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A organização do trabalho sob o capitalismo e a "redoma de vidro"

ARTIGO

A organização do trabalho sob o capitalismo e a "redoma de vidro"

Benedito Rodrigues de Moraes Neto

Professor de economia e organização na Escola de Economia de São Carlos, da Universidade de São Paulo

Tentaremos neste artigo utilizar a "redoma de vidro" como um elemento ilustrativo da relação entre os elementos subjetivos (trabalho humano) e objetivos (elementos materiais) do processo de trabalho sob domínio do capital.

A idéia da "redoma de vidro" nos veio a partir de uma visita de trabalho a uma empresa média do ramo mecânico. Acompanhados do proprietário/gerente, fomos conhecer as oficinas, quando, em um canto, visualizamos uma bancada com algumas ferramentas e objetos de trabalho; o trabalhador não estava ali no momento. O relato feito pelo empresário acerca do trabalho ali desenvolvido foi, mais ou menos, o seguinte: "Aqui o trabalhador monta, sozinho, essa parte do produto final. Quando nossa produção era de três unidades/dia, ele ficava o dia todo ocupado fazendo seu trabalho - montar, engraxar, etc; posteriormente, aumentamos a produção para cinco unidades/dia, e ele continuou ocupado o dia todo, da mesma forma; aumentamos depois para oito unidades/dia, e ele continuou ocupado o dia todo, sem alteração visível em seu ritmo de trabalho." Observamos, claramente, desse relato que a produtividade possível de ser obtida daquele trabalhador era uma incógnita para o empresário. Se antes produzia para três unidades, e agora produz para oito, será que não pode produzir para 10, 12 ou mais unidades/dia? Como o controle dos tempos e movimentos era, no caso, inteiramente do trabalhador, o empresário "olhava, mas não via", ou melhor, não conseguia entrar no processo de trabalho do operário e desvendar seu mistério. Daí a idéia de uma "redoma de vidro" que se interpunha entre o operário e suas tarefas e o empresário.

Iniciemos com a cooperação simples, quando, em seus primeiros passos, o capitalismo inaugura uma nova forma social de organizar a produção, sem realizar qualquer intervenção na forma técnica de produzir: "com respeito ao próprio modo de produção, a manufatura, por exemplo, mal se distingue, nos seus começos, da indústria artesanal das corporações, a não ser pelo maior número de trabalhadores ocupados simultaneamente pelo mesmo capital. A oficina do mestre-artesão é apenas ampliada".1 1 Marx, K. O capital. São Paulo, Abril, cultural, 1983. p. 257. Tem-se, nesse caso, o que Marx chamou de "subordinação formal" do trabalho ao capital, quando as modificações na forma social ainda não permitiram uma "modificação essencial na forma e maneira real do processo de trabalho, do processo real de produção".2 2 Marx, K. Capítulo inédito d'O capital. Porto, Escorpião, 1975. p. 75. Observa-se que "a subsunção do processo de trabalho no capital se opera com base em um processo de trabalho preexistente, anterior a essa sua subsunção no capital e com uma configuração baseada em diversos processos de produção anteriores e outras condições de produção; o capital subsume em si determinado processo de trabalho existente, como, por exemplo, o trabalho artesanal ou o tipo de agricultura que corresponde à pequena economia camponesa autônoma".3 3 Id. Ibid. p. 75.

Para efeito de nosso objetivo, é fundamental colocar algumas idéias sobre o trabalho artesanal. "Aqui, o próprio trabalho é, em parte, a expressão da criação artística e, em parte, sua própria recompensa (...) a especial habilidade artesanal garante a propriedade do instrumento (...) o trabalho ainda pertence ao homem; um certo desenvolvimento auto-suficiente de capacidades especializadas."4 4 Marx, K. Formações econômicas pré-capitalistas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975. p. 92. O trabalho artesanal é aquele que consegue unir uma figura do homem trabalhador (artesão) os dois momentos característicos do trabalho humano: a concepção e a execução. Trata-se de uma manifestação, a um só tempo, da criatividade ("criação artística") e habilidade ("especial habilidade artesanal") do homem. Essa união entre concepção e execução em uma mesma pessoa permite ao artesanato ganhar freqüentemente um status de trabalho "perfeitamente humano", ou seja, de processo de trabalho perfeitamente ajustado à criatividade e habilidade humanas. Em outras palavras, não é incomum encontrarmos, na literatura sobre organização do trabalho, um certo saudosismo do "paraíso perdido" do artesanato. Quanto a isso, vale mencionar duas coisas: a primeira é que o "orgulho e dignidade da guilda", ou melhor, a supervalorização do trabalho artesanal, é, como não poderia deixar de ser, um fato histórico, e não algo atribuído a priori, a-historicamente.

Na antigüidade clássica, o trabalho artesanal era um oprobio, próprio de escravos libertos, e não de homens livres: "Os antigos, unanimemente, consideravam o trabalho da terra como atividade própria de homens livres, uma escola de soldados. Com ela se preserva a antiga estirpe nacional, que se transforma nas cidades, onde se estabelecem mercadores e artesãos estrangeiros à medida que os nativos emigram atraídos pela esperança de maiores riquezas. De qualquer modo, onde há escravidão, os libertos buscam sua subsistência em tais atividades, muitas vezes acumulando riqueza: por isto, na antigüidade, estas atividades estavam, geralmente, nas mãos deles e, portanto, eram consideradas impróprias para os cidadãos; daí a opinião de que a admissão dos artesãos à cidadania plena seria procedimento arriscado (os gregos, em regra, os excluíam dela). 'A nenhum romano era permitido levar a vida de um pequeno comerciante ou artesão.' Os antigos não tinham uma concepção de orgulho ou dignidade de guilda, como na história urbana medieval"5 5 Id. ibid. p. 73. Os antigos não valorizavam - muito pelo contrário - a união concepção/execução típica do artesanato, mas sim a separação entre trabalho intelectual e trabalho manual que, naquele estágio de desenvolvimento das forças produtivas, só a escravidão poderia proporcionar. "De modo que, constituídas todas as (ciências) deste gênero, outras se descobriram que não visam nem ao prazer nem à necessidade, e primeiramente naquelas regiões onde (os homens) viviam no ócio. É assim que, em várias partes do Egito, se organizaram pela primeira vez as artes matemáticas, porque aí se consentiu que a casta sacerdotal vivesse no ócio.6 6 Aristóteles. Metafísica. São Paulo, Abril Cultural, livro I, p. 13. (Os .Pensadores. ) O que explica isto é que, em nenhum momento, a sociedade se preocupava em compreender os determinantes materiais do processo de produção, ou melhor, em desvendar as transformações operadas na matéria quando da produção (transformação dos elementos naturais em coisas úteis à vida humana); daí o pensamento humano manifestar-se necessariamente como metafísica. Mas o trabalho escravo e o trabalho de um artesão não são mesmo para serem entendidos, e sim para serem feitos. O trabalho artesanal é eminentemente empírico, só é possível ser aprendido na prática, fazendo-o, e sem garantia de alta qualidade se não houver, por parte do aprendiz, o toque necessário de criatividade. Daí o longo período de aprendizagem nas guildas artesanais para se chegar a "mestre artesão."7 7 Quando de sua critica à rigidez do regime das corporações, Adam Smith fornece importantes indicações sobre a extensão do período de aprendizado. CF. Smith, A. Riqueza das nações. São Paulo, Abril Cultural, p. 105-6. (Os Pensadores.) Isto nos leva ao segundo aspecto que queremos frisar quanto ao artesanato: a sua natureza de "paraíso perdido".

