Acessibilidade / Reportar erro

Distribuição de rendimentos, crescimento e a estrutura de demanda no Brasil na década de 60

ARTIGOS

Distribuição de rendimentos, crescimento e a estrutura de demanda no Brasil na década de 60* * O autor agradece as críticas, conselhos e encorajamentos de Marcelo Abreu, Prof. Albert Fishlow, Rodolfo Hoffmann, Pedro Malan e Dr. Brian Van Arkadie. Quaisquer erros que ainda permaneçam são de inteira responsabilidade do autor. Muito agradece também ao Prof. D. C. M. Platt e ao Centre of Latin-American Studies em Cambridge por patrocinar sua estada no Brasil, o que lhe permitiu realizar o trabalho empírico necessário a este artigo.

John Wells

Graduado pelo Quen's College of Cambridge e obteve seu título de Master pela Universidade de Califórnia, Berkeley. Está presentemente fazendo pesquisas para sua tese de doutoramento em Cambridge, sendo ao mesmo tempo oficial de pesquisa no Centro de Estudos Latino-Americanos

Este artigo é uma tentativa de contribuição a um debate que se vem mostrando extremamente animado no Brasil, a questão da distribuição de renda.

Trabalhos empíricos com os Censos Brasileiros de 1960 e 1970 indicam que entre estas duas datas ocorreu considerável aumento no grau de desigualdade na distribuição da renda pessoal.

Apesar de estes resultados iniciais (Fishlow) terem sido recebidos com algum ceticismo pelos porta-vozes do Governo brasileiro, uma comparação dos dados censitários através de uma estimativa alternativa apresentou conclusão semelhante (Langoni).1 1 O principal problema de estimação consiste em se determinar a renda média da classe de limite superior aberto, antes de passar a uma estimativa da distribuição de 1959. O problema não aparece em 1970 porque Langoni teve acesso aos dados sobre rendas individuais. Como o procedimento implica estimar uma quantidade desconhecida, a única maneira de comparar as estimativas é comparar os procedimentos. Langoni supõe que a relação entre renda média e o limite inferior da classe de limite superior aberto em 1970 é também válida para 1959. Trata-se de uma suposição delicada, já que sob a hipótese de desigualdade crescente também se pode esperar que a razão aumente. Mesmo com este procedimento favorável, o aumento na desigualdade é semelhante ao estimado por Fishlow. (Todos os nomes entre parênteses que aparecem no decorrer do texto constam da bibliografia, no fim do artigo.)

Agora que já se aceita geralmente a ocorrência de uma deterioração na distribuição da renda pessoal, medida pelo Censo, iniciou-se o debate sobre o responsável por esta deterioração. Uma segunda discussão refere-se à relação entre mudanças na distribuição de renda e os padrões de crescimento econômico na década de 60 e no início dos anos 70.

A organização deste artigo é a seguinte: o primeiro item apresenta uma discussão dos pontos de vista daqueles que atribuem a crescente desigualdade às políticas governamentais após 1964; o segundo expõe e discute os pontos de vista daqueles que explicam a crescente desigualdade em termos de modelos, baseados numa visão neoclássica do processo de determinação de renda; o terceiro uma discussão sobre os dados relativos a rendimentos usados neste trabalho; o quarto contém os resultados de um teste simples para fazer discriminação entre as duas hipóteses apresentadas nos itens 1 e 2, baseado numa análise dos subperiodos 64-67, 68-71; os dados são também usados para testar o poder preditivo do modelo de oferta e demanda discutido no item 2 e para testar outras hipóteses explicativas mostradas naquele item; aí também é apresentada uma visão alternativa da geração de diferenciais de renda e de rendimentos; o quinto item discute algumas objeções aos resultados, ligadas à variabilidade observada das distribuições de rendimentos ao longo do ciclo econômico; o sexto quantifica a contribuição que as diferenças intersetoriais e inter-regionais nos rendimentos médios fazem à desigualdade total; finalmente, no item 7, tenta-se analisar os efeitos da desigualdade crescente sobre o comportamento da poupança e sobre a estrutura da demanda.

1. RAZÕES PARA O AUMENTO DA DESIGUALDADE

De modo geral, existem duas maneiras de encarar o quesito da determinação dos fatores responsáveis pelo aumento observado na desigualdade.

A primeira é a que considera a crescente desigualdade como resultado das políticas econômicas e sociais seguidas pelo Governo desde 1964. O período que se inicia em 1964 pode ser corretamente dividido em dois subperíodos: os anos 1964-67, marcados pela imposição de um programa de estabilização pelo Governo, que resultou em baixas taxas de crescimento da produção, e numa recessão especialmente forte na produção industrial de 1965. A política de estabilização caracterizou-se por severíssimo controle salarial, sob o qual o valor real do salário mínimo caiu violentamente: era menor em 1970 do que em 1964. Em 1967-68, a economia mostrou uma recuperação que vem sendo sustentada até agora; a taxa anual de crescimento do PNB vem-se situando em torno de 10% desde 1968.

De acordo com este primeiro ponto de vista, a maior desigualdade é o resultado da política de estabilização e do processo de crescimento econômico muito rápido. Em particular, a queda no valor real do salário mínimo é vista como a principal causa desta crescente desigualdade; no caso dos trabalhadores significou um barateamento no custo de emprego de trabalho e uma elevação na taxa de exploração do trabalho. Isto resultou numa redistribuição da renda dentro do setor urbano, do trabalho para o capital. Aqui, depara-se-nos um problema: as conseqüências redistributivas dos chamados "reajustes" de preços após 1964 não são muito claras; os preços que o Governo permitiu que se elevassem rapidamente após 1964 foram os de alimentos, combustível, transporte público e habitação. Em geral, as conseqüências redistributivas trazidas por estas mudanças nos preços relativos implicam transferências da classe trabalhadora urbana para o setor público, proprietários urbanos etc. Não implicam necessariamente transferências da classe trabalhadora urbana para os proprietários de capital industrial. Na verdade, o salário industrial médio (ou o salário médio dos trabalhadores ligados à produção), deflacionado pelo índice de preços da produção industrial, cai violentamente em 1965, indicando barateamento do custo de trabalho (ver quadro 1). Daí em diante o salário real do pessoal ligado à produção aumenta rapidamente, embora, como mostra a coluna 6, bem menos do que a taxa de crescimento da produtividade. Este é especialmente rápido após a recuperação na produção industrial (1967-68). Tais dados dão-nos uma vaga indicação de deslocamento na distribuição funcional - de salários para lucros - no interior do setor industrial, devido à estabilização salarial e à recuperação cíclica. Dados os rápidos aumentos no custo da alimentação, habitação e transporte público, só em 1970 o salário monetário dos trabalhadores ligados à produção, deflacionados pelo índice de custo de vida, voltou a seu valor de 1963; no mesmo período, a produtividade industrial elevou-se em 34%. Existem poucas evidências aqui para a recente afirmação de que a deterioração na distribuição na década de 60 ocorreu anteriormente a 1964, já que até 1963 os trabalhadores ligados à produção pareciam gozar de todos os benefícios do crescimento da produtividade ocorrido no setor industrial (comparem-se as colunas 5 e 7).


Indicador mais claro das tendências na distribuição funcional é o da parcela dos salários no valor agregado. Se aceitamos os resultados do quadro 2, coluna 1, então a participação dos salários e ordenados no valor industrial agregado foi constante nos anos de 1964-67 e caiu fortemente a partir daí. Esta constância (1964-67) pode ser enganadora, já que a experiência de países industrializados avançados indica que a participação dos salários tende a se elevar durante a recessão (Neild); ela é portanto consistente com o ponto de vista de que a estabilização salarial obteve sucesso na transferência de renda dos salários para os lucros. A constância da participação da folha de salários e ordenados no valor bruto da produção industrial indica que o barateamento do trabalho pode ter sido menos responsável pelo aumento na participação dos lucros do que, por exemplo, a maior eficiência no uso de outros insumos, tais como o grau muito mais alto de utilização da capacidade instalada após 1967-68.


Assim, existem indicações de que a partir de 1964 ocorreram deslocamentos importantes e quantificáveis na distribuição entre salários e lucros. Também a liberação parcial dos aluguéis deve ter gerado uma transferência de renda para os recebedores de aluguéis. Entretanto, estas transferências na distribuição funcional da renda só afetam a distribuição pessoal na medida em que estas rendas couberem a indivíduos. Pareceria razoável que parte das transferências para recebedores de aluguéis significassem renda pessoal, mas, em casos em que os crescentes lucros das sociedades anônimas usados para a acumulação de capital ou para a criação de crédito ao consumidor não significam renda pessoal. Uma obsessão com a distribuição funcional ignora as importantes mudanças na distribuição da renda de salários e ordenados, que podem ter ocorrido neste período. Como salários e ordenados representam cerca de 80% da renda pessoal total no setor urbano, uma mudança em sua distribuição poderia ter importantes efeitos sobre a distribuição da renda pessoal total.

Críticos do Governo argumentaram (Singer) que a estabilização salarial teve um efeito desproporcional sobre os salários mais baixos enquanto as pessoas situadas mais alto na escala conseguiam aumentos maiores, acentuando assim a diferença. Entretanto, este argumento recebeu até agora uma base empírica bastante fraca, já que a principal evidência disponível é a crescente dispersão entre o salário médio e o mínimo; existe muita discordância quanto à proporção da força de trabalho recebendo salário mínimo, e assim não se pode tirar nenhuma conclusão não-ambígua.

2. UMA EXPLICAÇÃO CONCORRENTE PARA O AUMENTO DA DESIGUALDADE

Uma segunda e diferente explicação para o aumento da desigualdade baseia-se ou na teoria do capital humano, ou na teoria neoclássica ortodoxa da determinação da taxa de salários ou numa combinação de ambos (Langoni).

A teoria do capital humano afirma que as diferenças interpessoais nos rendimentos estão associadas às diferenças na escolaridade: argumenta que uma pessoa com mais anos de instrução tem uma produtividade marginal mais alta e portanto seu salário deverá ser maior. É claro que no caso do Brasil observa-se uma correlação muito forte entre renda e anos de instrução formal; e é isto, juntamente com maior variância nos resultados educacionais no período 1960-70, que permite Langoni concluir que "de todas as variáveis consideradas, a mudança na composição educacional da força de trabalho foi a que teve o maior impacto sobre o aumento observado na desigualdade" (Langoni). Esta argumentação é completamente enganosa por várias razões. Primeiro, é impossível mostrar diretamente qualquer relação entre educação, produtividade e rendimentos, precisamente porque é impossível medir a produtividade da maior parte dos trabalhadores; maior variação na escolaridade não pode servir de maneira alguma como explicação para a crescente variância da renda. A relação observada entre educação - escolaridade - e a capacidade da economia brasileira de absorver pessoas de alto nível de instrução a salários acima da média apenas descreve a situação; em nenhum sentido esta informação analisa-a. Em segundo lugar, pelo menos na obra de Langoni, a "teoria" tem certas implicações normativas. Por trás está a idéia de que pessoas de escolaridade mais alta dão maior contribuição à sociedade, "valem mais para a sociedade" e, portanto, merecem apropriar-se de uma parcela mais do que proporcional dos benefícios do crescimento econômico. Desta forma, ela provê uma justificativa ideológica para a desigualdade existente, ao invés de apresentar uma explicação científica para o que ocorreu. Em terceiro lugar, no caso brasileiro, grande proporção da variação "explicada" pela educação deve-se à crescente variação em rendas para um dado grau de escolaridade; e isto a teoria não explica (Malan e Wells).

