Acessibilidade / Reportar erro

Inflação e lucros da emprêsa

ARTIGOS

Inflação e lucros da emprêsa

Luiz Carlos Bresser PereiraI; Sylvio L. Bresser G. PereiraII

IProfessor-Adjunto do Departamento de Administração e Relações Industriais da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo

IIDiretor Financeiro Administrativo e de Pessoal da Cia. Sorocabana de Material Ferroviário - SOMA

"Em condições hiperinilacionárias torna-se quase impossível um sistema contábil eficiente e extremamente difícil a aplicação racional de recursos." - BENJAMIN HIGGINS

Um dos efeitos mais negativos da inflação é o de as emprêsas serem levadas a uma situação próxima ao descontrole. A contabilidade das emprêsas, meio de controle por excelência, passa a apresentar um retrato destorcido da realidade, transforma-se em mero registro histórico, sem grande utilidade. Os administradores passam a tomar decisões segundo sua intuição particular. Malgrado o amplo desenvolvimento das técnicas administrativas de controle, voltam a ser adotados métodos empíricos de gestão. Sendo difícil, numa conjuntura inflacionária, determinar o custo em têrmos preciosos, freqüentemente o administrador estabelece o preço em níveis elevados. Como seus concorrentes fazem o mesmo - e os compradores, face à rápida flutuação, deixam muitas vêzes de proceder a tomadas de preços - êle acaba por vender seus produtos pelos preços arbitràriamente elevados. Dessa forma, a um só tempo, agrava-se o processo inflacionário e aumentam os lucros do empresário. Além disso, a redistribuição da renda se realiza a seu favor, devido à flexibilidade e rapidez com que pode ajustar seus preços. Destarte, muito embora sem meios de controle eficientes, o empresário é, em geral, favorecido pela inflação.

Em grande número de casos, porém, a situação do mercado não é tão favorável. Torna-se necessário, para obtenção de lucros, um controle contábil e financeiro muito preciso. É nesse momento que a emprêsa se vê em dificuldades. Curiosamente, contudo, muitas vêzes seus administradores não o percebem. A emprêsa continua dando lucros, mas lucros apenas aparentes, inflacionários. Por não adotarem métodos para distinguir o lucro real do aparente, iludem-se com os resultados enganosamente satisfatórios, ignorando que seus negócios, a pouco e pouco, caminham para a ruína. Os mais lúcidos chegam a intuir que algo de anormal está ocorrendo, mas não conseguem diagnosticar o problema com precisão. Seja qual fôr o caso, seja ou não a emprêsa beneficiada pela inflação, um sistema de controle capaz de ajustar a contabilidade da emprêsa ao processo inflacionário é condição para uma administração segura, racional e eficiente.

Neste artigo pretendemos examinar importantes aspectos dêsse problema. Preliminarmente, apresentaremos um método simples e razoàvelments preciso de ajustamento dos balanços contábeis e de apuração de lucros no regime inflacionário.1 1 ) A esse respeito foram, recentemente, publicados no Brasil dois trabalhos que merecem ser consultados: M. R. Epps, A Atualização da Contabilidade Face à Desvalorização Monetária, RAE, vol. 3, n.º 8, maio-agôsto de 1963; e Arthur Anderson & Co., A Medição de Lucros em Uma Economia Inflacionária, São Paulo, 1963. Nos Estados Unidos um clássico no assunto é P. Mason, Price-Level Changes and Financial Statements, Basic Concepts and Methods, American Accounting Asscciation, 1956. Escolheremos um exemplo hipotético de balanço simples. Colocaremos no ativo e no passivo dêsse balanço apenas contas típicas "estratégicas". (O prezado leitor poderá, com base nesse modêlo simplificado, aplicar o método na apuração dos lucros de sua própria emprêsa, bastando reajustar os dados de acordo com as características específicas de sua organização. ) Examinaremos, em seguida, com alguma profundidade, as contas estratégicas, vale dizer, as contas básicas, cuja variação no balanço influi, diretamente, na apuração do lucro real. Verificaremos como, em variando as proporções com que essas contas estratégicas aparecem no balanço, as emprêsas que tenham o mesmo lucro contábil - quer em têrmos absolutos, quer em têrmos relativos, como percentagem do capital - apresentarão os mais variados lucros reais e, até mesmo, prejuízo real. Finalmente, apresentaremos algumas conclusões gerais sôbre os efeitos da inflação no lucro real das emprêsas.