Como já dissemos, é bastante comum entre os críticos do capitalismo a utilização do trabalho artesanal como um paradigma. Assumindo o artesanato como o trabalho perfeitamente humano, passa-se a compará-lo (às vezes não explicitamente) com as formas posteriores de organização do trabalho, obviamente capitalistas, e conclui-sé pela maldade intrínseca dessas formas que procuram, sempre, a separação concepção/execução. Como desdobramento, poder-se-ia propor uma volta aos "bons tempos do artesanato". Ocorre que essa visão é apologética, a-histórica. O "paraíso perdido" não era tão paradisíaco: "a fuga de servos para as cidades continuou, sem interrupção, através de toda a Idade Média. Estes servos, perseguidos por seus amos na área rural, chegavam isoladamente às cidades, onde encontravam uma comunidade organizada contra a qual eram impotentes, na qual eles tinham de submeter-se à posição que lhes fosse designada pela demanda de seu trabalho e pelos interesses de seus competidores urbanos desorganizados. Estes trabalhadores, chegando separadamente, jamais eram capazes de conseguir qualquer poder, pois sendo seu trabalho do tipo corporativo que devia ser aprendido, os mestres das guildas dobravam-nos a seu talante e os organizavam conforme seus interesses (...). Nas cidades, a divisão de trabalho entre as corporações era, até então, muito natural e, nas próprias guildas, não estava absolutamente desenvolvida entre os diversos trabalhadores. Cada trabalhador tinha de ser versando em toda gama de tarefas, tinha de ser capaz de fazer tudo que pudesse ser feito com seus instrumentos. O limitado comércio e as difíceis comunicações entre as cidades, a escassez de população e as necessidades reduzidas não favoreciam uma maior divisão do trabalho e, portanto, todo homem que quisesse tornarse um mestre tinha de ser proficiente em todo seu ofício. Assim, havia entre os artesãos medievais especial interesse pelo trabalho e pela excelência nele, ao ponto de despertar um certo senso artístico. Por esta mesma razão, entretanto, cada artesão medieval estava completamente absorvido por seu trabalho, com o qual desenvolvia um relacionamento gratificador e escravizador e ao qual se submetia muito mais do que o trabalhador moderno, cujo trabalho é assunto que o deixa indiferente".8 8 Marx, K. Da ideologia alemã. In: Formações... op. cit. p. 120-1.

Não é difícil, depois de compreender a natureza do artesanato, entender por que a junção de diversos trabalhadores assalariados trabalhando como artesãos sob o domínio capitalista caracteriza uma subordinação apenas formal do trabalho ao capital. Por um lado, a forma social é capitalista, pois já ocorreu a necessária fratura entre trabalho e propriedade dos instrumentos. Por outro, a forma técnica é pré-capitalista, e entra em evidente conflito com a forma social; esta pressupõe uma relação de dominação do trabalho pelo capital, enquanto aquela garante aos trabalhadores o domínio do processo de trabalho. A despeito do caráter naturalmente coercitivo da relação capitalista, a cooperação simples limita de forma radical o controle do capital sobre o processo de trabalho e, por conseqüência, sobre o processo de valorização ao qual se subordina. Estando o ritmo de trabalho e a qualidade do produto inteiramente sob o controle dos trabalhadores, o poder do capital sobre o trabalho encontra um evidente obstáculo no "saber operário". Ademais das óbvias limitações do homem enquanto instrumento de trabalho, quando se trata de incrementar de forma incessante a produtividade, o que a cooperação simples ilustra bastante bem é a existência da "redoma de vidro" que está no título deste artigo. Os trabalhadores em ação estão dentro de uma redoma de vidro, protegidos por ela, e esta redoma constitui-se em uma barreira inexpugnável enquanto não se modifica a natureza do processo de trabalho pois, sendo trabalho artesanal inteiramente empírico, só podendo ser assimilado ao ser feito, como pode o capitalista entender os determinantes dos tempos e movimentos dos trabalhadores? Vale frisar que, mesmo sendo o capitalista um antigo mestre artesão, como a forma social foi revolucionada, sua função possui agora uma natureza radicalmente diferente (por ser capitalista passa a ser dirigente de um coletivo de trabalhadores) e sua dificuldade para intensificação dos tempos e movimentos dos trabalhadores é a mesma de outro capitalista qualquer, talvez até maior, pelo viés artesanal que possa conter sua avaliação do trabalho.

Pode parecer que estamos dando à cooperação simples sob o capitalismo uma importância maior que a devida, pois, "em sua forma simples, que é a que até aqui temos estudado, a cooperação coincide com a produção em grande escala, porém não constitui nenhuma forma fixa característica de uma época especial na história do regime capitalista de produção. No máximo aparece com esse caráter, aproximadamente, nas origens da manufatura, quando esta não havia ainda superado o artesanato (...)"9 9 Marx, K. O capital, op. cit. p. 266.

Todavia, ela é extremamente útil para fixarmos a idéia da "redoma de vidro", especialmente porque enfatizaremos em nossas colocações posteriores o caso da indústria têxtil, mais especificamente a tecelagem, e aí a cooperação simples e a manufatura apresentam apenas uma diferença de grau:"(...) sem embargo, vai-se delineando já um esboço de manufatura. O negociante de tecidos reúne os teares em sua casa e, em lugar de três ou quatro na mesma oficina, como fazia o mestre artesão, junta dez ou doze."10 10 Mantoux, P. La revolución industrial en el siglo XVIII. Madrid, Aguilar, 1962. p. 44.

Depois que a divisão do trabalho, que inicialmente se dava no interior das famílias,11 11 Cf. Mantoux, P. op. cit p. 36-7. passa se constituir em divisão do trabalho entre produtores de mercadorias, a tecelagem surge como atividade capitalista especializada empregadora de tecelões especializados. Como lemos em Mantoux, "à medida que se passa das operações elementares da indústria às mais complicadas, às mais delicadas, às que exigem assiduidade e aptidões requeridas, a especialização vai-se acentuando ainda mais. O tecelão, inclinado longas horas sobre seu tear, tende cada vez mais a não ser outra coisa que tecelão."12 12 Id. ibid. p. 49.

A tecelagem enquanto manufatura possui, portanto, uma forma particular, que não se ajusta plenamente aos princípios clássicos estabelecidos por Adam Smith a partir do exemplo do alfinete. Neste caso, a característica básica é o parcelamento das tarefas entre trabalhadores manuais, a geração do trabalho parcelar. No caso da tecelagem, a existência dessa manufatura já representa o passo final do processo de divisão do trabalho têxtil; todavia, ao nível do processo de trabalho, o que se tem é uma cooperação simples de tecelões especializados operando os teares manuais. Para as preocupações deste artigo, esta diferença não tem importância fundamental; nossa questão básica é que o capital, na fase manufatureira, depende da habilidade do trabalho manual. Essa dependência ocorre nas duas formas, pois a divisão manufatureira do trabalho mantém, no conjunto, as mesmas operações antes desempenhadas pelo artesão, criando a divisão entre trabalhadores especializados (os artífices da manufatura) e peões. É evidente que nesse caso ocorre um passo muito mais consistente de desqualificação do trabalho do que no caso da tecelagem.

Prossigamos com a tecelagem, eleita para ilustrar nosso raciocínio, e eleita por seus méritos como se pode extrair desse trecho entusiasmado de Andrew Ure: "(...) a perfeição da indústria automática é vista na tecelagem de algodão. É ali que as forças da natureza movimentam milhões de peças complexas, imprimindo uma ação inteligente a peças de madeira, de ferro e de latão. Como a filosofia das belas-artes, poesia, pintura e música pode ser melhor estudada em suas obras-primas, assim a filosofia das manufaturas deve ser estudada nessa sua mais bela criação".13 13 Ure, A. The philosophyofmanufactures. London, 1835. Trad. William Asbury (cap. 1). São Paulo, Universidade Federal de São Carlos, p. 2.

Se a manufatura constituía-se em uma cooperação simples amplificada, em um conjunto de teares manuais, vejamos a característica do processo de trabalho nesse caso. Como afirma Mantoux, este tear manual"(...) havia mudado pouco desde a antigüidade. Os fios que formavam o urdume do tecido se apoiavam paralelamente sobre um bastão duplo, que se elevavam e baixavam alternativamente por meio de dois pedais, e cada vez o tecelão, para fazer a trama, passava a lançadeira de uma mão à outra".14 14 Mantoux, P. op. cit p. 36.

Não é difícil perceber que o antigo mestre artesão não se ajustaria plenamente ao seu novo papel social de trabalhador assalariado. Temos nesse caso a melhor ilustração da "redoma de vidro": o capitalista é proprietário do capital, mas o processo de trabalho mantém-se como domínio do trabalhador. "O saber operário" é um legado do antigo regime, e o trabalhador sapiente é, caracteristicamente, um incompetente enquanto trabalhador assalariado. Esse fato é retratado de maneira antológica por Andrew Ure: "dada a fraqueza humana, quanto mais habilidoso o trabalhador, mais egocêntrico e intratável ele está propenso a se tornar (...).15 15 Ure, A. op. cit p. 17. Em um momento da História em que a corporação de ofício está tão présente, é facilmente compreensível que o trabalhador sapiente, além de incompetente enquanto trabalhador assalariado para o capital (e por isso mesmo), fosse também incompetente enquanto observador e agente do processo histórico; olhando a História com olhos do passado, defendia-se do capital a partir de seu "saber operário", a partir das famosas prerrogativas do ofício. O caráter conservador dessa forma de insubordinação é bem esclarecido por Armando Palma, quando afirma que, na manufatura "(...) a insubordinação trabalhadora, apelando a valores de uma fase histórica superada, freia o desenvolvimento das forças produtivas para aquelas situações que instauram as condições para a revolução. Se se tem em conta que a manufatura 'representa um progresso histórico e uma etapa necessária no processo econômico de formação da sociedade', pode-se compreender o caráter não-revolucionário e conservador da insubordinação".16 16 Palma, A. La organización capitalista del trabajo en El capital de Marx. In: Palma, A. et alii. La división capitalista del trabajo. Córdoba, 1972. p. 20. (Cuadernos de Pasado y Presente, 32.)