Uma visão paralela de determinação da renda dá mais atenção à interação das curvas de oferta e demanda para vários tipos de trabalho. O aumento da diferenciação é explicado pelo crescimento mais rápido da demanda de trabalho altamente qualificado, combinado com uma oferta mais inelástica de trabalho qualificado em relação a trabalho não-qualificado, a despeito da rápida expansão de pessoal com maior escolaridade na década de 60 (Langoni). Desta forma, a desigualdade crescente é o resultado de um desequilíbrio no mercado de trabalho, que leva a um mecanismo autocorretor quando a oferta de trabalho qualificado torna-se mais elástica. Existe uma evidente circularidade nesta argumentação baseada na estrutura de oferta e demanda, pois mesmo se aceitássemos a existência de diferentes curvas de oferta para vários tipos de trabalho, a crescente desigualdade entre trabalho qualificado e não-qualificado é inferida da natureza das curvas de demanda, sobre as quais não existe informação independente. Entretanto, deveria ser possível testar as previsões do modelo em termos do que ele tem a dizer sobre mudanças no emprego de vários tipos de trabalho. Mais importante ainda: devemo-nos lembrar de que, da década considerada, o período de 1962-67 foi de lento crescimento e, portanto, a teoria deve escolher 1968-70 como os anos em que a desigualdade se fez mais acentuada.

Além do que, a maior diferenciação é vista como o resultado inevitável do processo de crescimento econômico (Langoni); quando o trabalho é transferido de setores de baixa para os de alta remuneração (das atividades rurais para as urbanas e, dentro do setor urbano, daqueles tradicionais para os "modernos"), tende a aumentar a diferenciação. Deveria ser possível testar a hipótese de que uma proporção crescente da desigualdade pode ser atribuída à cambiante estrutura de emprego entre os setores.

Todas as três abordagens percebem a distribuição de renda como se de certa forma ela decorresse de forças sobrenaturais não sujeitas à escolha social. A primeira e a última, em particular, vêem o resultado como conseqüência de certas tendências de longo prazo; a segunda, como o resultado das leis de ferro da oferta e da demanda. A visão alternativa (item 1) supõe que a distribuição da renda é sujeita à escolha social e, em particular, às políticas governamentais.

Dobb argumentou recentemente que, por toda a história do pensamento econômico, sempre existiram estas duas maneiras distintas de ver o processo de distribuição de renda. O objetivo deste artigo é tentar discriminar ao nível empírico entre estas duas explicações para a experiência brasileira: a deterioração pode ser atribuída aos anos de lento crescimento e controle salarial extremamente rígido (1965-67), aos anos de rápido crescimento e continuado controle salarial (1968 em diante), ou a deterioração vem sendo uma característica contínua desde 1964? Até agora a discussão vem-se restringindo bastante pela estreiteza de sua estrutura empírica. Chamou-se a atenção para a comparação entre distribuições em dois pontos no tempo e para um exame das séries sobre salário mínimo. Para se poder fazer distinção entre os efeitos do período de estabilização e os de rápido crescimento, é necessariamente preciso alguma indicação da distribuição da renda para uma seqüência de anos entre os anos censitários. Grande parte desde artigo preocupa-se com uma análise de tais dados, chamando a atenção para o problema da comparabilidade ano a ano das séries anuais discutidas; outro trabalho recentemente publicado sobre a distribuição de rendimentos ignorou este aspecto importante, o que o levou a um sério erro de interpretação (Hoffmann).

3. FONTES DE DADOS

A principal fonte usada neste artigo são os dados coletados sobre a distribuição de rendimentos nas áreas urbanas para o setor industrial e para o de comércio e serviços, reunidos anualmente pelo Ministério do Trabalho sob a chamada Lei dos 2/3. Os dados são primeiro apresentados para o ano de 1965.

De 1965 até 1970 o SEPT (um setor do Ministério do Trabalho) publicou dados coletados a 25 de abril de cada ano, apresentando a distribuição de trabalhadores por rendimentos no mês de abril para cada um, de cerca de 20 setores manufatureiros e 30 de comércio e serviços em todos os estados do Brasil, como também as distribuições totais para todo o Brasil. Os resultados da pesquisa de 1971 foram mostrados no Anuário Estatístico de 1972 sob uma forma extremamente agregada, que não permite o tipo de análise realizada em outros anos.

Sob a Lei dos 2/3, os dados são coletados para todo o universo de empregados urbanos. Existem algumas falhas óbvias referentes à cobertura e qualidade dos dados. Em primeiro lugar, são excluídos os trabalhadores de fora da chamada Consolidação das Leis do Trabalho, como empregados públicos, por exemplo. Existem boas razões para se acreditar que nos últimos anos vem surgindo uma tendência definida no sentido de maior diferenciação entre os empregados governamentais: enquanto os salários dos escalões mais baixos vêm seguindo de perto os movimentos do salário mínimo, os técnicos mais qualificados recebem o tipo de salários pagos anteriormente no setor privado. Em segundo lugar, os dados de rendimentos são declarados pelos empregadores, enquanto que no Censo são os indivíduos que declaram suas próprias rendas; é mais do que provável que os empregadores superestimem os salários pagos na parte inferior da distribuição, para não evidenciar violações à legislação do salário mínimo; apesar do registro de que 30 a 35% da força de trabalho ganham menos do que o salário mínimo mensal, isto, em grande parte, pode ser explicado pela incidência de emprego em tempo parcial. O efeito do viés mencionado aqui é mostrar uma dispersão de rendimentos menor do que a real. Em terceiro lugar, os dados provavelmente excluem pequenas oficinas e lojas que sempre empregam poucos trabalhadores - mas, quase certamente, a salários menores do que o mínimo legal; mais uma vez, este viés reduz o grau de dispersão. Entretanto, no que se refere às fontes do segundo e terceiro viés, não há nenhuma razão para que com o tempo o grau de viés atribuído aos resultados seja diferente; um aumento da cobertura levaria a um aumento da dispersão registrada, mas não existe nenhuma indicação forte de que a cobertura tenha melhorado.

Do universo de empregados tomou-se uma amostra, cuja unidade é a firma; as proporções da amostra são inversas ao tamanho da firma, mas as ponderações de amostragem corrigem isto.2 2 Uma discussão bastante completa do procedimento de amostragem encontra-se no Boletim do SEPT, n. 17, p. 63-8. Pode-se mostrar que na indústria e no comércio e serviços a distribuição intersetorial de empregados, obtida a partir da amostra, corresponde aproximadamente à distribuição do universo.3 3 Em 1964, o SEPT coletou e publicou dados sobre todo o universo de empregados para o Estado da Guanabara. Em 1965, apesar de se terem coletados dados sobre todo o universo, só se publicaram aqueles da amostra. Uma comparação entre a distribuição intersetorial da força de trabalho no interior do comércio e serviços indica que a distribuição da amostra em 1965 representava muito bem todo o universo (apresentado em 1964). Para os anos 1966-71, a amostra é inflada até corresponder ao universo, e comporta 60 mil indivíduos, grande o bastante para nossos propósitos.

Um dos maiores problemas estatísticos encontrados na análise das distribuições de 1959 e 1970, obtidas dos Censos, é que para 1959, antes de proceder ao cálculo das várias medidas de desigualdade, é necessário estimar a renda média para cada classe de renda, já que não se dispõe dos valores da renda total para cada uma delas. Mesmo que se suponha ser o ponto médio uma estimativa razoável para as classes de renda de limite fechado, surgem problemas na estimativa da renda média das classes de limite aberto - na base e no cume da distribuição. Quando, nas classes de limite aberto, é grande a proporção da população recipiente de renda, as medidas de dispersão são bastante sensíveis às estimativas de renda média adotada.

A vantagem dos dados do SEPT é que para os anos de 1965, e 1968-71, são apresentados os valores dos rendimentos totais de cada classe de renda. Em 1967, são dados os rendimentos totais para as classes na metade superior da distribuição, bem como os rendimentos totais para a metade inferior; desta forma, podemos comparar nossa estimativa dos totais para cada classe de renda da metade inferior da distribuição com o total conhecido; é possível, portanto, obter uma estimativa razoável da verdadeira distribuição. Apenas para 1966 é necessário estimar os rendimentos médios para cada classe; o procedimento escolhido foi tomar o ponto médio da classe como estimativa razoável das rendas médias nas classes fechadas. Para a classe com limite inferior aberto, adotou-se como renda média 0,8 do limite superior da classe; na parte superior da distribuição, ajustou-se uma curva de Pareto aos dois últimos pontos da distribuição e o valor médio da classe de limite aberto foi estimado com base no formato desta curva. Este método é preferível a ajustar uma curva de Pareto à toda a distribuição (Fishlow e Meesook). Como uma boa estimativa empírica da média da classe superior, tomou-se 0,8 do valor obtido, com base numa comparação entre este procedimento e os valores conhecidos para outros anos. De qualquer forma, em 1966, apenas 0,51% dos empregados em manufaturas e 0,74% em comércio e serviços caem na classe de limite superior aberto, de modo que a medida geral de desigualdade é bem pouco sensível a especificações alternativas razoáveis.4 4 As estimativas são provavelmente enviesadas para baixo, de modo que nos fornecem um limites inferior ao grau de redistribuição que, como será mostrado, ocorreu entre 1965 e 1966. Portanto, para a maior parte dos anos é possível proceder diretamente a um cálculo das várias medidas de dispersão sem ter de estimar os totais de renda para cada classe.

Para que estes dados possam ser usados para observar as variações intertemporais na distribuição dos rendimentos, devem ser sujeitos a testes muito rigorosos quanto à sua comparabilidade.

Um ponto importante é determinar se 25 de abril pode ser considerado como data útil para uma comparação entre anos. Este problema relaciona-se à velocidade de ajustamento do valor nominal do salário mínimo. Na década de 50, quando os reajustamentos não são muito freqüentes, é possível observar interessante relacionamento entre os salários mínimo e médio do setor industrial (que, afinal de contas, é uma medida do grau de dispersão): imediatamente após o ajustamento, a razão entre salário mínimo e médio aproxima-se de um; com o tempo, o valor da razão aumenta até o ajustamento seguinte. Isto ocorria porque com o tempo os salários monetários dos trabalhadores remunerados ao nível mínimo permaneciam fixos, enquanto os trabalhadores melhor remunerados conseguiam fazer seus salários subir com a inflação. Nos anos discutidos aqui, o ajustamen era anual, de modo que parece razoável aceitar que a distribuição de rendimentos passe por um ciclo anual semelhante ao descrito - imediatamente após uma elevação no salário mínimo a dispersão tende a se reduzir, mas com o passar do tempo o grau de dispersão eleva-se em resultado de um aumento nos rendimentos das pessoas com salários maiores do que o mínimo. Assim, para permitir a comparabilidade, é importante observar a distribuição de rendimentos no mesmo ponto do ciclo de salários. Em 1965, 1966, 1967 e 1968, observamos a distribuição de rendimentos logo após um ajustamento; em 1969-71, entretanto, o ajustamento veio a 1.º de maio, e assim observamos o perfil de rendimentos num momento em que se deve esperar o grau máximo de variância. Assim, a comparação entre 1968 e 1969 com estes dados não é válida, o que é uma pena, pois é justamente este período de rápido crescimento que apresenta maior interesse. Será necessário passar a outras fontes de informação para uma análise deste período.

