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A teoria das organizações nos Estados Unidos e na União Soviética: introdução a uma análise comparativa

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A teoria das organizações nos Estados Unidos e na União Soviética: introdução a uma análise comparativa

Fernando C. Prestes Motta

Professor do Departamento de Administração Geral e Relações Industriais da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

"Ultimamente, o conceito de ciência social que defendo, não vem predominando. Minha concepção se opõe à ciência social como um corpo de técnicas burocráticas que inibem a pesquisa social com suas pretensões 'metodológicas', que congestionam esse trabalho com conceitos obscurantistas, ou que os vulgarizam pela preocupação com problemas insignificantes, sem relação com as questões de relevância pública. Essas inibições, obscuridades e vulgarizações criaram uma crise nos estudos sociais de hoje, sem sugerir, pelo menos, uma saída."

(C. Wright Mills)

É tão curioso quanto esclarecedor o fato de que as modernas teorias das organizações norte-americana e soviética tenham tantos pontos em comum. Em ambos os países encontramos o estudo da administração e do comportamento organizacional fundamentado, principalmente, em duas tendências da ciência e, especialmente, da ciência social moderna: a grande teoria e o empirismo. De um lado, o esforço em abarcar o máximo possível da realidade organizacional, sem perder de vista a realidade social, biológica e física, mas, muito pelo contrário, servindo-se à vontade das duas últimas para explicar as duas primeiras. O grande problema é mostrar como a realidade organizacional diferencia-se da social, como ambas se diferenciam da biológica, e como esta última diferencia-se da física. Estando ou não presente a preocupação com tal diferenciação, está sempre presente, porém, a idéia de que uma estrutura teórica é, em si, capaz de ser utilizada para os mais variados campos do conhecimento e a preocupação básica é o jogo com conceitos extremamente formalizados, integrados e abstratos para uma análise do fenômeno organizacional. A formalização exagerada dá ao cientista social uma espécie de sentimento de segurança, de certeza de estar realizando um trabalho científico, embora talvez se trate mais de uma ilusão científica; o nível de abstração, falsa ou real, é também importante porque permite ao cientista um campo extremamente amplo na operacionalização dos conceitos e, finalmente, a integração conceitual garante uma análise aparentemente lógica, uma vez que, em princípio, torna-se muito fácil relacionar as variáveis em que o cientista se encontra interessado.

De outro lado, a quantidade enorme de estudos empíricos que vem-se avolumando com os anos, trazendo muito pouca inovação. Muitas vezes a pesquisa é feita pela própria pesquisa: fascinado com todo um instrumental metodológico para o levantamento e a análise de dados, ocorre freqüentemente que o cientista social experimenta uma deformação profissional. Muitas vezes, pouco importa o que vai ser estudado, mas uma enorme relevância é atribuída ao método que será utilizado. Existem inúmeras razões para tal fenômeno. Em primeiro lugar, é extremamente mais fácil dominar uma metodologia e utilizá-la para o estudo de fenômenos que vão do pequeno grupo de trabalho até à marginalidade social, do que tentar, através de um esforço realmente criador, uma análise teórica que dê conta dos elementos responsáveis pela ocorrência de tais fenômenos nas sociedades contemporâneas. Entretanto, isso exige do cientista em geral e do teórico das organizações em particular uma perspectiva histórica que ele geralmente não possui.

Em segundo lugar, existem inúmeras entidades culturais ligadas a empresas gigantes que financiam generosamente pesquisas de campo que muito pouco têm a ver com um conjunto lógico de hipóteses que faça sentido por si mesmo. Para as empresas associadas a tais entidades é muito interessante o financiamento, tanto do ponto de vista fiscal como do ponto de vista de imagem perante a opinião pública e perante uma intelligentzia potencialmente crítica e perigosa; no tocante à imagem, o mesmo pode-se aplicar a muitos governos.

Em terceiro lugar, uma das formas pelas quais as universidades conseguem sobreviver e obter a aceitação dos grupos sociais dominantes é através de órgãos consultivos e, às vezes, até mesmo deliberativos, dos quais fazem parte, geralmente, as pessoas mais proeminentes desses meios e, nem sempre, os interesses acadêmicos dos pesquisadores dessas universidades coincidem com os interesses desses líderes do cenário econômico e político da comunidade.

Em quarto lugar, a produção em massa no campo acadêmico tende a refletir a produção em massa de bens no campo econômico. Idéias, mercadorias e serviços são produzidos e consumidos rapidamente na sociedade industrial. Da mesma forma que os presidentes das grandes empresas estão continuamente pressionando os diretores de produção para sua maximização, levando em conta o potencial de mercado, os deões, reitores etc. das universidades pressionam seus pesquisadores no mesmo sentido, levando igualmente em conta o potencial de mercado e ocorre que a produção em massa, ao menos no campo acadêmico, geralmente se dá em prejuízo da qualidade e de projetos de grande envergadura e o potencial de mercado é igualmente maior para projetos menos ambiciosos que tratem de aspectos muito restritos da realidade organizacional ou social, porque as conclusões desse tipo de pesquisa podem ser, de um modo geral, utilizadas da forma que aprouver ao consumidor.

Em quinto lugar, finalmente, Weber, Durkheim, Mills e tantos outros dedicaram, a rigor, uma vida a um projeto intelectual. Muitos desses morreram antes de completar esses projetos e, mesmo assim, influenciaram poderosamente, embora freqüentemente através de deturpações mais ou menos conscientes de seus sucessores na sociologia. Na teoria das organizações e em várias correntes sociológicas, pesquisas realizadas segundo os métodos mais sofisticados, tornados possíveis pela tecnologia moderna e realizados em períodos que vão de um a 12 anos, na melhor das hipóteses, exercem, por meio da comunicação de massa, uma influência tão ou mais poderosa quanto a obra de um Weber ou de um Durkheim. Todavia as facilidades oferecidas pela tecnologia moderna ainda não incluem a capacidade conceitual e o espírito crítico, nem tampouco a autocrítica.

No que se refere à ciência social americana, devido ao conhecimento que dela temos, é extremamente fácil encontrar ilustrações dessas duas tendências.

Que estudioso da sociologia ou de áreas afins não se espantou com a sofisticação, a prolixidade e o sincronismo de O sistema social de Talcott Parsons, que lembra um romance de mil personagens, que nos obriga a voltar constantemente atrás, para saber quem é quem? E, no final, a gente descobre que os personagens não eram tantos, mas que respondiam por vários nomes. Ou ainda, quem não se deliciou com os conceitos de homeostase dinâmica, morfogênese, eqüifinalidade, isomorfismo, integração e diferenciação, steady state, e tantos outros mais ou menos curiosos do jargão da teoria geral dos sistemas? Por outro lado, que homem de bom senso não se espantou com o "parto da montanha" de alguns artigos publicados pela Administrative Science Quarterly, pela American Sociological Review e tantas outras muito menos importantes, porque as mencionadas estão certamente entre as melhores revistas de ciências sociais dos Estados Unidos, que, baseados em pesquisa de campo, utilizando um instrumental técnico e metodológico extremamente complexo, chegam a conclusões óbvias de uma ingenuidade que faria corar uma universitária brasileira de inteligência mediana?