A estreiteza da base técnica manufatureira e a potencialidade que a própria manufatura trouxe para a produção material tornaram inexorável sua superação. Como afirma Marx, "a manufatura não podia abarcar a produção social em toda a sua extensão, nem revolucioná-la em suas entranhas. Sua obra de artifício econômico viu-se coroada pela vasta rede do artesanato urbano e da indústria rural. Ao alcançar certo grau de desenvolvimento, sua base técnica, estreita, tornou-se incompatível com as necessidades de produção que ela mesma havia criado."17 17 Marx, K. El capital. 8. ed. Móxico,| Fondo de Cultura Económica, 1973. p. 300.

A superação da base técnica manufatureira dá-se de forma radical, através do revolucionamento do instrumento de trabalho: introdução da máquina. Em nossa ilustração, ocorre simplesmente que a "redoma de vidro" é retirada do trabalhador, colocada sobre a máquina, e quem fica agora de fora é o próprio trabalhador.

No caso que tomamos como ilustração, trata-se do tear automático de Cartwright (fim do século XVIII) contra o qual se levantou a hostilidade violenta dos tecelões. A nova posição da "redoma" pode ser esclarecida a partir das citações que se seguem.

"E isto é a característica da máquina: em lugar de ser um instrumento nas mãos do trabalhador, a máquina é uma mão artificial. Distingue-se da ferramenta menos pela força automática que a move pelos movimentos de que é capaz, esses movimentos inscritos em sua estrutura pela arte do engenheiro è que substituem os procedimentos, os hábitos,a destreza da mão."18 18 Mantoux, P. op. cit. p. 174.

"Regozijo-me ao ver que a ciência promete agora resgatar este ramo da indústria dos caprichos do trabalho manual e colocá-lo, como os demais, sob o domínio do mecanismo automático."19 19 Ure, A. op. cit. p. 7.

"(...) sempre que um processo requer destreza e firmeza de mãos peculiares, ele é retirado o mais rapidamente possível das mãos do trabalhador habilidoso, que tem tendência a cometer irregularidades de muitos tipos, e é posto sob o comando de um mecanismo específico, tão auto-suficiente que até uma criança pode controlar o seu funcionamento."20 20 Id . ibid. p. 16-7.

"A máquina já não tem nada de comum com o instrumento do trabalhador individual. Distingue-se por completo da ferramenta que transmite a atividade do trabalhador ao objeto. De fato, a atividade manifesta-se muito mais como pertence da máquina, ficando o operário a vigiar a ação transmitida pela máquina às matérias-primas e a protegê-las das avarias."21 21 Marx, K. Elementos fundamentales para la critica de la economía política (Grundrisse) 1857-1858. 7. ed. México, Siglo Veintiuno, 1978. p. 218.

"Na manufatura e na indústria manual, o trabalhador serve-se da ferramenta. Ali, os movimentos do instrumento de trabalho partem dele; aqui é ele que tem que seguir seus movimentos. Na manufatura, os trabalhadores são outros tantos membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, existe por cima deles um mecanismo morto, ao qual se incorporam como apêndices vivos."22 22 Marx, K. El capital, op. cit. p. 349.

"O conjunto do processo de produção já não está, então, subordinado à habilidade do operário; tornou-se uma aplicação tecnológica da ciência."23 23 Marx, K. Elementos fundamentales... op. cit. p. 221.

"A ciência manifesta-se, portanto,- nas máquinas, e aparece como estranha e exterior ao operário. O trabalho vivo encontra-se subordinado ao trabalho materializado, que age de modo autônomo. Nessa altura, o operário é supérfluo (...)."24 24 Id. ibid.

O início do parágrafo imediatamente acima ("A ciência manifesta-se, portanto, nas máquinas, e aparece como estranha e exterior ao operário") é particularmente esclarecedor quanto à radical mudança de posição de nossa "redoma de vidro". Quem está dentro da redoma agora é a máquina, e quem está fora é o trabalhador. Muito claro a esse respeito é também um trecho do artigo "meia" de A Enciclopédia, escrito por Diderot. Nesse artigo, Diderot refere-se às observações de um tal Sr. Perrault, para quem o tear, para tecer meias de 1598 (stocking-frame), opera "sem que o operário que movimenta a máquina compreenda nada, saiba nada, ou sequer sonhe com o que se passa".25 25 Vários autores. A enciclopédia -textos escolhidos. Lisboa, Estampa, 1974. p. 123-4.

A máquina, em sua acepção clássica e correta, transforma o trabalhador em seu apêndice, e realiza de forma radical a separação entre trabalho intelectual e trabalho manual, entre concepção e execução. A máquina têxtil é a ilustração clássica desse movimento de objetivação do processo de trabalho, que implica a eliminação radical do "saber operário", não há nenhum saber operário em vigiar um tear mecânico e amarrar o fio rompido. Como diz Ure, esse trabalho é tão desprovido de conteúdo que pode ser realizado por uma criança, como efetivamente foi feito pelo capital no século XIX.

Para Marx, trabalho desprovido de conteúdo, apendicizado à máquina, e trabalho operário são rigorosamente sinônimos, e isso capta perfeitamente o papel reservado ao trabalho vivo quando o capital encontra a sua base técnica adequada, ou seja, a máquina. É a partir dessa forma mais desenvolvida do trabalho que surge a contradição do capital consigo mesmo, que se abre para a humanidade a possibilidade (e a necessidade) de uma forma superior de organização social. Ressaltamos que a contradição por excelência é fruto da completa ausência de saber operário, ou seja, a negação do saber operário pelo capital leva a uma forma de luta superior, na qual não se discute o processo de trabalho, coisa já assentada, mas sim a utilização social da máquina.

A natureza da contradição em que se move o capital é explicitada de forma muito feliz por Donald Weiss: "Para Marx (...) o mesmo processo - produção automatizada que desumaniza o trabalhador de fábrica sob relações sociais capitalistas pode, dadas novas relações sociais, emancipá-lo. A escravidão do trabalho de fábrica é devida à sua extrema simplicidade; e a extrema simplicidade desse trabalho está radicada, em contrapartida, no fato de que o trabalho físico humano se tornou um componente muito menos significativo na produção. Em outras palavras, justamente porque o capitalismo industrial reduz o trabalho qualificado a trabalho não-qualificado, deve ser considerada uma tendência para tomar o trabalho industrial cada vez mais supérfluo. Em outras palavras, a sociedade como um todo necessita despender cada vez menos de seu tempo na produção fabril. Por fim, Marx pensou, isto só pode ter um único resultado: a noção de que uma classe inteira de pessoas deve gastar suas vidas confinadas à escravidão parece cada vez menos defensável (...). Em resumo, para Marx, a divisão entre trabalho mental e trabalho material pode agora, finalmente, ser abolida; e por uma razão muito simples: o trabalho material está-se tornando crescentemente obsoleto. Para Marx, isto significa que a base funcional das distinções de classe está sendo erodida pelo desenvolvimento capitalista. A distinção essencial entre uma classe dominante é uma classe dominada é, para Marx, aquela entre uma classe que monopoliza as funções, mentais/direcionais e uma classe que está confinada à esfera do trabalho manual.

Na medida em que o desenvolvimento capitalista torna o trabalho manual cada vez menos necessário, as classes perdem sua peculiaridade histórica e seu propósito. Chegamos, portanto, à conclusão de que a crescente obsolescência da divisão industrial do trabalho, determinada pelo crescimento da produção automatizada sob o capitalismo, é, ao mesmo tempo, a chave para o estabelecimento de uma sociedade sem classes".26 26 Weiss, D. Marx versus Smith on the división of labor. Monthly Review, New York, 28(3): 109-10, July/Aug. 1976.

