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O Enead e o futuro administrador

NOTAS & COMENTÁRIOS

O Enead e o futuro administrador

Marcelo Fregonesi Spínola

Aluno no Curso de Graduação de Administração de Empresas da EAESP/FGV; representante da sede regional -SP no Enead

A partir da desorganização e esvaziamento da UNE e seu congresso, vitimado pela repressão policial e politica dos últimos negros anos de regime militar, os encontros de área surgem para suprir a carência de um relacionamento acadêmico democrático e instrutivo. A falência de uma entidade que há anos significou a luta dos estudantes frente aos mais diversos temas nacionais -o petróleo é nosso, reformas de base, anistia - e temas mais específicos - qualidade de ensino, ensino público e gratuito abriu espaço para a única forma de discussão e relacionamento estudantil: os encontros de área. Nesse sentido aparece pela primeira vez em 1974, em Salvador, o I Encontro Nacional dos Estudantes de Administração (Enead), de forma mais organizada e anual, pois até então os encontros eram realizados com poucos estudantes de poucas faculdades e de forma irregular.

Os encontros tinham como objetivo a integração entre os alunos das diversas faculdades do Brasil, com base na troca de experiências sobre distintas realidades: regionais, acadêmicas, culturais e profissionais. As discussões eram sobretudo acadêmicas, mas tinham como pano de fundo a participação critica, politica, econômica e social do estudante.

Nos encontros eram estabelecidas regras que visavam a assegurar mecanismos democráticos na participação, voz e voto de cada um. Existia e existe um regimento que, ao passar dos encontros, vem sendo adequado à realidade e aos objetivos citados. O regimento estabelece uma secretaria executiva - Comissão Executiva Nacional das Entidades de Adm. (Cenead) -, eleita anualmente que visa a integração e organização das entidades de administração, além do apoio à sede do encontro anual.

Como terceira instância de deliberação há a Secretaria Nacional das Entidades de Administração (Senead), que tem representantes de cada regional (Estado) e promove no mínimo cinco reuniões ao longo do ano; a segunda instância é o Conselho Nacional das Entidades de Administração (Conead) - cada diretório ou centro acadêmico das faculdades -, que discute temas de interesses variados; e a primeira instância de deliberação é a Plenária Final, onde cada estudante de administração presente ao encontro tem direito a voz e voto. Esses e outros mecanismos asseguram uma real participação democrática.

O Enead-1987, realizado em Bauru, estado de São Paulo, contou com a presença de 500 estudantes de 48 faculdades de 20 estados. Pecou, como vários outros encontros realizados anteriormente (exceção ao de Belo Horizonte em 1986 - 1.250 estudantes), na organização logística do encontro, mas fora esse problema talvez até inerente à organização estudantil, de caráter amador, teve seus objetivos preservados na organização das palestras e na elaboração de um novo regimento.

A estruturação desse regimento, que assume a postura democrática descrita anteriormente, ficou a cargo de uma comissão que logo após a submeteu à apreciação do Conead e, posteriormente à Plenária Final. Foram exemplos de convivência politica democrática. Foi um verdadeiro clima de "assembléia nacional constituinte" que, ao final, assegurou a todos uma democracia participativa.

No contexto das palestras, aliás, o ponto alto na organização do encontro, foram abordados temas gerais, mas de vital importância, tanto para o estudante como para o profissional. Ao se tratar dos temas houve a preocupação de se dar ao estudante um referencial do que se espera do administrador do futuro: uma visão técnica aliada a uma profunda percepção da realidade política e social, princípios básicos de um administrador plural. Assim, temas como "implementação de uma nova politica de recursos humanos"; "cooperativismo"; "administração rural"; "administração pública e participação popular"; "revisão curricular e os outputs esperados"; "tecnologia apropriada: amiga ou inimiga oculta?"; "administração: criação ou adaptação"; "o marketing adaptado à realidade brasileira"; e "a atuação do Conselho Regional e Federal e Sindicato de Administração", demonstraram ao estudante e profissional a necessidade de uma prática alternativa que considere como efetivamente democrática a participação popular na administração pública; que estabeleça uma distinção entre a criação de novas organizações no trabalho, verdadeira forma de se administrar, ea adaptação de pacotes alienígenas à nossa realidade; que contemple o cooperativismo como solução comunitária e verdadeiramente democrática para o "crescimento" do pequeno produtor frente à concorrência monopolística das grandes empresas; que se preocupe com a tecnologia apropriada às características ambientais e culturais da nossa sociedade, não poluindo nossos rios, não extraindo nossas riquezas até a exaustão e não nos deixando doentes; e, principalmente, que seja, acima de tudo, um gestor.do trabalho, e não do capital, preocupando-se em primeiro lugar com a formação dos recursos humanos da empresa.

É ilusão, porém, achar que nos encontros reine o mais absoluto paraíso; existem, é claro, brigas, discussões, coações físicas, incompetência e paternalismo, herança cultural ainda presente no movimento\estudantil e na sociedade brasileira. Todavia tais práticas subdesenvolvidas vêm sendo aos poucos exorcizadas.

No bojo da falência das entidades políticas estudantis tradicionais, o Enead deverá continuar crescendo, na rota da confraternização e do relacionamento cooperativo entre os estudantes de administração. As festas, as músicas, as bebedeiras, os namoros, a alegria exibida diante de cada novo contato ou descoberta pessoal integrarão no futuro a nostalgia dos tempos da vida universitária. E, mais do que isso, tais encontros poderão fertilizar a formação de uma aliança sólida e duradoura entre os companheiros que deles participam, hoje como defensores das boas causas, amanhã como agentes de um novo meio.

NOTA

O artigo A "nova" riqueza e a gestão dos recursos produtivos, de Ramon Moreira Garcia, foi publicado no nº 2/87 com incorreções. A Editora/FGV pede desculpas ao autor, à Redação e aos leitores, e republica os trechos corretos.

Página 18, segunda coluna, quarto parágrafo: Nessa nova ordem, ser rico significa incorporar, materialmente e espiritualmente, os símbolos característicos, verdadeiros ou falsos, dos objetos de maior fascinação. Internalizar o "poder dos objetos".

Página 19, primeira coluna, terceiro parágrafo: Em primeiro lugar, assumir que a pluralidade é uma situação objetiva e real.(...)

Página 20, segunda coluna, segundo parágrafo: (...) Constitui, não rigorosamente, uma "metafísica", mas, propriamente, uma "patafísica" ou "(...)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1987
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