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A cooperação universidade/empresa: tendências internacionais recentes no setor de informática

NOTAS & COMENTÁRIOS

A cooperação universidade/empresa: tendências internacionais recentes no setor de informática

Victor Prochnik

Professor adjunto na Faculdade de Economia e Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador no Instituto de Economia Industrial da Universidade Federal do Rio de Janeiro

1. INTRODUÇÃO

A cooperação entre as universidades e o sistema produtivem crescendo nos últimos anos. Entre as várias dimensões possíveis da interação universidade/empresa, este artigo discute as tendências, encontradas em outros países, relativas à transferência de tecnologia de informática. Exemplos de outros setores, nos quais o progresso técnico é muito rápido, como os de microeletrônica e de biotecnologia, também são apresentados.

Outros trabalhos, nesta mesma linha, procuram discriminar as formas de interação entre as universidades e as pequenas empresas das que ocorrem entre aquelas e as empresas maiores. Neste artigo, aborda-se apenas a interação com as grandes empresas. É dada ênfase ao caso dos países capitalistas mais desenvolvidos, sobre os quais há mais informação disponível.

Este procedimento justifica-se, do ponto de vista do interesse do nosso país, porque várias das tendências observadas no panorama internacional podem ser úteis para as empresas brasileiras. Entre estas, destacam-se as empresas estatais que, como observei em trabalho anterior,1 1 Prochnik, V. Oportunidades de fomento na área de informática. Finep, 1984. mimeogr. são as que mais se beneficiam da proximidade entre os seus técnicos e alguns dos departamentos de universidades brasileiras.

É preciso observar também a importância fundamental destas empresas na definição do rumo e do ritmo de grande parte do desenvolvimento tecnológico nacional, como mostram exemplos tão díspares, como a relação entre a Telebrás e a tecnologia de comunicações, o BNH e a tecnologia de saneamento, e o INPS e as tecnologias relacionadas à assistência médico-hospitalar.

Para estes segmentos do governo, o desenvolvimento de uma ampla base de know-how nas universidades significa poder escolher entre diferentes alternativas técnicas, o que pode vir a ser extremamente importante na definição de rumos do desenvolvimento tecnológico.

A pesquisa universitária já foi importante no início do desenvolvimento da informática no Brasil.2 2 Franken, T. Um desconcertante mal-entendido ou dez anos de esforço nacional postos em cheque. Dados e Idéias, Gazeta Mercantil, 2(1), ago./set. 1976. Agora, quando a relevância da autonomia tecnológica é recolocada, a universidade poderá novamente desempenhar papel significativo. Para que isto ocorra é útil observarem-se alguns aspectos da relação entre universidades e grandes empresas em outros países, o que será feito a seguir.

2. A PESQUISA ACADÊMICA EAS TECNOLOGIAS USADAS NO SETOR PRODUTIVO

A utilização dos resultados de trabalhos universitários nas empresas deriva, em primeiro lugar, da afinidade existente entre as tecnologias usadas nessas empresas e as pesquisas acadêmicas. No caso extremo da biotecnologia, por exemplo, segundo o Prof. Nathan Rosemberg, em palestra proferida no Instituto de Economia Industrial da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ciência- é tecnologia, e professores universitários, em pesquisas científicas, muitas vezes definem processos produtivos.

As relações entre ciência acadêmica e tecnologia empresarial são complexas, apresentando causalidade em ambas as direções. Embora a análise dessas relações ultrapasse o âmbito deste texto, é oportuno destacar algumas questões de interesse imediato.

Nelson3 3 Nelson, R. The economics of invention: a survey of literature. The Journal of Business, University of Chicago, 32(2), Apr. 1959. sugere que o uso mais intenso de métodos científicos léva a uma redução dos custos no esforço inovador. Quando existem várias estratégias possíveis, por exemplo, o recurso à ciência pode indicar quais as mais interessantes. Um dos instrumentos utilizados neste tipo de análise são os modelos de simulação. Assim, uma companhia holandesa, a Phillips, para estudar o layout de uma nova fábrica na Inglaterra, e descobrir como usar com eficácia maior a automação industrial, recorreu ao centro de robótica do Imperial College (Londres), que' estudou o problema usando um modelo de simulação, construído, por sua vez, a partir de pesquisas desenvolvidas naquele mesmo centro.