O capitalismo, com a introdução da maquinaria, trouxe para a História da humanidade aquilo que o gênio de Aristóteles apontava como a forma (para ele impossível) de negação da escravidão: "Com efeito, se cada instrumento pudesse, a uma ordem dada ou apenas prevista, executar sua tarefa (conforme se diz das estátuas de Dédalo ou das tripeças de Vulcano, que iam sozinhas, como disse o poeta, às reuniões dos deuses), se as lançadeiras tecessem as toalhas por si, se o plectro tirasse espontaneamente sons da cítara, então os arquitetos não teriam necessidade de trabalhadores, nem os senhores, de escravos".27 27 Aristóteles. A politica.

Não foi por outra razão que o socialismo se colocou como a questão fundamental da humanidade a partir da segunda metade do século XIX.

Mas se já assentamos o fato de que a base técnica adequada ao capital toma o trabalho humano imediatamente aplicado à produção uma coisa supérflua, eliminando de vez o saber operário, como entender a conhecida contenda entre o famoso Frederick Winslow Taylor e os torneiros mecânicos da Midvale Stell Works, no final do século XIX? Tendo sido torneiro, Taylor conhecia em detalhe a prática das oficinas: "A oficina da Midvale Steel era de trabalho por tarefa (...). Nós que éramos os operários daquela oficina tínhamos a produção cuidadosamente

"Redoma de vidro"

combinada para tudo que saísse da oficina. Limitávamos a produção a cerca de um terço, acho eu, do que poderíamos ter feito. Sentfamo-nos justificados fazendo isso em virtude do sistema de tarefa - isto é, da necessidade de marcar passo no sistema de tarefa (..,)."28 28 Apud, Braverman, H. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro, Zahar, 1977. p. 88. Sobre o marcapasso, seu grande inimigo, afirma Taylor: "A maior parte do marca-passo sistemático é feita pelos homens com deliberado propósito de manter seus empregadores ignorantes de como o trabalho pode ser feito ra'pido."29 29 Apud, Braverman, H. Op. cit. p. 92.

Como já colocamos em trabalho anterior, "o problema localizado por Taylor é que 'os trabalhadores estão atados aos reais processos de trabalho', como afirma Braverman. Ora, esta não é outra senão a problemática da dependência do capital frente ao trabalho vivo. Recoloca-se essa questão, portanto, em uma fase mais avançada do desenvolvimento do capitalismo".30 30 Moraes Neto, B.R. Marx. Taylor, Ford -uma discussão sobre as forças produtivas capitalistas. Tese de doutoramento. Campinas, Universidade Estadual de Campinas, Institutolde Economia, 1984. p.18. Nossa "redoma de vidro" voltou à sua posição original! O "saber operário" ressurge das cinzas, e não como ficção, mas como coisa real. Estamos diante de algo que vai moldar uma importante parte da indústria do nosso século, e que deve ser compreendido na sua especificidade: o atraso tecnológico da indústria metal-mecânica.

Vejamos mais de perto o reaparecimento da "redoma de vidro" em sua posição original. Taylor está-se referindo ao comportamento dos torneiros mecânicos, operadores de tornos manuais, ou tornos universais; ora, o torno manual é o exemplo mais rico da chamada máquina-ferramenta universal, a qual "leva inexoravelmente à necessidade de um trabalhador qualificado, cuja formação guarda analogias com o artesanato medieval".31 31 Moraes Neto, B. R. Automação de base microeletrônica e organização do trabalho na indústria metal-mecânica. Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 26(4): 35-40, out/dez. 1986. Vejamos, através de textos de José Ricardo Tauile, o conjunto das operações que devem ser efetuadas pelo torneiro mecânico:

"Devido às freqüentes mudanças do produto de seu trabalho (pequenas séries, lotes e peças sob encomenda), os oficiais mecânicos operadores de máquinas-ferramenta universais precisam ter muita destreza manual e experiência prática que se acumulam através do tempo, tornando-os profissionais melhores e mais valorizados. Junto à máquina-ferramenta, recebem de seus supervisores diretos os desenhos e instruções e dos serviços de apoio, as peças em bruto e as respectivas ferramentas, carnes e dispositivos. Interpretam os desenhos, estudam as instruções e revêem o ferramental a fim de verificar se, de acordo com seu conhecimento prático e sua própria conveniência, devem ser alterados ou corrigidos. Se for o caso, dependendo da extensão das modificações, instruem a ferramentaria, requisitam a presença do profissional responsável peto projeto (ou pelo programa de produção) para executá-las, ou prosseguem executando o trabalho à sua maneira. Sua importância na produção é tão grande que são freqüentes as consultas que lhes são feitas por parte dos departamentos de projeto e planejamento da produção, a fim de confirmar sobre a viabilidade da execução de sua peça, desta ou daquela maneira 'O mecânico constitui-se em uma ligação vital na transformação dos conceitos do projetista em uma peça efetiva.'

Após exercer suas habilidades quanto à capacidade de concepção do próprio trabalho, eles passam efetivamente a executá-lo. Quando então fixam a peça e as ferramentas na máquina, acionam alavancas, manivelas e demais comandos que estabelecem as posições relativas entre a peça e a ferramenta, introduzem as velocidades de avanço e de corte, ligam o fluido refrigerante, etc, e, durante a usinagem, novamente anos de experiência são necessários para visualizar potenciais problemas e responder corretamente quando surgem. Uma pequena mudança na cor do cavaco pode significar que uma peça inteira irá depenar; uma breve diferença no som da máquina-ferramenta pode resultar em uma peça refugada."32 32 Tauile, J.R. Máquinas-ferramenta com controle numérico (MFCN) e seus efeitos sobre a organização da produção: o caso brasileiro. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Economia Industrial, out. 1983. p. 23-4.

Com tanto espaço reservado ao trabalho imediato, o tomo universal é uma máquina-ferramenta com características radicalmente distintas da máquina-ferramenta no sentido dado por Marx: "a máquina-feramenta é um mecanismo que, uma vez que se lhe transmite o movimento adequado, executa com suas ferramentas as mesmas operações que antes executava o trabalhador com outras ferramentas semelhantes":33 33 Marx, K. El capital, op. cit. p. 304. "A máquina já não tem nada de comum com o instrumento do trabalhador individual. Distingue-se por completo da ferramenta que transmite a atividade do trabalhador ao objeto. De fato, a atividade manifesta-se muito mais como pertence da máquina, ficando o operário a vigiar a ação transmitida pela máquina às matérias-primas, e a protegê-las das avarias."34 34 Marx, K. Elementos fundamentales... op. cit. p. 218. Como já afirmamos em outro trabalho, o torno manual deve ser considerado "uma ferramenta, e não uma máquina stricto sensu. Isto porque a função da máquina, desde seu aparecimento e grande difusão nos séculos XVIII e XIX, sempre foi a de substituir a ação humana no processo produtivo; ora, o torno manual não substitui a ação humana, e sim faz a necessária mediação entre o homem e a matéria, como, por exemplo, o cinzel do escultor".35 35 Moraes Neto, B.R. Automação de base microeletrônica... cit.

Se conseguimos caracterizar a volta do saber operário, e de seu corolário, a "redoma de vidro", em seu lugar original, a proposta de Taylor para resolver o problema do marca-passo sistemático foi bastante diferente da resolução clássica. Na forma clássica (e mais desenvolvida), a solução foi mudar a redoma de lugar: tirá-la de cima do trabalhador e colocá-la sobre a máquina, deixando o trabalhador de fora. Como Taylor trabalhou como torneiro mecânico, tendo todavia uma origem e um destino não proletários, o que ele fez foi entrar dentro da redoma, observar as atitudes dos operários sapientes, contrários ao interesse do capital, e, ao sair, passar as informações ao capital e propor uma solução pela via da organização e da disciplina do trabalho. Continuando com nossa ilustração, é como se, ao invés de mudar a redoma de lugar, o que implicaria uma substituição radical dos trabalhadores pelas máquinas, tivesse sido aberto um buraco na redoma de vidro, através do qual o capital pudesse olhar e manipular. Como dizia Taylor, "é preciso que a tarefa de torneiro seja planejada inteiramente com um dia de antecedência, e cada homem deve receber instruções completas, pormenorizando a tarefa que deve executar, assim como os meios a serem utilizados ao fazer o trabalho. Deve-se especificar não apenas o que deve ser feito, mas também o tempo

exato permitido para isso (...). A gerência científica consiste amplamente em preparar as tarefas e sua execução".36 36 Apud, Braverman, H. op. cit. p. 108. Como já dissemos, o taylorismo representa uma forma diferente de reação do capital à questão historicamente recolocada de sua dependência frente à habilidade do trabalho vivo; "ao invés de subordinar o trabalho vivo, através do trabalho morto, pelo lado dos elementos objetivos do processo de trabalho, o capital lança-se para dominar o elemento subjetivo em si mesmo. Esta 'façanha' do capital significa, em uma palavra, a busca da transformação do homem em máquina".37 37 Moraes Neto, B.R. Marx. Taylor, Ford... op. cit. p. 23.