Cabe, ainda, uma ressalva: neste ensaio não ventilaremos certos problemas de grande importância no ajustamento de balanços no regime inflacionário. Não discutiremos, por exemplo, que índices de inflação devam ser aplicados aos diversos tipos de contas. O leitor bem sabe que poderão ser usados índices múltiplos. Se os preços de determinados itens do ativo aumentarem mais ràpidamente do que outros, claro está que êsse fato deverá ser levado em consideração. Em nosso modêlo, porém, usaremos um índice único de inflação, com o objetivo didático de simplificar os cálculos. Da mesma forma, não entraremos no debate da reavaliação dos equipamentos pelo custo de reposição ou pelo custo de venda, no mercado, do equipamento usado. Essas e outras questões correlatas fornecem, individualmente, matéria para mais de um artigo.

APURAÇÃO DO LUCRO REAL

Para a apuração do lucro real necessitamos de dois balanços consecutivos, digamos, o balanço do fim do ano I e o do fim do ano II. Tanto um quanto outro deverão ser atualizados, isto é, deverão ter seus valores reajustados em função da inflação aos preços vigentes no fim do ano (mais adiante apresentaremos o método de atualização dos balanços). Distinguimos dois tipos de balanço: o que chamamos balanço contábil (no qual os efeitos inflacionários não são levados em consideração) e o balanço atualizado.

Nosso objetivo é apurar o lucro ocorrido durante o ano II. Fechado o balanço contábil dêsse ano, atualizamo-lo, reajustando, inicialmente, o ativo e o exigível. Resta reajustar o patrimônio, que engloba o capital, em sentido amplo, e os lucros acumulados. O patrimônio não pode ser apurado através da aplicação de uma taxa de inflação. Por definição, êle é um resíduo. O exigível representa direitos de credores sôbre o ativo da emprêsa; logo, tudo o que não significar obrigações da emprêsa para com credores constiturá, no passivo, o patrimônio. Dessa forma, para obtermos o patrimônio atualizado, basta subtrairmos o ativo do ano II atualizado, aos preços do fim do ano II, t2P2 A, do exigível do ano II atualizado, aos preços do fim do ano II, Et2P2. Temos, assim, a seguinte equação para chegar ao patrimônio do ano II atualizado aos preços do fim do ano II, Pt2P2:

Em contabilidade essa equação é axiomática e permite que fechemos o balanço atualizado do fim do ano II. Desde que já tenhamos atualizado, também, o balanço do fim do ano I, estaremos aptos a apurar o lucro real do ano II atualizado aos preços do fim do ano II, Lt2P2.

Em primeiro lugar, tomamos o patrimônio do ano I atualizado aos preços do fim do ano I, Pt1P1, e, acrescentando a êsse patrimônio a taxa de inflação correspondente ao ano II, obtemos o patrimônio do ano I atualizado aos preços do fim do ano II, Pt1p2. Realizamos essa atualização para saber quanto o Ptipi (patrimônio real no comêço do período cujo lucro desejamos apurar) deveria ter crescido para, ao fim do período (fim do ano II), conservar o mesmo poder aquisitivo que possuía no comêço. O Pt1p2, portanto, é uma espécie de ponto de equilíbrio (breakeven) do lucro da emprêsa. Se o Pt2P2 fôr igual ao Pt1p2, a empresa não terá tido nem lucro nem prejuízo, e o patrimônio terá conservado o mesmo poder aquisitivo. Se o primeiro fôr maior que o segundo, teremos lucro real; teremos prejuízo real no caso oposto. Chegamos, assim, à equação do lucro real atualizado:

Também essa equação é axiomática em contabilidade. Evidentemente, estamos pressupondo que não houve distribuição de lucros nem entrada de novos capitais na emprêsa. Assim sendo, o aumento do patrimônio será igual ao lucro ocorrido no período. Se, por hipótese, no Pt1p1 estiverem incluídos lucros que durante o ano II sejam distribuídos aos proprietários, será necessário subtraí-los do patrimônio, antes de atualizá-los aos preços do fim do ano II. Por sua vez, o Pt2p2 deverá corresponder ao patrimônio anterior à eventual distribuição dos lucros do ano II. Se durante o ano II houver entrada de novos capitais na emprêsa, será mister proceder à sua subtração do Pt2p2 para depois aplicar a fórmula.