O trabalho científico muitas vezes consiste em generalizar resultados de descobertas em campos específicos. As generalizações feitas ampliam o potencial de aplicação da descoberta inicial. É o que freqüentemente acontece com equipamentos postos à disposição dos laboratórios universitários. Muitos dispositivos, originalmente utilizados como instrumentos de trabalho, tornam-se objeto de pesquisa, o que pode ocorrer por diversas causas como escassez de recursos para aquisição de modelos mais avançados, interesse no potencial inerente ao equipamento ou mesmo mera curiosidade. Um exemplo conhecido são os resultados da instalação, pelo Instituto Politécnico Rennsselaer (EUA), há uns oito anos, de 36 terminais de computadores, gráficos e interativos, para melhorar a qualidade do ensino de graduação em engenharia. O seu uso por professores e estudantes graduados revelou novas possibilidades para pesquisa fundamental em técnicas e suas aplicações. Hoje, o Instituto mantém um importante programa de pesquisas na área, ao qual muitas empresas são afiliadas.

A escassez de recursos também pode motivar a aplicação de esforços no desenvolvimento de instrumentos científicos. Alguns dos equipamentos usados no Laboratório de Eletrônica Digital da Universidade de Campinas foram aprimorados por professores e alunos, havendo casos de repasse de tecnologia a empresas vizinhas. Observe-se, porém, que neste caso o esforço inovador foi circunstancial e não cumulativo, desviando parte do tempo da equipe dos projetos em que estava interessada.

Também é necessário desmistificar a crença tradicional na grande distância existente entre o trabalho acadêmico e a pesquisa tecnológica, nos países mais desenvolvidos. Como mostram Rosemberg4 4 Roseniberg, N. The comercial exploitation of science by american industry. Trabalho apresentado ao Harvard Business School's 75th Anniversary Colloquium on Produtivity and Technology, Mar. 1984. mimeogr. e Nelson,5 5 Nelson, R. The generation and utilization of technology:a cross industry analysis. Trabalho apresentado à Conferência Soure Difusão de Inovações, Veneza, mar. 1986. mimeogr. a proximidade sempre foi muito maior do que a suposta. Eles observam também que a evolução nos dois campos pode tanto ampliar como diminuir a distância entre eles. Antes da II Guerra Mundial, por exemplo, a interação universidade/empresa era forte na química (nos Estados Unidos e, principalmente, na Alemanha), em certos ramos da engenharia, etc. Tanto no caso da química como no da engenharia a proximidade parece já não ser tão grande, embora a validade desta afirmativa varie entre as diversas subáreas de conhecimento.

A tendência recente nos países mais desenvolvidos parece ser a de aumento de proximidade em todos os setores em que o ritmo de modernização tecnológica é muito intenso, como informática, biotecnologia, etc. Conseqüentemente, nestes setores, o interesse das grandes empresas no conhecimento científico e tecnológico exógeno (não apropriado ou, ainda, público) é muito grande.

Segundo Chesnay,6 6 Chesnay, F. Some notes on technological cumulativeness, the appropriation of technology and technology progressiveness in concentrated market structures. Trabalho apresentado à Conferência Sobre Difusão de Inovações, Veneza, Mar. 1986. mimeogr. quatro características da tecnologia moderna explicam o interesse das grandes empresas no conhecimento científico:

1. O conhecimento científico tem tido papel de importância crescente na abertura de novas possibilidades para grandes avanços tecnológicos...

2. Muitas descobertas importantes (breakthroughs) ocorreram como resultado da fertilização cruzada entre disciplinas científicas, reforçando a importância da pesquisa interdisciplinar ou multidisciplinar e a unidade básica dos fenômenos naturais mais fundamentais.

3. O papel da complexa instrumentação científica tem-se tornado constantemente mais importante...

4. A tecnologia tem adquirido características sistêmicas aindamáis fortes...

No caso da microeletrônica, a miniaturização dos dispositivos é uma das causas destas tendências. A redução do tamanho dos componentes encontra uma série de barreiras físicas, só ultrapassadas a partir de um conhecimento mais profundo da física e da química dos materiais envolvidos. A manipulação dos dispositivos também requer instrumentos cada vez mais sofisticados, como, por exemplo, a utilização sucessiva de luz ultravioleta, de aparelhos de raios X, de feixes de elétrons e de feixes de íons. Nestes trabalhos são utilizadas contribuições de várias ciências, resultando em tecnologias novas e mais complexas.7 7 Cf. Ross, I. M. R&D for a competitive edge. Research Management, 28(1) Jan./Feb. 1985.