Interessante é observar que, se bem que as origens do taylorismo estejam na tornearia mecânica, é justamente nessa atividade que as limitações inerentes ao taylorismo aparecem de forma mais contundente. Ora, como é possível, a um só tempo, manter um trabalho exigente de qualificação profissional e transformar o trabalhador em máquina? É evidente que não é possível, como nos esclarece

J.R. Tauile, ao comentar sobre o trabalho junto às máquinas-ferramenta universais em nossos dias: "As características de flexibilidade e versatilidade de seu uso na produção de unidades individuais (por vezes complexas peças sob encomenda), lotes e pequenas séries exigem dc oficial mecânico, seu operador, um adestramento longo, que se aperfeiçoa continuamente em consonância com sua prática profissional, mesmo muito após haver concluído seu treinamento formal. Por isto mesmo, ocupam um lugar estratégico na produção manufatureira, sendo muito valorizados no mercado de trabalho e, freqüentemente, encontram-se entre os mais militantes do movimento político/sindical. Cônscios e orgulhosos de sua formação profissional, capazes de planejar e ditar o ritmo de suas próprias atividades, estes trabalhadores não se submetem, por exemplo, aos princípios de racionalização e controle da produção, propostos pelo taylorismo."38 38 Tauile, J.R. op. cit p. 1.

Quando o trabalho se mantém como trabalho prenhe de conteúdo, o taylorismo mostra-se pouco eficiente (ou muito ineficiente). É como se o buraco aberto na "redoma de vidro", para o caso dos oficiais mecânicos, fosse reiteradamente tapado pelos operários qualificados, os quais "detêm os conhecimentos em formações necessários à execução das peças, e, conseqüentemente, controlam seu processo de trabalho".39 39 Id. ibid. p. 2.

Podemos concluir que a eficiência dos métodos tayloristas é maior quanto menos conteúdo tiver o trabalho manual. Ainda que a transformação do homem em máquina apresente um limite óbvio na simples constatação de que

o homem não é máquina, é evidente que, quanto mais esvaziado de conteúdo o trabalho (mantido como unidade dominante do processo de trabalho), maior a eficiência potencial dos despóticos métodos tayloristas de "controle de todos os tempos e movimentos do trabalhador, ou seja, de controle de todos os passos do trabalho vivo".40 40 Moraes Neto, B.R. Marx, Taylor, Ford... cit p. 23.

Um outro aspecto importante que podemos extrair das considerações de Tauile é o seguinte: ao mesmo tempo em que os novos trabalhadores sapientes são "cônscios e orgulhosos de sua formação profissional", "encontram-se entre os mais militantes do movimento político/sindical". Se, como vimos anteriormente, o trabalhador dotado Revista de Administração de Empresas de saber operário no início do capitalismo realizava uma luta conservadora contra o capital, e se, para Marx, "trabalho desprovido de conteúdo, apendicizado à máquina, e trabalho operario são rigorosamente sinônimos", qual o caráter da luta político-sindical dos trabalhadores sapientes de nossos dias? Não poderia ocorrer uma repetição, fora do tempo, da luta dos trabalhadores dos primeiros tempos do capitalismo, lastreada nas prerrogativas do ofício? Esse caráter da luta não poderia se materializar em lutas simplesmente econômicas e na absoluta falta de clareza a respeito da forma social pela qual propugnar, o que poderia dar à luta político-sindical um caráter conservador, às vezes dificilmente perceptível?

Em nossos dias, em função do desenvolvimento da microeletrônica e de sua aplicação nos bens de capital, observa-se um revolucionamento nos processos mecânicos de fabricação. As flexíveis máquinas-ferramentas universais estão sendo substituídas pelas máquinas-ferramenta de controle numérico (MFCN). Através das MFCN, a "redoma de vidro" que o taylorismo não conseguiu destruir, que protegia os mecânicos qualificados, é mudada radicalmente de lugar, de forma idêntica àquela que vimos para o caso do tear. A redoma é agora colocada sobre a máquina (MFCN), e quem fica de fora, apendicizado, é o operador. Como afirma Tauile, "o trabalho deste operador fica agora reduzido a 'alimentar' o equipamento com a peça em bruto e com as devidas ferramentas, 'zerar' a máquina antes do início da operação, apertar o botão de partida e vigiar o processo de modo a paralisá-lo na eventualidade de desgate excessivo da ferramenta e de quebra do equipamento."41 41 Tauile, J.R. Microelectronics, automation and economic development. Tese (Ph.D.) New York, New School for Social Research. Transcrita em Professor vê compensações com funções novas. Datanews, p. 25,1983. Exatamente como ocorreu com o tear mecânico na virada do século XVIII para o século XIX, a MFCN transfere as habilidades do trabalhador para a máquina: "(...) ocorrerá (com a introdução das MFCN) um declínio da necessidade de mecânicos qualificados para um dado nível do produto. Isto será facilitado pela transferência de habilidades e conhecimentos da mente do mecânico para a 'inteligência' armazenada no computador ou na fita de controle."42 42 Tauile, J.R. Máquinas-ferramenta com controle numérico... op. cit p.2.

Observe-se como essa parcela significativa da indústria moderna, os processos mecânicos de fabricação, apresentava um conjunto de processos de trabalho de caráter extremamente atrasado, e começa apenas em nossos dias a ajustar-se ao princípio da maquinaria explicitado por Marx.

Vejamos agora como uma compreensão equivocada, do taylorismo pode originar opiniões discutíveis acerca da introdução das MFCN. J. R. Tauile afirma que "o uso de MFCN pressupõe a adoção de praticamente todos os princípios tayloristas na automação de atividades produtivas que anteriormente eram em grande parte executadas por trabalhadores altamente qualificados com auxílio de máquinas-ferramenta universais."43 43 Tauile, J.R. Datanews, cit. p. 25 Aprofundemos um pouco essa questão, explicitando os princípios estabelecidos por Taylor (seguindo Braverman):

1. Dissociação do processo de trabalho das especialidades dos trabalhadores: "O administrador assume (...) o cargo de reunir todo o conhecimento tradicional que no passado foi possuído pelos trabalhadores e ainda de classificar, tabular e reduzir esse conhecimento a regras, leis e fórmulas (...)."44 44 Braverman, H. op. cit p. 103.

Separação de concepção e execução. Todo possível trabalho cerebral deve ser banido da oficina e centrado no departamento de planejamento ou projeto."45 45 Id. ibid.

Utilização do monopólio do conhecimento para'controlar cada fase do processo de trabalho e seu modo de execução: 'Talvez o mais proeminente elemento isolado na gerência científica moderna seja a noção da tarefa. O trabalho de todo operário é inteiramente planejado pela gerência pelo menos com um dia de antecedência, e cada homem recebe, na maioria dos casos, instruções escritas completas, pormenorizando a tarefa que deve executar, assim como os meios a serem utilizados ao fazer o trabalho (...). Esta tarefa especifica não apenas o que deve ser feito e o tempo exato permitido para isso (...). A gerência científica consiste muito amplamente em preparar as tarefas e sua execução."46 46 Id. ibid. p. 108

Quando cotejamos esses princípios com afirmações corretas como esta, de Lundgren, que "controle numérico, pela sua própria natureza, impõe o planejamento (...) [e] a transferência, tanto quanto possível, do planejamento e controle da oficina para o escritório",47 47 Apud Tauile, J.R. Máquinas-ferramenta com controle numérico op. cit p. 3. parece que a colocação de Tauile é correta. A nosso juízo, ainda que não retire daí todas as conseqüências relevantes, a razão está com Braverman, quando afirma que "a maquinaria é utilizada para enfrentar os próprios problemas da oficina com os quais Taylor se debateu por tantos anos."48 48 Braverman, H. op. cit. p. 170. Ora, se a cientificização do processo de trabalho, que leva à radical separação entre concepção e execução, fosse sinônimo de taylorismo, como afirma Tauile, então teríamos que ver, por exemplo, o stocking-frame de 1598 como manifestação acabada do taylorismo! Como o taylorismo busca "a transformação do homem em máquina, e não utilização da máquina", então a MFCN significa, isto sim, a superação radical do taylorismo ao nível das máquinas-ferramenta universais. Se, nesse caso, o taylorismo era, como vimos, bastante ineficiente, o que a MFCN na verdade supera (elimina) é o "saber operário" próprio dos operadores das MFU. Como já mencionamos, no caso das máquinas-ferramenta utilizadas nos processos mecânicos da fabricação, somente em nossos dias a "redoma de vidro" é colocada sobre as máquinas, coisa que a indústria têxtil já havia realizado no século XVIII.

