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Compra e estoque de peças para manutenção

ARTIGOS

Compra e estoque de peças para manutenção

Kurt E. Weil

Professor-Adjunto do Departamento de Administração da Produção, da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

"O único Deus racional é o acaso." - ALBERT CAMUS

Grande preocupação da administração financeira, na maioria das emprêsas, é procurar restringir o investimento em estoques de matérias-primas, suprimentos e produtos acabados. O controle rígido exercido sôbre êsses tipos de estoques é, entretanto, raramente estendido aos estoques de peças de reposição, embora a imobilização de capital para manutenção possa ser considerável quando peças sobressalentes custosas são mantidas nas prateleiras das oficinas para enfrentar situações de emergência.

Êste artigo procura apresentar, sem excessivas complicações matemáticas, os conceitos básicos que podem auxiliar o administrador a encontrar o nível racional de estoque de peças sobressalentes.

Os custos fundamentais que entram em jôgo e agem em sentidos opostos são, de um lado, os custos de armazenamento e os juros do capital imobilizado na estocagem das peças; e, de outro, os custos decorrentes da interrupção da produção.

Os custos de armazenamento e os juros do capital imobilizado em estoque agem, no caso de peças de reposição, exatamente como para os estoques de matérias-primas; a sua determinação é estudada em artigos que tratam do lote econômico de compras.(1 1 ) Vide: CLAUDE MACHLINE, Inflação e Lote Econômico de Compra, Revista de Administração de Empresâs, maio de 1961, vol. I, n.º 1, págs. 17 a 33; WOLFGANG SCHOEPS, A Determinação da Quantidade Econômica de Compras Industriais, IDORT, vol. XXVII, ns. 327 e 328, págs. 19 a 21; e IVAN DE SÁ MOTTA, A Prática do Lote Econômico, Revista de Administração de Empresâs, dezembro de 1965, vol. 5, n.º 7, págs. 127 a 148. ) O custo de interrupção da produção, por sua vez, é constituído das despesas correspondentes ã mão-de-obra parada, ao equipamento ocioso, ao prazo de entrega adiado e à própria perda ocasional da encomenda, quando não do cliente. Acresce, ainda, ao custo de interrupção a oportunidade perdida de obter rendimento durante o tempo da parada (ou do lucro cessante). É claro que intervém nesse problema um elemento de risco, pois a quebra de uma peça é acontecimento sujeito às leis do acaso. Portanto, a probabilidade de quebra é um terceiro conceito importante na formulação do problema em foco. Examinaremos sucessivamente os diversos métodos de manutenção, o que nos permitirá definir com maior precisão as situações em que ocorrem os tipos de problemas que estudamos neste trabalho. Veremos depois o que se pode fazer para prever a duração das peças e para calcular o lucro cessante e os demais custos de interrupção da fabricação. Através de exemplos, ilustraremos o emprêgo de duas fórmulas muito simples que permitem calcular a conveniência de comprar peças de reposição. Concluiremos passando em revista outras situações mais complicadas no campo da estocagem de peças de reposição.

MANUTENÇÃO PREVENTIVA E MANUTENÇÃO DE EMERGÊNCIA

Os dois tipos de manutenção mais conhecidos são a manutenção preventiva e a manutenção corretiva (ou de emergência). A manutenção preventiva não cria problemas de estocagem. É uma operação do departamento de produção que faz parte do plano-mestre: no plano de produção (mensal ou anual) são reservados períodos para a manutenção preventiva das máquinas. Durante êsses períodos substituem-se peças, mesmo que ainda em funcionamento aparentemente normal, para evitar quebras "de surprêsa" que provocariam manutenção de emergência. Essas peças, conseqüentemente, podem ser adquiridas dentro de um esquema de compra, para a data exata de consumo. Numa emprêsa bem administrada a incidência das horas de parada é tão bem planejada quanto as revisões de um avião de carreira, onde as peças são substituídas antes de seu colapso. Nos aviões os fabricantes e as autoridades internacionais fixam as horas máximas de serviço de cada peça; sua vida pregressa é registrada num diário para o conhecimento dos chefes de manutenção. O mesmo acontece no caso de motores estacionários, de compressores, de caldeiras e de instalações de iluminação.