A análise de Chesnay, além de reforçar o primeiro aspecto enfatizado neste artigo, ou seja, a proximidade entre as pesquisas de natureza científica e os requisitos tecnológicos do sistema produtivo, abre uma nova questão, abordada na seção que se segue: como se articulam estas novas formas de desenvolvimento tecnológico com as de concorrência entre as grandes empresas.

3. AS GRANDES EMPRESAS E A PESQUISA UNIVERSITÁRIA

Modernas teorias da concorrência empresarial enfatizam a introdução de inovações como instrumento privilegiado de competição. Essas teorias, que têm raízes nos trabalhos de Schumpeter, partem de um conjunto de hipóteses bastante distintas das que sustentam a teoria neo-clássica. Ao contrário desta, a concorrência. Schumpeteriana assume que as firmas em uma indústria podem ser, e freqüentemente são, desiguais em tamanho, em acesso à informação relevante, em acesso a fontes de matéria-prima, em grau de eficiência do processo produtivo e em grau de diferenciação do produto.

A principal alavanca de competição nestas indústrias é a introdução bem-sucedida de uma inovação por uma ou algumas das empresas que disputam o mercado (daqui em diante apenas uma, por suposição). Essa introdução permite à empresa inovadora trabalhar com custos menores e/ou com produtos mais competitivos e, em consequência, conquistar uma parcela maior do mercado, aumentando seus lucros, em relação aos dos seus concorrentes.

Essencial nestas teorias é o caráter transitório do maior grau de monopólio auferido pelas empresas inovadoras. Com o tempo, outras empresas adotam a inovação ou introduzem outras inovações, igualando ou superando o movimento inicial da firma inovadora, diminuindo o seu poder diferencial e, conseqüentemente, seus lucros "anormais". Ao mesmo tempo, o inovador procura reter e ampliar os seus ganhos, aprimorando a inovação, introduzindo outras ou usando estratégias diferentes para dificultar ou impedir os movimentos dos seus concorrentes. A situação típica em concorrência schumpeteriana é dinâmica, com a constante geração e superação de desequilíbrios entre os competidores.

Historicamente, estas formas de competição estão associadas ao crescimento dos gastos em pesquisa e desenvolvimento "(...) que correspondem à modalidade mais elaborada de utilização da ciência e tecnologia como instrumentos de manutenção de parcelas do mercado. Dois exemplos notáveis nesse sentido são a farmacêutica e a eletrônica. Nestas indústrias, a capacidade de a empresa produzir conhecimentos materializados sob a forma de novos produtos, processos ou matérias-primas consiste no principal requisito para o sucesso de sua política de crescimento a longo prazo".8 8 Araújo Jr., J. T. Progresso técnico e formas de concorrência: um estudo de caso sobre a indústria do vidro. Texto para discussão n. 12, Rio de Janeiro, IEI/UFRJ, 1982.

Nessas indústrias, portanto, o acesso à tecnologia de ponta é importante para a sobrevivência das empresas. Quando a produção de tecnologia passa a depender do progresso do conhecimento científico, as empresas voltam-se para as fontes deste conhecimento, procurando apropriar-se das novidades produzidas e construir, a partir delas, novos produtos e processos. E interessante notar que, de acordo com Nelson,9 9 Nelson, R. 1986. op. cit. quando o recurso ao conhecimento científico externo aumenta em uma empresa, o esforço interno de P&D também cresce. Isso ocorre, segundo o autor, porque os resultados da atividade científica não são produtos acabados, mas, ao contrário, requerem um esforço substancial de adaptação e melhoria para serem usados na indústria, o que explica a complementaridade observada.

Entretanto, a questão mais geral, que está em discussão, é a das relações que se estabelecem entre as empresas e a geração de tecnologia de domínio público, isto é, a das formas de apropriação do conhecimento científico e tecnológico. Segundo Chesnay,10 10 Chesnay, F. op.cit. há uma tendência para que parte crescente do conhecimento produzido em instituições, como as universidades, não seja imediatamente disponível. Isso ocorre nos casos em que as empresas privadas financiam a pesquisa universitária. Elas exigem, como contrapartida deste financiamento, acesso preferencial aos resultados encontrados.