Se é verdade o que afirmamos acima, que, "quanto mais esvaziado de conteúdo o trabalho (mantido como unidade dominante do processo de trabalho), maior a eficiência potencial dos despóticos métodos tayloristas...", então foi na linha de montagem fordista que esses métodos encontraram um locus privilegiado. Como afirma Coriat, "Ford, mediante a introdução da cadeia de montagem, leva a cabo um desenvolvimento criador do taylorismo que o leva - do ponto de vista do capital - a uma espécie de perfeição."49 49 Coriat, B. Ciência, técnica y capital. Madrid, H. Blume, 1976. p. 92. Com referência ao conteúdo do trabalho na linha de montagem, é sempre bom lembrar as palavras de Henry Ford: "Quanto ao tempo necessário para a aprendizagem técnica, a proporção é a seguinte: 43% não requerem mais que um dia; 36% requerem de um dia a oito; 6%, de uma a duas semanas; 14%, de um mês a um ano; 1% , de um a seis anos. Esta última categoria de trabalhos requer grande perícia como a fabricação de instrumentos e a calibragem."50 50 Ford, H. Minha vida e minha obra. Rio de Janeiro/São Paulo, Nacional, 1926. p. 105. Observe-se que os trabalhos que requerem "grande perícia" não estão incluídos na montagem, e sim nos processos mecânicos de fabricação, os quais já comentamos.

Considerando, como temos feito reiteradamente, que a linha de montagem é um "desenvolvimento da manufatura, e não da máquina", levando, "ao limite as possibilidades de aumento da produtividade pela via da manufatura, do trabalho parcelar,"51 51 Moraes Neto, BR. Maquinaria, taylorismo e fordismo: a reinvenção da manufatura. Novos Rumos, 7(2):231, abr./jun. 1986. então o trabalho humano continua como unidade dominante do processo de trabalho. Ainda que o trabalho seja desqualificado, os movimentos humanos constituem a base de todo o processo. E esses movimentos são "extremamente simples tendo em conta o potencial de ação do ser humano", mas são suficientemente complexos para serem feitos por máquinas. Em nossos dias, o aparecimento do robô tem permitido substituir alguns desses movimentos, e já se pode vislumbrar uma linha de montagem inteiramente automatizada.

Como fica a nossa ilustração da "redoma de vidro" para o caso das linhas de montagem? Antes da introdução da esteira de Ford, a produção do automóvel estava fortemente impregnada de saber operário, como nos esclarece Francesca Maltese: "(...) [na indústria automobilística] todos os componentes eram contratados fora. Apenas a montagem e o projeto (design) de algumas partes eram feitos na fábrica. Na fábrica os trabalhadores operavam como uma equipe. Eles planejavam a produção, resolviam problemas de (design) e construíam os carros inteiros juntos como uma unidade. Esta era a maneira pela qual eles aprenderam a fazer bicicletas, e foram essas as relações de trabalho que eles trouxeram para os carros."52 52 Maltese, F. Notes for a study of the automobile industry. In: Labor MardetSegmentalion. Boston, D.C. Heath, 1975. p. 130. A introdução da linha de montagem significou uma mudança revolucionária na organização do trabalho (e não instrumentos de trabalho), varrendo o trabalho complexo da montagem do automóvel. Todavia, como a linha de montagem é "uma [grande] máquina cujas peças são homens" (usando a definição de Ferguson para a manufatura), o trabalho humano não se tornou apendicizado à máquina (não existe máquina no caso), mas sim continuou a unidade dominante do processo. Isto trouxe um renascimento da qualificação (que desapareceu) na forma de habilidade (skill). Não é qualquer pessoa que consegue realizar com proficiência os movimentos exigidos em uma linha de montagem! É necessária alguma habilidade, e, ademais disso, como o processo produtivo é empírico, não passível de análise científica, os trabalhadores podem ter, a todo instante, sugestões no sentido de aumentar a eficiência de seu trabalho. A necessária habilidade do trabalhador da linha é magnificamente ilustrada por Robert Linhart quando relata sua experiência na linha de montagem da Citroen: "Vá, agora, você' me diz Mulud. "Você viu como se deve fazer.' E ele me entrega o maçarico e o bastão de estanho.' (...) Não! Assim não! E bote as luvas, senão você se queima. Ei! Atenção com o maçarico! Me dê (...).' É o décimo carro com o qual eu me esgrimo em vão. Mulud faz o possível, adverte-me, guia minha mão, passa-me o estanho, segura o maçarico, não consigo. De uma vez, inundo o metal de estanho porque pus o maçarico perto demais ido bastão e durante muito tempo. Mulud tem que raspar tudo e refazer a operação precipitadamente quando o carro já está quase saindo de nossa zona. De outra vez, não ponho estanho bastante e o primeiro movimento da espátula faz reaparecer a fenda que devia cobrir. E quando, por milagre, ponho uma quantidade mais ou menos conveniente de estanho, espalho-a tão desajeitadamente ah, essa maldita espátula que meus dedos recusam-se obstinadamente a dominar! - que a solda toma jeito de uma montanha russa, exibindo um infame caroço no lugar em que Mulud conseguia realizar uma curva perfeitamente lisa. Confundo a ordem de operações: é preciso pôr as luvas para usar o maçarico, tirá-las para usar a espátula, não tocar o estanho em brasa com a mão nua, segurar o bastão com a mão esquerda, o maçarico com a direita, a espátula com a direita, as luvas que se acaba de tirar, na esquerda, juntamente com o estanho. Tudo parecia simples quando Mulud o fazia, com gestos exatos, coordenados, sucessivos. Eu... eu não, não consigo, entro em pânico; 10 vezes, estou a ponto de me queimar e é um gesto rápido de Mulud que afasta a chama."53 53 Linhartl R. Greve na fábrica. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. p. 19-20.

Realmente, qualquer tentativa de valorizar o skill dos trabalhadores das linhas de montagem representa um desserviço à classe trabalhadora; a iniqüidade imanente ao trabalho nos moldes fordistas deve ser sempre denunciada. O sindicalismo, estreito por definição, que leva a valorizar o trabalho desprovido de conteúdo com objetivos salariais, ademais de inócuo, é politicamente conservador, pois magnifica o trabalho degradado pelo capital.

Vejamos agora como fica a nossa "redoma de vidro" no caso da linha de montagem fordista. Por um lado, ao tornar o trabalho desprovido de conteúdo, o capital retirou a "redoma de vidro" que protegia os trabalhadores sapientes da fase pré-fordista da montagem; todavia, não colocou a mesma "redoma" sobre uma máquina, posto que a linha de montagem não passa de "uma máquina cujas peças são homens." Como afirmamos em trabalho anterior:

"(...) a colocação de Marx de que, a partir da introdução da maquinaria, o trabalho vivo se submete ao trabalho morto, ou seja, que a questão da qualidade e do ritmo do processo se desloca do trabalho para a máquina, aparentemente se aplica também à linha de montagem (fordismo). Mas, só na aparência, sendo todavia esta a forma de sua manifestação ao nível da consciência do trabalhador individual. Para esse trabalhador individual, colocado em um determinado posto de trabalho de uma indústria de grande porte, o caminho da esteira, e, portanto, a intensidade do seu trabalho, parece algo imanente à própria esteira, como se brotasse mesmo da materialidade da esteira. Isto acontece com o sistema de máquinas, na medida em que, através da ciência, se lhe confere um movimento próprio de transformação do objeto de trabalho (daí a superfluidade do trabalhador). Já no caso da esteira, se pensarmos no conjunto da linha em analogia com a máquina, as ferramentas dessa máquina são os trabalhadores com as ferramentas de trabalho. O ritmo do processo de trabalho não é uma propriedade técnica da esteira, mas sim algo a ser posto em discussão a cada momento peto trabalhador coletivo (posto que se supere a nível do trabalhador individual)."54 54 Moraes Neto, B.R. Marx, Taylor, Ford... op. cit p. 26.