Para exemplificar, as correias em "V" de um acionamento por polia esticam-se com o tempo e devem ser substituídas periodicamente. As retiradas em condições de ainda serem usadas são guardadas para a manutenção de emergência ou, então, para acionar máquinas auxiliares, como, por exemplo, máquinas de afiar. As correias destinadas à manutenção preventiva podem ser compradas exatamente para a data prevista da substituição; as destinadas à manutenção de emergência devem ser adquiridas com antecedência e deixadas em reserva.

É bem conhecido o fato de que, em se tratando de lâmpadas incandescentes de iluminação, é mais econômico, nas áreas grandes e de difícil acesso aos eletricistas, proceder à substituição preventiva de todos os bulbos, queimados ou não, após determinado número de horas de uso, digamos, novecentas horas, do que ir substituindo corretivamente as lâmpadas queimadas. As lâmpadas boas que então forem retiradas passarão a ser aproveitadas em pontos de mais fácil acesso aos eletricistas, onde a substituição por emergência não seja problemática.

É essencial observar que a manutenção preventiva nunca elimina completamente as ocorrências imprevistas em que a manutenção de emergência se torna necessária. As peças aparentemente mais seguras quebram nos momentos mais imprevistos. Assim, num simpósio sôbre manutenção realizado no início dêste ano em São Paulo, o gerente de uma fábrica nacional de pneumáticos citou o caso de uma calandra que vinha trabalhando desde 1927. Estando gasta, foi substituída em 1966. A calandra substituta quebrou inesperadamente no primeiro mês de uso.

Observemos que os transtornos causados por uma falha do equipamento são mais graves entre nós do que nos países altamente industrializados. Nos Estados Unidos da América e na Europa grandes rêdes de distribuição de peças são mantidas pelos fabricantes e o serviço de entregas rápidas consegue atender até em menos de 24 horas. Nos Estados Unidos da América uma emprêsa de aparelhos de registro e controle de constantes físicas destinadas à indústria química fornece dentro de 24 horas, na porta da fábrica, um aparelho de substituição, enquanto durar a manutenção ou o consêrto de um aparelho que esteja sendo retirado da linha. No Brasil tal não acontece. Muitas vêzes peças são importadas do país de origem da máquina por via aérea, perdendo-se depois preciosos dias na regularização da documentação. Outras vêzes tais peças precisam vir como "bagagem", pagando-se altas taxas alfandegárias, pela urgência de consêrto da máquina. O único problema realmente comum entre os países de rêde de distribuidores adiantados e o Brasil é o da estocagem de peças para máquinas não mais produzidas.

CUSTOS DE ESTOCAGEM

Os custos de estocagem, que não discutiremos minuciosamente, refletem as despesas de armazenamento, as taxas de seguros e os juros sôbre o investimento. Nêles também se incluem os riscos de obsolescência, isto é, os possíveis prejuízos decorrentes do fato de que a peça de reposição nunca chegue a ser usada, sendo a máquina retirada do serviço antes de ocorrer a quebra dos seus componentes.

A obsolescência das máquinas às quais se destinam as peças sobressalentes é evento mais raro no Brasil do que nos países de tecnologia avançada. Uma peça pode ser comprada numa emergência, nunca ser usada e finalmente ser vendida junto com a máquina, destinando-se a nova espera, agora em segunda mão, ou indo para a sucata. Muitas emprêsas que não fazem limpeza periódica de seü almoxarifado possuem estoques de peças de máquinas não mais usadas. Encontram-se também, abandonadas, peças para máquinas que falharam por outros motivos, deixando sem uso todos os componentes adquiridos preventivamente para as ocorrências mais previsíveis.

Às vêzes, os próprios sobressalentes tornam-se obsoletos, devido aos progressos da técnica. Assim, o aparecimento de plásticos do tipo "Teflon" permite usos industriais que estavam anteriormente fechados às resinas sintéticas, por exemplo, na confecção das partes móveis de válvulas. Em virtude de sua resistência química e ao fato de não "engripar", as válvulas feitas dessa nova substância deslocaram completamente as válvulas antigas, pois o custo da inversão, apesar de elevado, é menor do que os custos de parada e de perdas por vasamento.