No que se refere à sociologia soviética, muito pouco divulgada entre nós, tudo indica que a intransigência intelectual de algumas décadas atrás é já um capítulo interessante da história do autoritarismo intelectual, no tempo e no espaço. Alvin Gouldner, que conhece muito bem o assunto para um sociólogo ocidental, constata entre as várias características dessa sociologia, em nossos dias, o fato de que, a despeito de sua pouca uniformidade, ela está atingindo níveis cada vez mais altos de sofisticação, especialmente no que se refere ao estudo da estratificação e à análise organizacional, especialmente nos centros de pesquisa de Talinn e Novosibirsk e, de acordo com Gouldner, alguns cientistas sociais soviéticos estão indo relativamente devagar nesse processo para não provocar uma desagregação dessa sociologia nascente. Por sua vez, é também Gouldner quem constata a importância especial dada por muitos cientistas sociais soviéticos ao que chamam de "pesquisa concreta" que, segundo o autor, significa uma tomada de posição positiva no que diz respeito a um novo programa de trabalho empírico e, igualmente, um julgamento crítico tácito de formas mais antigas de análise teórica.1 1 Ver Gouldner, Alvin W. The coming crisis of Western sociology. Basic Books, Inc. Publishers, New York, 1970, p. 459-61.

1. A MODERNA TEORIA DAS ORGANIZAÇÕES NOS ESTADOS UNIDOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Julho de 1972 foi um mês difícil para muitos cientistas e especialmente para um grande número de teóricos das organizações que perdiam o seu mestre - o biólogo Ludwig von Bertalanffy, do Centro de Biologia Teórica da Universidade Estadual de New York (Buffalo) - de quem ainda em março de 1968 o público recebera o livro Teoria geral dos sistemas, fruto de seu trabalho junto à Universidade de Alberta, no Canadá, mas que já em 1928, aos 27 anos, começava a delinear os caminhos que percorreriam suas idéias, com a publicação em Munique de Nikolaus von Kues e, em Berlim, de Teoria crítica da morfogênese, curiosamente traduzido para o inglês como Teorias modernas do desenvolvimento.

Já nessa época, Bertalanffy entendia que, uma vez que o caráter fundamental da coisa viva é sua organização, a investigação costumeira das diversas partes e processos em separado não podiam fornecer-nos uma explicação completa do fenômeno vida.

Tal investigação não podia oferecer-nos informações sobre a coordenação das partes e processos. Assim, a principal tarefa da biologia precisava ser a descoberta das leis dos sistemas biológicos (em todos os níveis de organização). E, para Bertalanffy, as tentativas nesse sentido levariam a uma mudança fundamental na concepção do mundo, na medida em que a biologia teórica encontrasse seus fundamentos. Tal visão, considerada como um método de investigação, poderia, a seu ver, ser chamada biologia organísmica em oposição à biologia molecular, ocupando-se não apenas do nível físico-químico mas também dos níveis mais elevados da matéria viva2 2 Ver von Bertalanffy, Ludwig. Teoria geral dos sistemas. Petrópolis, Editora Vozes Ltda., 1973, p. 21. e como uma tentativa de explicação de teoria sistêmica do organismo, que se basearia na constatação de que as propriedades e os modos de ação do todo não são explicáveis pela simples somatória das propriedades e modos de ação de seus componentes tomados isoladamente, mas pelo conjunto dos componentes e das reações existentes entre eles.

Cerca de 15 anos mais tarde, Bertalanffy admitia tacitamente a existência de modelos, princípios e leis aplicáveis a sistemas genéricos ou a seus subsistemas, independentemente da espécie, da natureza dos elementos componentes e das relações entre eles; propondo a teoria geral dos sistemas como uma nova disciplina, definida como um campo lógico-matemático, cuja tarefa seria a formulação e o desenvolvimento desses princípios aplicáveis aos sistemas em geral, de modo a permitir formulações exatas de termos tais como todo e soma, diferenciação, mecanização progressiva, centralização, ordem hierárquica, finalidade e eqüifinalidade, que dizem respeito a todas as ciências que tratam de sistemas.3 3 Ver von Bertalanffy, Dudwig. The history and status of general system's theory. Academy of Management Journal, v. 15, n.º 4, Dec. 1972. O biólogo impressionou-se com as analogias existentes entre sistemas biológicos diversos; o cientista, com as analogias entre sistemas biológicos e não-biológicos.

O assombro do cientista foi reforçado pela receptividade encontrada em outros campos que não o biológico e pela constatação de que muitos outros especialistas estavam trabalhando em uma linha muito semelhante, tendo morrido, certamente, satisfeito ao verificar que apenas não estava sozinho, mas tinha a seu lado nomes reputadíssimos como Norbert Wiener (cibernética) e Kenneth Boulding (ecossistemas), além de um elevado número de discípulos em quase todos os campos do conhecimento, resultante do trabalho a que se entregou com todo o empenho à sociedade criada, logo que o movimento começou a adquirir força e, muito especialmente, do grupo de trabalho de J. G. Miller, psicólogo social que reuniu elementos das mais diversas áreas científicas com a finalidade de pesquisar a aplicação da teoria geral dos sistemas do nível da simples célula ao nível da sociedade. Finalmente, o ano da morte de von Bertalanffy coincidiu com o da edição do livro The system's view of the world.4 4 Ver Laszlo, Ervin. The system's view of the world. New York, Braziller, 1972. Para avaliar o surto sistêmico na ciência em geral e sobre a teoria tradicional das organizações, reproduziremos a seguir o quadro do politólogo O. R. Young,5 5 Young. A survey of general systems theory, general systems. Yearbook of the society for general systems research. New York, 1964, v. 9, p. 64. N. do A. É preciso levar em consideração o fato de que muitos dos autores que empregaram poucos dos conceitos em questão, utilizaram amplamente o modelo do sistema aberto, embora tenham sido mais originais, como é o caso de Kenneth Boulding The organizational revolution e David Easton A systems analysis of political life. feita a ressalva de que não estão ali presentes teóricos ditos sistêmicos das organizações, tais como Katz e Rozensweig, Katz e Kahn, Gross, Likert, Trist, Rice etc... Evidentemente, entretanto, isso não prova nada além do fato de que tal "surto" foi muito grande, o que, no caso das ciências sociais, é muito compreensível, visto que tanto as idéias de von Bertalanffy quanto de alguns de seus colegas podem e foram utilizadas como um reforço positivo para o funcionalismo de Talcott Parsons que, de resto, utilizou mais conceitos atualmente compreendidos como próprios da abordagem sistêmica do que o próprio von Bertalanffy.