ATUALIZAÇÃO DO BALANÇO

Desejamos frisar que a aplicação da equação A, para determinação do patrimônio real atualizado, e da B, para apuração do lucro real atualizado, só é possível depois de reajustados o ativo e o exigível em face do processo inflacionário. Qualquer que seja o método de reajustamento utilizado, será possível calcular, em seguida, através da aplicação das duas equações, o lucro real atualizado. Não obstante, passaremos a apresentar um método bastante simplificado de atualização do balanço. Trabalharemos apenas com as chamadas contas estratégicas típicas, a que já nos referimos. Dizemos estratégicas porque o lucro real atualizado depende das proporções com que essas contas se apresentem no balanço; e típicas porque as demais são a elas redutíveis. São contas estratégicas típicas do ativo: caixa, contas a receber, estoques, imobilizado e depreciação (subtraída do imobilizado). São contas estratégicas típicas do passivo: exigível e patrimônio, dentro do qual cumpre salientar o lucro do período.

Vejamos, a seguir, o tratamento a ser dado a cada uma das contas estratégicas típicas.

• Caixa - Caixa, ou caixa e bancos, é a única conta que não carece ser reajustada. O dinheiro em caixa tem o seu valor nominal. Poder-se-ia dizer que vale menos, porque, a continuar o processo inflacionário, no fim de determinado período a emprêsa necessitará ter maiores fundos de caixa para realizar as mesmas operações. Nem por isso haveremos de concluir que o dinheiro hoje tido pela emprêsa em caixa valha menos do que seu valor nominal consignado no balanço contábil.

• Contas a Receber - A esta conta podem ser reduzidas outras, tais como títulos a receber, contas correntes etc.

O valor atualizado das contas a receber de uma emprêsa será, realmente, menor do que seu valor contábil, nominal, desde que se preveja que a inflação haja de continuar após o fechamento do balanço. Se essas contas só forem receptíveis, em média, dentro de 2 meses, elas valerão hoje seu valor contábil menos a desvalorização correspondente a dois meses.

• Estoques - A menos que a rotação de estoque seja instantânea, o valor contábil do estoque é sempre inferior ao valor real atualizado. Se a rotação fôr de 4 vêzes ao ano, as mercadorias ficarão em estoque, em média, três meses. Destarte, uma forma simples de atualizar seu valor é a de acrescentar ao seu valor contábil no fim do ano II uma correção correspondente à taxa de inflação dos últimos 3 meses. Êsse ajustamento poderá ser aperfeiçoado se fôr possível calcular índices específicos de rotação para os diversos tipos de produto em estoque.

• Imobilizado - O imobilizado é a parte do ativo da emprêsa em que se verifica maior discrepância entre seu valor contábil e seu valor atualizado. Há inúmeros métodos de reavaliação dos imobilizados, sendo aconselhável sua aplicação sempre que possível. Se convier, todavia, sacrificar a precisão em benefício da simplicidade, será suficiente acrescentar a taxa de inflação ao seu valor contábil no fim do ano anterior. Se durante o ano II forem feitos investimentos, poderemos atualizá-los de acordo com a época em que tiverem sido realizados. (Se, por exemplo, o investimento houver sido realizado na metade do ano II, seu valor deverá ser acrescido da taxa de inflação correspondente a seis meses.) O exemplo a que adiante faremos alusão está ainda mais simplificado: pressupõe que os investimentos realizados no ano II foram efetivados no fim do ano, não precisando, pois, ser atualizados.

• Depreciação - Entendemos a depreciação como conta a ser subtraída do ativo, como manda, aliás, a melhor prática contábil. Como a provisão para depreciação deve, em princípio, ser suficiente ao menos para a realização de um investimento do mesmo valor real do bem depreciado, também a depreciação precisa ser atualizada. Se usamos, por exemplo, uma depreciação linear de 10% ao ano para equipamentos, deveremos aplicar essa mesma taxa à parte reavaliada dos equipamentos.

• Exigível - O exigível deve ser tratado da mesma forma que as contas a receber. Se se previr que a inflação haja de continuar no próximo ano, seu valor atualizado será, com efeito, menor que o valor contábil.

• Patrimônio - Já vimos como atualizar esta conta. A equação A é a fórmula da atualização. Trata-se, simplesmente, de subtrair do ativo total atualizado o exigível atualizado.

Um Exemplo: Emprêsa A.

Imaginemos a Emprêsa hipotética A. No Quadro 1 temos seu balanço atualizado ao fim do ano I, seu balanço contábil ao fim do ano II e seu balanço atualizado ao fim do ano II. Partimos do balanço atualizado ao fim do ano I para simplificar a demonstração. Está implícito que, para chegar a êsse balanço atualizado inicial, usamos o mesmo método aplicado na atualização do balanço do ano II.