LUCRO CESSANTE

O lucro cessante - causado, por exemplo, pela paralisação de tôda a fábrica por ter sido destruída por um incêndio - é relativamente fácil de calcular. Também se conhece aproximadamente a perda proveniente da parada de uma linha inteira de fabricação. Nesses casos o lucro cessante é uma fração do faturamento perdido.

O lucro cessante devido à parada de uma só máquina é muito mais difícil de aquilatar. Suponhamos que uma retifica empregada na usinagem de gira-brequins tenha quebrado. A impossibilidade de usinar gira-brequins impede a montagem do motor a explosão do qual o gira-brequim faz parte. Sem motores, a linha de montagem dos veículos será paralisada. Durante algum tempo, as linhas de submontagem e estamparia poderão continuar a produzir, para depois serem obrigadas a parar, pois os estoques criados seriam superiores à capacidade dos armazéns. Já a ausência de um acessório causará interrupção cujo custo será mais fácil de calcular. O lucro cessante será apenas o juro do capital não recebido em virtude da falta de venda. Quando, numa indústria automobilística, milhares de carros ficaram no pátio à espera de limpadores de pára-brisa, foi fácil calcular o lucro cessante. Se a emprêsa estipular o preço de Cr$ 4.000.000 por carro (preço para revendedor) e se houver durante um mês o estoque médio acumulado de 2.000 carros à espera de peças, com uma taxa de juros de 3% ao mês, haverá um lucro cessante de:

2.000 X 4.000.000 X 3% = Cr$ 240.000.000.

Nesse caso, não há outras perdas, pois a linha de montagem não fica parada por falta de um limpador de párabrisa, que poderá ser colocado posteriormente, no pátio.

O cálculo do lucro cessante pode ser realizado pelo procedimento ilustrado no QUADRO 1.


DURAÇÃO DAS PEÇAS

Clàssicamente se dividem os problemas em dois grupos: aquêles nos quais são conhecidos dados sôbre a falha com o tempo e outros em que isso é desconhecido. Na última hipótese pode ocorrer que a máquina ou o produto sejam de invenção recente ou esteja nêles sendo utilizada matéria-prima nova.

A probabilidade de um acontecimento é conhecida pelas estatísticas de ocorrências anteriores. Dentro de grandes emprêsas existem dados próprios, mas outras vêzes há necessidade de recorrer ao fabricante, e êste muitas vêzes hesita em querer dar uma probabilidade de quebra para sua máquina especialmente no primeiro ano de vida. Mas como tal normalmente é coberto pela garantia, manter a peça em estoque se torna pouco essencial, pois se espera que, dentro da garantia, o fabricante vendedor trabalhe depressa no consêrto para que o prejuízo seja mínimo. A emergência, por exemplo, da falta de energia elétrica no sistema São Paulo-Rio de Janeiro é uma ocorrência periódica, dependendo do ciclo solar de 11 anos. Foi prevista e realmente aconteceu em 1942, 1953 e 1964, atingindo o coração industrializado do Brasil. Tal como fêz JOSÉ quando no Egito tomou prvidências após ter previsto os sete anos de vacas magras, o industrial pode comprar geradores antes do ano da falta prevista e do conseqüente racionamento.

COMPRA E ESTOQUE DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO

A manutenção de u'a máquina vital à produção necessitará desde o início de sua vida produtiva útil, um estoque de peças de reposição? Pela parada dessa máquina é possível esperar a cessação de lucros e prejuízos pelo não aproveitamento de máquinas subseqüentes e da mão-deobra. O comprador e o chefe de manutenção, que devem tomar a decisão sôbre a estocagem de reposição, devem conhecer o montante do prejuízo a esperar:

a) pela parcela do lucro não realizado (cessante);

b) pela parcela das despesas desnecessárias e custos fixos não aproveitados pela parada.