O número e tipo de setores incluídos na distribuição de 1965 tanto para indústria de transformação como para comércio e serviços diferem dos de 1966 (após 1966 os setores são perfeitamente comparáveis em termos de conteúdo e número). Entretanto, realizou-se um ajustamento que tornou as distribuições de 1965 e 1966 completamente comparáveis a este respeito. Sempre que possível, tentou-se utilizar os dados de rendimentos para manufaturas e para comércio e serviços apresentados pelo Censo de 1959.

4. RESULTADOS E TESTES

No quadro 3 são apresentados os valores dos coeficientes de Gini5 5 O coeficiente de Gini é uma medida resumida da dispersão. O gráfico da distribuição cumulativa da população e rendimentos é normalmente chamado de curva de Lorenz; se esta curva se coloca sobre a linha de 45º, então as rendas são distribuídas de maneira completamente igualitária. O coeficiente de Gini é uma estimativa da área entre a curva de Lorenz e a linha diagonal. Desta forma, um valor próximo a zero indicaria completa igualdade; valores maiores significam desigualdade crescente. Entretanto (ver Atkinson), quando as curvas de Lorenz se cruzam, em comparações internacionais ou intertemporais, distribuições bastante diferentes podem levar à mesma medida de desigualdade de Gini; devemos, portanto, tomar muito cuidado na interpretação dos resultados. Para parcelas cumulativas de população Xi com rendimentos cumulativos Yi e n classes de renda, o coeficiente de Gini (G) = que medem a variância dos rendimentos em manufatura e, mais amplamente, no setor industrial. Os números são comparáveis verticalmente; entretanto, cada coluna representa uma base diferente de cálculo. Uma medida alternativa da variância, o coeficiente de Theil,6 6 Para a parcela populacional xi com participação nos rendimentos yi, a medida de desigualdade do índice de Theil pode ser escrita sob a forma: é apresentada no quadro 10.



Os resultados indicam que entre 1959 e abril de 1965, houve considerável estabilidade na distribuição de rendimentos no setor de indústrias de transformação (ver coluna 1). Entretanto, entre 1965 e 1966 ocorreu aumento substancial no grau de desigualdade na distribuição de rendimentos, medida pelo coeficiente de Gini (coluna 1): um gráfico da distribuição confirma este resultado. Entre 1966 e 1967, o coeficiente de Gini (e especialmente o de Theil) indica algum aumento no grau de desigualdade; uma representação gráfica das curvas de Lorenz correspondentes a estes dados mostra que elas se cruzam na parte inferior da distribuição, indicando uma leve redistribuição do meio da distribuição para sua parte inferior. Se comparamos 1967 e 1968 graficamente, não há nenhuma mudança na distribuição. Já se discutiu porque 1968 e 1969 não são comparáveis. No entanto, entre 1969 e 1970 a distribuição de rendimentos torna-se consideravelmente mais desigual e isto é destacado pela representação gráfica.

No setor industrial, que acrescenta o emprego e rendimentos na construção, energia elétrica e mineração ao emprego e rendimentos na indústria manufatureira (de transformação), o grau de desigualdade não se modificou em 1966-68, aumentou entre 1969 e 1970 e não variou entre 1970 e 1971. É surpreendente a semelhança com o comportamento do setor manufatureiro de 1966 a 1970, dado o crescimento muito rápido do emprego muito mal remunerado na construção, e indica que as mudanças no grau global de desigualdade refletem outras no de desigualdade no interior de cada setor, muito mais do que mudanças na composição do emprego entre setores.

O quadro 4 apresenta os coeficientes de Gini para a distribuição dos rendimentos no comércio e nos serviços em 1959-71. Comparando 1959 com abril de 1965, verifica-se uma leve redução na dispersão dos rendimentos em comércio e serviços, medida pelo coeficiente de Gini (ver coluna 1). Em 1965-66 ocorre significativo aumento na desigualdade, paralelo às observações do setor manufatureiro (ver colunas 1 e 2). Entre 1966 e 1968 verifica-se lento aumento na desigualdade, nada tão dramático quanto em 1965-66. Mais uma vez, os dados para 1968 e 1969 não são estritamente comparáveis e não é possível aumentar o volume de informações disponíveis. Entre 1969-70 aparece algum aumento na desigualdade, enquanto entre 1970 e 1971 a distribuição tende a se estabilizar.


É possível concluir que a dispersão de rendimentos no comércio e serviços quase se igualou entre 1959 e 1965, aumentando portanto a desigualdade que caracterizou o período de estabilização e, num grau muito menor, o de rápido crescimento.

O quadro 5 apresenta a medida do coeficiente de Gini para a dispersão das distribuições combinadas de rendimentos em comércio e serviços e para o setor de manufaturas em 1959, 1965 e 1966 (coluna 1); apresenta também, nas colunas 2, 3 e 4, o coeficiente de Gini para as distribuições combinadas em comércio e serviços e o setor industrial - definido mais amplamente - de 1966 a 1971. Os resultados mostram claramente a virtual constância na distribuição global dos rendimentos, se compararmos 1959 e 1965; em 1965-66 registrou-se marcado aumento na desigualdade, previamente observado para os subsetores. Entre 1966 e 1968, ocorreu um aumento gradual na desigualdade; entre 1969 e 1970, um aumento marcante na diferenciação, que se manteve por todo o ano de 1971. Este quadro parece dar um retrato muito sucinto das mudanças intercensitárias na distribuição dos rendimentos. É necessário aumentar o volume de informações disponíveis, tanto para julgar o que aconteceu à distribuição de rendimentos entre 1968-69 como também para testar os dados do SEPT de rendimentos industriais.


Inquéritos Econômicos (1966) e Indústrias de Transformação (1967-70) fornecem os dados sobre rendimentos no setor de manufaturas. Tais dados foram obtidos (1966-68) de uma amostra de firmas com cinco ou mais empregados; em 1969 a base de amostragem mudou, passando a ser as firmas produtoras de cerca de 90% do valor do produto industrial. Os dados para 1966 não são comparáveis com os de 1966-70, pois foram coletados em abril, enquanto os últimos, em novembro. Como o salário mínimo foi ajustado em 1.º de abril de 1966, a distribuição observada ao final do mês não é comparável com a observada no final de novembro do ano seguinte.

Outro problema com os dados é o fato de ser necessário estimar as rendas totais atribuídas a cada classe. Como indica o quadro 6 (coluna 3), grande parte da população está contida na classe de rendas de limite aberto. Assim, a medida global de distribuição é extremamente sensível à escolha da renda média atribuída à classe de limite superior aberto. O quadro 6 apresenta o valor do coeficiente de Gini calculado sob as seguintes suposições: para as classes de renda de limite fechado, a renda média é estimada a partir do ponto médio da classe; de 1967 em diante, para estimar a renda média da classe de limite superior aberto, a mesma razão é aplicada em todos os anos para o limite da classe inferior. Assim, tentou-se enviesar os dados em favor de maior igualdade; devido aos crescentes rendimentos reais no topo da distribuição, pode-se esperar que a razão entre os rendimentos médios e o limite da classe inferior tenha aumentado. Os resultados indicam contínuo aumento no grau de desigualdade entre 1967 e 1970. Entretanto, também se pode argumentar que, devido à inflação, número crescente de pessoas passa para as classes de renda mais alta na base da distribuição, tendendo a reduzir os rendimentos médios nas classes superiores. Assim, os resultados podem estar enviesados em favor de maior desigualdade no tempo. Devido à extrema sensibilidade destes resultados à escolha da renda média na classe de limite superior aberto, somos obrigados a usar da máxima cautela em sua manipulação.


O quadro 7 resume os resultados do levantamento de rendimentos realizado como parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, iniciada no primeiro trimestre de 1968. Os dados cobrem rendimentos agrícolas e não-agrícolas apenas em São Paulo, mas não fortemente ponderados em favor do setor urbano. Mais uma vez, foi necessário estimar a renda média em cada classe de renda. Adotou-se o procedimento previamente usado.7 7 Além disso, a classe de limite superior aberto nos três trimestres de 1968 continham uma proporção muito grande da população; usou-se a estrutura da população por classe de rendimentos no primeiro trimestre de 1969 para reduzir a proporção populacional na classe de limite superior aberto em 1968.


Os resultados indicam que pelo menos em São Paulo existem evidências de um ciclo anual da distribuição dos rendimentos. Não há sinais de qualquer tendência se compararmos um trimestre com o outro; entretanto, se compararmos os primeiros trimestres de 1969 e 1970, aparece substancial aumento na desigualdade.

Este tipo de evidência é consistente com a suposição de que em 1968-69 não há aumento no grau de desigualdade na distribuição de rendimentos, enquanto que entre 1969 e 1970 existe.

Usando estes dados para discriminar as duas hipóteses concorrentes apresentadas nos itens 1 e 2, percebemos certa contradição. Com base nos dados do SEPT, não há nenhuma dúvida de que o maior aumento na desigualdade pode ser atribuído ao período de mais severa estabilização salarial, 1965-66. Os que dão ênfase ao período de expansão e ignoram totalmente o impacto da política de estabilização, como Langoni, estão gravemente em erro. No período de expansão, enquanto três fontes de informação concordam em que ocorreu alguma deterioração entre 1969-70 que, segundo os dados do SEPT, persistiu em 1971, existe alguma discordância quanto aos anos 1966-69. Se se deixa de lado os dados do IBGE, por problemas de estimativa, aparece forte indicação em favor da estabilidade durante este período.

É necessário examinar mais pormenorizadamente o período 1965-66 e observar qual a natureza do processo de redistribuição. O quadro 8 tenta resumir as mudanças apresentando a distribuição de renda em termos de cada decil da população; estes são calculados por uma simples interpolação linear entre pontos da curva de Lorenz. Apesar dos erros apresentados por este método, fica bem claro que a maior parte dos decis populacionais sofreram perdas, exceto os 20% superiores. Os decis inferiores perderam mais no processo, e fica patente que são os estratos mais altos de empregados - isto é, engenheiros e empregados administrativos - que ganharam com esta redistribuição. Outro exame das distribiuções em 1965 e 1966 revela considerável aumento no número de pessoas empregadas com remuneração igual ou inferior ao salário mínimo, de 17% para cerca de 36%.