No que diz respeito, especificamente, à teoria das organizações têm sido incontáveis os esquemas conceituais baseados na teoria geral dos sistemas. A ordem em que alguns desses esquemas são apresentados parece corresponder, grosso modo, a níveis de sofisticação teórica cada vez mais altos.

O primeiro esquema conceitual a ser considerado é o de Tavistock, ou mais explicitamente de Trist e Rice, que analisa a organização como um sistema sociotécnico aberto, ou seja, como composta de um subsistema técnico do qual as demandas da tarefa, a implantação física e o equipamento existente são os principais componentes e cuja eficiência é apenas potencial, e de um subsistema social dotado de normas, aspirações e valores que transforma a eficiência potencial em real. Desnecessário insistir em que a organização é vista como um sistema em transação contínua com o seu ambiente.

O segundo é o de Homans, segundo o qual o ambiente em que se insere um grupo social é diferenciado e tal diferenciação define o seu sistema externo, composto das atividades, interações e sentimentos impostos pelo ambiente físico, cultural ou tecnológico. Todavia, essas atividades, interações e sentimentos interdependentes adquirem uma dinâmica própria constituindo um sistema interno.

Ao conjunto de todas essas variáveis, Homans chama situação total, que inclui precisamente ambiente físico e social, compreendidos no último os grupos maiores nos quais os participantes dos grupos menores estão filiados, ou com os quais mantêm contato, os materiais, ferramentas e técnicas utilizadas pelo grupo em sua ação sobre o ambiente: o sistema externo, isto é, as relações entre os membros do grupo para essa ação, o sistema interno, isto é, as relações sociais que se desenvolvem a partir do sistema externo e que a ele reagem, e, finalmente, as normas do grupo. A compreensão adequada dessa situação total é para o referido autor uma pré-condição para uma liderança eficaz.

O terceiro é o de Michigan: Ann Arbor e inclui Likert, Kahn, Katz, Wolfe, Quinn, Rosenthal e Snoeck. Tal esquema precisa ser apresentado sob forma de etapas. A etapa de Likert compreende a análise da organização em termos de um sistema de interligação de grupos, através de indivíduos em posições-chave que fazem parte, a um só tempo, de dois ou mais grupos e que são chamados elos de ligação. Tais elos de ligação também desempenham a função de relacionamento da organização com as demais (sistemas de mesmo nível), com o sistema industrial ou com a sociedade global (sistemas de larga escala) e com grupos formais ou informais (subestruturas). Também para ele a liderança eficaz deve estar alerta às relações internas e externas. O sucesso da organização é em grande medida condicionado à maximização do desempenho eficaz dos elos de ligação. A etapa Kahn, Wolfe, Quinn, Snoeck e Rosenthal entende que se deve distinguir claramente grupos psicológicos de elos de ligação e que tal tarefa torna-se mais fácil mediante a substituição da utilização do conceito de grupo pelo conceito de conjunto de papéis. Dessa forma, são pessoas desempenhando determinados papéis interligados que se inter-relacionam. A organização passa a ser pensada em termos de um sistema aberto de conjuntos de papéis que se sobrepõem e que se ligam, ultrapassando alguns as fronteiras organizacionais e relacionando-a com o ambiente. A liderança eficaz aqui é aquela que consegue minimizar as tensões, os conflitos e a ambigüidade das pessoas no desempenho de seus papéis. A terceira é a etapa de Katz e Kahn, mais do que qualquer outra, repleta de influências parsonianas. De certa forma "psicologia social das organizações" pode ser vista como uma versão simplificada de "o sistema social".

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A etapa Kahn, Wolfe, Quinn, Snoeck e Rosenthal é absorvida e a organização passa a ser vista como um sistema aberto de papéis, normas e valores que reduzem a variabilidade humana, mas que, ao mesmo tempo, adaptam-se ao ambiente. Como o ambiente está sempre mudando, estabelece-se uma certa tensão entre a redução da variabilidade humana a padrões estáveis e a adaptação ao ambiente dinâmico, mas isso é muito natural, segundo os autores; não é nada mais do que o steady state e a homeostase dinâmica, característica fundamental de qualquer sistema aberto, que estocando parte dos insumos de energia, os chamados insumos de manutenção, é capaz de sempre se auto-superar e de se adaptar, tendendo ao crescimento e a expansão. A forma um pouco misteriosa pela qual a organização atinge o seu estado constante (steady state) ou mantém-se nesse estado apesar da homeostase dinâmica não tem muita importância porque trata-se da eqüifinalidade, outra característica fundamental de todos os sistemas abertos, segundo a qual "todos os caminhos levam a Roma". A liderança eficaz aqui é aquela que dá, aos ocupantes de papéis predeterminados por normas justificadas por valores e aspirações mais altas, a possibilidade de legislar, mas que mantém na hierarquia o poder executivo, que pode fazer uso do sistema de recompensas e punições adequadas à manutenção das formas de comportamento exigidas pelos vários papéis a serem desempenhados. Assim, o funcionamento harmônico da organização depende de suas funções administrativas e institucionais que coordenam o funcionamento de vários subsistemas de funções, inclusive a produção ou "processamento de insumos energéticos produtivos" que é vital, adaptando tal funcionamento às demandas ambientais.

Existem muitos outros esquemas conceituais, tais como o de integração-diferenciação (Harvard) que procura dar conselhos aos administradores de organizações complexas (um belo nome pelo qual Etzioni chama as unidades de produção e controle) a partir de uma sofisticação teórica admirável desses professores e consultores de alto nível que são Lawrence e Lorsch; a tentativa séria, mas um tanto frustrante de Carzo e Yonouzas de quantificar a análise organizacional com base na abordagem sistêmica, e assim por diante. Há sintomas de que o modelo do sistema aberto esteja dando lugar a outro que enfatize a ação (Silverman), bem como de que ele tende a ser utilizado com um pouco menos de ortodoxia (J. Thompson), mas realmente a teoria moderna das organizações ocidentais, que nós tomamos a liberdade de chamar de americana, embora alguns de seus autores não sejam americanos, está ainda em termos gerais, decididamente, na fase do sistema aberto.