Com o valor do prejuízo total, por período, pode o comprador calcular se, na expectativa de um defeito eventual, êle deve ou não estocar certas peças dispendiosas de reposição. A literatura mostra métodos diferentes para proceder a uma decisão dêsse tipo. O problema é visto sob o ângulo da Engenharia Econômica por ENEVOLDSEN(2 (2 ) J. C. ENEVOLDSEN, Stocking of Capital Spares, Pulp and Paper Magazine of Canada, vol. 66, n.º 1, janeiro dé 1965, págs. 76 e 77. ) e ELGEE(3 (3 ) H. ELGEE, Investing in Major Spare Parts, Chemical Engineenng, 13 de setembro de 1965, págs. 218 a 224. ).

ENEVOLDSEN sugere diminuir o custo do elevado investimento em peças de reposição grandes e caras, criando cooperativas de emprêsas necessitadas dos mesmos sobres salentes. Um único depósito comum é mantido por todos. Seria, para exemplificar, como se tôdas as emprêsas da Baixada Santista e de Cubatão (SP) - Petrobrás, Light, Cosipa, Koppers etc. - estivessem concordes em manter um armazém em condomínio para a reposição das peças mais caras repetidas em tôdas as emprêsas. Um exemplo seria um motor elétrico de 100 CV de determinada rotação.

Não acreditamos que a proposta de ENEVOLDSEN, formulada para o limitado âmbito da indústria de papel, possa ser aplicada geralmente. A existência de muitas emprêsas faz aparecer o revendedor na função de armazenador. E onde não existe o estoque do revendedor isso ocorre por falta de mercado, isto é, por falta de suficientes emprêsas com as mesmas necessidades que possam justificar a instalação de representantes de fornecedores industriais. E nesse caso também é escasso demais o número de emprêsas que possam formar uma cooperativa.(4 (4 ) Um dos principais problemas de emprêsas instaladas em certas zonas do interior do Nordeste, atraídas pela SUDENE, são os altos custos de manutenção e de estoques, por falta da presença do distribuidor ou revendedor industrial. )

ELGEE aplica a Engenharia Econômica clássica ao investimento em peças de reposição. Compara-as com investimentos de produtividade e lucro aceitáveis pela emprêsa. Para poder realizar êsse estudo recorre a dados estatísticos sôbre a aplicação das peças sobressalentes e a freqüência de seu emprêgo. Chega assim ao tempo médio de uso de certa peça, por máquina estudada. A partir disso conclui pela entrada em serviço após o decurso de um tempo médio. Para a apuração dos dados estatísticos usa um computador.

Para calcular o rendimento de um investimento feito em peça sobressalente emprega ELGEE a fórmula comum de Engenharia Econômica

onde C = custo da peça de reposição;

S = economia líquida no futuro;

n = período de tempo entre a compra e o uso do sobressalente;

i = taxa de juros necessária para igualar a economia líquida futura ao custo atual da peça sobressalente.

Nota-se, portanto, que a fórmula é a do desconto, podendo-se usar tabelas para calcular com rapidez essa expressão. Caso seja conhecido o limite inferior de rendimento de capital permissível para uma emprêsa, ELGE E aconselha a seguinte fórmula, derivada da precedente, que permite calcular o tempo n dentro do qual a peça deva ser usada:

onde

i1 = taxa limite inferior de juros para investimentos;

i2 = taxa de juros do capital e custo da armazenagem.

Criticamos nesse sistema a impossibilidade de aplicá-lo quando é muito pequeno o número total de máquinas ou instalações para as quais as peças sobressalentes se tornam obrigatórias. E é o caso geral quando as máquinas - e, portanto, os sobressalentes - são dispendiosos. Então, os dados estatísticos da própria emprêsa não são significativos, por falta de amostra suficiente. Uma emprêsa que possua dois compressores poderá ter tido, após oito anos, uma falha de eixo após 2 anos nu'a máquina, não tendo falhado a reposição nos seguintes 6 anos, enquanto o outro compressor funcionou sem defeito desde o início das operações. Nenhuma conclusão é possível. Quando uma emprêsa mantém uma frota de 80 empilhadeiras ou 15 pontes rolantes ela pode, após alguns anos, tirar conclusões estatisticamente, mas, mesmo assim, com fortes restrições devidas à necessidade de trabalhar sempre com unidades comparáveis.