Como se vê, durante o ano II registrou-se o lucro contábil 180. Examinemos, agora, o processo de atualização do balanço do fim do ano II e de apuração do lucro real atualizado dêsse período. Imaginemos que a taxa de inflação tenha sido de 60% durante o ano II. Essa percentagem corresponderia ao aumento ponderado dos preços no atacado, do custo de vida e do custo de construção, conforme os calcula a Fundação Getúlio Vargas, para chegar ao "Valor Real dos Negócios".2 2 ) Vide Conjuntura Econômica, Fundação Getúlio Vargas, primeiro quadro dos "Índices Econômicos Nacionais". Conforme já dissemos, poderíamos usar outros índices. Poderíamos usar taxas múltiplas, mas, nesse caso, só complicaríamos o exemplo. Convirá tomar essa precaução, na prática, quando o método estiver sendo aplicado a demonstrações financeiras de uma emprêsa real.

Vejamos o processo de atualização, conta por conta.

• Caixa - Não há nenhum reajustamento a ser realizado.

• Contas a Receber - Se fôr feita a previsão de que, a partir da data do balanço, a inflação virá a estancar-se, não haverá reajustamento. Arquitetemos, entretanto, a hipótese mais realista de que a inflação haja de continuar no mesmo nível do ano II. Suponhamos, também, que as contas em carteira devam ser recebidas, em média, dentro de dois meses. Se fôsse de um ano o prazo médio de recebimento, elas deveriam ser 60% mais elevadas hoje para, daqui a um ano, quando fossem recebidas, conservarem seu valor nominal, em têrmos reais. Mas, como de fato as contas a receber não são 60% mais elevadas (e não rendem juros), a emprêsa estaria, naquela hipótese, perdendo 37, 5% do valor dessas contas a receber no transcorrer do ano. Em outras palavras, se tivéssemos contas a receber no valor 100 a serem recebidas dentro de um ano, elas deveriam valer 160 para que, quando recebidas, conservassem em têrmos reais o seu valor nominal 100. Ora, como isso não acontece, temos apenas 100 de contas a receber, ou seja, 60 menos do que os 160 que deveríamos ter. Nossa perda de 60, portanto, corresponde a 37, 5% de 160.3 3 ) Se a perda é de 37, 5%, conservamos 62, 5% do valor das contas a receber. Podemos, portanto, construir a seguinte proporção que nos ajuda a compreender a perda de 37, 5%: 100 hoje estão para 160 daqui a um ano assim como 62, 5 hoje estão para 100 daqui a um ano. O prazo de recebimento, porém, é de apenas dois meses; portanto, a emprêsa perderá apenas 9% (para ser mais exato, 9, 1% = 10/110).4 4 ) Sempre para simplificar, estamos supondo que a inflação seja "homogênea e em linha reta". Assim, se a taxa de inflação durante o ano é de 60%, a taxa correspondente a um mês seria de 60%/12=5%; a correspondente a dois meses, de 10%, e assim por diante. Para não complicar os cálculos não consideramos a natureza cumulativa da inflação. Em números absolutos, uma vez que as contas a receber da emprêsa no balanço contábil ao fim do ano II são de 150, teremos uma perda de 13, 5. Portanto, o valor atualizado das contas a receber será 150 - 13, 5 = 136, 5.

• Estoques - Por hipótese, convencionemos que o índice de rotação de estoques dessa emprêsa seja 3. (Para simplificar, só calculamos um índice de rotação de estoques; poderíamos ter vários índices, e então deveríamos subdividir os estoques e fazer ajustamentos para cada parcela, de acordo com o respectivo índice de rotação.) As mercadorias permanecem estocadas, em média, durante 4 meses, ou seja, um têrço do ano. As mercadorias cujo custo histonco foi contabilizado ao fim do ano II devem, pois valer cêrca de 20% a mais (60% /12 x 4 = 20% ) Em números absolutos, temos o valor do estoque atualizado ao fim do ano II igual a 150 + 30 = 180.