Todavia, a fase do sistema aberto e, portanto, de grande teoria, de forma alguma implica a ausência de trabalhos de campo; aliás, muito pelo contrário, a aplicação do modelo do sistema aberto à teoria das organizações é caracterizada pela utilização em massa de dados obtidos em levantamentos de campo. A idéia parece ser a de que o amplo emprego de dados obtidos através dessa via é suficiente para validar a aplicação da teoria geral dos sistemas à análise organizacional. No livro Psicologia social das organizações, de Daniel Katz e Robert L. Kahn existem cerca de 250 exemplos retirados de conclusões de trabalhos de campo para 514 páginas de texto.6 6 Ver Katz, Daniel & Kahn, Robert L. Psicologia social das organizações. São Paulo, Editora Atlas S.A., 1970. O livro Organização e ambiente, de Paul R. Lawrence e Jay W. Lorsch não é nada mais nada menos do que uma descrição de sua pesquisa extremamente sofisticada junto às indústrias de plásticos, containers e de alimentos empacotados, e das conclusões por eles tiradas a respeito, conclusões aliás da maior sabedoria, que, em última análise, sugerem que organizações ou unidades organizacionais que funcionam em ambientes em mudança devem ter estruturas flexíveis e, ao contrário, organizações ou unidades organizacionais funcionando em ambientes estáveis devem ter estruturas mais rígidas, para sua maior eficiência.7 7 Ver Lawrence, Paul R. & Lorsch, Jay W. Organization and environment. Homewood, Illinois, Richard D. Irwin, Inc., 1969. O livro Organization in action, de James Thompson, extremamente utilizado nas universidades americanas nos dias atuais, baseado igualmente em um número não desprezível de pesquisas metodologicamente impecáveis, também afirma que o grande problema das organizações é a incerteza e que diferentes tecnologias e ambientes são fontes poderosas de incerteza e levam ao surgimento de diferenças nas organizações. Por essa razão é importante estudar o papel e o sentido da racionalidade na administração. O autor adverte, porém, que sem pesquisas mais refinadas nós não estamos em condições de testar hipóteses e elaborar indagações mais sofisticadas.8 8 Ver Thompson, James D. Organizations in a action. New York, McGraw-Hill Book Company, 1972.

Entre os pesquisadores de campo mais destacados estão, sem dúvida alguma, Élton Mayo, pioneiro nessa tradição e outros, mais recentemente, com vários estudos, tais como: Blauner (alienação) Joan Woodward (estrutura e tecnologia), Bernard Barber (liderança), Coch e French (resistência à mudança), Levinson (sanidade mental na indústria), Emery e Trist (sistemas sociotécnicos), Lazarsfeld (estudos sobre influência, tão absorvidos na literatura organizacional), Leavitt (comunicação), Katz (supervisão e moral), Lawrence e Lorsch (desenvolvimento organizacional), entre muitos outros.

Em geral, um dos grandes problemas desse tipo de estudo é a escolha de variáveis, ou seja, das variáveis mais adequadas para a análise de um determinado fato. Outro problema é a generalização das conclusões tiradas de estudos particulares que, muitas vezes, não é válida. Finalmente, a utilização inadequada de conceitos leva normalmente a conclusões enganadoras. Além disso, os vieses, muitas vezes inevitáveis, de formação, de centrismo cultural ou de envolvimento profissional, são elementos suficientemente importantes para justificar uma atitude de reserva frente a tais empreendimentos. De forma alguma, porém, tais estudos são desnecessários. Muito pelo contrário, sua relevância científica e pública é indiscutível e é em função de tal relevância que todo o cuidado é pouco em sua realização ou utilização.

2. A MODERNA TEORIA DAS ORGANIZAÇÕES NA UNIÃO SOVIÉTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Em 1908, quando von Bertalanffy era uma criança, o biólogo russo Alexander Bogdanov rompia política e ideologicamente com Lenin. Curiosamente, Bogdanov não podia aceitar o materialismo dialético como algo universal, aplicável às diversas ciências, mas aceitou criar, ele próprio, uma ciência universal da organização, à qual chamou tectologia, deixando assim muito clara a sua origem biológica.

Esse rompimento com Lenin e com o materialismo dialético, como a grande explicação, custou caro a Bogdanov. As portas da política foram-lhe imediatamente fechadas, como também custou-lhe os centros de pesquisa e as organizações de modo geral. A imagem do "cientista louco", do homem excêntrico, garantiu que até os anos 20 seus escritos fossem tolerados, mas sua influência sobre a pesquisa e as atividades organizacionais era condenada e impedida a todo custo.

A obra de Bogdanov foi relativamente grande. O seu livro Tectologia: a ciência universal da organização é de 1912. Em 1918, publicou O socialismo da ciência, onde sua teoria é apresentada de forma simplificada e, finalmente, em 1923, publicou com Stepanov o seu Curso de economia política. A obra básica, contudo, continuou sendo a primeira. E quem a estudar verificará claramente os seus pontos em comum com a teoria geral dos sistemas de von Bertalanffy. Com este, Bogdanov preocupou-se em identificar os aspectos estruturais e processuais semelhantes nos sistemas físicos, biológicos e sociais. Como Bertalanffy, Bogdanov insistiu na idéia de que a especialização científica havia levado a uma visão distorcida da realidade, mostrando que os jargões das diversas áreas do conhecimento serviam apenas para obscurecer as semelhanças entre os diversos níveis de organização e para sublinhar as diferenças. Em Tectologia: a ciência universal da organização ele conclui que podem existir determinadas formas de organização comuns aos mais diversos elementos do universo. Daí a necessidade de estudar tais formas em estado puro, isto é, dissociadas de tudo aquilo que não é estrutural ou processual, de todo viés das ciências especializadas, e de estudá-las de forma global, como sistemas integrados. Esse era o objeto da sua tectologia.

Para Bogdanov os sistemas podiam ser maiores, iguais ou menores que a soma de seus componentes, dependendo exclusivamente do nível de organização do sistema, de suas atividades integradoras ou desintegradoras. A homeostase ou equilíbrio dinâmico e a morfogênese eram os estados mais comuns de equilíbrio sistêmico. Muito menos freqüente eram os sistemas em equilíbrio estável. O nível de organização do sistema, tão importante nesse tipo de visão, era em grande parte função de sua abertura, isto é, de sua capacidade de receber a diversidade de insumos ambientais, ou seja, como os teóricos das organizações do Ocidente, os sistemas de nível mais alto eram os sistemas abertos e, como no Ocidente, os conceitos básicos utilizados na análise dos sistemas foram equilíbrio dinâmico, morfogênese, entropia, codificação, retroalimentação e codificação, sendo este último tratado em termos de seleção progressiva e negativa.