Vários exemplos podem ser apontados. A empresa alemã Hoechst anunciou em 1981 uma dotação de US$ 50 milhões para ser gasta em 10 anos, com o objetivo de estabelecer um departamento de engenharia genética em um hospital de Massachusetts, Estados Unidos, em associação com a Escola de Medicina de Harvard. Segundo o contrato firmado, eventuais patentes obtidas são de propriedade do hospital e da escola, ficando a firma alemã com direitos de exclusividade sobre o seu uso. A empresa não só tem o direito de manter quatro dos seus cientistas trabalhando junto com a equipe de professores, como o de ler, com 30 dias de antecedência, qualquer relatório de pesquisa que venha a ser publicado. Os professores, por sua vez, têm inteira liberdade de publicação e retêm o controle sobre os ramos da pesquisa a ser efetivada.

Existem contratos com características semelhantes, embora talvez de vulto menor, entre muitas das grandes empresas dos setores de eletrônica, química, etc. e universidades de alto nível. No entanto, é praticamente impossível obter estatísticas de boa qualidade sobre o apoio empresarial à pesquisa universitária. Várias razões contribuem para a escassez de dados abrangentes. Em muitos casos, não há obrigação de informar; os centros de coleta são espacialmente dispersos; as empresas não têm interesse na divulgação dos dados (os departamentos universitários, muitas vezes, também não) e os contratos são de difícil quantificação, uma vez que envolvem aspectos tais como: acesso dos professores aos equipamentos e laboratórios das empresas, doação de equipamento, bolsa de estudo para alunos promissores - cujo valor não é considerado em estatísticas de pesquisa - e pagamentos por consultoria - cujo valor também é computado.

Mais conhecidos, por sua própria natureza, são os contratos que envolvem uma ou mais universidades e um consórcio de empresas. A Universidade de Stanford opera um Centro para Sistemas Integrados (CIS) financiado por 14 empresas, cada uma delas participando com USI 250 mil por ano, durante três anos. Os objetivos deste centro são a formação de pessoal especializado (mestres e doutores), a realização de pesquisa fundamental associada ao desenvolvimento de sistemas VLSI11 11 Vei y large system integration - sistemas que integram uma grande quantidade de dispositivos eletrônicos em um só componente de dimensões reduzidas. e a promoção de cursos e seminários de trabalho. As decisões sobre as políticas a serem seguidas são tomadas pela universidade. Segundo um executivo da Xerox,12 12 A citação e as informações sobre os CIS são provenientes de Industry and university - new forms of co-operation and communication. Paris, OECD, 1984. uma das empresas engajadas na construção e manutenção deste centro, a "contribuição da Xerox para o CIS é muito pequena em comparação com o montante que nós estamos investindo internamente no mesmo tipo de pesquisa. Por um pequeno investimento adicional, nós ampliamos nossas perspectivas, ao participar em um amplo programa de pesquisa básica (...)".

De acordo com Chesnay, parcelas crescentes do conhecimento científico estão sendo apropriadas por empresas privadas. Sua preocupação é compartilhada por sub-reitores de pesquisa de universidades americanas. Fowler13 13 Fowler, D. R. University - industry research relationships. Research Management, 27(1), Jan./Feb. 1984. aplicou um questionário a sub-reitores de pesquisa e a executivos de empresas industriais, com o objetivo de conhecer os principais empecilhos e as tendências no relacionamento universidade/empresa. Segundo os sub-reitores, o item que mais dificulta um estreitamento de relações é o conflito entre a necessidade acadêmica de liberdade para publicar e o interesse empresarial em proteger os resultados da pesquisa, através de patentes e propriedade de know-how. Mas o próprio autor também aponta que este problema parece estar próximo de uma solução. Esta seria a combinação, entre as duas partes, de um atraso na publicação de artigos e relatórios de possível valor comercial, dando tempo suficiente para que a empresa envolvida pudesse proteger os seus interesses, através de patentes, etc.

Na análise do interesse das empresas nas universidades, Nelson14 14 Nelson, R, 1986. op. cit. procura mostrar que a tendência apontada por Chesnay - que destaca o aspecto de apropriação privada de parcelas do conhecimento genérico - limita-se à biotecnologia.15 15 O artigo de Chesnay não consegue evitar esta crítica, na medida em que todos os exemplos apontados referem-se à biotecnologia. Segundo Nelson, em recrudescimento da apropriação do conhecimento científico encontraria fortes objeções por parte do próprio sistema empresarial. O conhecimento genérico é necessário para o treinamento de técnicos e engenheiros, e sua apropriação privada iria interferir na formação profissional do pessoal mais qualificado. Esta é uma razão para a existência de um forte lobby para que a pesquisa universitária seja financiada pelo governo.