• Imobilizado - Devemos, simplesmente, acrescentar 60% ao valor do imobilizado atualizado ao fim do ano I Temos, assim, 900 + 540. Além disso, temos um nôvo investimento de 190. Admitimos que êsse investimento tenha sido realizado no fim do ano II, de forma a não necessitar ser reajustado. (Se houvesse sido realizado durante o ano II, seu valor deveria ser reajustado da mesma forma que os estoques, de acordo com o tempo decorrido desde o investimento até o fechamento do balanço; se, por exemplo, êsse investimento nôvo houvesse sido realizado seis meses atrás, seu valor deveria ser acrescido de 30%.) Não sendo preciso reajustar o investimento nôvo, temos o seguinte imobilizado atualizado ao fim do ano II900 + 540 + 190 = 1 630.

• Depreciação - Temos apenas uma taxa de depreciação, 10%, que aplicaremos sôbre todo o imobilizado Claro que poderíamos ter diversas taxas de depreciação, de acordo com o tipo de imobilizado. Como não nos interessa apurar o lucro fiscal, poderíamos ter, inclusive, uma depreciação (mais lenta) sôbre o valor dos edifícios, embora a legislação brasileira não permita êsse tipo de depreciação. Na Emprêsa A, contudo, a fim de tornar mais simples o exemplo, estamos supondo que o imobilizado seja todo ele depreciável (dêle não constando terrenos, portanto) a uma taxa única. Passemos, então, ao cálculo da provisão para depreciação. Tomamos, inicialmente, a provisão do ano anterior, 110, e a atualizamos, acrescentando-lhe 60%, ou seja, 66. Em seguida, tomamos o imobilizado atualizado ao fim do ano I, 900, e aplicamos a taxa de depreciação de 10% (90). Finalmente, tomamos a atualização feita sôbre êsse imobilizado ao fim do ano II, 540, e aplicamos também a taxa de 10% (54). Temos, assim, a provisão para depreciação do ano I atualizada aos preços do fim do ano II, igual a 110 + 66, à qual devemos somar a depreciação correspondente ao ano II, que é igual a 90 + 54. Donde a depreciação de 110 + 66 + 90 + 54 = 320.5 5 ) A racional para êsse método de atualização da provisão para depreciação não pode ser plenamente apresentada neste trabalho, face a sua complexidade. Deixamo-la, reservada para um estudo à parte. Basta, por ora, salientar que êsse método de atualização visa a permitir que a provisão para depreciação cumpra sua finalidade, que é a de cobrir os gastos de reposição do equipamento depreciado.

• Exigível - Como no caso das contas a receber, convenhamos que o prazo médio de pagamento seja de 2 meses. O mesmo método de atualização das contas a receber deve ser aplicado ao exigível. Seu valor atualizado é menor que o contábil, porque, quando as contas hoje devidas forem pagas, estar-se-á pagando, na realidade, menos do que se êsse pagamento fôsse efetuado hoje. Na Emprêsa A temos o exigível contábil 150, do qual se devem subtrair 9% correspondentes ao prazo de 2 meses com uma inflação de 60%. Temos, assim, 150 - 13, 5 = = 136, 5. Note-se que, como o prazo de recebimento nas contas a receber é igual ao de pagamento nas contas a pagar, e como o valor contábil de ambas as contas é também igual, nesse exemplo a perda de uma compensa o ganho de outra.

• Patrimônio - Para obter o patrimônio atualizado ao fim do ano II basta aplicarmos a fórmula da equação A:

Pt2p2 = At2p2 - Et2p2

Pt2p2 = 1 666, 5 - 136, 5

Pt2p2 = 1 530.

• Lucro Real Atualizado - É obtido através da aplicação da equação B. Para obtermos o patrimônio do fim do ano I aos preços do fim do ano II, Pt1p2, bastará adicionarmos ao patrimônio atualizado no fim do ano I a taxa de inflação de 60%, de forma a sabermos quanto deveria valer o patrimônio no fim do ano II para simplesmente conservar o poder aquisitivo que possuía no fim do ano I. O patrimônio atualizado no fim do ano I era de 900. Donde podemos inferir:

Pt1p2 = 900 + 540 = 1 440.

Logo, voltando à equação B :

Lt2p2 = 1 530 - 1 440 = 90.

No caso da Emprêsa A, portanto, o lucro real atualizado foi de 90, contra o lucro contábil de 180.

EFEITOS DA INFLAÇÃO SÔBRE O LUCRO REAL

Tivemos, pois, um lucro real inferior ao lucro contábil. Pergunta-se agora: poderá o lucro real ser maior que o contábil? Poderá o lucro contábil transformar-se em prejuízo real? Que fatores afetam mais diretamente o processo de atualização do lucro contábil? Em outras palavras: feita a apuração de um lucro contábil, que fatores determinarão seja o lucro real atualizado um pouco menor, muito menor, negativo (prejuízo), ou, então, um pouco maior do que êsse lucro contábil?

