos financeiros, mas também como meio estimulador de comportamentos econômicos. Em outras palavras, o sistema tributário poderá funcionar como instrumento arrecadador, estimulador de procedimentos econômicos ou de localizações (através dos incentivos fiscais) e, finalmente, como meio apto a partilhar ou concentrar riquezas.

1.1 O instrumental tributário usado como meio de arrecadação não será examinado neste artigo. Aqui iremos discutir a possibilidade do tributo enquanto apto a ser utilizado como incentivo fiscal e como instrumento repartidor ou concentrador da renda. A Constituição Federal vigente, dentro da discriminação de rendas que efetua, diz caber à União tributar a "renda e os proventos de qualquer natureza...".

1.2 O imposto de renda tem sua origem efetiva no Regulamento Sousa Reis, de 1926, muito embora possa-se afirmar que tentativas esparsas foram anteriormente realizadas. Pode-se dizer que o atual imposto sobre a renda tem sua origem remota no imposto sobre subsídios e vencimentos criado em 1844, suprimido em 1845, recriado em 1879 e novamente suprimido em 1918. Outra possibilidade de assemelhação seria o imposto criado em 1867, o qual recaía sobre os dividendos e lucros "auferidos por instituições bancárias". Porém, se já havia a cobrança de tributo que poderia ser considerado como incidente sobre a renda - tais como proventos e dividendos - tal fato não impedia tentativas ocasionais de implantação do tributo de maneira clara e institucional.

1.3 Assim é que, já em 1879, Afonso Celso, ao reestudar a organização tributária do País, propunha ao Ministro da Fazenda a criação do imposto de renda dentro da competência tributária do Império. Consultados os financistas da época (Justino Rodrigues, José Maurício Fernandes Pereira de Barros, Antonio José Henrique e José Júlio Dreys), eles manifestaram-se pela inconveniência da medida muito embora o estudo de Afonso Celso previsse, inclusive, a tributação por sinais exteriores de riqueza. Mesmo em época anterior, em 1867, o Visconde de Jequitinhonha mostrara-se favorável à imposição da renda, inclusive com argumentos pitorescos, tais como:

"A arrecadação deste imposto oferece algumas dificuldades, mormente em princípio; mas em algumas nações a boa fé dos contribuintes diminui, em grande parte esse inconveniente, e a boa fé da ilustração do povo sobre a necessidade do imposto e sobre o seu bom emprego, que deve ser como semente lançada em terreno fértil. Talvez que entre nós não só a boa fé de alguns, mas também a bazofia de outros tornem fácil e produtiva a arrecadação. Sim, entre nós há muita gente, que antes quer aparecer rica, do que confessar que é pobre. A arrecadação será, em todo caso, difícil no começo, mas depois irá melhorando, e ao final se tornará tão perfeita quanto for possível."

1.4 Da Constituição Federal de 1934, quando pela primeira vez constou da discriminação de rendas o tributo em análise, até a Emenda Constitucional n.º 1, de 1969, a grande modificação ocorrida foi a exclusão do campo de incidência das "ajudas de custo e diárias pagas pelos cofres públicos, na forma da lei".

2. Porém, não deve ser atribuída à criatividade de nossos patrícios a introdução do imposto de renda dentre os impostos constantes da Constituição Federal. Pode-se dizer que ele tem sua origem na Inglaterra, quando, em 1799, Pitt, para fazer face às despesas crescentes com a guerra napoleônica, após o esgotamento das fontes normais de receita, resolveu encontrar nova forma tributária para satisfazer as despesas do erário público. Como tivesse sido votado e aprovado o novo imposto, com validade por um triênio, entendeu o Gabinete Addington de prorrogá-lo por um novo triênio. Da mesma forma procedeu o gabinete seguinte, chefiado por Lord Pitt. Essas sucessivas renovações terminaram em 1815, quando o clamor popular exigiu do Gabinete Vansittart a sua não-proposição. Com a reforma comercial de Robert Peei, em 1824, após sucessivas prorrogações, foi o imposto sobre a renda incorporado ao sistema tributário britânico. Após sucessivas prorrogações, o repúdio popular diminuiu sensivelmente; tanto assim que em 1874, Gladstone, que empunhara a derrubada do imposto como bandeira política, teve o dissabor de ser derrotado eleitoralmente. Já nos Estados Unidos, por cópia do modelo inglês, o imposto foi instituído para fazer face às crescentes demandas oriundas da Guerra de Secessão.