Para aquele autor, o apoio à universidade por consórcios de empresas tem como função influenciar os rumos da pesquisa científica, de sorte a direcioná-la para áreas de interesse das empresas e financiar a formação e o treinamento profissional. A questão da apropriação de conhecimento genérico produzido limitar-se-ia, provavelmente, à biotecnologia.

Um exemplo pode ilustrar o interesse das grandes corporações em estimular a formação de pessoal e a produção de conhecimento relacionado a questões industriais. Na Dinamarca funciona desde 1972 um programa, equivalente a um doutorado, que procura interessar pessoal altamente qualificado em problemas de natureza industrial e formar profissionais aptos a realizarem pesquisas em laboratórios de empresas. A formação dura dois anos e é levada a cabo parte do tempo nas indústrias e parte do tempo em institutos de pesquisa. As empresas e o governo dividem o custo do programa.

Observa-se em vários países que cientistas das grandes corporações são incentivados a manter contatos com seus colegas das universidades. Existe complementaridade entre os dois tipos de trabalho, uma vez que os esforços realizados nas empresas são muito mais direcionados para questões específicas, enquanto que o trabalho acadêmico aborda, em geral, preocupações mais amplas. Procura-se direcionar esta complementaridade, por exemplo, para a publicação de trabalhos em conjunto.

As empresas também valorizam a visão mais ampla do estado da ciência encontrada nas universidades. O contato com centros universitários é chamado pelos grupos econômicos de window on research. Existem muitas iniciativas formais neste sentido. Nos Estados Unidos, o MIT mantém um esquema de informação regular sobre o progresso da pesquisa na instituição. Das 100 firmas afiliadas ao programa, 40 são européias. A IBM participa do Research Triangle Park - um parque científico que procura congregar os esforços de pesquisa de três universidades da Carolina do Norte com o trabalho de laboratórios privados - e mantém um intenso programa de visitas de professores e suas instalações de P&D.

O programa de atividades direcionadas à universidade, mantido pela General Telephon and Electronics (GTE) tem um sentido diferente. O principal objetivo da empresa é o de contratar os melhores alunos que saem das faculdades. Para isto, a empresa procura entrar em contato com as instituições de pesquisa de mais alto nível, oferecendo bolsas de pesquisa, que são julgadas por cientistas reconhecidos. A GTE também mantém um programa no qual os estudantes mais promissores são convidados a estagiar nos laboratórios da empresa, supervisionados por professores também selecionados.

Em locais mais desprovidos de recursos, há uma preocupação das grandes empresas, pelo menos nos setores tecnologicamente dinâmicos, com o nível de ensino e com a escassez de equipamento. Uma firma de telecomunicações do Canadá, a Northern Telecon, fabrica e retorna para a universidade circuitos integrados desenhados por estudantes.

Diversos fatores aproximam as empresas das universidades. Numa época em que a tecnologia se apoia fortemente no desenvolvimento da pesquisa básica e na qual os custos de P&D crescem muito rapidamente, as empresas procuram mais as universidades, no intuito de ampliar sua competitividade e de diminuir seus custos.

Cabe, no entanto, observar que as empresas preferem usar suas próprias instalações de P&D, sempre que possível. Nelas é facilitado um maior controle sobre o processo de trabalho e sobre a disseminação de informações. Entre os possíveis impedimentos a uma relação mais estreita, executivos de indústrias americanas apontaram como mais importante, de acordo com Fowler, o item: "a indústria tem a sua própria capacidade de pesquisa, a qual tende a usar, a menos que a universidade possa demonstrar uma clara vantagem em custos ou uma capacidade única para desenvolver a pesquisa".

Os executivos também citaram outros fatores que dificultam uma interação maior. Enquanto as empresas preferem lucrar a curto prazo, as universidades não têm como objetivo o ganho pecuniário. Sobre as atividades de pesquisa, foi ressaltado que grande parte do P&D realizado na indústria visa apenas a melhoria de produtos. Já o trabalho nas universidades é bem diverso e consiste principalmente em pesquisa básica.

A situação, entretanto, não é estática; do ponto de vista dinâmico, aliás, ela parece bastante favorável. À pergunta "Em geral, você acredita que tem havido uma melhoria ou aumento significativo nas relações de pesquisa entre universidades e indústria?", 62% dos executivos industriais e 77% dos administradores responderam "Sim". Segundo o autor, virtualmente todos que assinalaram esta questão com um sim declararam esperar melhorias significativas também nos cinco anos seguintes.