Das considerações acima, pode-se concluir sem dificuldade que na linha de montagem fordista não há "redoma de vidro". Trata-se de uma permanente "queda de braços" entre capital e trabalho, sendo que o capital não tem a segurança de qualidade e ritmo dado por uma máquina, tendo que administrar os tempos e movimentos de um imenso coletivo de trabalhadores, e os trabalhadores não têm o conhecimento como elemento protetor, necessitando de uma ação coletiva para contrarrestar a tendência do capital pela intensificação do trabalho. Os interessantes e importantes desdobramentos da organização do trabalho em linha de montagem, fundamentalmente sua característica de "espaço privilegiado para a psicologia" têm sido estudados pelo colega Felipe Luiz Gomes e Silva.55 55 Cf. Gomes e Silva, F.L. A linha de montagem e a teoria das organizações. EESC/USP, 1986. mimeogr.

A "redoma de vidro" ressurgirá na linha de montagem quando esta perder sua característica fordista, através da automação (necessariamente microeletrônica). Como afirmamos em trabalho anterior, escrito em conjunto com o Prof. Felipe, "através da introdução da microeletrônica, basicamente via robotização, a linha de montagem transforma-se em um sistema de máquinas (...) através dela (da automação de base microeletrônica), a montagem ajusta-se, de forma abrupta, ao princípio da maquinaria estabelecido por Marx".56 56 Moraes Neto, B.R. & Gomes e Silva, F.L. A linha de montagem no final do século. Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 26(4):45-6, out/dez. 1986.

Finalizamos este artigo apresentando uma citação que ilustra muito bem a importância de ter claros aspectos aqui discutidos:

"(...) o taylorismo é justamente o mecanismo através do qual a classe dos capitalistas se apropria do saber dos trabalhadores, desapropria estes trabalhadores do saber, e se torna dona desse, devolvendo-lhes na forma parcelada, o que quer dizer que só os capitalistas, só aqueles que têm controle da empresa, passam a dominar o saber em seu conjunto. O trabalhador conhece só determinada parte. Isto impede que os trabalhadores sejam os proprietários do saber, saber este que é força produtiva, é um meio de produção. É esta a essência do modo de produção capitalista, a propriedade privada dos meios de produção (...). Quem trabalha (no sentido de transformar a matéria) é o trabalhador, então se é o trabalhador que transforma, é ele que sabe transformar; logo, o proprietário; do saber é ele, então ele é o proprietário da força produtiva. Sendo proprietário da força produtiva, ele não vai deixar que o capitalista se aproprie da mais-valia, do lucro do seu trabalho. Então, o taylorismo fez exatamente o seguinte: extraiu o saber, elaborou e devolveu-o em uma forma parcelada. Na forma parcelada, o trabalhador deixa de ter o domínio. Deixa, porém, relativamente, porque de fato ele precisa ter certo domínio, e essa é a contradição básica da produção capitalista."57 57 Saviani, D. Extensão universitaria: uma abordagem não-extensionista. Educação e Sociedade, São Paulo, 3(8):69, mar. 1981. (Devo esta citação a Célia Maria de Freitas Alvim, que a utilizou em sua dissertação de mestrado em Educação junto à Universidade Federal de São Carlos, intitulada A natureza humana e o conteúdo do trabalho.)

A clareza da citação do Prof. Saviani ilustra muito bem o grave equívoco desta abordagem crítica do capitalismo, infelizmente bastante disseminada. A não-compreensão da natureza da máquina e a generalização para toda indústria capitalista da forma atrasada que é a linha de montagem fordista levaram a identificar uma característica imanente a essa forma como sendo "a contradição básica da produção capitalista". Trata-se de lamentável desvirtuamento da natureza da contrariedade em que se move o capital, já comentada neste artigo e posta com clareza por Marx nos seguintes trechos dos Grundrisse:

"O intercâmbio de trabalho vivo por trabalho objetivado, quer dizer, a colocação do trabalho social sob a forma da antítese entre o capital e o trabalho, é o último desenvolvimento da relação de valor e da produção fundada no valor. O pressuposto desta produção é, e continua sendo, a magnitude de tempo imediato de trabalho, o quantum de trabalho empregado como o fator decisivo na produção da riqueza. Na medida, sem embargo, em que a grande indústria se desenvolve, a criação da riqueza efetiva se torna menos dependente do tempo de trabalho e do quantum de trabalho empregados, que do poder dos agentes postos em movimento durante o tempo de trabalho, poder que, por sua vez - seu powerful effective ness - não guarda relação alguma com o tempo de trabalho imediato que custa sua 'produção', senão que depende, isto sim, do estado geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplicação desta ciência à produção."58 58 Marx, K. Elementos fundamentales... op. cit. p. 228.

"O capital mesmo é a contradição em processo, pelo fato de que tende a reduzir a um mínimo o tempo de trabalho, enquanto que, por outro lado, põe o tempo de trabalho como única medida e fonte de riqueza. Diminui, pois, o tempo de trabalho na forma de tempo de trabalho necessário, para aumentá-lo na forma de trabalho excedente; põe, portanto, em medida crescente, o trabalho excedente como condição - question de vie et de mort - do necessário. Por um lado, desperta para a vida todos os poderes da ciência e da natureza, assim como da cooperação e do intercâmbio sociais, para fazer com que a criação da riqueza seja (relativamente) independente do tempo de trabalho empregado nela. Por outro lado, propõe-se a medir, com o tempo de trabalho, essas gigantescas forças sociais criadas dessa forma, e reduzi-las aos limites requeridos para que o valor já criado se conserve como valor. As forças produtivas e as relações sociais - umas e outras aspectos diversos do desenvolvimento do mesmo indivíduo social - se lhe aparecem para o capital apenas como meios, não são para ele mais que meios para produzir fundando-se em sua mesquinha base. In fact, porém, constituem as condições materiais para fazer saltar essa base pelos ares."59 59 Id. ibid. p. 229.

A consideração equivocada do taylorismo e do fordismo como a forma por excelência da produção capitalista, denunciada em nossa tese de Doutorado, é exemplarmente explicitada por Robert Linhart quando afirma que "numa análise do modo de produção capitalista 'puro', a 'organização científica do trabalho' de Taylor é a que se encontra melhor colocada para encarnar o processo de trabalho capitalista, reconduzido à sua essência."60 60 Linhart, R. Lenine, os camponeses e Taylor. Lisboa, Iniciativas Editorais, 1977. p. 89. Uma das conseqüências fundamentais desse equívoco é enxergar como progressista a recomposição do saber operário nas linhas de montagem, através dos "grupos semi-autônomos". Esta proposta esquece que a essência do processo de trabalho capitalista é, isto sim, a negação do trabalho vivo; e que esta essência abre a perspectiva de se alcançar um estágio mais desenvolvido na sociedade humana, pois desescraviza o homem da produção material. Nesse sentido, a automação de base microeletrônica, tanto nos processos mecânicos de fabricação como nas linhas de montagem, que coloca a importante indústria metal-mecânica no "leito da automação, no qual já caminham há muito tempo ramos industriais tecnologicamente mais avançados",61 61 Moraes Neto, B.R. Automação da base microeletrônica... cit. significa um passo histórico importante, pelo fato de eliminar definitivamente, e de uma forma progressista, essa aberração do século XX, o taylorismo/fordismo.