Se fazemos o mesmo exercício para comércio e serviços, vemos que o processo redistributivo é bastante diferente (ver quadro 9). Nestes setores, a redistribuição tende a se dirigir no sentido dos 30% superiores da população; sua participação na renda total eleva-se de 55,39% para 58,49%.


É importante examinar o processo de redistribuição no interior da distribuição de renda, bem como examinar o processo total através dos coeficientes de Gini. O fato de o processo redistributivo ocorrer desta maneira - isto é, no sentido do cume da distribuição - é consistente com uma visão alternativa à abordagem do tipo "escassez de fatores", da maneira pela qual os diferenciais de rendimentos são estabelecidos. Lembremo-nos de que 1965 foi um ano de recessão, e não é provável que fortes pressões da demanda elevassem os rendimentos dos mais bem pagos em relação aos outros. É mais realista supor-se que esses empregados mais bem remunerados, especialmente quando são executivos, atribuem-se salários relativamente mais altos, a despeito (e possivelmente como conseqüência) de um controle estrito dos salários dos trabalhadores manuais.

Durante o período de recuperação e crescimento rápido, se deixarmos de lado os Dados Mensais (IBGE), parece que, excetuando-se o ano 1969-70, o grau de dispersão de rendimentos na manufatura não mostra nenhum aumento anual. É esta descontinuidade no processo de mudança da desigualdade que é mais interessante e que é completamente ignorada pela estrutura neoclássica de análise. Uma explicação para a maior desigualdade em 1969-70 é que no primeiro surto de expansão atribuiu-se aos empregados mais bem pagos - ou eles mesmos se atribuíram - rendimentos relativamente mais altos a partir de lucros crescentes. A medida que a expansão continuou por 1970 e 1971, e aproximou-se da plena utilização da capacidade, os lucros crescentes foram usados para financiar a acumulação de capital, ao invés de financiar maior diferenciação de renda entre os empregados. A constância no grau de dispersão entre 1970 e 1971 também pode-se relacionar ao leve relaxamento na política salarial, que se refletiu numa elevação do valor real do salário mínimo em 1970 e 1971, comparados com 1969. Foi a primeira elevação no valor real do salário mínimo desde 1965; em 1965-69 ele caiu todos os anos.

Até que ponto a teoria da oferta e da demanda é acurada ao retratar as mudanças ocorridas no mercado de trabalho?

Uma previsão da teoria é a de que, durante o processo de rápido crescimento, o mercado desempenha a função de atrair trabalho para as ocupações e setores onde as taxas de crescimento dos rendimentos estejam acima da média. No comércio e serviços, após marcado aumento na desigualdade em 1965-66, ocorre outro, contínuo, em 1966-68 e 1969-70. Usando os dados do SEPT para comércio e serviços, e sob ampla variedade de especificações das hipóteses, é impossível detectar qualquer relação entre mudanças no emprego por setor e salários médios ou taxa de variação de salários por setor. A expansão do emprego não está associada a rendimentos acima da média, nem o mercado está desempenhando a função alocativa que lhe é atribuída pela teoria do desequilíbrio.

Outra previsão da estrutura de oferta e demanda é a de que para o mesmo aumento na demanda de vários tipos de trabalho, as diferenças na elasticidade de oferta de trabalho qualificado e não-qualificado produzirão um aumento maior no emprego do não-qualificado, em relação ao qualificado. Apesar de Langoni ter argumentado que durante a expansão a demanda por trabalho qualificado aumentou relativamente à de não-qualificado, é preciso ser muito crédulo para acreditar que num período tão curto, de dois ou três anos, pudesse ter havido qualquer mudança substancial. Na verdade, observando os dados de distribuição da força de trabalho entre empregados manuais e administrativos de 1966 a 1970 na Produção Industrial e Dados Gerais do IBGE, não percebemos nenhuma mudança no emprego em favor de empregados manuais. Assim, a teoria é incapaz de predizer as mudanças de emprego que realmente ocorreram, sem recorrer a deslocamentos muito substanciais na curva de demanda de trabalho qualificado, sobre as quais não existem informações independentes.

O fracasso da estrutura de oferta e demanda tanto para explicar a crescente desigualdade em qualquer sentido significativo como para prever o curso das mudanças no emprego, mostram que precisamos de uma explicação alternativa a abordagem via escassez de fatores. Ou seja, durante o período de recessão e estabilização, a compressão dos salários do trabalho não-qualificado permitiu que os situados no topo da distribuição melhorassem e subseqüentemente mantivessem seus diferenciais de rendimentos. Durante a expansão, a crescente diferenciação resultou de uma pressão contínua sobre as taxas salariais mais baixas combinada com lucros crescentes; o limite a este processo é estabelecido pelas exigências de acumulação de capital. Os indivíduos situados no topo da distribuição são capazes de melhorar ou manter seus rendimentos e diferenciais de renda devido à sua posição estratégica dentro da firma. Além disso, apesar de parecer difícil acreditar que as exigências puramente tecnológicas de produção resultaram no enorme deslocamento na demanda do trabalho altamente escolarizado - suposição da explicação via oferta e demanda - o sistema parece ter criado mecanismos pelos quais seus grandes excedentes são distribuídos para outros além dos detentores dos meios de produção. Os principais beneficiários da política econômica e social desde 1964 são as classes médias urbanas em rápida expansão, engajadas, em grande parte, em atividades improdutivas - e colocadas entre os proprietários de um sistema altamente produtivo e os trabalhadores de produção, mal remunerados. É preciso conhecer mais sobre as origens destas classes médias, sua relação com o modo de produção e os mecanismos existentes que as tornam as principais beneficiárias do crescimento econômico. A estrutura neoclássica serve para obscurecer a importância da posição e hierarquia no interior da firma (Simon) na explicação dos diferenciais de rendimentos, desviando nossa atenção dos mecanismos reais de apropriação e distribuição do excedente, e dirigindo-a para os fantasmas da oferta e da demanda.

5. PROBLEMAS DE INTERPRETAÇÃO

Existe mais um problema de interpretação que pode lançar alguma dúvida sobre a validade destas conclusões referentes ao ritmo do crescimento da diferenciação: a distribuição da renda de trabalho parece ser extremamente sensível às flutuações cíclicas da atividade econômica. Isto ocorre pelas seguintes razões:

a) numa recessão, grande número de empregados em tempo parcial (particularmente mulheres) abandona a força de trabalho, o que tende a reduzir a dispersão de rendimentos. Similarmente, numa expansão observa-se o aumento do trabalho em tempo parcial, o que tem o efeito de ampliar a dispersão. Para corrigir tal desvio seriam necessárias informações sobre os rendimentos dos empregados em tempo completo, separadamente, de que não dispomos. Opondo-se a esta tendência está a possibilidade de que durante uma recessão os trabalhadores qualificados e semiqualificados sejam forçados a trabalhar menos horas ou que a concorrência force para baixo seus rendimentos; enquanto isso os executivos conseguem manter os diferenciais anteriores. Numa expansão pode ocorrer o inverso. Não está claro a priori qual destas tendências seria a mais importante. Mas permanece o fato de que as variações observadas na diferenciação de rendimentos pode ser um fenômeno puramente cíclico.

No caso do Brasil, argumentou-se que o barateamento do trabalho não-qualificado em relação ao qualificado produziu uma substituição no emprego em favor do não-qualificado. Apesar de estar claro que durante a recessão o efeito substituição não produziu nenhum efeito favorável sobre o emprego, em meio à recessão geral de demanda, pode-se argumentar que durante a expansão o rápido crescimento do emprego na base da escala de renda (parcialmente um resultado dos efeitos de substituição) foi responsável por qualquer aumento na desigualdade que pudesse ter ocorrido durante a expansão. Se isto for verdade, então as implicações em bem-estar da crescente desigualdade nos rendimentos não são tão claras; neste caso existe uma troca de igualdade por crescimento do emprego, e isto poderia ser um forte argumento em favor de maior desigualdade. Na verdade, quando a distribuição em 1967-71 é padronizada segundo as classes de renda de 1966, não aparece nenhum sinal de crescimento mais rápido do emprego na parte inferior da escala de renda. Portanto, não é possível falar de uma contradição entre crescimento e igualdade. A constância na distribuição do emprego na parte inferior do espectro de renda por classe de renda também vai contra a possibilidade de fortes influências cíclicas, afetando a distribuição de rendimentos como resultado de mudanças no padrão de trabalho - mais trabalho em tempo parcial, mais emprego feminino etc. Isto é verdade, pelo menos, para o período 1966-71.

b) Evidências de vários países (EUA, Inglaterra, Holanda) indicam (Schultz, Bell, Dunlop, Wachter) que no século XX a dispersão de salários e rendimentos (medida simplesmente pelas diferenças salariais médias interindustriais) tende a seguir de perto o ciclo econômico. Na expansão, diminui a dispersão, que na recessão tende a aumentar. No Japão, antes de 1945, esta observação é especialmente válida, estendendo-se a diferenciais interempresas e interqualificações da mão-de-obra (Taira). A hipótese explicativa é a de que na expansão, devido à escassez generalizada de trabalho, os setores que pagam salários menores do que o médio são obrigados a elevá-los para atrair e manter trabalho; da mesma forma, na expansão, qualquer firma individual é forçada a utilizar trabalho que normalmente não é empregado e também a promover seus empregados não-qualificados e semiqualificados (Reder).

A hipótese simétrica explica porque a dispersão aumenta numa recessão. Entretanto, estas evidências referem-se a economias não caracterizadas por ofertas abundantes de trabalho não-qualificado; na verdade, a hipótese explicativa baseia-se numa suposta escassez deste tipo de trabalho durante a expansão. A experiência do Japão em 1945-1959 pode ser mais relevante para uma análise da experiência brasileira. No período imediatamente após a guerra o mercado de trabalho japonês caracterizava-se por abundantes ofertas de trabalho, à medida que prosseguia a desmobilização e milhões de japoneses expatriados voltavam de antigas colônias. Subseqüentemente, a reforma agrária e o processo de modernização agrícola garantiram um fluxo contínuo de trabalho não-qualificado para o setor urbano. A dispersão de rendimentos (interindustriais, interempresas, interqualificações da mão-de-obra) mostrou um aumento contínuo nos períodos de crescimento, que foram tanto acima quanto abaixo da tendência histórica (Taira, Yamamura). Só quando apareceram as condições de escassez generalizada de trabalho, após 1959, que se reduziu a dispersão de salários e rendimentos.

O problema, então, resume-se em que apesar de a distribuição de rendimentos dar-nos informações extras sobre os anos entre os Censos, as conclusões podem estar viciadas. Pode ser impossível distinguir os efeitos associados com estabilização salarial a partir de efeitos cíclicos puros. Por exemplo, a maior dispersão em 1965 pode ser o resultado de influências do tipo mencionado, não tendo nada a ver com estabilização salarial; o fato de a dispersão mostrar aumento pequeno após a expansão (excetuando-se a observação para 1969-70) pode indicar que existem forças fundamentais em ação num período em que, usando-se os argumentos expostos, seria de se esperar uma redução na desigualdade.