Preferimos portanto calcular pelo método do lucro cessante e prejuízo eventual. Suponhamos que uma instalação pare com a cessação de um lucro de Cr$ 800.000 diários. Operários ficam parados improdutivamente, com um prejuízo de Cr$ 300.000 (incluindo-se despesas sociais). Se fôr desconhecida a probabilidade de acontecer um defeito, justificar-se-á a aquisição de uma peça sobressalente que evite êste prejuízo, desde que o prazo de entrega dessa peça seja superior a um dia. Mas ELGEE aplica a Engenharia Econômica e, muito isoladamente, o eventual prejuízo, ignorando a probabilidade, pois trabalha sôbre a "certeza" dos dados do passado. Pelo critério de LAPLACE-BAYES - segundo o qual quando se ignora a probabilidade de ocorrência de cada um dos fatos de um grupo devem êstes ser considerados como igualmente prováveis -, é possível afirmar que uma falha é tão provável nu'a máquina como seu funcionamento, dentro de certo período, quando não se possuem dados do passado ou quando êstes são insuficientes. Assim devemos aplicar dados probabilísticos à decisão, mesmo que não disponhamos de conhecimentos prévios.

Como já foi mencionado anteriormente, apesar da hesitação de certas emprêsas em fornecer dados sôbre a probabilidade de quebra de componentes especialmente no primeiro ano (o ano da garantia) torna-se hoje bastante comum uma íntima colaboração entre fornecedor e comprador na preparação para eventualidades. As emprêsas que mantêm garantias possuem estatísticas, ao menos para o prazo da garantia, que infelizmente é o que menos interessa. Mas, apesar da existência de dados probabilísticos, mantém-se ELGEE completamente dentro da médias apuradas de vida útil, não se permitindo critérios de decisão sob risco ou incerteza. GALBRAITH afirma que o mundo de hoje é visivelmente orientado para a produção. Mas, quando aplicamos critérios de Engenharia Econômica ou Probabilística a peças de reposição, podemos prejudicar a produção. A Engenharia Econômica ainda dá números que parecem isentos de suposições, mas nenhum chefe de produção ou de vendas aceita desculpas em base de "probabilidade e risco" se, por êsse motivo, deixar de entregar produção ao freguês. Dificilmente entende que não entregar pode ser mais barato do que produzir quando, para tal, peças caras têm de ser estocadas por tempo pràticamente indeterminado.

ELGEE compara o rendimento do meio escasso, o dinheiro, nas diversas utilizações. Nós procuramos exclusivamente comparar o valor do investimento contra a eventual perda. ELGE E trabalha com dados do passado, estatisticamente apanhados. Nós procuramos no cálculo do valor do sobressalente aproveitar o risco ou a eventual probabilidade apurada sôbre a vida útil.

Há necessidade de raciocínio próprio para cada situação e cada tipo de emprêsa. Quando uma linha trabalha 24 horas, inclusive no fim da semana, é importante ter peças de reposição, mesmo quando há entrega imediata. A justificativa é o custo da parada durante a noite ou fim de semana. E a probabilidade é de 118 em 168 (em horas da semana) - ou seja, arredondadamente, de 70% - de acontecer um defeito estando o comércio fechado. E o defeito de sexta-feira pode dar, na ausência de sobressalente, um prejuízo de três dias de trabalho.

O comprador deve verificar constantemente se fornecedores, conscientes de um mercado de reposição existente na zona, não estão começando a estocar determinadas peças, facilitando a emprêsa a comprar no momento devido. Certas emprêsas, como a Eastman Kodak norte-americana, até costumam ter séries de anúncios que mostram como o departamento de vendas dêles atende mesmo aos feriados, quando se trata de um pedido de urgência. A regra geral - e, como sempre, com muitas exceções - é que o prazo de entrega diminui com o aumento da procura por zona. Entretanto, quando a procura sobe inesperadamente, o prazo faz o mesmo. Uma amostragem entre as peças e seus fornecedores, mantida em fichas, permite verificar se há necessidade de manter em estoque determinadas peças ou conjuntos. A amostragem consiste num processo de compra pro forma.