Do método geral apresentado de atualização do balanço e apuração do lucro (que cada emprêsa deverá adaptar de acordo com suas necessidades) já seria possível deduzir algumas conclusões gerais, à guisa de respostas a essas perguntas. Antes, no entanto, queremos apresentar mais dois exemplos, os das Emprêsas B e C, cujas demonstrações financeiras aparecem nos Quadros 2 e 3. Em ambas o lucro contábil e o patrimônio atualizado no fim do ano I são iguais aos da Emprêsa A. Portanto, a própria taxa de lucro sôbre o patrimônio é igual nos três exemplos. Da mesma forma, as taxas de inflação (anterior e prevista), a rotação de estoque, o prazo médio de pagamento do exigível e o de recebimento do realizável, e a taxa de depreciação, enfim, tôdas essas variáveis são constantes nos três exemplos. A despeito disso, enquanto na Emprêsa A o lucro real atualizado é um poüco menor do que o lucro contábil (90 contra 180), na Emprêsa B não se verifica lucro algum, mas sim prejuízo real atualizado de 96; finalmente, na Emprêsa C o lucro real atualizado é de 223, 5, maior, portanto, que o lucro contábil.



Como explicar tais variações, quando tantos fatores são constantes? Face aos exemplos apresentados, não é difícil a solução do problema. Observe-se, inicialmente, a estrutura dos balanços das Emprêsas A e B. Atenda-se à proporção em que aparecem as contas estratégicas. A relação entre as contas a receber e o exigível é, também, a mesma em ambas as emprêsas; mas, enquanto que na Emprêsa A o imobilizado é várias vêzes maior que as contas a receber, na Emprêsa B acontece justamente o contrário. Ora, enquanto o imobilizado não sofre as conseqüências da inflação (a não ser no que se refere à depreciação), valorizando-se à medida que ocorre o processo inflacionário (o mesmo é verdade com relação aos estoques, embora em menor proporção), as contas a receber e o caixa sofrem, diretamente, o impacto da desvalorização da moeda. Não há nenhuma valorização automática. Em relação às contas a receber há, pelo contrário, uma perda de substância em função da inflação futura. A emprêsa que possuir maior proporção de contas a receber do que de imobilizado terá, necessàriamente, de sofrer mais que a emprêsa em que ocorra o inverso.

Vejamos agora as Emprêsas A e C. No fim do ano I são idênticos os balanços de ambas. Os fundos obtidos no ano II, devido ao lucro, à depreciação e ao aumento do exigível, também são os mesmos. Êsses fundos, porém, são aplicados diferentemente. Enquanto que na Emprêsa A o equilíbrio entre as contas a receber e o exigível é mantido, na Emprêsa C reduzem-se, drasticamente, as contas a receber. Os fundos ali aplicados são desviados para estoques. E o caixa, ao invés de aumentar de um ano para outro, permanece o mesmo. Dessa forma, enquanto nos respectivos balanços contábeis do ano II a Emprêsa A possui 190 investidos em caixa e contas a receber, a Emprêsa C possui apenas 20. Ora, os fundos aplicados nessas duas contas, particularmente nas contas a receber, sofrem diretamente com a inflação, de sorte que a Emprêsa C, com poucos recursos aplicados nessas duas contas, é nesse ponto menos prejudicada pela inflação.

Por outro lado, o exigível da Emprêsa C no fim do ano II é bem maior que o da Emprêsa A, tornando-se muito maior do que as contas a receber e o caixa. Dessa maneira, a Emprêsa C transfere para seus credores o ônus da inflação, operando com grande proporção de capital de terceiros, e, ao mesmo tempo, quase impede totalmente que seus clientes façam o mesmo com ela, praticamente não os financiando para vender. Além disso, a Emprêsa C, como a A, e diferentemente da B, possui grande parte de seus recursos imobilizados ou em estoque. O resultado dessa conjugação de fatores favoráveis é que a Emprêsa C acaba por apresentar um lucro real atualizado superior ao próprio lucro contábil. Êsse é, sem dúvida, um caso bem menos típico que os das Emprêsas A e B, mas não padece dúvida de que possa ocorrer, especialmente em relação às emprêsas que tenham por norma efetuar compras a prazo e vendas a vista.