Procuramos mostrar até aqui como as vantagens das universidades têm aumentado devido à crescente proximidade entre ciência e tecnologia em alguns setores mais dinâmicos e por causa da maior importância atribuída pelas empresas, no processo de concorrência, ao fator tecnológico. É possível sugerir ainda que a maior proximidade encontrada em outros países também deriva de alterações em curso na estrutura universitária e no apoio governamental à interação universidade/empresa. Estas sugestões serão desenvolvidas na próxima seção.

4. MUDANÇAS NAS UNIVERSIDADES E NO APOIO DOS GOVERNOS NACIONAIS

Observam-se resistências nas universidades a uma maior interação com o ambiente externo em geral. Para muitos professores, os envolvimentos externos prejudicam a consecução dos objetivos básicos internos à universidade: ensino e pesquisa. Um argumento simétrico é desenvolvido pelos defensores de uma maior participação. Para estes, a atuação eficiente da universidade nas suas atividades tradicionais requer, previamente, maior interação com o ambiente externo, capaz de indicar rumos a serem seguidos no trabalho universitário. É senso comum, entretanto, que mudanças nas universidades em prol de uma participação maior têm sido lentas. Alguns editoriais em revistas científicas16 16 Ver, por exemplo, Posvar, W. W. New horizons for the university. Science, 225(4.669), Sept. 28, 1984; e Vandiver, F. E. Universities: the next interaction. Science, 225(4.664), Aug. 24, 1984, Washington, American Association for the Advancement of Science. procuram alertar para o paradoxo de ser grande a resistência a mudanças nas universidades, as quais são, em princípio, agentes de mudança intelectual.

Há, no entanto, uma tendência à ampliação da participação das universidades na sociedade. Essa participação assume diversas formas. Em alguns países, como França, Noruega e Finlândia, o governo incentiva a criação de universidades voltadas para o desenvolvimento regional. A interação com agências federais também é grande, como, por exemplo, nos programas de defesa e de exploração aeroespacial. A formação de pólos industriais e de parques científicos, com a participação de empresas que atuam em setores dinâmicos e de laboratórios de pesquisa, também é incentivada em vários países, como Inglaterra e Estados Unidos.

Apesar das resistências encontradas, é possível verificar17 17 Ver Ertzkowitz, H. Entrepreneurial scientists and entrepreneurial universities in American academic science. Minerva, 27(2/3), Summer/Autumn 1983. a ocorrência de modificações profundas em muitos setores, principalmente naqueles cuja pesquisa básica tem maior relação com a tecnologia usada nas indústrias de ponta.

Um primeiro conjunto de modificações diz respeito ao processo de trabalho na pesquisa. Há uma forte tendência, em vários ramos da ciência, para a pesquisa multidisciplinar e para o trabalho em equipe. É cada vez mais difícil discernir, nas descobertas científicas, as contribuições individuais. Resulta deste fato o declínio observado no número de artigos assinados por um só autor. Uma tese de doutorado citada por Ertzkowitz encontrou um declínio de 9% em cada década, entre 1920 e 1959, na proporção de artigos com apenas um autor.

Em uma equipe, a liberdade individual dos pesquisadores para decidir os rumos do trabalho é necessariamente menor. O trabalho em equipe, por isto, mais se assemelha ao esforço realizado nos laboratórios de pesquisa das grandes empresas. A crescente utilização de equipamento sofisticado também contribui para aproximar as formas de trabalho das universidades e dos centros de pesquisa e desenvolvimento.

Modificações na estrutura de financiamento levam a uma aproximação maior entre universidade e empresa.

A pesquisa na academia depende cada vez mais de verbas destinadas a projetos específicos. Na medida em que a orientação da pesquisa já vem embutida na destinação das verbas, é possível, para as entidades financiadoras, pressionar por pesquisas de caráter mais aplicado, o que vem ocorrendo em muitos países.

O financiamento por projeto também induz outros tipos de mudanças no processo de trabalho. Cada vez mais os pesquisadores têm que se preocupar com a confecção de projetos, orçamentos e cronogramas. A capacidade de vender idéias toma-se crescentemente um pré-requisito para o sucesso na carreira acadêmica. O cientista assume feições de empresário. O levantamento de recursos para pesquisa, através da venda de seus resultados, aparece, para estes, como uma extensão da prática de busca de financiamento, e não uma alteração radical.