Da fórmula C = S = C (1 + i)n

tiramos o valor de S, a economia líquida no futuro. Igualando essa economia ao custo da paralisação adicionado ao custo do sobressalente, que de qualquer maneira deve ser comprado, temos:

C (1 + i)n = C + P,

onde P é o custo da paralisação e C é o custo do sobressalente.

Dessa maneira elementar, é possível o relacionamento.

Relacionamento de Dias de Fornecimento com Prejuízo Acumulado

Uma peça de reposição dispendiosa produz, quando necessitada e não existente dentro da emprêsa, um prejuízo de, pelo menos, o tempo preciso para o seu fornecimento. Contra êsse prejuízo eventual pode-se contar, de acordo com o critério de ELGEE, com um prejuízo certo. Quanto maior fôr o tempo de estocagem da peça sem uso, tanto maior será o custo anual acumulado da peça calculado por juros compostos.

Um exemplo tornará claro o procedimento a seguir num cálculo dêsse tipo. Seja uma peça, um conjunto ou um sobressalente no valor de Cr$ 8.000.000 para u'a máquina que trabalha 24 horas por dia e 7 dias por semana. O prazo de entrega é de 20 dias, incluindo-se os fins de semana. A taxa de rendimento de capital aplicado na emprêsa - isto é, a lucratividade - é 20%. O lucro cessante mais o prejuízo é igual a Cr$ 1.000.000 por dia.

Pelo cálculo verifica-se que vinte dias de parada darão um lucro cessante e prejuízo de Cr$ 20.000.000, mais o custo da peça de Cr$ 8.000.000. Fazemos agora um gráfico (GRÁFICO ÚNICO) que mostra em linhas horizontais o valor da peça em estoque (inclusive juros) em cada ano, e apresenta a linha de prejuízo num crescendo contínuo. Na realidade, essa linha de prejuízo deveria ter sido desenhada em escada, cada dia correspondendo a Cr$ 1.000.000. Mas tal não precisa ser feito para que se possa utilizar o gráfico, pois observa-se facilmente que pouco antes de completar 7 anos de juros - ou seja, quase 8 anos de posse - o prejuízo eventual pelos lucros cessantes é pràticamente igual ao valor do sobressalente acrescido dos juros capitalizados, se êsse sobressalente tivesse sido comprado junto com a máquina.


Uma primeira decisão pode ser tomada pelo comprador: há possibilidade de acontecer algo ao todo? Caso a resposta seja negativa, não se compra o sobressalente, pois a probabilidade de quebra está perto de zero. O grafico permite uma decisão relativa à compra de um conjunto de reserva quando o prazo de entrega diminui. A antecipação da entrega para oito dias dará uma soma de C + P de Cr$ 16.000.000, quantia que seria alcançada no fim do 4.º ano. Acima de quatro anos de estocagem, nesse exemplo numérico fica mais barato deixar a produção parar o tempo necessário para comprar o sobressalente, contrariamente à provável opinião de relações com os clientes do departamento de vendas.

A PROBABILIDADE DA EMERGÊNCIA

Para que não se tenha de trabalhar no escuro com a possibilidade de comprar uma peça ou um conjunto de reposição, somente após certo período, é que se empregam tabelas de probabilidade de defeito. Muitas emprêsas preferem levar prejuízos, mas entregar em dia seus produtos aos fregueses, mantendo estoques completos de sobressalentes. Por outro lado, nas emprêsas de serviço público não há, em muitos casos, possibilidade de atrasar ou parar um consêrto, donde resulta também a necessidade de manter estoques completos de sobressalentes.

Do QUADRO 3 é possível tirar, por exemplo, a inferência de que 65% dos conjuntos chegarão incólumes ao quarto ano, mas, a partir de então, pelo menos 61% serão atingidos pela necessidade de substituição, ou seja, 40 % do total inicial. Como no sexto ano, aparentemente, não resta nenhuma peça original que não tenha sido substituída, pode o comprador ter certeza de que êle deve comprar antes do 6.º ano. A pergunta que procuramos responder é "quando comprar?".