Argumentou-se que uma comparação dos anos censitários faria mais sentido, já que tanto 1959 como 1970 foram anos de expansão; entretanto, não decorre necessariamente daí que as condições no mercado de trabalho fossem semelhantes nestes períodos. As décadas de 1950 e 1960 caracterizaram-se por um rápido crescimento da população e uma marcada expulsão do trabalho da terra, que o setor urbano mostrava-se visivelmente incapaz de empregar. Assim, uma comparação entre 1959 e 1970 não é necessariamente mais válida deste ponto de vista. Tratar os anos entre 1959 e 1970 como um continuum também serve para obscurecer as importantes descontinuidades existentes - essenciais para se compreender as causas do sugimento das diferentes distribuições de rendimentos.

Acreditamos que os fatores mencionados anteriormente em a) e b) não são relevantes para uma discussão do mercado de trabalho brasileiro. Desde 1966 não ocorreram modificações na estrutura de emprego em favor dos menos qualificados que sugerissem qualquer mudança no volume de emprego de tempo parcial, ou o feminino ou qualquer mudança na extensão da semana de trabalho. Assim, as modificações cíclicas destes fatores não distorceram o quadro apresentado.8 8 Apesar da grande elevação no número de pessoas empregadas ao nível do salário mínimo entre 1965 e 1966, que pode ser uma indicação de aumento no trabalho em tempo parcial devido aos efeitos da recessão, e que poderia ser responsável pela crescente diferenciação entre 1965 e 1966, a proporção em 1966 de trabalhadores empregados ao salário mínimo é subseqüentemente mantida durante a expansão. Nem as condições do mercado de trabalho brasileiro no momento assemelham-se às dos países capitalistas avançados, que tornassem importantes as observações feitas em b). Assim, pode-se supor que os dados representam modificações distribucionais fundamentais.

6. A CONTRIBUIÇÃO DAS DIFERENÇAS INTERSETORIAIS E INTER-REGIONAIS NA DESIGUALDADE TOTAL

Uma parte essencial da explicação para a crescente desigualdade, apresentada no item 2, relacionava-se à modernização da estrutura de emprego.

Na "explicação" do aumento observado na desigualdade, qual é a importância do deslocamento do emprego para setores modernos, tais como automóveis e eletrodomésticos, que normalmente pagam salários acima da média? E do aumento dos rendimentos relativos dos setores modernos, em comparação aos tradicionais? Afirmou-se que o crescimento da desigualdade é, de certa forma, inevitável - e benéfico, já que significa que número cada vez maior de pessoas passa a se empregar em setores mais bem remunerados.

Os quadros 10 e 11 apresentam - para indústria, comércio e serviços - a proporção da variância "explicada" por diferenças intersetoriais nos rendimentos médios, ponderadas pelo emprego; mostram também a medida de Theil (6) da desigualdade total na população (para que se compare com o coefiicente de Gini). Na indústria, é claro que uma proporção absolutamente baixa da variância total é explicada pelas diferenças intersetoriais nos salários médios; de uma maneira geral, a parte explicada refere-se a uma proporção crescente da variância, mas no interior de cada coluna isto não é muito significativo. Em comércio e serviços, a proporção explicada é mais alta do que na indústria (devido a maior número de setores) e é também crescente.9 9 Como a dispersão máxima dos diferenciais intersetoriais é da ordem de 3:1, comparada com as ordens muito maiores de magnitude na dispersão da renda total, não é de se surpreender que esta componente contribua tão pouco para a desigualdade global.


Assim, pelo menos segundo estes dados, parece que o deslocamento de emprego para setores mais modernos, que caracterizou o processo de crescimento econômico no Brasil, foi parcialmente responsável pelo crescimento da diferenciação. Entretanto, mesmo que as diferenças intersetoriais nos rendimentos médios e as mudanças na estrutura de emprego sejam responsáveis por uma proporção crescente de desigualdade, isto explica apenas num sentido puramente estatístico: o que realmente temos de saber é por que os setores "modernos" pagam mais do que os setores "tradicionais" e por que a dispersão de rendimentos é maior nos primeiros do que nos segundos. Como os aumentos na razão entre rendimentos médios nos setores "modernos" e os do setor "tradicional" vêm sendo acompanhados por uma crescente dispersão no primeiro, não está claro o que foi "explicado" - se é que algo o foi.

Como os dados de rendimentos são apresentados por região, tentou-se, para 1968, avaliar a contribuição que as diferenças regionais na renda média fazem à desigualdade total e ver se existiam quaisquer diferenças inter-regionais claras na maneira em que a renda era distribuída em cada região. Os resultados são apresentados no quadro 12.


Estes dados confirmam outros trabalhos, ao sugerir que as diferenças inter-regionais nos rendimentos médios são, em si, uma contribuição muito pequena à variância total dos rendimentos.

Na indústria, a medida de igualdade de Gini indica que a dispersão é muito maior no Sudeste, altamente industrializado, e no Nordeste. Entretanto, esta semelhança entre Sudeste e Nordeste é acompanhada por violenta disparidade nos rendimentos médios; o que se depreende daí, é que apesar de o sistema de incentivos regionais para atrair a indústria para o Nordeste ter produzido uma réplica da estrutura industrial de São Paulo, nesta região extremamente pobre o efeito desta industrialização sobre os rendimentos médios foi insignificante.

Por outro lado, para comércio e serviços existe maior homogeneidade no grau de dispersão em cada região.

A conclusão geral é de que numa economia caracterizada por oferta abundante de trabalho não-qualificado, o salário mínimo desempenha um papel crítico na determinação da distribuição global dos rendimentos. Durante o período de estabilização, o Governo teve bastante sucesso em controlar os salários mais baixos e foi, portanto, responsável pela deterioração observada na distribuição de rendimentos. A experiência dos países capitalistas avançados indica que uma redução na desigualdade dos rendimentos segue-se ou da formação de um movimento sindical independente, ou de uma escassez geral de mão-de-obra numa situação em que seja fixa a distribuição estrutural de trabalho entre os setores. Como nenhuma destas condições tende a aparecer no Brasil, a política governamental é um determinante crucial da distribuição.

7. SIGNIFICADO ECONÔMICO

A medida da distribuição da renda e a discussão referente às causas de sua deterioração são questões interessantes em si mesmas; mas são também importantes à medida que lançam luz sobre o caráter do processo de industrialização no Brasil. Um aspecto importante da discussão refere-se à relação entre a distribuição de renda, por um lado, com a estrutura da demanda, e por outro, com a propensão a poupar.

7.1 Distribuição da renda e propensão a poupar

Os porta-vozes governamentais argumentam que a deterioração na distribuição da renda pessoal é funcional ao processo de crescimento capitalista, na suposição de que uma distribuição mais desigual produz uma propensão média a poupar mais alta; afirmam que a crescente desigualdade combinada com mudanças institucionais, designadas a elevar poupança pessoal, são responsáveis pelo fato de uma economia ter financiado uma elevação na razão investimento-renda de pouco mais de 15% em 1968-69 a cerca de 22% em 197210 10 Não existem dados publicados de contas nacionais além de 1969; entretanto, evidências dos índices de produção industrial e do recente e forte aumento nos bens de capital importados indicam que desde 1970 vem ocorrendo expansão nos investimentos no Brasil. A estimativa da razão investimento/renda de 22% foi tirada dos discursos de vários funcionários governamentais. aumentando a proporção da poupança interna no PNB.

O último ano para o qual os dados de contas nacionais foram publicados é 1969; apesar disso, é possível chegar a dados aproximados para 1972, para testar a afirmativa de que um crescente coeficiente investimento-renda vem sendo financiado por poupanças internas, e sua contra-argumentação de que o investimento crescente vem sendo obtido através dos empréstimos estrangeiros. O quadro 13 apresenta estimativas do PNB em 1972 (cruzeiros correntes) juntamente com uma estimativa da contribuição de poupanças externas (medida como o deficit de conta-corrente) ao PNB daquele ano; tal contribuição elevou-se de 0,9% a 2,9% (estimativa) do PNB em 1972. No mesmo período, o coeficiente investimento-renda elevou-se de cerca de 15% a 22% (estimativa), o que significa que a taxa de poupança interna elevou-se de 14,1% do PNB em 1969 para 19,1% (estimativa) em 1972. Assim, a taxa de poupança interna elevou-se acima de sua média no pós-guerra, que foi de 14 a 16%.


Entretanto, devemos ter sempre em mente que a poupança pessoal, objeto da hipótese referente à distribuição, é apenas um componente da poupança interna, juntamente com as do setor de empresas privadas e do setor público. Não se pode dizer muita coisa sobre a composição da poupança interna até o aparecimento dos dados de contas nacionais para o período mais recente (1970-72); mesmo com os dados dos anos anteriores, é impossível determinar precisamente a contribuição do setor público (tanto governamental como empresarial) à poupança interna total.11 11 Esta discussão baseia-se numa análise dos dados de contas nacionais publicados em Conjuntura Econômica, nov. 1972 e do United Nations Yearbook of National Accounts, 1970.

Apesar de existirem dados sobre a participação do investimento do setor público no investimento total (que em 1960-69 variou entre 25% e 33%), os dados sobre despesa e receita daquele excluem a renda das empresas de economia mista. Outras fontes indicam que a participação do setor público (definido de modo a incluir as empresas diretamente produtivas) no investimento total foi muito maior; de menos de 50% no início dos anos 60, estimou-se que em 1971 o setor público (incluindo empresas públicas) foi responsável por cerca de 70% do investimento total. Além disso, estimou-se que em 1971 ele respondeu por pelo menos 60% da poupança interna. Além dos grandes lucros gerados pelas empresas públicas durante a expansão, o Governo tornou-se poderoso gerador de poupança involuntária na economia, como resultado da crescente elasticidade do sistema tributário e dos grandes excedentes acumulados nos fundos de contribuição social. É necessário atentar para o papel fundamental do setor público em todo o processo poupança-investimento, e para a transformação do Estado numa fonte substancial de poupança involuntária, e não para a pretensa sensibilidade da poupança privada à desigualdade na distribuição pessoal de renda.

Não existem dados precisos sobre a distribuição de poupança privada entre os setores pessoal e empresarial; as estimativas de Cline12 12 Cline, W. R. Potential effects of income redistributions on economic growth: Latin American cases, p. 46, nota 26, e p. 29. Ele calcula as poupanças pessoais como resíduo, após subtrair os lucros retidos das empresas da poupança interna total menos formação de capital do setor público (definido de maneira estrita); entretanto, sua estimativa dos lucros retidos das empresas é uma subestimativa séria do dado real, já que ele considera apenas o dado para "incorporação de reservas" das sociedades anônimas que aumentaram o capital, registrado anualmente em Conjuntura Econômica. Trata-se de uma subestimativa porque em primeiro lugar as empresas podem preferir outros usos para suas reservas e, em segundo, os dados de Conjuntura Econômica não abrangem todo o universo das empresas. Além disso, ele parece incluir os lucros do setor empresarial público nas poupanças pessoais. apresentam um viés para cima na participação da poupança pessoal. Segundo sua estimativa, a poupança pessoal representa 55% da poupança interna total. Se as estimativas da poupança do setor público citadas forem verdadeiras, então a de Cline implica a mesma poupança nula do setor empresarial privado, o que é extremamente improvável. A poupança pessoal líquida é, no máximo, responsável por 20% da poupança interna, e o deslocamento substancial na distribuição funcional em favor dos lucros (ver quadro 2) nos últimos anos pode ter reduzido ainda mais esta parcela.