RELAÇÕES TÍPICAS ENTRE LUCRO REAL E LUCRO CONTÁBIL

Partindo dos três exemplos acima analisados, podemos formular algumas regras de comportamento típico das relações entre o lucro real atualizado e o lucro contábil. Vamos supor que êste último seja dado e que desejemos tão-só verificar que variáveis deverão determinar quanto haverá de sofrer êsse lucro contábil devido à inflação. Podemos, então, constatar:

• Quanto maior fôr o imobilizado em relação às demais contas do ativo, e permanecendo constantes as demais variáveis, tanto menos será afetado, negativamente, o lucro contábil.

• Quanto maior fôr o estoque em relação às demais contas do ativo, exceto o imobilizado, tanto menos será afetado, negativamente, o lucro contábil.

• Quanto maior fôr o exigível em relação às contas a receber, tanto mais será afetado, positivamente, o lucro contábil. Isoladamente, êsse será, inclusive, um fator que levará o lucro real atualizado a ser maior que o lucro contábil.

• Quanto menor fôr a rotação de estoque, tanto maior tenderá a ser a reavaliação do estoque e, portanto, tanto menos será afetado, negativamente, o lucro contábil.

Esta generalização salienta bem que estamos apenas estabelecendo as relações entre o lucro contábil e o real. Não estamos, em absoluto, sugerindo meios de maximizar lucros no regime inflacionário. É claro que não se pode deduzir desta regra que as emprêsas devam procurar reduzir sua rotação de estoque. Em geral, qualquer boa administração deverá, pelo contrário, procurar aumentar o mais possível sua rotação de estoque a fim de maximizai seu lucro. O que esta regra sugere é que, para se obter determinado lucro real atualizado, uma emprêsa que tenha rotação de estoque muito grande deverá ter maior lucro contábil do que uma emprêsa que tenha rotação de estoque menos rápida.

• Quanto mais longo fôr o prazo de recebimento das contas a receber, tanto mais será afetado, negativamente, o lucro contábil.

• Quanto mais longo fôr o prazo de pagamento das contas do exigível, tanto mais será afetado, positivamente, o lucro contábil.

Tôdas as recíprocas dessas regras são válidas. Insistimos, todavia, que tôdas essas conclusões são de interêsse somente para a análise financeira; não indicam a forma de aplicação dos recursos. Em nenhum momento quisemos sugerir que a emprêsa, para defender-se da inflação, devesse procurar imobilizar ao máximo seus recursos, tomar o mais possível emprestado, ou estocar o mais possível. Imobilizar ou estocar são - não se contesta - medidas que dão mais segurança à emprêsa no regime inflacionário. Mas, a imobilização excessiva pode ser improdutiva; estocar sem necessidade implica, por via de regra, em uma série de despesas (armazenagem, juros do capital empatado, compras, seguro), sem contribuição dos recursos aplicados para a expansão da emprêsa. Fazer uso intensivo de financiamentos é, outrossim, uma defesa típica contra a inflação; é preciso, não esquecer, entretanto, os juros que tal prática sói acarretar. Em nosso método de atualização do balanço e apuração do lucro, estamos supondo que os juros das contas a pagar e das contas a receber já tenham sido pagos ou, então, estejam nelas incluídos. No momento em que a emprêsa venha a contrair novos empréstimos, porém, êsse problema é de suma importância.

Em resumo, imobilizar, estocar e obter financiamentos são meios de defesa contra a inflação, cujo emprêgo não pode ser indiscriminado. Uma emprêsa que se valha excessivamente de recursos tais como a imobilização, a estocagem e o uso de financiamento pode apresentar um lucro real atualizado maior que o lucro contábil. Outra emprêsa de idêntico capital, por seu turno, aplicando seus recursos mais equilibradamente, poderá apresentar lucro real atualizado menor que o contábil. Não será de estranhar, porém, se o lucro contábil da primeira fôr bem menor do que o da segunda, isto é, se o lucro real da primeira fôr menor que o real da segunda. Por exemplo: a primeira emprêsa apresenta o lucro contábil 20. Sucede que os administradores dessa emprêsa realizaram uma política de imobilização, estocagem e financiamentos excessivos, com sacrifícios das vendas a prazo. Atualizando-se os balanços, apurou-se o lucro real 25, maior, portanto, que o lucro contábil. Em contraposição, a segunda emprêsa, realizando política mais moderada de imobilização, estocagem e financiamento, e equilibrando melhor a aplicação de seus recursos, obteve o lucro contábil 100. A apuração acusou o lucro real atualizado 80, menor, portanto, que o lucro contábil, mas muito mais compensador que o alcançado pela primeira emprêsa (80 contra 25), cujo lucro real era maior que o contábil.