3. O sistema nacional, previsto em nossa Constituição, foi explicitado pelo Código Tributário Nacional, o qual definiu renda como sendo:

3.1 "assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos".

3.2 "de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior".

4. O conceito de renda, entretanto, não é de pacífica aceitação, nem tão singelo como pretende mostrar a conceituação contida no Código Tributário Nacional. E tanto isto é verdade que o legislador sentiu necessidade de incluir em sua definição uma vala comum ao mencionar como caracterizável a título de renda "os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior". Porém, é de se louvar a coragem do nosso diploma legal, ao tentar incluir uma definição raramente encontrável em outras legislações. Tal conceito, como se sabe, é oriundo de um julgado da Suprema Corte Norte-Americana, a qual, ao julgar o processo Stratton's Independence versus Howbert (231.34 Sup. Ct. 136-1913) definiu "income may be defined as the gain derived from capital, from labor, or from both combined".

5. A dificuldade encontrada para a adoção de uma definição pacífica de renda é oriunda do desencontro existente dentro do campo da economia e das finanças públicas. Em resumo, a pergunta que se põe é: o que seria a renda? Apenas a título de menção deve ser dito que tal preocupação foi manifestada, de maneira consistente, desde Adam Smith, David Ricardo, Jean B. Say e John Stuart Mill, para os quais, de modo geral, havia uma vinculação entre a renda propriamente dita, quando oriunda da exploração da terra por seus próprios donos. O presente trabalho, por abranger reduzido campo, vai ater-se à análise do conceito jurídico de renda. Essencialmente as duas grandes correntes existentes são as que defendem, uma, o conceito de "renda produto" e outra, o da "renda ingresso". A primeira delas, a mais antiga, tem ligações umbilicais com a fundamentação econômica. A segunda corrente, já bem independente de sua matriz, tenta analisar o fenômeno com instrumentos somente tributários, considerando como renda todo aumento patrimonial ou toda entrada efetivamente ocorrida. Esta última corrente, bem mais moderna que a anterior, vem ganhando paulatinamente adeptos, mesmo entre os países que adotaram em suas legislações o conceito de "renda produto", já que sua adoção traz a possibilidade de tributação dos ganhos de capital, doações, prêmios, etc.

5.1 Os defensores da renda produto dizem que esta só ocorrerá quando oriunda de uma riqueza exclusivamente material. Esta riqueza terá que ser procedente de fonte produtiva e permanente. Em tal hipótese, ou seja, pela necessidade de ter que ser a fonte de caráter permanente, haveria a impossibilidade da tributação dos ganhos de capital. Isto porque os ganhos de capital, para que possam ser diferenciados da renda ordinária, não podem ter o caráter de permanência ou continuidade. Como conseqüência para os defensores da renda produto, esta deverá ser periódica ou passível de assim o ser. Finalmente, a renda a ser considerada é a líquida e suscetível de ser expressa em moeda.

5.2 Já a renda ingresso seria caracterizável como qualquer ingresso proveniente de bens materiais. Esta riqueza terá que ser oriunda de fonte inclusive periódica, transitória ou acidental. Ou seja, não há necessidade de fonte permanente para a caracterização da renda.

5.3 Do confronto das duas correntes verificase a quase impraticabilidade de transpormos a adoção de uma delas para o texto legal. No Brasil, entretanto, tal tentativa foi feita quando a comissão encarregada de elaborar o Código Tributário Nacional - baseada no anteprojeto Oswaldo Aranha, de autoria do saudoso e invulgar tributarista, Professor Rubens Gomes de Sousa - estabelecia em seu artigo 43 que "o imposto de competência da União sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de acréscimo patrimonial a título oneroso ou gratuito". Ora, a tributação pelo imposto de renda dos acréscimos gratuitos implicava, desde logo, a adoção da renda ingresso, pela qual o que se tributa é o aumento patrimonial, independentemente de sua onerosidade ou não quando da aquisição. Entretanto, tal preceito não foi aprovado, e os acréscimos a título gratuito foram retirados do texto da lei aprovado. Com isso voltou-se à situação nebulosa, sendo a tributação da renda feita ao sabor dos ventos de momento, respaldado, inclusive, pela grande abertura dada pela definição contida no Código Tributário Nacional.