O fabricante conseguiu os dados da tabela pelo controle de todos os conjuntos de máquinas por êle fabricados. Quando a peça é substituída a máquina volta à estaca zero para fins de cálculo, pois a probabilidade recomeça.

Isso é válido quando a emprêsa possui uma ou poucas máquinas. Se possuir, entretanto, grande número delas, claro está que anualmente, no exemplo apresentado, 16,6% precisarão de reposição. Não há problema nesse caso, a não ser que haja uma acumulação (também calculável probabilisticamente) de defeitos no mesmo período. Essa coincidência não vai ser considerada neste artigo.

Também é necessário ressalvar o fato de que o GRÁFICO ÚNICO se aplica a uma só máquina. Duas máquinas necessitam de um sobressalente só; assim, o custo por máquina diminui a metade. Uma das grandes emprêsas de pneumáticos do Brasil emprega o sistema da peça de reposição em estoque, permanentemente, qualquer que seja o custo calculado, pois divide êste entre muitas máquinas. Assim, imediatamente após o uso, o sobressalente gasto é reposto no estoque. O interessante é que no custo da manutenção não se inclui o custo de "carregar" no inventário a peça instalada; êsse custo é atribuído ao estoque geral. A manutenção, assim, não se preocupa com o estoque. Podemos afirmar que nesse caso se aplica um juro de 0% ao capital empatado.

Finalmente, quando uma emprêsa possui muitas filiais ou muitas máquinas semelhantes ela pode, aplicando o critério de ENEVOLDSEN, procurar padronizar ou concentrar seus estoques de sobressalentes.

Desde que nenhuma dessas ressalvas tenha aplicação, deve-se procurar saber se a peça de reposição deve ser comprada e, no caso afirmativo, quando essa compra deverá ser efetuada. Se empregarmos em nosso exemplo o critério de LAPLACE , multiplicarmos a probabilidade de acontecer o defeito pelo lucro que advirá se não cessarem as atividades (sinal positivo +) e somarmos êsse produto à probabilidade de não acontecer o defeito multiplicado pelos juros (sinal negativo -) para chegar à expectativa de lucro ou prejuízo, observaremos que a soma das duas probabilidades será igual à unidade.

Comparem-se os valores

(1 - pn)C[(1 +i) n - 1] e pnP,

onde pn é a probabilidade de a peça quebrar no período n com um custo de paralisação P.

Empregamos a metodologia da análise incremental. Todavia, por os juros serem inevitáveis, não multiplicaremos os juros pelo complemento da probabilidade do prejuízo da paralisação.

ORIENTAÇÕES PARA O COMPRADOR

Concluímos que o comprador deve seguir o seguinte critério quanto à compra e à estocagem de peças de reposição que sejam custosas relativamente ao valor da máquina e da produção:

1.º) No ato da compra de qualquer máquina o comprador deve pedir uma lista de peças de reposição e informações quanto à probabilidade de usá-las de acordo com a experiência do fornecedor. Se de todo não fôr possível conseguir tal lista, deve tentar conhecer essa probabilidade pela estimativa dos engenheiros de manutenção da própria emprêsa ou de emprêsas congêneres. Em última hipótese, pede aplicar o critério de LAPLACE-BAYES (50 % de falha).

2.º) De comum acordo com técnicos de custo, o comprador deve calcular lucros cessantes e prejuízos eventuais pela parada da máquina.

3.º) Ouvido o engenheiro de produção, o comprador deve avaliar pela metodologia exposta, se vale a pena ter a peça em estoque.

4.º) O comprador deve poder convencer os homens orientados para produção e vendas, especialmente diretores, de que pode ser mais econômico parar a fabricação do que carregar peça em estoque com baixa probabilidade de uso.

5.º) O comprador deverá refazer o cálculo econômico probabilístico sempre que houver mudança de condições, como, por exemplo,

• da qualidade da peça (nova probabilidade),

• da taxa de juros,

• dos prazos de entrega,

• da intensidade de utilização da máquina,

• da natureza dos lucros cessantes.