  • 1 Marx, K. O capital. São Paulo, Abril, cultural, 1983. p. 257.
  • 2 Marx, K. Capítulo inédito d'O capital. Porto, Escorpião, 1975. p. 75.
  • 4 Marx, K. Formações econômicas pré-capitalistas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975. p. 92.
  • 6Aristóteles. Metafísica. São Paulo, Abril Cultural, livro I, p. 13. (Os .Pensadores.
  • 10 Mantoux, P. La revolución industrial en el siglo XVIII. Madrid, Aguilar, 1962. p. 44.
  • 13 Ure, A. The philosophyofmanufactures. London, 1835. Trad. William Asbury (cap. 1). São Paulo, Universidade Federal de São Carlos, p. 2.
  • 21 Marx, K. Elementos fundamentales para la critica de la economía política (Grundrisse) 1857-1858. 7. ed. México, Siglo Veintiuno, 1978. p. 218.
  • 25 Vários autores. A enciclopédia -textos escolhidos. Lisboa, Estampa, 1974. p. 123-4.
  • 26 Weiss, D. Marx versus Smith on the división of labor. Monthly Review, New York, 28(3): 109-10, July/Aug. 1976.
  • 27 Aristóteles. A politica.
  • 28 Apud, Braverman, H. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro, Zahar, 1977. p. 88.
  • 31 Moraes Neto, B. R. Automação de base microeletrônica e organização do trabalho na indústria metal-mecânica. Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 26(4): 35-40, out/dez. 1986.
  • 32 Tauile, J.R. Máquinas-ferramenta com controle numérico (MFCN) e seus efeitos sobre a organização da produção: o caso brasileiro. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Economia Industrial, out. 1983. p. 23-4.
  • 41 Tauile, J.R. Microelectronics, automation and economic development. Tese (Ph.D.) New York, New School for Social Research.
  • Transcrita em Professor vê compensações com funções novas. Datanews, p. 25,1983.
  • 49 Coriat, B. Ciência, técnica y capital. Madrid, H. Blume, 1976. p. 92.
  • 50 Ford, H. Minha vida e minha obra. Rio de Janeiro/São Paulo, Nacional, 1926. p. 105.
  • 51 Moraes Neto, BR. Maquinaria, taylorismo e fordismo: a reinvenção da manufatura. Novos Rumos, 7(2):231, abr./jun. 1986.
  • 53 Linhartl R. Greve na fábrica. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. p. 19-20.
  • 56 Moraes Neto, B.R. & Gomes e Silva, F.L. A linha de montagem no final do século. Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 26(4):45-6, out/dez. 1986.
  • 57 Saviani, D. Extensão universitaria: uma abordagem não-extensionista. Educação e Sociedade, São Paulo, 3(8):69, mar. 1981.
  • 60 Linhart, R. Lenine, os camponeses e Taylor. Lisboa, Iniciativas Editorais, 1977. p. 89.
  • 1
    Marx, K.
    O capital. São Paulo, Abril, cultural, 1983. p. 257.
  • 2
    Marx, K.
    Capítulo inédito d'O capital. Porto, Escorpião, 1975. p. 75.
  • 3
    Id. Ibid. p. 75.
  • 4
    Marx, K.
    Formações econômicas pré-capitalistas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975. p. 92.
  • 5
    Id. ibid. p. 73.
  • 6
    Aristóteles.
    Metafísica. São Paulo, Abril Cultural, livro I, p. 13. (Os .Pensadores. )
  • 7
    Quando de sua critica à rigidez do regime das corporações, Adam Smith fornece importantes indicações sobre a extensão do período de aprendizado. CF. Smith, A.
    Riqueza das nações. São Paulo, Abril Cultural, p. 105-6. (Os Pensadores.)
  • 8
    Marx, K. Da ideologia alemã. In:
    Formações... op. cit. p. 120-1.
  • 9
    Marx, K.
    O capital, op. cit. p. 266.
  • 10
    Mantoux, P.
    La revolución industrial en el siglo XVIII. Madrid, Aguilar, 1962. p. 44.
  • 11
    Cf. Mantoux, P. op. cit p. 36-7.
  • 12
    Id. ibid. p. 49.
  • 13
    Ure, A.
    The philosophyofmanufactures. London, 1835. Trad. William Asbury (cap. 1). São Paulo, Universidade Federal de São Carlos, p. 2.
  • 14
    Mantoux, P. op. cit p. 36.
  • 15
    Ure, A. op. cit p. 17.
  • 16
    Palma, A. La organización capitalista del trabajo en
    El capital de Marx. In: Palma, A. et alii.
    La división capitalista del trabajo. Córdoba, 1972. p. 20. (Cuadernos de Pasado y Presente, 32.)
  • 17
    Marx, K.
    El capital. 8. ed. Móxico,| Fondo de Cultura Económica, 1973. p. 300.
  • 18
    Mantoux, P. op. cit. p. 174.
  • 19
    Ure, A. op. cit. p. 7.
  • 20
    Id . ibid. p. 16-7.
  • 21
    Marx, K.
    Elementos fundamentales para la critica de la economía política (Grundrisse) 1857-1858. 7. ed. México, Siglo Veintiuno, 1978. p. 218.
  • 22
    Marx, K.
    El capital, op. cit. p. 349.
  • 23
    Marx, K.
    Elementos fundamentales... op. cit. p. 221.
  • 24
    Id. ibid.
  • 25
    Vários autores.
    A enciclopédia -textos escolhidos. Lisboa, Estampa, 1974. p. 123-4.
  • 26
    Weiss, D. Marx versus Smith on the división of labor.
    Monthly Review, New York, 28(3): 109-10, July/Aug. 1976.
  • 27
    Aristóteles.
    A politica.
  • 28
    Apud, Braverman, H.
    Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro, Zahar, 1977. p. 88.
  • 29
    Apud, Braverman, H. Op. cit. p. 92.
  • 30
    Moraes Neto, B.R.
    Marx. Taylor, Ford -uma discussão sobre as forças produtivas capitalistas. Tese de doutoramento. Campinas, Universidade Estadual de Campinas, Institutolde Economia, 1984. p.18.
  • 31
    Moraes Neto, B. R. Automação de base microeletrônica e organização do trabalho na indústria metal-mecânica.
    Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 26(4): 35-40, out/dez. 1986.
  • 32
    Tauile, J.R.
    Máquinas-ferramenta com controle numérico (MFCN) e seus efeitos sobre a organização da produção: o caso brasileiro. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Economia Industrial, out. 1983. p. 23-4.
  • 33
    Marx, K.
    El capital, op. cit. p. 304.
  • 34
    Marx, K.
    Elementos fundamentales... op. cit. p. 218.
  • 35
    Moraes Neto, B.R. Automação de base microeletrônica... cit.
  • 36
    Apud, Braverman, H. op. cit. p. 108.
  • 37
    Moraes Neto, B.R.
    Marx. Taylor, Ford... op. cit. p. 23.
  • 38
    Tauile, J.R. op. cit p. 1.
  • 39
    Id. ibid. p. 2.
  • 40
    Moraes Neto, B.R.
    Marx, Taylor, Ford... cit p. 23.
  • 41
    Tauile, J.R.
    Microelectronics, automation and economic development. Tese (Ph.D.) New York, New School for Social Research. Transcrita em Professor vê compensações com funções novas.
    Datanews, p. 25,1983.
  • 42
    Tauile, J.R.
    Máquinas-ferramenta com controle numérico... op. cit p.2.
  • 43
    Tauile, J.R.
    Datanews, cit. p. 25
  • 44
    Braverman, H. op. cit p. 103.
  • 45
    Id. ibid.
  • 46
    Id. ibid. p. 108
  • 47
    Apud Tauile, J.R.
    Máquinas-ferramenta com controle numérico op. cit p. 3.
  • 48
    Braverman, H. op. cit. p. 170.
  • 49
    Coriat, B.
    Ciência, técnica y capital. Madrid, H. Blume, 1976. p. 92.
  • 50
    Ford, H.
    Minha vida e minha obra. Rio de Janeiro/São Paulo, Nacional, 1926. p. 105.
  • 51
    Moraes Neto, BR. Maquinaria, taylorismo e fordismo: a reinvenção da manufatura.
    Novos Rumos, 7(2):231, abr./jun. 1986.
  • 52
    Maltese, F. Notes for a study of the automobile industry. In:
    Labor MardetSegmentalion. Boston, D.C. Heath, 1975. p. 130.
  • 53
    Linhartl R.
    Greve na fábrica. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. p. 19-20.
  • 54
    Moraes Neto, B.R.
    Marx, Taylor, Ford... op. cit p. 26.
  • 55
    Cf. Gomes e Silva, F.L.
    A linha de montagem e a teoria das organizações. EESC/USP, 1986. mimeogr.
  • 56
    Moraes Neto, B.R. & Gomes e Silva, F.L. A linha de montagem no final do século.
    Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 26(4):45-6, out/dez. 1986.
  • 57
    Saviani, D. Extensão universitaria: uma abordagem não-extensionista.
    Educação e Sociedade, São Paulo, 3(8):69, mar. 1981. (Devo esta citação a Célia Maria de Freitas Alvim, que a utilizou em sua dissertação de mestrado em Educação junto à Universidade Federal de São Carlos, intitulada
    A natureza humana e o conteúdo do trabalho.)
  • 58
    Marx, K.
    Elementos fundamentales... op. cit. p. 228.
  • 59
    Id. ibid. p. 229.
  • 60
    Linhart, R.
    Lenine, os camponeses e Taylor. Lisboa, Iniciativas Editorais, 1977. p. 89.
  • 61
    Moraes Neto, B.R. Automação da base microeletrônica... cit.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1987
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