Qualquer que seja a relação entre poupança pessoal e desigualdade, a primeira é um componente muito pequeno do financiamento interno do investimento.

Os dispositivos institucionais responsáveis - como se afirmou - pela elevação da poupança pessoal consistiram em maiores incentivos à propriedade de ações e à introdução de ativos financeiros de renda fixa, que oferecem um retorno real substancial a seus proprietários. Entretanto, pode muito bem ser que estas reformas financeiras não tenham elevado a contribuição da poupança pessoal líquida pelas seguintes razões;

a) ocorreram aumentos muito grandes na subscrição em dinheiro de novos títulos sobre o capital no mercado de ações, especialmente a partir de 197013 13 Conjuntura Econômica, p. 55, nov. 1972. (as subscrições em dinheiro representam agora cerca de 1/3 da expansão dos valores totais de capital, comparados com 1/7 em meados da década de 60), e com o nível extremamente baixo dos pagamentos de dividendos, o mercado de ações parece estar agindo como uma fonte muito importante de acumulação de capital para o setor empresarial. Entretanto, o mercado só pode afetar a distribuição de fundos de poupadores privados no interior do setor empresarial; e embora represente algumas das maiores neste setor, o número real de empresas cadastradas é muito pequeno; o volume total de fundos não é muito afetado. É também possível que as novas instituições e incentivos fiscais14 14 Os dados são de cidades brasileiras e, portanto, devem ser ponderados pelas parcelas de população na regressão. Isto não foi feito. estejam apenas fornecendo canais substitutos para as poupanças pessoais.

b) A partir dos orçamentos familiares brasileiros, pode-se perceber uma certa relação positiva - embora bastante fraca - entre renda pessoal e poupança média; deixando de lado a interpretação friedmaniana para os dados, pode-se esperar que o aumento de 67% na renda real (recebidos pelo decil superior do espectro de renda entre 1960 e 1970) tenha-se traduzido num aumento da poupança pessoal média. Entretanto, estes dados do orçamento familiar estão bastante desatualizados (1961-62); são necessárias pesquisas mais recentes para se descobrir a extensão em que o decil superior dividiu o incremento na renda real entre poupança e consumo. O enorme afluxo de fundos privados em ativos de renda fixa indica que este aumento acima da média na renda real foi "poupado". Entretanto, estes novos ativos estão em grande parte ligados ao sistema de crédito ao consumidor para a compra de bens domésticos de consumo durável; todo o mecanismo, na verdade, facilitou a transformação da poupança dos membros do decil superior em consumo de indivíduos localizados no mesmo decil ou em decis inferiores. O efeito líquido destes novos instrumentos financeiros nas poupanças pessoais pode ser nulo. Se as poupanças pessoais de uns forem usadas para aumentar o consumo de outros, então a maior desigualdade de renda não pode ser justificada em termos do crescimento da contribuição de poupanças pessoais às poupanças internas totais. Paradoxalmente, a maior dispersão de rendas monetárias foi acompanhada por uma distribuição mais igualitária de um estilo particular de consumo (bens de consumo doméstico durável e automóveis); mas a orientação quase total do crédito ao consumidor para os setores mais "modernos" significa que a difusão deste estilo de consumo provavelmente tem sido realizada mais eficientemente do que se existisse uma distribuição mais igualitária de renda monetária.

c) Pelo menos até 1970-71, a expansão tem sido liderada pelo consumo; e, mesmo desde então, a taxa de crescimento da produção de bens de consumo durável vem-se mantendo acima da média do setor industrial. Qualquer que tenha sido a base social desta onda de consumo, é difícil imaginar que ela pudesse ter sido acompanhada por uma elevação nas poupanças a partir da renda pessoal disponível.

d) Evidências de outros países capitalistas sugerem que uma elevação da razão investimento-renda, da ordem que se afirma ter ocorrido no Brasil entre 1969 e 1972, é financiada pelos lucros do setor empresarial, tanto público como privado. No estágio primário do ramo ascendente do ciclo de negócios, tende a ocorrer uma alta violenta da participação dos lucros na renda nacional, o que permite uma expansão na capacidade. Dada a evidência de um deslocamento funcional em favor dos lucros (quadro 2), parece provável que a crescente relação investimento-renda tenha sido financiada com os lucros retidos das sociedades anônimas bem como da poupança do setor público.

Desta forma, parece difícil aceitar o argumento de que a crescente desigualdade na distribuição da renda pessoal tenha sido responsável pela alta na participação das poupanças internas. Mesmo que se verifique que se elevou a participação das poupanças pessoais líquidas no PNB, isto pode ser melhor explicado pela elevação na renda média, e não pela redistribuição ocorrida.

7.2 Distribuição da renda e estrutura de demanda

Ao considerar a estrutura da demanda, importante contribuição ao debate sobre o processo de recuperação industrial no Brasil foi feita por aqueles que consideram que a redistribuição de renda - que se diz ter sido uma característica da recessão - foi causa e condição necessária da recuperação ocorrida subseqüentemente; seria precisamente esta redistribuição a responsável pelo extremo dinamismo do sistema. Argumenta-se que uma das razões pelas quais o sistema industrial perdeu impulso no início da década de 60 foram as dimensões bastante restritas do mercado de produtos do setor produtor de bens de consumo durável; a contribuição mais importante do período de estabilização foi redistribuir a renda em favor dos grupos de renda mais alta. Isto colocou mais renda nas mãos dos que tendiam a adquirir bens de consumo durável, e também incorporou mais pessoas a esta categoria. Além disso, o dinamismo do setor produtor de bens de consumo durável deveu-se a uma contínua concentração e reconcentração de renda através da recessão e expansão. Similarmente, a redução da renda real dos grupos de mais baixa renda trouxe uma recessão bem pronunciada nos setores produtores de bens industrializados de salários (têxteis, sapatos) da qual estes setores só se recuperaram aumentando as exportações (Furtado).

O trabalho empírico apresentado neste artigo certamente parece apoiar a visão de que uma redistribuição dos rendimentos foi uma característica marcante do período de estabilização, apesar dos dados sobre rendimentos não indicarem claramente um processo redistributivo continuado durante a expansão, mesmo considerando-se o forte aumento de desigualdade em 1969-70. Naturalmente, é aqui que os dados sobre rendimentos apenas mostram suas deficiências mais graves; o aumento nas rendas pessoais resultante de alterações na distribuição funcional em favor de lucros, que pode ter sido uma característica da expansão, limita severamente nossa capacidade de inferir, apenas a partir dos rendimentos do trabalho, o comportamento neste período.

Tentou-se aqui medir o impacto preciso da redistribuição observada na estrutura de demanda, em particular na demanda global de bens de consumo durável. Ou seja, mantendo-se constante a renda real per capita média, os preços relativos e os efeitos de substituição, qual foi o impacto na demanda de automóveis, por exemplo, que teve a redistribuição de renda? Escolhemos automóveis porque, implicitamente, a hipótese foi estruturada de modo a responder pelo crescimento particularmente rápido deste setor.

É possível analisar de maneira bastante simples os efeitos de uma redistribuição de renda sobre a estrutura de demanda. Em primeiro lugar, como resultado da redistribuição, o dispêndio médio da população com o bem i pode mudar como resultado de um deslocamento de renda para um grupo com propensão média a gastar em i mais alta ou mais baixa. Para calcular a propensão média agregada a consumir i, é necessário obter informações sobre renda e despesa em i para cada grupo da população. É também preciso fazer suposições sobre a propensão pós-redistribuição a consumir em cada grupo. Em segundo lugar, se existirem importantes diferenças entre os grupos em sua elasticidade-renda da demanda de i, então, como resultado da redistribuição, pode ocorrer uma mudança na elasticidade-renda global da demanda de i. Como os proponentes da hipótese subjacente acreditam em descontinuidades marcadas nos padrões intersociais de classe do consumo, é importante quantificar este efeito. Mesmo se a elasticidade-renda da demanda de i for constante em todo o espectro de renda, e insensível assim às mudanças na distribuição de renda, a propensão média pode mudar com a redistribuição e causar assim uma alteração permanente na estrutura da demanda.

Já se fizeram várias tentativas de ajustar uma uma função que relacione o dispêndio em automóveis e renda, com dados da Pesquisa sobre Orçamentos Familiares, englobando 3 693 famílias em oito áreas urbanas, realizada entre julho de 1961 e junho de 1962; apresenta dados sobre dispêndios familiares relacionados à compra direta de um veículo privado ou os pagamentos de prestações. É assim possível dispor graficamente de cerca de 70 observações (já que os dados são agrupados por classes de renda) relacionando dispêndio em automóveis e renda líquida, descontados os impostos (ver nota anterior). O gráfico sugere fortemente uma relação sigmóide, truncada na parte inferior; ou seja, existe algum limiar de renda abaixo do qual a compra de automóveis não é possível, enquanto nos níveis intermediários de renda, a demanda cresce muito rapidamente. Entretanto, para rendas muito altas tende a existir um nível de saturação de despesas com carros. Tudo isso sugere a existência de diferenças substanciais na elasticidade interclasse de renda da demanda de automóveis, o que é consistente com a hipótese subjacente. Entretanto, o nivelamento definitivo da curva a níveis altos de renda indica claramente que a redistribuição observada entre 1960 e 1970, no sentido do cume da distribuição, não foi tão racional em termos do crescimento da demanda, como se tem sugerido.

Para todo um conjunto de funções lineares e não-lineares, o melhor ajustamento foi obtido com uma função log-recíproca da forma:

onde Yi = dispêndio pela classe i, e Xi = renda da classe i.

Esta função é de formato sigmóide e possui um nível de saturação das despesas. Apesar de a curva passar pela origem, é possível ajustar os dados de modo a se obter um limiar de dispêndios; não se fez isso aqui, apesar de os dados o sugerirem. A função também implica uma relação comportamental em que a elasticidade-renda da demanda é inversamente correlacionada com o nível de renda; este aspecto, naturalmente, é bastante distinto da hipótese subjacente.

A relação ajustada (ver nota 11) é da forma:

coeficientes t: (17,70) (11,87)

R2 = 0,8011, Durbin-Watson: 2,086

e é uma das poucas relações não-lineares que em qualquer sentido descreve os dados e não foi perturbada por problemas de autocorrelação.

Usando a distribuição de rendas familiares médias da Pesquisa de 1961-62, foi possível estimar a renda média de cada decil populacional; usando a função, calculou-se o dispêndio associado e a elasticidade-renda da demanda. A propensão média a gastar em automóveis (Ai) pode ser descrita segundo

onde ai é a propensão média a consumir do decil populacional i, e λi é sua participação na renda total. A propensão estimada foi de 2,40%. Pode-se descrever a elasticidade-renda global da demanda de carros (ED) como a soma ponderada das elasticidades para cada classe de população, medida à renda média para cada classe, onde os pesos correspondem às parcelas de renda recebida por cada classe. Portanto:

onde λi = parcelas de renda e ei = elasticidade para a classe populacional i.