Para Bogdanov a tendência natural dos sistemas altamente organizados era a absorção contínua da variedade ambiental (seleção progressiva), mas a possibilidade dessa absorção levar o sistema a um estado de sobrecarga era admitida. Nesses casos, Bogdanov propunha a seleção consciente de insumos ambientais para que o sistema não se destruísse (seleção negativa). Portanto, para Bogdanov a entropia negativa era um processo conscientemente provocado e não uma característica natural dos sistemas abertos. Os rumos que a obra de Bogdanov tomaria são matéria de especulação. Sua morte em 1928 deixou-a inacabada, mas livrou-o da era stalinista. Após sua morte o stakhanovismo, versão soviética do taylorismo, dominou a teoria administrativa. O pensamento político, econômico e social foi extremamente monopolizado por Stalin, com quem de nenhuma forma convinha discordar. A teoria das organizações soviéticas passa por uma fase de adormecimento.

É apenas na década dos 60 que a teoria das organizações começa a ser novamente objetivo de preocupação dos intelectuais e políticos soviéticos. O marxismo-leninismo é de certa forma deixado "na geladeira". Muito pouca gente ousa repudiá-lo, mas, igualmente, muito pouca gente ousa desenvolvê-lo. Tal posição é, aparentemente mais cômoda e segura para a intelectualidade soviética preocupada em não parecer revisionista.

A obra de Bogdanov é parcialmente ressuscitada, transformando-se imediatamente no ramo mais conservador da teoria das organizações. Em 1965, Jampol'skaja publica o livro Desenvovimento das formas estruturais e organizacionais da organização governamental, e dois artigos importantes sobre metodologia e conceitos da teoria das organizações, bem como Tikhomirov, Bachilo, Remnev, Sergienko e Kakovin, que publicaram A organização científica do trabalho no aparato administrativo, em 1969.

É de Jampol'skaja o texto que transcrevemos a seguir:

"A elaboração do método da ciência administrativa está apenas começando. O método permitirá reunir os dados das diferentes ciências afins aos problemas que dizem respeito à administração, descobrir as leis que regem o seu relacionamento, compreender tais leis e utilizar na prática administrativa as conclusões da ciência política e do direito, da psicologia e de outras ciências que ajudam a encontrar as variantes otimizantes da estrutura, dos processos e procedimentos da administração e de verificar na prática o valor dessa ciência, uma vez que de acordo com o marxismo-leninismo o critério objetivo de validação do conhecimento científico é a sua ligação com a prática. Tal método terá seu caráter específico derivado da natureza particular da administração enquanto processo de solução de problemas práticos complexos que exigem levar em consideração, a um só tempo, fatores os mais diversos, tais como políticos, econômicos, jurídicos etc...

As partes componentes deste método devem ser: uma abordagem funcional da administração, a colocação em evidência das funções necessárias ao Estado num determinado período, graças às quais a administração estatal deverá atingir o melhor resultado, a pesquisa da repartição ótima dessas funções entre os órgãos de mesmo nível (como entre os órgãos federais e os órgãos republicanos etc...), um estudo da máquina administrativa do Estado como um sistema, uma abordagem histórica no estudo da administração e a utilização de análises sociológicas concretas para o estudo da administração, particularmente para verificar a eficácia de seu funcionamento.

Todas essas abordagens, todos esses procedimentos científicos interpenetram-se: a concepção sistêmica supõe o estudo funcional. Essas duas formas de estudo são inseparáveis do estudo histórico, validando-se concretamente, através das análises sociológicas. As abordagens sistêmica e funcional, métodos particulares de pesquisa, são considerados como elementos, como aspectos, de um método único de dialética materialista, como particularidades concretas cujas aplicações são definidas pela especificidade da matéria estudada. A tarefa dos cientistas marxistas na pesquisa da metodologia das diferentes ciências consiste precisamente e, antes de mais nada, na descoberta da especificidade dos métodos científicos, determinados pelo objeto de estudo, na demonstração da possibilidade, da admissibilidade ou da oportunidade de usar tal procedimento, tal ou qual método.

A abordagem funcional concentra a atenção na especificidade do conteúdo da atividade da administração.

Contrariamente ao que foi sustentado por alguns na década dos 20, é indispensável compreender que existe uma interdependência entre as formas, a estrutura, os métodos e as funções de todo o sistema de órgãos administrativos.

A questão da necessidade do estudo funcional da administração está já há muito tempo colocada. Há alguns anos ela colocou-se igualmente na doutrina administrativa soviética, mas tal abordagem ainda aplicada às pesquisas jurídicas. Ela deveria, entretanto, dar seus melhores resultados nesta nova ciência altamente complexa que é a ciência administrativa.

A abordagem sistêmica está estreitamente ligada à funcional, diferenciando-se na concentração de sua atenção na estrutura interna do sistema de órgãos pelos quais circula a atividade administrativa...

É ainda difícil prever no que dará concretamente esse modo de pesquisa, mas pode-se desde já prever... que ele poderá ajudar, pela utilização e aperfeiçoamento dos canais de informação, a transformar nossa administração em um sistema cibernético autônomo, dotado de um mecanismo de feedback e é nessa direção que nós devemos caminhar...".9 9 Jampol'skaja, Cécile. Quelques aspects de méthode de la science administrative. L'Administration Publique, Pravove denie, Leningrado, n. 3, 1966. Recueil de textes preparé par les instituts belge e français de sciences administratives, Armand Colin, Paris, 1972.

Todavia, parece que a influência dessas obras não foi, nem de longe, comparável à do sociólogo polonês Starosciak que em 1965 teve seu livro traduzido para o russo, com uma introdução de Jampol'skaja.

A obra de Starosciak soava menos discordante do marxismo-leninismo e sua posição segundo a qual os princípios norteadores da administração capitalista eram inaplicáveis ao mundo comunista, legitimou-a perante o governo e o partido. Entretanto, Elementos da ciência da administração é um livro que poderia perfeitamente ser publicado por um intelectual americano. Os temas dos quais se ocupa Starosciak são extremamente semelhantes aos temas predominantes no Ocidente e, curiosamente, também muitas de suas conclusões. Assim, por exemplo, os aspectos estruturais, comportamentais e processuais do papel do líder são estudados com grande ênfase pelo autor, inclusive as fontes de tensões entre autoridade pessoal e formal, lembrando bastante os estudos dos teóricos americanos. Da mesma forma, as técnicas de pesquisa e os exemplos de suas aplicações são logo de início valorizados, reconciliando de certa forma a grande teoria de origem bogdanoviana com o empirismo que na mesma época aparecia extremamente valorizado, adentrando a União Soviética, através dos poloneses e iugoslavos, sob o nome de sociologia ou pesquisa concreta, ao qual nos referimos anteriormente ao citar Alvin Gouldner.