6. Aceita a premissa da grande abertura conceituai adotada pela lei complementar brasileira, deparamos com dois problemas, quais sejam: a) haveria necessidade de alteração do conceito de renda, contido no Código Tributário Nacional para que a sua exigibilidade se desse de maneira legal; e b) o que seria o ganho de capital como elemento tributável? 6.1 Quanto à primeira pergunta, a resposta é positiva, quer na compra e venda de ações ou quotas sociais, quer no ganho obtido pela venda de imóvel. Tanto isto é verdade que as pessoas jurídicas já são tributadas, a título de transações eventuais, nos ganhos auferidos nelas. Já as pessoas físicas que negociam com imóveis, se ultrapassarem determinado limite quanto ao número de transações, bem como a época de realização dos negócios, serão também suscetíveis de tributação, porém como firmas individuais. Mesmo nesta última parte deve-se mencionar que as pessoas físicas até bem pouco tempo sofriam tal tributação, então conhecida como "lucro imobiliário". Restariam intocados, no que tange à tributação, os ganhos de capital auferidos por pessoas físicas, quando estes fossem oriundos da compra e venda de ações de sociedades anônimas, ou quotas de empresas de responsabilidade limitada. Porém, tal intributabilidade é mantida por política governamental e não por impossibilidade constitucional quanto ao atendimento das características do fato gerador do imposto sobre a renda. Assim, temos que, por previsão do Código Tributário Nacional, o fato gerador será (na parte que interessa a este artigo) o produto do capital ou os acréscimos patrimoniais. Verificada a sua realidade factil no plano constitucional, bem como, em algumas situações, sua possibilidade no campo da lei, veremos que sua cobrança, obedecido o princípio da legalidade, poderá ser efetuada sem embaraços.

6.2 Visto a possibilidade legal de instituição da tributabilidade dos ganhos de capital, restaria adentrar à segunda pergunta (o que é ganho de capital?).

6.2.1 O conceito de ganho de capital aparece, usualmente, em oposição à idéia de renda ordinária. Assim, poder-se-ia dizer que renda normal ou ordinária seria aquela resultante da venda de bens ou serviços que fizessem parte integrante de objetivo usual e com finalidade de lucro, colocado à disposição do comprador ou adquirente. Por outro lado, o ganho de capital seria o ganho realizado em função do aumento do valor de mercado de qualquer bem possuído sem objetivo comercial, embora com finalidade de lucro. Agregue-se, também, que a renda ordinária normalmente é resultante da compra e venda em "mercados" diferentes, ou seja, comprando o bem em um "mercado produtor" e vendendo-o em "mercado consumidor". Mais do que isto, a diferenciação aqui proposta manifesta-se quanto à forma, a diferenças de quantidades, de lugar ou de estação. Logicamente tal distinção, por si só, não nos fornece instrumental para definirmos o que seja ganho de capital, mas nos separa daquilo que seja renda ordinária ou comum. Dentro deste contexto pode ser dito que "o ganho de capital consiste em todo e qualquer aumento no valor de renda de uma propriedade, exceto o lucro na comercialização de bens comprados e vendidos como atividade comercial" (Due, John F. Government finance - an economic analysis). Tal definição, conquanto instrumento útil e imprescindível de trabalho, não ficará por certo, resguardada de críticos mais severos. Assim, propomo-nos a construir um conceito, no correr do trabalho, através de levantamento casuístico. É claro que tal proposição traz implícita a perda de precisão buscada por Due, mas presumivelmente, trará, uma aplicabilidade maior. Dentro desta metodologia vemos que os principais pontos caracterizadores seriam os mencionados a seguir.

6.2.2 Transações concernentes ao negócio regular do contribuinte. Como já foi apontado, uma das diferenças fundamentais entre o conceito de renda normal e o de ganho de capital é que este último ocorre em transação eventual, ou seja, não ligada à operação em causa com o negócio ou atividade regular do contribuinte. Na colocação do problema pode ser apontado como caso-padrão a disputa entre a Com Refining Co. versus Commissioner. A autora era indústria produtora de derivados de milho. Para evitar o descompasso na compra de milho durante o ano todo, evitando uma superoferta na época da colheita e falta após ela, começou a Corn Products a comprar milho para entrega futura, com pagamento efetuado na época do fechamento do contrato. Com isto não só controlava a oferta constante do produto, como também ficava com certa quantidade de milho como reserva, a qual era vendida a outros interessados em. épocas de escassez do produto. Com tal método a empresa obteve um prejuízo no ano de 1942, muito embora tivesse auferido lucro no exercício anterior a 1942. Nos respectivos anos, tais quantias foram declaradas como lucro e prejuízo resultante das operações normais da empresa. No exercício seguinte, entretanto, a empresa passou a declarar o milho como um bem de capital, sendo, em tal situação, sujeita ao tratamento mais benéfico a que estão protegidos os ganhos de capital pela legislação norte-americana. Em apoio ao acerto de tal modificação aduziu a empresa que:

a) o milho para entrega futura é operação separada da atividade industrial;

b) em tais operações, agiu como legítimo capitalista, procurando maximizar o lucro, quer pela compra a preço menor, quer pela utilização legal de tratamento tributário mais brando;

c) tais operações não têm qualquer caráter especulativo.

A Suprema Corte, porém, entendeu que tal procedimento não seria caracterizável como ganho de capital, sendo insuscetível de gozar da alíquota mais benéfica, porque:

a) não existe separação de atividades entre a operação com milho para entrega futura e as atividades normais da empresa. Pelo contrário, tais atividades seriam fundamentais à manutenção do preço estável;

b) ficou provado que, para a empresa, o sistema de entrega futura, por ser mais econômico que a construção de silos, dava à opção do tipo de operação um caráter de continuidade, ou seja, renda comum ou ordinária.

Da análise deste e de outros casos pode-se dizer que as principais características da distinção entre renda e ganho de capital - no que diz respeito às transações concernentes ao negócio regular do contribuinte - seriam: desejo primário de investir fora do objetivo social da empresa; o investimento não tem por objetivo a garantia de aumento ou manutenção de mercado; não existe tentativa de evitar-se flutuação de mercado através do investimento; natureza do bem e periodicidade da transação.

6.2.3 Substituto da renda. Outra forma de colocação do elemento diferenciador, talvez mais tênue que o anterior, seria vermos se o objeto da transação em si revela uma forma disfarçada e não lícita de redução do montante tributável. Tal situação fica de fácil entendimento quando temos uma tributação diferenciada entre renda e ganho de capital. Como normalmente o ganho de capital é detentor de uma tributação mais branda, há, por vezes, a possibilidade ou tentativa de que o fato gerador se exteriorize sob o manto protetor de uma tributação mais benéfica. Assim, se uma pessoa possui um imóvel cujo valor é 100 mil, ela poderá vendê-lo e sofrer a tributação de um ganho acumulado por vários anos em um só exercício. Mas, por outro lado, poderá arrendá-lo por 99 anos a um valor equivalente ao juro médio compensador. Com isso será tributado como detentor de renda comum, ao invés de sofrer o gravame de uma só vez, pelos ganhos acumulados nos vários anos. Com tal procedimento, o contribuinte poderá controlar a progressividade da tributação em sua pessoa física. A mesma indagação será válida para as quantias recebidas para que se dê por terminado contrato de locação antes do prazo previsto. Isto porque o montante percebido não é produto do trabalho, mas um ganho adicional oriundo da não utilização de um direito. Seria tal situação caracterizável como recebimento de renda ordinária ou de um ganho de capital? De igual conteúdo seria indagarmos qual o tratamento tributário a ser dado em relação ao montante recebido por quebra de contrato de produção industrial ou entrega comercial.

6.2.4 Pagamento por serviços pessoais. Aqui também o problema é causado pelo diferente tratamento existente entre a renda e o ganho de capital. Um processo bastante típico desta situação é a disputa entre McFall versus Commissioner. Aqui McFall e McGowen assinaram um contrato com a Sparta Foundry Company pelo qual, durante o prazo de cinco anos, receberiam a título de salário a quantia de US$ 100,00 cada um, além de uma participação nos lucros equivalentes a 1/6 do lucro líquido. Por sua vez, a companhia receberia em troca a supervisão em seus trabalhos fornecida pelos dois técnicos em metalurgia. Dois anos após, a A. W. Chutter and Co. estabeleceu com McFall e McGowen um acordo escrito, pelo qual ambos abriam mão de seus contratos com a Sparta Foundry Co., recebendo cada um US$ 175 mil. Em contrapartida, por este desembolso, a Chutter recebeu da Sparta 8 088 ações representativas do capital desta última. No final do exercício social, a Sparta deduziu US$ 404 mil - valor das 8 088 ações - como despesa operacional necessária ao rompimento do contrato realizado com McFall e McGowen, abrangendo a rescisão da parte salarial, bem como da participação de 1/6 no lucro líquido da Companhia. Tal procedimento foi considerado válido pelo fisco. Por outro lado, os dois contribuintes ofereceram à tributação seus respectivos US$ 175 mil como ganho de capital e não renda ordinária. Aqui o fisco negou tal direito porque:

a) se os contribuintes podem ser encarados como vendedores de algum direito, este nada mais é do que o direito de receber renda comum;

b) antes de ter qualquer direito contratual que possa ser vendido, eles têm que perfazer o trabalho contratual devido à empresa;

c) contrato de trabalho não é tipo de propriedade que possa ser considerado como capital para que, por comparação, seja estabelecido como equivalente de ação de companhia;

d) os contribuintes alegam que são "locadores", que abrem mão de tal contrato antes do término do mesmo. Porém, no caso, nada poderia ser vendido, a não ser o direito potencial de ser pago por seu trabalho.

6.2.5 Significado do termo propriedade. O termo propriedade é relevante quando usado com o significado de bem de capital. O bem de capital, para efeito do assunto em estudo, caracteriza-se pela posse, por parte do contribuinte, de bem dotado de destinação autônoma de seu giro empresarial. Porém, para efeitos do direito americano, tal definição não abrange:

a) ações possuídas com propósito negociável ou outra propriedade que seja considerável como fruto de produção;

b) propriedade possuída pelo contribuinte primariamente para venda a comprador, como meio de realização de troca ou negócio;

c) propriedade utilizável em negócio ou troca, cujas características sujeitem o bem à depreciação;

d) imóvel usado como bem de atividade negociável;

e) direito autoral ou artístico, se: 1. o contribuinte, com seu esforço pessoal, criou o bem resguardado pelo direito do autor; 2. o contribuinte dedica-se, em caráter comercial, à negociação de direitos autorais;

f) títulos adquiridos, no correr do negócio, por serviços prestados.

Nos seis itens mencionados estão contidas situações nas quais, muito embora o bem seja "propriedade", não está incluído entre aquelas suscetíveis de serem tributadas como ganho de capital. Esta divergência quanto ao termo propriedade aparece bastante clara no caso Miller versus Commissioner. Aqui a viúva do famoso maestro de música popular, Glenn Miller, contratou a Universal Pictures para a filmagem da estória da vida do falecido marido e maestro. Pela assinatura de tal contrato, que previa sua assistência para assuntos de caráter pessoal sobre o falecido, ganhou da companhia cinematográfica a importância de US$ 409 336,34. Tal quantia foi colocada em sua declaração de rendas como ganho de capital sob a alegação de que este seria um ganho oriundo da venda de um "bem de capita". No entanto, o fisco contestou, dizendo que tal quantia era renda ordinária e, como tal, tributável. Portanto, a questão é sabermos exatamente o significado da palavra "bem de capita". Ao examinar o caso, o judiciário disse que "está claro que muitas coisas podem ser vendidas, conquanto não seja propriedade. Nós podemos vender nosso tempo ou experiência, por exemplo, ou se alguém é desonesto poderá vender seu voto. Mas, não suporíamos de maneira séria, que alguém pudesse dizer que o objeto de tal venda está baseado na propriedade, como tal palavra pode, de maneira preliminar, ser entendida... A maioria das pessoas definiria propriedade como sendo o conjunto de direitos protegidos de interferência, por sanções legais..."

6.2.6 Necessidade de realização. Finalmente, deve ser mencionado como ponto relevante para a caracterização do ganho de capital o princípio da realização. É bem verdade que devemos levantar duas preliminares: a) tal princípio não diz respeito somente à tributação dos ganhos de capital, porém é mola mestra também da tributação da renda ordinária; b) não se tem por pacífico, entre os tributaristas, a necessidade da realização para que possa ser tributada a mais-valia aparecida. Pelo contrário, existe uma corrente que advoga a tributabilidade de maneira periódica, independente da realização do ganho. Não adentrando tal porfia vemos que o princípio da realização decorre diretamente de outro, o da livre disponibilidade, também basilar na tributação da renda. Na medida em que a renda é realizada, manifesta-se a disponibilidade ou controle do contribuinte sobre aquela parcela da receita, o que possibilitará ao sujeito ativo o exercício de sua obrigação arrecadatória. O conceito de realização, enquanto ligado à disponibilidade monetária, não traz qualquer problema de monta quanto ao seu entendimento. Porém, o campo torna-se mais conturbado ao tentarmos enquadrar recebimentos não traduzidos em moeda, na categoria de renda ou não. Se nos fixarmos em uma única situação, podemos tentar evitar o risco da dispersão. Assim, poder-se-ia indagar se o recebimento de ações bonificadas seria suscetível de ser considerado como renda tributável ou não.