Ertzkowitz18 18 Ertzkowitz, H. op. cot. afirma que, na década de vinte, o conhecido químico britânico Rutherford recusava-se a participar de negociações para conseguir suporte financeiro para suas pesquisas. O mesmo não acontecia com o prêmio Nobel Ernest O. Lawrence, da Universidade da Califórnia, Campus de Berkeley, que em 1942 levava financiadores em potencial para visitar as obras do seu laboratório. Atualmente, professores de algumas universidades, como a Universidade Estadual Wayne, o Instituto Politécnico Rensselaer e a Universidade Brown são encorajadas até a participarem de empreendimentos industriais. O potencial de conflito inerente a estas atitudes, entretanto, tem levado outras universidades, como as da Pensilvânia, da Califórnia e a de Yale a desencorajarem formas mais radicais de envolvimento.

As modificações apontadas vêm correspondendo paralelamente a novas atitudes dos pesquisadores acadêmicos face à relevância dos problemas industriais. O desprezo pela ciência "aplicada" vem diminuindo, em função de um interesse ampliado nas questões práticas. A concepção do que é uma tarefa científica é atualmente mais flexível, permitindo a incorporação de atividades antes consideradas de cunho não acadêmico.

Estas novas atitudes, entretanto, não são representativas da situação geral. Ao contrário, mesmo nos países desenvolvidos, as ligações entre universidades e o sistemas produtivo são pouco intensas. As transformações apontadas ocorreram de forma concentrada em algumas atividades, entre as quais destacam-se as mencionadas anteriormente. Em muitos casos, há conflitos entre os pesquisadores que apoiam uma maior interação e os que são contra.

As diferenças de atitudes entre grupos mais propensos a mudanças e grupos mais voltados para a própria universidade têm ocasionado tensões e conflitos entre professores e entre estes e a administração universitária. Na medida em que um professor exerce outras atividades, menor atenção é dedicada às tarefas universitárias, gerando uma sobrecarga de trabalho para os que participam mais ativamente da vida acadêmica. Como as pesquisas para a indústria são em geral bem pagas, à divisão desigual da carga de trabalho soma-se a assimetria nas remunerações. Um fator agravante diz respeito à aplicação de verbas para aquisição de equipamento, livros, etc. Os professores que não trabalham diretamente nas pesquisas argumentam ter direito a participar desses benefícios, uma vez que os contratos são assinados pela instituição universitária (geralmente a nível de departamento ou instituto), fazendo parte, portanto, da carga global de trabalho.

Um segundo conjunto de conflitos opõe pesquisadores à administração universitária. Com a intensificação da relação universidade/empresa, a administração universitária tende a criar estruturas formais para negociar e regular os contratos. Os administradores argumentam que os departamentos e os professores não estão preparados para negociar com as empresas, nos melhores termos, o que ocasiona a venda de serviços a custos inferiores ao que seria razoável. Os departamentos e os professores evidentemente se colocam contra esta postura da administração, reivindicando maior autonomia.

Nos Estados Unidos não existe uma regra geral de resolução para tais conflitos. Ao contrário, diversas formas de acordo são encontradas, ora com vantagem para um lado, ora com vantagem para o outro. A única regularidade que pode ser detectada diz respeito à propriedade das eventuais patentes, resultantes dos contratos de pesquisa. Neste aspecto, observa-se que a receita advinda da exploração das patentes é, em geral, destinada às universidades. Algumas instituições, como o MIT e a Universidade de Colúmbia, cedem parte dos ganhos aos pesquisadores, procurando com isto incentivar trabalhos com aplicação prática.

Tendo analisado o papel das empresas e das universidades, resta ainda enfocar a participação do governo. Na maioria dos casos citados na literatura, instituições governamentais de fomento à ciência e tecnologia também participam do processo de transferência de tecnologia entre universidades e empresas, incentivando contatos e financiando parte das despesas. As principais iniciativas de governos de outros países no apoio à interação universidade/empresa são apresentadas, resumidamente, a seguir.

Os governos nacionais, de praticamente todos os países, têm incentivado crescentemente a cooperação universidade/empresa. Nos Estados Unidos, a National Science Foundation mantém programas de apoio à formação de centros de inovação tecnológica, a projetos de pesquisa cooperativos e a centros de pesquisa cooperativa. A política francesa visa mais a interação entre empresas privadas e laboratórios do governo. Muitos desses laboratórios são situados dentro dos limites das universidades e/ou mantêm com estas relações estreitas. Na prática, portanto, também no caso da França observa-se um maior apoio do governo à cooperação universidade/empresa.