6.º) O cálculo também deve ser refeito quando, por ocasião da compra de mais u'a máquina, o juro de capital atribuível a u'a máquina fica pela metade, pois fica rateado entre duas máquinas. Compra-se, então, uma peça sobressalente para duas máquinas, mas é prudente comprar a peça de reserva mais cedo do que se fôsse destinada a apenas u'a máquina.

CONCLUSÃO

Êste artigo tratou, exclusivamente, de um método simples de tomada de decisão, destinado a verificar o lucro cessante e a maneira de avaliar a oportunidade da compra de sobressalentes em função da expectativa da vida da peça sujeita a defeito. Não encontramos em grandes, médias e pequenas emprêsas dos Estados Unidos da América, do Brasil e da Alemanha aplicação de métodos simples ou mais aperfeiçoados, como decisão sôbre matriz de custo total ou custo-oportunidade(5 (5 ) D. W. MILLER e M. K. STARR, "Executive Decisions and Operations Research", Prentice-Hall, Inc., 1960, págs. 255 a 262. ), como política de emprêsa. Nesses três países, porém, engenheiros e administradores empregam métodos de Engenharia Econômica e Pesquisa Operacional para sua tomada de decisão, dentro de suas respectivas esferas de atribuição. Acreditamos que com o progresso, dentro das emprêsas, dêsses técnicos, pela sua promoção ao nível de gerência, procedimentos quantitativos mais complexos que o aqui mostrado venham a tornar-se política oficial para tôdas as decisões.

  • 1) Vide: CLAUDE MACHLINE, Inflação e Lote Econômico de Compra, Revista de Administração de Empresâs, maio de 1961, vol. I, n.ş 1, págs. 17 a 33;
  • WOLFGANG SCHOEPS, A Determinação da Quantidade Econômica de Compras Industriais, IDORT, vol. XXVII, ns. 327 e 328, págs. 19 a 21;
  • e IVAN DE SÁ MOTTA, A Prática do Lote Econômico, Revista de Administração de Empresâs, dezembro de 1965, vol. 5, n.ş 7, págs. 127 a 148.
  • (2) J. C. ENEVOLDSEN, Stocking of Capital Spares, Pulp and Paper Magazine of Canada, vol. 66, n.ş 1, janeiro dé 1965, págs. 76 e 77.
  • (3) H. ELGEE, Investing in Major Spare Parts, Chemical Engineenng, 13 de setembro de 1965, págs. 218 a 224.
  • (5) D. W. MILLER e M. K. STARR, "Executive Decisions and Operations Research", Prentice-Hall, Inc., 1960, págs. 255 a 262.
  • 1
    ) Vide: CLAUDE MACHLINE, Inflação e Lote Econômico de Compra,
    Revista de Administração de Empresâs, maio de 1961, vol. I, n.º 1, págs. 17 a 33; WOLFGANG SCHOEPS, A Determinação da Quantidade Econômica de Compras Industriais,
    IDORT, vol. XXVII, ns. 327 e 328, págs. 19 a 21; e IVAN DE SÁ MOTTA, A Prática do Lote Econômico,
    Revista de Administração de Empresâs, dezembro de 1965, vol. 5, n.º 7, págs. 127 a 148.
  • (2
    ) J. C. ENEVOLDSEN, Stocking of Capital Spares,
    Pulp and Paper Magazine of Canada, vol. 66, n.º 1, janeiro dé 1965, págs. 76 e 77.
  • (3
    ) H. ELGEE, Investing in Major Spare Parts,
    Chemical Engineenng, 13 de setembro de 1965, págs. 218 a 224.
  • (4
    ) Um dos principais problemas de emprêsas instaladas em certas zonas do interior do Nordeste, atraídas pela SUDENE, são os altos custos de manutenção e de estoques, por falta da presença do distribuidor ou revendedor industrial.
  • (5
    ) D. W. MILLER e M. K. STARR, "Executive Decisions and Operations Research",
    Prentice-Hall, Inc., 1960, págs. 255 a 262.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1966
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