Dessa forma, para um trabalho teórico de fôlego como aquele realizado por Lebedev que deduziu diversas proposições da teoria da informação para aplicação à teoria e ao projeto de sistemas, milhares de trabalhos de campo foram e estão sendo realizados, especialmente no que diz respeito à pesquisa de opinião, o que parece interessar, sobremaneira, aos dirigentes soviéticos. A "questionariomania" invadiu as fábricas e a universidade. As atitudes dos jovens e dos trabalhadores no que diz respeito ao trabalho e à socialização são levantadas de uma forma nunca antes conhecida pelos soviéticos e tais pesquisas são financiadas pelo partido.10 10 para maiores esclarecimentos sobre a teoria das organizações na União Soviética, ler o artigo The new science of administration in the URSS, de Robert F. Miller, no qual nos baseamos. Este artigo foi publicado em Administrative Science Quarterly, Sep. 1971.

Evidentemente, a teoria das organizações reflete um fenômeno que está ocorrendo com toda a ciência social soviética, estranhamente invadida pela aliança funcionalismo-empirismo, ao mesmo tempo em que o marxismo (ou os marxismos) começa a invadir a intelectualidade americana. E, se nos Estados Unidos não faltam críticos dessas novas tendências, o mesmo ocorre na União Soviética. Todavia, a teoria das organizações permanece "onde sempre esteve e de lá não arredará um pé". Soviética ou americana ela é extremamente flexível e ajustada.

3. DIVISÃO DO TRABALHO E TEORIA DAS ORGANIZAÇÕES

Na segunda metade do século XVIII surgiu na França um corpo de doutrinas econômicas que recebeu o nome de fisiocracia. Sua contribuição para o pensamento econômico constituiu, ao lado da contribuição inglesa, a base para a construção da teoria econômica clássica, pois é apenas com os fisiocratas que a economia passou a ser entendida em termos de escolas e de sistemas. O pensamento fisiocrático estava baseado em dois grandes pressupostos, o do produto líquido e o da ordem natural e, numa analogia da circulação do sangue no corpo humano, com a circulação e distribuição de riqueza na sociedade. Os diversos grupos sociais eram, portanto, comparados aos órgãos do corpo e o comportamento econômico com o comportamento biológico do organismo humano. O grande mestre da fisiocracia foi Quesnay, médico de Luis XV, que descreveu suas idéias no famoso Tablean economique. Talvez pela primeira vez a metáfora biológica estivesse sendo empregada, de forma estruturada, em um grande sistema, para explicar a realidade social, e a metáfora foi extremamente útil, porque em perfeita sintonia com o pressuposto da ordem natural, aliás tão a gosto da mentalidade cristã tradicional. Lembremo-nos de que no século anterior o Santo Ofício publicava: "O ponto de vista de que o Sol está imóvel no centro do Universo é insensato, filosoficamente falso e inteiramente herético, pois contraria a Santa Escritura. O ponto de vista de que a Terra não está no centro do Universo e tem mesmo uma rotação quotidiana é filosoficamente falso e, pelo menos, uma crença errônea".11 11 Mousnier, Roland. Os séculos XVI e XVII. in: Crouzet, Maurice. História geral das civilizações. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1967, t. 4, v. 1, p. 226. Segundo o pressuposto da ordem natural, existia uma ordem providencial, um plano divino com o qual os homens deveriam se conformar se quisessem atingir a uma maior felicidade possível. Essa ordem natural incluía o respeito à autoridade e não podia ser impunemente contrariada.12 12 Ver Roll, Eric. História das doutrinas econômicas. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1962.

Evidentemente, tal ordem natural implicava a produção dos alimentos necessários à sobrevivência humana e no reconhecimento de que os lavradores constituíam o único grupo social produtivo, embora só o pudessem ser em função dos proprietários de terras, responsáveis pela manutenção secular do fator estratégico da produção.

Naturalmente, tudo isso está muito distante, tudo isso mudou, tudo se transformou. Por exemplo, no que se refere à mentalidade cristã, é difícil imaginar que há 300 anos atrás ela fosse tão fechada. Nenhum cristão de bom senso concordaria atualmente com a visão geocêntrica do universo... A idéia parece tão bizarra, o equilíbrio de um tal sistema tão estável... Não, realmente as coisas mudaram muito! Aliás, depois que as obras do padre jesuíta Teilhard de Chardin foram publicadas post-mortem, a mentalidade cristã modificou-se bastante. Teilhard nasceu em 1881 e faleceu em 1954. Foi mesmo uma obra do acaso o seu desencontro com Bogdanov e von Bertalanffy. O encontro poderia perfeitamente ter ocorrido, pois então, como no século passado, esses biólogos transformados em filósofos da ciência haviam de encontrar muita coisa em comum com o expoente do novo cristianismo. Evidentemente, para que saibamos o que poderia ser encontrado em comum, é preciso que delineemos a filosofia do ilustre jesuíta.

A visão geral do universo, de Teilhard de Chardin percorria a criação até o seu estado final: o ponto ômega. Sua proposição foi a de fazer "uma leitura morfológica" dos fenômenos da história natural e humana, descobrindo seu sentido e conteúdo íntimo e buscando seu lugar no dinamismo evolutivo do cosmos. Chardin distingue três grandes épocas da história às quais chama cosmogênese, biogênese e antropogênese. A primeira é a época que parte da criação e vai até o aparecimento da vida; a segunda encerra-se com o aparecimento do homem; a última desembocando no ponto ômega. As duas primeiras, portanto, dizem respeito à história natural e biológica do mundo, englobando o aparecimento de todas as espécies, átomos, moléculas e células. A última corresponde à história do homem, de suas origens até seu grau máximo de aperfeiçoamento.

Para Teilhard, tal evolução dá-se em termos de convergência e ascendência. No que diz respeito à cosmogênese, tal movimento é chamado litosfera. No que diz respeito à biogênese, biosfera e, finalmente, no que diz respeito à antropogênese noosfera. Porém, a noosfera ultrapassa a antropogênese ou a expande, levando-a à cristogênese, isto é, à construção da unidade de todas as coisas em Cristo. Tal evolução, por certo, seria regida por leis às quais Teilhard chama de complexidade crescente e consciente, que se aplicam por excelência ao desenvolvimento da cosmogênese e da biogênese até o aparecimento de seres vivos superiores que, devido a seu alto grau de perfeição relativa requerem a lei da cefalização. Já a antropogênese é inteiramente regida pela lei da socialização. Em uma linguagem atual, essas quatro leis regem a grande morfogênese universal, morfogênese que Teilhard divide em etapas, ou seja, tal morfogênese implica necessariamente a existência de estágios sempre mais altos, ou seja, implica equilíbrio dinâmico, uma espécie de homeostase.