A elasticidade-renda estimada da demanda foi 3,03. A isto compare-se a elasticidade observada de 2,68, para o período 1964-67.15 15 Os dados do orçamento familiar foram usados para calcular a elasticidade-renda de demanda de despesas de automóveis, enquanto a elasticidade "observada" foi calculada simplesmente com referência ao número de carros vendidos. Na medida em que a distribuição destes carros muda com o tempo, ou na medida em que ocorram mudanças no custo do carro médio em termos de renda, a última medida divergirá do primeiro conceito. Trabalha-se para levar isso em consideração. Além disso, a elasticidade "observada" foi calculada com respeito ao crescimento real do PNB, devido à falta de dados sobre a renda pessoal disponível; não é um procedimento desejável, já que há boa base para se supor que a razão entre renda pessoal disponível e PNB variou durante o período considerado.

Como medir o impacto das medidas redistributivas sobre a demanda de automóveis? O método adotado aqui consistiu em tomar as rendas médias por decil populacional da distribuição de renda familiar de 1961-62, e aplicá-las às variações percentuais na renda por decil populacional entre 1960 e 1970 nas áreas urbanas provocadas exclusivamente pela redistribuição de renda (isto é, descontados os aumentos da renda real no período). A principal objeção que se pode fazer a esse método é a de que os resultados do Censo são para indivíduos; entretanto, o procedimento é defensável, já que as distribuições pessoais e familiares baseadas nos resultados do Censo de 1970 são idênticas. Com as novas estimativas das parcelas de renda calculou-se nova propensão média a consumir e nova elasticidade-renda da demanda: a propensão média eleva-se em 12,9%, para 2,71%, enquanto a elasticidade cai para 2,73. Este último fato deve-se ao maior peso dado às classes de renda mais alta, com sua elasticidade-renda de demanda mais baixa. Tudo isto na suposição de que o comportamento pós-redistribuição seria caracterizado pelas propensões iniciais. Se usamos a função estimada para calcular a propensão média e a elasticidade-renda da demanda dos níveis de renda pós-redistribuição, o dispêndio médio é 2,45% e a elasticidade, 3,06 - aumentos insignificantes nas magnitudes das relações anteriores.

Obteve-se um bom ajustamento com outra função não-linear, da forma double-log. A forma estimada era:

log Yi = - 14,51 + 2.498 log Xi

coeficientes:

(10,25) (12,12)

R2 = 0,8077; DW = 1,993

A função implica uma elasticidade constante de 2,50 que, naturalmente, decorre da hipótese subjacente: a elasticidade-renda da demanda é invariante com respeito a mudanças distribucionais. Entretanto, a propensão média computada eleva-se de 2,06% para 2,47%, se usarmos as propensões pré-distribuição: isto significa que os dispêndios poderiam ter-se elevado em quase 20% exclusivamente como resultado da redistribuição de renda.

Mesmo se todo o impacto redistributivo estivesse concentrado no período após 1965, que quase certamente é o caso, é bastante difícil explicar completamente a elevação observada de 31% na elasticidade-renda da demanda de automóveis - de 2,68 entre 1964-67 a 3,47 entre 1967-71 - com base nas relações dispêndio-renda estimadas aqui. Para obter a magnitude desejada seria necessário supor uma função com uma elasticidade sempre crescente e um diferencial muito grande entre a elasticidade e a propensão média a consumir entre o decil superior e todos os outros. Isto não é consistente com os dados de orçamento revistos aqui.16 16 Recente trabalho de Albert Fishlow, usando uma fonte diferente de dados e uma metodologia inteiramente distinta, resultou numa estimativa cross-section da elasticidade-renda da demanda de automóveis de 3,34, utilizando pesos derivados da distribuição de 1960 e de 3,38 usando-os da distribuição de 1970. Esta acentuada consistência com nossos resultados é bastante notável, tendo em vista os diferentes procedimentos adotados. Ver Fishlow, Albert. Brazilian size distribution of income - another look. 1973. mimeogr. Apesar de que freqüentemente as observações cross-section terem-se mostrado um pobre guia para o consumo ao longo do tempo, a falha aqui mostra a necessidade de se estudar todos os efeitos de maior crédito e de uma substituição no orçamento dos consumidores em favor de bens duráveis. A hipótese também é bastante deficiente em sua explicação do ritmo da recuperação industrial, já que, de acordo com os dados de rendimento, o impacto redistributivo máximo ocorreu antes de 1966, enquanto a recuperação geral sustentada não ocorreu antes de 1968-69. É claramente necessário introduzir defasagens e outros artifícios para uma explicação mais completa.

Foram usados ainda estes dados orçamentários para ajustar funções-dispêndio para bens não-duráveis, como tecidos e alimentos, e para bens de consumo familiar. Os resultados, usando várias funções lineares e não-lineares, não são satisfatórios; a maior parte das funções não capta o grau necessário de curvatura da relação nos grupos de renda mais alta. Para os três grupos de dispêndios, existem tendências muito fortes de um nível de saturação de dispêndios aos níveis mais altos de renda. Entretanto, em geral estes resultados tendem a confirmar a hipótese subjacente de que um deslocamento na distribuição, em favor dos ricos, tem efeitos sérios sobre a produção de bens manufaturados de consumo popular: a produção têxtil elevou-se em 17,7% entre 1965-69, vestuários em 10,9% e mobiliário em 6,0%, enquanto o índice geral de produção industrial elevou-se em 48,2% no mesmo período.17 17 Estou em dívida com Régis Bonelli, do IPEA pelo uso destes dados revisados sobre produção industrial. Ver Bonelli, R. Produção industrial: sugestão metodológica para a elaboração de índices e aplicações. Pesquisa e Planejamento, Rio. jun. 1973. Apesar de ser impossível estimar o impacto da redistribuição sobre o dispêndio médio e sobre a elasticidade-renda da demanda desses bens, tal desempenho relativamente pobre destes setores não pode ser explicado apenas, ou mesmo em sua maior parte, pelas mudanças distributivas. Outros fatores, tais como uma disponibilidade relativamente maior de crédito para duráveis, e grandes substituições nos dispêndios, provocada por mudanças publicitárias, agiram na mesma direção. Uma pesquisa sobre os orçamentos da classe trabalhadora em São Paulo, realizada em 1958 e subseqüentemente em 1969-70, mostra um deslocamento considerável nos dispêndios no orçamento familiar, diminuindo alimentos, e, especialmente, vestuário, e aumentando bens de consumo doméstico e automóveis particulares; e o relatório destaca que a existência de crédito para estes bens duráveis torna-os também disponíveis para as famílias das classes trabalhadoras.18 18 Um levantamento dos orçamentos familiares da classe operária em São Paulo, realizado pelo Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos (DIESE), cujos resultados parciais foram publicados no Jornal do Brasil, 19.10.72, indica que "ocorreu um declínio relativo entre 1958 e 1968-70 na parcela de despesas destinadas a vestuário. (...) Ocorreu um grande aumento na parcela de despesas destinadas a bens domésticos duráveis (...) refletindo uma grande preocupação, mesmo entre as famílias de renda baixa, com a aquisição de bens domésticos, indicativo de sua incorporação na sociedade de consumo."

Assim, em conclusão, pode-se afirmar tentativamente que mudanças na distribuição de renda não tiveram o importante efeito sobre a produção e poupança que se vem afirmando. E os resultados da pesquisa orçamentária não sugerem que maior concentração seja a maneira mais racional de sustentar a demanda; de fato, o inverso é verdadeiro. Se a presente expansão na produção de bens duráveis acabados for limitada aos 10% superiores na população, que foi o único decil a aumentar sua renda relativa entre 1960 e 1970, então o processo tende a ser limitado; mas estas evidências sugerem que as vendas de bens duráveis foram muito menos limitadas do que alguns autores supõem. Isto exige mais trabalho, examinando-se a maneira pela qual o crédito e os efeitos da substituição trouxeram deslocamentos substanciais nas relações renda-dispêndio, medidas aqui e nos padrões de consumo ao longo de todo o espectro de renda.

BIBLIOGRAFIA

Atkinson, A. B. On the measurement of inequality. Journal of Economic Theory, v. 2, p. 244-63, 1970.

Bell, P. W. Cyclical variations and trend in occupational wage differentials in American industry since 1914. Review of Economics and Statistics, p. 329-37, 1951.

Cline, W. R. Potential effects of income redistributions on economic growth: Latin American cases. Praeger, 1972.

Dobb, M. Theories of value and distribution since Adam Smith, ideology and economic theory. Cambridge, 1973.

Dunlop, J. T. Cyclical variations in the wage structure. Review of Economics and Statistics, p. 30-9, 1939.

Fishlow, A. Brazilian size distribution of income. American Economic Review, May 1972.

Fishlow, A. & Meesook, A. Technical appendix, Brazilian size distribution of income. May 1972. mimeogr.

Furtado, C. Análise do "modelo" brasileiro. Editora Civilização Brasileira, 1972.

Hoffmann, R. Considerações sobre a evolução recente da distribuição da renda no Brasil. USP, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 1973. (Série Pesquisa, n. 19).

Langoni, C. Depois do boom virá a distribuição. Jornal do Brasil, 26.11.1972, p. 55.

Langoni, C. G. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de Janeiro, 1973.

Malan, P. & Wells, J. Langoni e a distribuição de renda no Brasil. Pesquisa e Planejamento, dez. 1973.

Neild, R. R. Prices and employment in the trade cycle: a study of British manufacturing industry, 1950-61. (NIESR Occasional Paper, n. 21).

Oliveira, F. de. A economia brasileira: notas para uma revisão teórica. Estudos Cebrap, v. 2.

Reder, M. A. theory of occupational wage diferentials. American Economic Review, p. 833-52, 1955.

Schultz, T. P. Secular equalization and cyclical behavior of income distribution. Review of Economics and Statistics, p. 259-67, 1968.

Simon, H. The compensation of executives. In: Atkinson, A. B. ed. Wealth, income and inequality. Penguin Education, 1973.

Singer, P. O "milagre" brasileiro: causas e conseqüências. Cadernos Cebrap, n. 6.

Taira, K. The dynamics of Japanese wage differentials 1881-59. New York, Columbia University Press, 1961.

Tavares, M. C. & Serra, J. Más allá del estancamiento: una discusión del desarrollo reciente de Brasil. Revista Latino-Americana de Ciencias Sociales, Santiago, 1971.

Wachter, M. L. Cyclical variations in the wage structure. American Economic Review, p. 75-84, 1970.

Yamamura, K. Wage structure and economic growth in post-war Japan. Industrial and Labour Relations Review, p. 68-9, 1965.

Entretanto como mencionado no texto a distribuição global não é tão sensível à intersetorial do emprego. Tudo isto demonstra que o procedimento da amostragem usado representa bastante bem o universo verdadeiro sob este aspecto, e, portanto provavelmente também em outros que nos interessam.

para expressá-lo como %, multipliquemo-lo por 100. 1 > G > 0.