CONCLUSÕES

Em suma, a utilidade do método que acabamos de apresentar é a de orientar a atualização dos balanços e a apuração do lucro real no regime inflacionário. Sua eficiência, como já frisamos, depende do cuidado com que seja adaptado às condições de cada emprêsa. O uso de taxas múltiplas de inflação, especialmente para atualizar os estoques e o imobilizado, é altamente aconselhável. As demais contas poderão ser atualizadas através do índice geral de preços, como o calculado pela Fundação Getúlio Vargas.

Quanto às regras gerais retroapresentadas cumpre-nos ressalvar, mais uma vez, serem elas úteis para análise financeira anterior ao cálculo efetivo do lucro real atualizado. Elas nos permitem afirmar, por exemplo, que uma emprêsa que possua imobilizado e estoque pequenos, em relação à caixa e às contas a receber, ou que possua fundos em caixa e contas a receber maiores que o exigível, deverá apresentar maior lucro contábil que outra emprêsa em que aquelas relações sejam inversas, para que ambas apresentem um lucro real atualizado igual. Para orientar a aplicação dos recursos de uma emprêsa, porém, é muito pequena sua utilidade. Nada nos assegura que quanto maiores forem o imobilizado, os estoques e o exigível de uma emprêsa, tanto maiores hajam de ser seus lucros reais; podemos apenas dizer que, nesse caso, mais favorável será a relação entre o lucro contábil e o real; dado um lucro contábil, o lucro real poderá, inclusive, ser maior. Mas, é bem possível, que sendo o lucro contábil pequeno, o lucro real, ainda que maior, também seja pequeno, enquanto que, com a aplicação mais equilibrada dos recursos, embora o lucro real se apresente menor que o contábil, talvez possa ser ainda bem maior que o obtido no primeiro caso.

  • 1) A esse respeito foram, recentemente, publicados no Brasil dois trabalhos que merecem ser consultados: M. R. Epps, A Atualização da Contabilidade Face à Desvalorização Monetária, RAE, vol. 3, n.ş 8, maio-agôsto de 1963;
  • e Arthur Anderson & Co., A Medição de Lucros em Uma Economia Inflacionária, São Paulo, 1963.
  • Nos Estados Unidos um clássico no assunto é P. Mason, Price-Level Changes and Financial Statements, Basic Concepts and Methods, American Accounting Asscciation, 1956.
  • 2) Vide Conjuntura Econômica, Fundação Getúlio Vargas, primeiro quadro dos "Índices Econômicos Nacionais".
  • 1
    ) A esse respeito foram, recentemente, publicados no Brasil dois trabalhos que merecem ser consultados: M. R. Epps,
    A Atualização da Contabilidade Face à Desvalorização Monetária, RAE, vol. 3, n.º 8, maio-agôsto de 1963; e Arthur Anderson & Co.,
    A Medição de Lucros em Uma Economia Inflacionária, São Paulo, 1963. Nos Estados Unidos um clássico no assunto é P. Mason,
    Price-Level Changes and Financial Statements, Basic Concepts and Methods, American Accounting Asscciation, 1956.
  • 2
    ) Vide
    Conjuntura Econômica, Fundação Getúlio Vargas, primeiro quadro dos "Índices Econômicos Nacionais".
  • 3
    ) Se a perda é de 37, 5%, conservamos 62, 5% do valor das contas a receber. Podemos, portanto, construir a seguinte proporção que nos ajuda a compreender a perda de 37, 5%: 100 hoje estão para 160 daqui a um ano assim como 62, 5 hoje estão para 100 daqui a um ano.
  • 4
    ) Sempre para simplificar, estamos supondo que a inflação seja "homogênea e em linha reta". Assim, se a taxa de inflação durante o ano é de 60%, a taxa correspondente a um mês seria de 60%/12=5%; a correspondente a dois meses, de 10%, e assim por diante. Para não complicar os cálculos não consideramos a natureza cumulativa da inflação.
  • 5
    ) A racional para êsse método de atualização da provisão para depreciação não pode ser plenamente apresentada neste trabalho, face a sua complexidade. Deixamo-la, reservada para um estudo à parte. Basta, por ora, salientar que êsse método de atualização visa a permitir que a provisão para depreciação cumpra sua finalidade, que é a de cobrir os gastos de reposição do equipamento depreciado.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1964
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br