A operação das leis evolutivas de Teilhard, porém, só é possível em função da existência de energia. A idéia de Chardin é que tal energia manifesta-se já no momento em que aparece a matéria, pois esta já é pelo menos uma manifestação de pré-consciência ou pré-vida e, consciência e vida constituem para Teilhard a essência da energia. A energia é, pois, o ponto de partida da evolução, sem energia não há processamento, ou melhor, transformação do universo.

No entanto, Teilhard, dotado de formação física sólida, entende que a entropia ocorre em qualquer processo de transformação. Para ele a entropia é o inverso da energia, é o custo da evolução, a expressão e a prova de sua irreversibilidade.13 13 Ver Chardin, Teilhard de. Le phénomène humain, L'avenir de L'homme e L"activation de L'energie. Paris, Editions du Seuil, 1955, 1959, 1963; e Detrez, Conrado. A história e o universo segundo Teilhard de Chardin. Rio de Janeiro, Paz e Terra, n. 2, 1966. Porém, a vida é, para ele, uma espécie superior de energia. A lei da complexidade consciente garante a continuidade da evolução ou transformação do universo. Em termos da teoria geral dos sistemas, a entropia negativa superaria o processo entrópico. Em termos da tectologia, o processo de seleção consciente seria responsável pela manutenção do sistema.

Da mesma forma que a posição do Santo Ofício tão estática e conservadora parece de uma incrível pobreza diante da filosofia extremamente dinâmica de um cristão moderno como foi Teilhard de Chardin, a concepção fisiocrática da sociedade e do sistema econômico torna-se miserável diante da sofisticação de Bogdanov e de sua teoria universal da organização, ou tectologia, e desprezível diante do aparato teórico de von Bertalanffy e de seus seguidores ocidentais. Todavia, é bastante curioso encontrar pontos em comum entre a teoria sistêmica e a filosofia de Teilhard de Chardin em nosso século. É igualmente bastante curioso encontrar pontos em comum entre a fisiocracia e a posição da Igreja, nos séculos XVII e XVIII. Porém, mais curioso do que tudo é encontrar pontos em comum entre a fisiocracia e a moderna teoria das organizações.

Realmente, também para a moderna teoria das organizações, estas são sistemas que dependem de energia para sobreviverem. Uma das formas de energia que elas absorvem é o capital, outra é a matéria-prima, outra é o conjunto de equipamentos; e, especialmente os dois primeiros circulam numa organização entre os seus vários subsistemas, compostos estes de homens que desempenham papéis interdependentes vertical, diagonal e horizontalmente e, por essa razão, o respeito à autoridade é imprescindível aos processos produtivos. Ah, mas os processos produtivos são tão variados atualmente! As combinações de tipos de produto e tecnologia incluem desde produção de automóveis através da linha de montagem até a produção de idéias, através do raciocínio, passando pela produção, ou melhor, formação de profissionais de alto nível, através do magistério e pela produção de móveis com base na criatividade, para não ir muito longe.

Decididamente, o desempenho de papéis interligados precisa ser direcionado, e o é: quando o produto é concreto e a tecnologia rígida como no caso da indústria automobilística, o processo produtivo vale-se principalmente das atividades de distribuição do produto dos chamados subsistemas de apoio ou de procura e colocação; quando o produto é uma idéia ou um conjunto de idéias, uma política por exemplo, a tecnologia é extremamente flexível, o processo produtivo vale-se principalmente da obtenção do consenso, ou seja, dos mecanismos de socialização, de recompensas etc... isto é, dos chamados subsistemas de manutenção; quando o produto é abstrato como a formação de profissionais de alto nível e a tecnologia flexível, o processo produtivo vale-se basicamente dos chamados subsistemas institucionais, isto é, de pessoas cuja influência serve de suporte para o seu funcionamento e, finalmente, quando o problema é a originalidade e a criatividade, ele utiliza-se da pesquisa e desenvolvimento do produto, da pesquisa de mercado etc, isto é, dos chamados subsistemas de adaptação.14 14 Ver Thompson & Bates. Technology, organization and administration. Ithaca, Business and Public Administration School, Cornell University, 1969. mimeog.

Bem, mas todos esses mecanismos coexistem em qualquer organização independentemente da natureza do processo produtivo. O que observamos é apenas um direcionamento, uma ênfase em determinados mecanismos ou conjuntos de atividades, em subsistemas líderes, segundo a concepção sistêmica das organizações. Nesse caso, tal direcionamento deve ser extremamente difícil de ser conseguido. É preciso um nível de coordenação e de controle muito alto para que os papéis sejam adequadamente desempenhados. É preciso que tais papéis sejam especificados detalhadamente através de normas e é preciso que as pessoas aceitem essas normas. Porém, como fazer com que as pessoas aceitem-nas? Aparentemente elas aceitá-las-ão se não houver contradição com seus sistemas de valores; mas, e se houver? Nesse caso é preciso doutriná-las, socializá-las através de programas de integração e, mesmo talvez, através de recompensas e punições. Então, os mecanismos de controle, de influenciação devem ser realmente muito fortes. Deve ser necessário todo um aparato voltado para tal fim, e, provavelmente, é preciso que haja uma estrutura de autoridade dotada de mecanismos de informação eficazes, de um subsistema administrativo.

Mas, qual seria o interesse das pessoas que agem nesse subsistema em controlar tanto as demais? Na grande sociedade anônima norte-americana, os proprietários estão ausentes... Na administração pública soviética não existe propriedade... Bem, é verdade que na grande sociedade anônima norte-americana as pessoas que estão nesse subsistema praticamente fixam seus próprios salários e só estão lá devido à anuência dos proprietários, cujos direitos são garantidos por lei e cujos interesses na produtividade na lucratividade de suas empresas é evidentemente muito alto. Igualmente, é verdade que as altas posições na administração pública soviética são ocupadas por altas personalidades do partido ou por homens de sua absoluta confiança... Talvez seja por isso que alguns intelectuais considerem a teoria das organizações uma teoria de dominação, seja do poder econômico, seja do poder político, ou de sua possível aliança. Vamos verificar o que afirmam dois desses intelectuais, o casal Fleron, da Universidade Estadual de New York, em Buffalo.15 15 Fleron Jr., Frederic and Fleron, Lon Jean. Administrative theory as repressive political theory: the communist experience. New York, ASPA, 1972, Mar., mimeogr.

Aparentemente tais autores acreditam que a teoria da administração é inevitavelmente um instrumento de dominação, visto que ela insere-se no quadro daquilo que vem sendo ultimamente chamado de conhecimento instrumental, isto é, daquele conhecimento que não tem outro valor intrínseco além do controle. Todos os aspectos da personalidade humana precisam ser compreendidos, para que na prática a produtividade não seja comprometida. Evidentemente, a história do homem tem sido a do controle da natureza, porém, a teoria das organizações procura dar ao homem, sob sua aparência de "neutralidade" e de "caráter científico" condições para ir bem mais longe e passar do controle do mundo natural ao controle do mundo social.