Quando os rendimentos são distribuídos de maneira completamente igualitária, cada yi/xi - 1, de modo que I = 0. Quando toda a renda cabe a poucas pessoas, seu valor é log n.

Para qualquer indústria (estamos tratando com indústria, comércio e serviços), I também pode ser expresso como a soma de diferenças intersetoriais na renda média ponderadas pelo emprego e pelas diferenças setoriais internas em rendimentos. Se R é a variância "não explicada" devido a diferenças setoriais "internas" nos rendimentos, então:

onde ak é a parcela de renda que cabe ao setor k e bk é sua parcela de emprego para t setores.

  • Atkinson, A. B. On the measurement of inequality. Journal of Economic Theory, v. 2, p. 244-63, 1970.
  • Bell, P. W. Cyclical variations and trend in occupational wage differentials in American industry since 1914. Review of Economics and Statistics, p. 329-37, 1951.
  • Cline, W. R. Potential effects of income redistributions on economic growth: Latin American cases. Praeger, 1972.
  • Dobb, M. Theories of value and distribution since Adam Smith, ideology and economic theory. Cambridge, 1973.
  • Dunlop, J. T. Cyclical variations in the wage structure. Review of Economics and Statistics, p. 30-9, 1939.
  • Fishlow, A. Brazilian size distribution of income. American Economic Review, May 1972.
  • Fishlow, A. & Meesook, A. Technical appendix, Brazilian size distribution of income. May 1972. mimeogr.
  • Furtado, C. Análise do "modelo" brasileiro. Editora Civilização Brasileira, 1972.
  • Hoffmann, R. Considerações sobre a evolução recente da distribuição da renda no Brasil. USP, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 1973. (Série Pesquisa, n. 19).
  • Langoni, C. Depois do boom virá a distribuição. Jornal do Brasil, 26.11.1972, p. 55.
  • Langoni, C. G. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de Janeiro, 1973.
  • Malan, P. & Wells, J. Langoni e a distribuição de renda no Brasil. Pesquisa e Planejamento, dez. 1973.
  • Neild, R. R. Prices and employment in the trade cycle: a study of British manufacturing industry, 1950-61. (NIESR Occasional Paper, n. 21).
  • Oliveira, F. de. A economia brasileira: notas para uma revisão teórica. Estudos Cebrap, v. 2.
  • Reder, M. A. theory of occupational wage diferentials. American Economic Review, p. 833-52, 1955.
  • Schultz, T. P. Secular equalization and cyclical behavior of income distribution. Review of Economics and Statistics, p. 259-67, 1968.
  • Singer, P. O "milagre" brasileiro: causas e conseqüências. Cadernos Cebrap, n. 6.
  • Taira, K. The dynamics of Japanese wage differentials 1881-59. New York, Columbia University Press, 1961.
  • Tavares, M. C. & Serra, J. Más allá del estancamiento: una discusión del desarrollo reciente de Brasil. Revista Latino-Americana de Ciencias Sociales, Santiago, 1971.
  • Wachter, M. L. Cyclical variations in the wage structure. American Economic Review, p. 75-84, 1970.
  • Yamamura, K. Wage structure and economic growth in post-war Japan. Industrial and Labour Relations Review, p. 68-9, 1965.
  • *
    O autor agradece as críticas, conselhos e encorajamentos de Marcelo Abreu, Prof. Albert Fishlow, Rodolfo Hoffmann, Pedro Malan e Dr. Brian Van Arkadie. Quaisquer erros que ainda permaneçam são de inteira responsabilidade do autor. Muito agradece também ao Prof. D. C. M. Platt e ao Centre of Latin-American Studies em Cambridge por patrocinar sua estada no Brasil, o que lhe permitiu realizar o trabalho empírico necessário a este artigo.
  • 1
    O principal problema de estimação consiste em se determinar a renda média da classe de limite superior aberto, antes de passar a uma estimativa da distribuição de 1959. O problema não aparece em 1970 porque Langoni teve acesso aos dados sobre rendas individuais. Como o procedimento implica estimar uma quantidade desconhecida, a única maneira de comparar as estimativas é comparar os procedimentos. Langoni supõe que a relação entre renda média e o limite inferior da classe de limite superior aberto em 1970 é também válida para 1959. Trata-se de uma suposição delicada, já que sob a hipótese de desigualdade crescente também se pode esperar que a razão aumente. Mesmo com este procedimento favorável, o aumento na desigualdade é semelhante ao estimado por Fishlow. (Todos os nomes entre parênteses que aparecem no decorrer do texto constam da bibliografia, no fim do artigo.)
  • 2
    Uma discussão bastante completa do procedimento de amostragem encontra-se no
    Boletim do SEPT, n. 17, p. 63-8.
  • 3
    Em 1964, o SEPT coletou e publicou dados sobre todo o universo de empregados para o Estado da Guanabara. Em 1965, apesar de se terem coletados dados sobre todo o universo, só se publicaram aqueles da amostra. Uma comparação entre a distribuição intersetorial da força de trabalho no interior do comércio e serviços indica que a distribuição da amostra em 1965 representava muito bem todo o universo (apresentado em 1964).
  • 4
    As estimativas são provavelmente enviesadas para baixo, de modo que nos fornecem um limites inferior ao grau de redistribuição que, como será mostrado, ocorreu entre 1965 e 1966.
  • 5
    O coeficiente de Gini é uma medida resumida da dispersão. O gráfico da distribuição cumulativa da população e rendimentos é normalmente chamado de curva de Lorenz; se esta curva se coloca sobre a linha de 45º, então as rendas são distribuídas de maneira completamente igualitária. O coeficiente de Gini é uma estimativa da área entre a curva de Lorenz e a linha diagonal. Desta forma, um valor próximo a zero indicaria completa igualdade; valores maiores significam desigualdade crescente. Entretanto (ver Atkinson), quando as curvas de Lorenz se cruzam, em comparações internacionais ou intertemporais, distribuições bastante diferentes podem levar à mesma medida de desigualdade de Gini; devemos, portanto, tomar muito cuidado na interpretação dos resultados. Para parcelas cumulativas de população
    Xi com rendimentos cumulativos
    Yi e
    n classes de renda, o coeficiente de Gini (G) =
  • 6
    Para a parcela populacional
    xi com participação nos rendimentos
    yi, a medida de desigualdade do índice de Theil pode ser escrita sob a forma:
  • 7
    Além disso, a classe de limite superior aberto nos três trimestres de 1968 continham uma proporção muito grande da população; usou-se a estrutura da população por classe de rendimentos no primeiro trimestre de 1969 para reduzir a proporção populacional na classe de limite superior aberto em 1968.
  • 8
    Apesar da grande elevação no número de pessoas empregadas ao nível do salário mínimo entre 1965 e 1966, que pode ser uma indicação de aumento no trabalho em tempo parcial devido aos efeitos da recessão, e que poderia ser responsável pela crescente diferenciação entre 1965 e 1966, a proporção em 1966 de trabalhadores empregados ao salário mínimo é subseqüentemente mantida durante a expansão.
  • 9
    Como a dispersão máxima dos diferenciais intersetoriais é da ordem de 3:1, comparada com as ordens muito maiores de magnitude na dispersão da renda total, não é de se surpreender que esta componente contribua tão pouco para a desigualdade global.
  • 10
    Não existem dados publicados de contas nacionais além de 1969; entretanto, evidências dos índices de produção industrial e do recente e forte aumento nos bens de capital importados indicam que desde 1970 vem ocorrendo expansão nos investimentos no Brasil. A estimativa da razão investimento/renda de 22% foi tirada dos discursos de vários funcionários governamentais.
  • 11
    Esta discussão baseia-se numa análise dos dados de contas nacionais publicados em
    Conjuntura Econômica, nov. 1972 e do
    United Nations Yearbook of National Accounts, 1970.
  • 12
    Cline, W. R.
    Potential effects of income redistributions on economic growth: Latin American cases, p. 46, nota 26, e p. 29. Ele calcula as poupanças pessoais como resíduo, após subtrair os lucros retidos das empresas da poupança interna total menos formação de capital do setor público (definido de maneira estrita); entretanto, sua estimativa dos lucros retidos das empresas é uma subestimativa séria do dado real, já que ele considera apenas o dado para "incorporação de reservas" das sociedades anônimas que aumentaram o capital, registrado anualmente em
    Conjuntura Econômica. Trata-se de uma subestimativa porque em primeiro lugar as empresas podem preferir outros usos para suas reservas e, em segundo, os dados de
    Conjuntura Econômica não abrangem todo o universo das empresas. Além disso, ele parece incluir os lucros do setor empresarial público nas poupanças pessoais.
  • 13
    Conjuntura Econômica, p. 55, nov. 1972.
  • 14
    Os dados são de cidades brasileiras e, portanto, devem ser ponderados pelas parcelas de população na regressão. Isto não foi feito.
  • 15
    Os dados do orçamento familiar foram usados para calcular a elasticidade-renda de demanda de despesas de automóveis, enquanto a elasticidade "observada" foi calculada simplesmente com referência ao número de carros vendidos. Na medida em que a distribuição destes carros muda com o tempo, ou na medida em que ocorram mudanças no custo do carro médio em termos de renda, a última medida divergirá do primeiro conceito. Trabalha-se para levar isso em consideração. Além disso, a elasticidade "observada" foi calculada com respeito ao crescimento real do PNB, devido à falta de dados sobre a renda pessoal disponível; não é um procedimento desejável, já que há boa base para se supor que a razão entre renda pessoal disponível e PNB variou durante o período considerado.
  • 16
    Recente trabalho de Albert Fishlow, usando uma fonte diferente de dados e uma metodologia inteiramente distinta, resultou numa estimativa
    cross-section da elasticidade-renda da demanda de automóveis de 3,34, utilizando pesos derivados da distribuição de 1960 e de 3,38 usando-os da distribuição de 1970. Esta acentuada consistência com nossos resultados é bastante notável, tendo em vista os diferentes procedimentos adotados. Ver Fishlow, Albert. Brazilian size distribution of income - another look. 1973. mimeogr.
  • 17
    Estou em dívida com Régis Bonelli, do IPEA pelo uso destes dados revisados sobre produção industrial. Ver Bonelli, R. Produção industrial: sugestão metodológica para a elaboração de índices e aplicações.
    Pesquisa e Planejamento, Rio. jun. 1973.
  • 18
    Um levantamento dos orçamentos familiares da classe operária em São Paulo, realizado pelo Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos (DIESE), cujos resultados parciais foram publicados no
    Jornal do Brasil, 19.10.72, indica que "ocorreu um declínio relativo entre 1958 e 1968-70 na parcela de despesas destinadas a vestuário. (...) Ocorreu um grande aumento na parcela de despesas destinadas a bens domésticos duráveis (...) refletindo uma grande preocupação, mesmo entre as famílias de renda baixa, com a aquisição de bens domésticos, indicativo de sua incorporação na sociedade de consumo."
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 1974
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br