6.3 Do apresentado podemos concluir que o ganho de capital, enquanto atuante na esfera legal - tomando por base o ordenamento americano - caracteriza-se pelos seguintes pontos:

6.3.1 Em sendo empresa, a existência de uma distinção bastante nítida entre o objeto da transação mercantil (renda ordinária) e investimento fora do objeto social, mas dentro do interesse societário.

6.3.2 O investimento em questão é feito de maneira autônoma quanto a considerações de manutenção ou ampliação de mercado (constante do objeto social da empresa).

6.3.3 O investimento é feito sem qualquer objetivo de regularização da demanda e oferta.

6.3.4 A periodicidade das transações, bem como o tipo de objeto transacionado (é claro que aqui dependerá do exame de caso por caso, sendo desaconselhável, por impraticável, sua fixação rígida em lei).

6.3.5 O ganho de capital pode ser confundível com substituição ou compensação de receita; caso extremamente delicado, visto que, não existindo periodicidade de venda por parte do empregado, não será fácil a caracterização da renda ordinária em lugar do ganho de capital. Porém, sua manutenção pura e simples só viria beneficiar, em regra, as classes assalariadas com poder aquisitivo mais alto (stock option plans), além de lhes propiciar um critério nem sempre desejável sobre o montante que irão ou não oferecer à tributação.

6.3.6 O termo propriedade, ligado como equivalência ao bem de capital, não pode ter seu significado aberto em demasia, sob pena de produzir situações tributariamente injustas, como a que se caracterizaria no referido caso Miller.

6.3.7 Finalmente, deverá constar do diploma legal a obrigatoriedade ou não da realização. Caso ela não exista, o fisco terá que tributar anualmente os ganhos de capital, fato que obrigará a permissibilidade de dedução das perdas de capital sem qualquer limitação. Se, entretanto, houver o princípio da realização dentro do corpo legal da comunidade, o tributo só irá aparecer quando o bem for vendido ou trocado, com ganho para o contribuinte.

7. Do que foi apresentado até agora, vemos que o ganho de capital é tributável e caracterizável por vários elementos, de maneira razoavelmente segura, sendo que alguns deles foram aqui examinados. Pois bem, este mesmo fato econômico, quando for tributado, já deverá ter resolvido pela legislação:

7.1 O princípio da realização.

7.2 O período de caracterização, para distingui-lo da renda comum.

7.3 A alíquota, se progressiva ou fixa.

7.4 As perdas de capital.

7.5 Os ganhos de capital na pessoa física e jurídica, com respectivos tratamentos diferenciados ou não.

7.6 A base de cálculo.

7.7 As ações ao portador.

8. O Brasil já tem uma certa experiência neste campo, no que diz respeito ao antigo "lucro imobiliário". No entanto, é preciso que não persistam tratamentos tão diferenciados, no que se refere aos ganhos de capital, entre as pessoas físicas e jurídicas; entre tributação do assalariado e daquele que vive dos ganhos auferidos no remanejamento constante de seu capital. Isto porque o ganho de capital é um elemento revelador de capacidade contributiva de alta produtividade, em termos de arrecadação. Mais do que isto, pelo fato de o Brasil ter o seu sistema de receitas derivadas oriundo preponderantemente de impostos indiretos, seria de se concluir pela possibilidade de fortalecimento dos impostos diretos. Para tanto, ter-se-ia, de início, que se extinguir a ação ao portador, além de se criar uma legislação compatível das perdas de capitais. Este tributo, conjuntamente com o imposto de renda e o imposto de transmissão, poderia corrigir determinados defeitos de estrutura da renda que, segundo alguns economistas, estaria tornando-se restritiva em termos de grupo social.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Fev 1974
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