Talvez daí a tendência a adotar a metáfora física e biológica, pois uma vez que o homem já foi razoavelmente bem sucedido no controle do mundo natural; por que não adaptar os mesmos mecanismos para o controle do mundo social? Naturalmente, porém, o controle é a tentativa bem sucedida de direcionar o comportamento das pessoas, mas a capacidade potencial de mudar o comportamento das pessoas é o próprio poder. Isto quer dizer que, em última análise, só exercem controle efetivo os grupos sociais que detêm o poder. Mas é muito conveniente que o exercício desse poder não seja personalizado ou identificado como monopólio de uma oligarquia político-econômica. Muito ao contrário, é extremamente conveniente para essa oligarquia que entre os controladores e os controlados estabeleça-se uma cortina de fumaça, o "subsistema administrativo ou gerencial" que a serve e que se beneficia dessa servidão.

A abordagem sistêmica, portanto, representaria o refinamento máximo da teoria das organizações em seu aspecto coercivo, na manutenção da divisão de trabalho mais adequada aos interesses da oligarquia político-econômica. Aliás, por si só, a abordagem sistêmica constituiria o refinamento máximo do exercício sutil da dominação, não apenas no nível organizacional, mas no nível da divisão internacional do trabalho. A concepção do mundo como um sistema fechado que está esgotando os seus recursos energéticos e que não é capaz de codificar insumos energéticos de natureza diversa daqueles que vêm processando é, por exemplo, extremamente interessante para os países desenvolvidos e, especialmente, para os Estados Unidos, o mais desenvolvido de todos. Evidentemente, se os recursos estão escasseando é preciso economizá-los, é preciso parar de crescer. É especialmente preciso que todos os países do mundo parem de crescer. É preciso que os países em desenvolvimento renunciem aos benefícios que as sociedades desenvolvidas há muito vêm desfrutando, da mesma forma que a China e a França foram pressionadas para que não aumentassem o "poder destrutivo" da humanidade, para que renunciassem às suas explosões atômicas na superfície. Não importa, para o efeito de nossas considerações que tais explosões sejam ou não realmente nocivas; importa, porém, que se esses dois países se submetessem às pressões soviéticas e americanas, Estados Unidos e União Soviética deteriam o monopólio dos meios de intimidação que pairaram sobre o Vietnan e talvez ainda pairem sobre o Oriente Médio e que, ironia da história, pairam sobre as próprias sociedades americana e soviética, funcionando ali também como instrumentos de controle social.

  • 1 Ver Gouldner, Alvin W. The coming crisis of Western sociology. Basic Books, Inc. Publishers, New York, 1970, p. 459-61.
  • 5 Young. A survey of general systems theory, general systems. Yearbook of the society for general systems research. New York, 1964, v. 9, p. 64.
  • 9 Jampol'skaja, Cécile. Quelques aspects de méthode de la science administrative. L'Administration Publique, Pravove denie, Leningrado, n. 3, 1966. Recueil de textes preparé par les instituts belge e français de sciences administratives, Armand Colin, Paris, 1972.
  • 13 Ver Chardin, Teilhard de. Le phénomène humain, L'avenir de L'homme e L"activation de L'energie. Paris, Editions du Seuil, 1955, 1959, 1963; e Detrez, Conrado. A história e o universo segundo Teilhard de Chardin. Rio de Janeiro, Paz e Terra, n. 2, 1966.
  • 15 Fleron Jr., Frederic and Fleron, Lon Jean. Administrative theory as repressive political theory: the communist experience. New York, ASPA, 1972, Mar., mimeogr.
  • 1
    Ver Gouldner, Alvin W.
    The coming crisis of Western sociology. Basic Books, Inc. Publishers, New York, 1970, p. 459-61.
  • 2
    Ver von Bertalanffy, Ludwig.
    Teoria geral dos sistemas. Petrópolis, Editora Vozes Ltda., 1973, p. 21.
  • 3
    Ver von Bertalanffy, Dudwig.
    The history and status of general system's theory. Academy of Management Journal, v. 15, n.º 4, Dec. 1972.
  • 4
    Ver Laszlo, Ervin.
    The system's view of the world. New York, Braziller, 1972.
  • 5
    Young. A survey of general systems theory, general systems. Yearbook of the society for general systems research. New York, 1964, v. 9, p. 64.
    N. do A. É preciso levar em consideração o fato de que muitos dos autores que empregaram poucos dos conceitos em questão, utilizaram amplamente o modelo do sistema aberto, embora tenham sido mais originais, como é o caso de Kenneth Boulding
    The organizational revolution e David Easton
    A systems analysis of political life.
  • 6
    Ver Katz, Daniel & Kahn, Robert L.
    Psicologia social das organizações. São Paulo, Editora Atlas S.A., 1970.
  • 7
    Ver Lawrence, Paul R. & Lorsch, Jay W.
    Organization and environment. Homewood, Illinois, Richard D. Irwin, Inc., 1969.
  • 8
    Ver Thompson, James D.
    Organizations in a action. New York, McGraw-Hill Book Company, 1972.
  • 9
    Jampol'skaja, Cécile. Quelques aspects de méthode de la science administrative.
    L'Administration Publique, Pravove denie, Leningrado, n. 3, 1966. Recueil de textes preparé par les instituts belge e français de sciences administratives, Armand Colin, Paris, 1972.
  • 10
    para maiores esclarecimentos sobre a teoria das organizações na União Soviética, ler o artigo
    The new science of administration in the URSS, de Robert F. Miller, no qual nos baseamos. Este artigo foi publicado em
    Administrative Science Quarterly, Sep. 1971.
  • 11
    Mousnier, Roland. Os séculos XVI e XVII.
    in: Crouzet, Maurice.
    História geral das civilizações. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1967, t. 4, v. 1, p. 226.
  • 12
    Ver Roll, Eric.
    História das doutrinas econômicas. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1962.
  • 13
    Ver Chardin, Teilhard de.
    Le phénomène humain, L'avenir de L'homme e
    L"activation de L'energie. Paris, Editions du Seuil, 1955, 1959, 1963; e
    Detrez, Conrado. A história e o universo segundo Teilhard de Chardin. Rio de Janeiro, Paz e Terra, n. 2, 1966.
  • 14
    Ver Thompson & Bates.
    Technology, organization and administration. Ithaca, Business and Public Administration School, Cornell University, 1969. mimeog.
  • 15
    Fleron Jr., Frederic and Fleron, Lon Jean.
    Administrative theory as repressive political theory: the communist experience. New York, ASPA, 1972, Mar., mimeogr.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 1974
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