A Inglaterra parece ter sido o país no qual a política de pressão sobre as universidades para a realização de pesquisas mais aplicadas e para uma maior interação com o sistema empresarial foi mais radical. A partir de 1980, o governo inglês diminuiu consideravelmente as verbas de caráter geral, criou programas de financiamento a áreas específicas de pesquisa científica e tecnológica e incentivou a venda de serviços universitários a empresas. Como resultado, muitos departamentos foram fechados, novos centros de pesquisa foram criados e a distribuição de recursos entre as universidades modificou-se consideravelmente. Não há, entretanto, uma avaliação geral do impacto da política seguida pelo governo inglês.

Também no Brasil, como mostra um trabalho de minha autoria,19 19 Prochnik, V. op. cit. verifica-se uma maior interação universidade/empresa. Características das empresas estatais - tamanho, especificidade dos problemas e contatos pessoais entre funcionários e professores - fazem com que este segmento empresarial seja o que proporcionou os exemplos mais significativos, junto com o da empresa privada Itautec.

A experiência internacional mostra que existem vantagens para universidades e empresas no estreitamento de relações. No caso brasileiro, dadas as ameaças que existem sobre a disponibilidade futura de tecnologia de ponta, ressalta-se ainda mais a necessidade de ampliar a capacitação técnica e a geração interna de tecnologia, para o que é necessário contar com o apoio da base universitária. Cabe observar, finalmente, que a transferência de tecnologia entre universidades e empresas registra tantos casos de sucesso como de fracasso. Recomenda-se por isto que iniciativas no sentido de reforçar uma maior interação devam ser avaliadas à luz de uma estratégia geral, das empresas, especialmente desenhada para tal fim.

* Texto redigido em junho de 1986.

  • 1 Prochnik, V. Oportunidades de fomento na área de informática. Finep, 1984. mimeogr.
  • 2 Franken, T. Um desconcertante mal-entendido ou dez anos de esforço nacional postos em cheque. Dados e Idéias, Gazeta Mercantil, 2(1), ago./set. 1976.
  • 3 Nelson, R. The economics of invention: a survey of literature. The Journal of Business, University of Chicago, 32(2), Apr. 1959.
  • 5 Nelson, R. The generation and utilization of technology:a cross industry analysis. Trabalho apresentado à Conferência Soure Difusão de Inovações, Veneza, mar. 1986. mimeogr.
  • 8 Araújo Jr., J. T. Progresso técnico e formas de concorrência: um estudo de caso sobre a indústria do vidro. Texto para discussão n. 12, Rio de Janeiro, IEI/UFRJ, 1982.
  • 12 A citação e as informações sobre os CIS são provenientes de Industry and university - new forms of co-operation and communication. Paris, OECD, 1984.
  • 13 Fowler, D. R. University - industry research relationships. Research Management, 27(1), Jan./Feb. 1984.
  • 16 Ver, por exemplo, Posvar, W. W. New horizons for the university. Science, 225(4.669), Sept. 28, 1984;
  • e Vandiver, F. E. Universities: the next interaction. Science, 225(4.664), Aug. 24, 1984, Washington, American Association for the Advancement of Science.
  • 1
    Prochnik, V.
    Oportunidades de fomento na área de informática. Finep, 1984. mimeogr.
  • 2
    Franken, T. Um desconcertante mal-entendido ou dez anos de esforço nacional postos em cheque.
    Dados e Idéias, Gazeta Mercantil, 2(1), ago./set. 1976.
  • 3
    Nelson, R. The economics of invention: a survey of literature.
    The Journal of Business, University of Chicago,
    32(2), Apr. 1959.
  • 4
    Roseniberg, N.
    The comercial exploitation of science by american industry. Trabalho apresentado ao Harvard Business School's 75th Anniversary Colloquium on Produtivity and Technology, Mar. 1984. mimeogr.
  • 5
    Nelson, R. The generation and utilization of technology:a
    cross industry analysis. Trabalho apresentado à Conferência Soure Difusão de Inovações, Veneza, mar. 1986. mimeogr.
  • 6
    Chesnay, F.
    Some notes on technological cumulativeness, the appropriation of technology and technology progressiveness in concentrated market structures. Trabalho apresentado à Conferência Sobre Difusão de Inovações, Veneza, Mar. 1986. mimeogr.
  • 7
    Cf. Ross, I. M. R&D for a competitive edge.
    Research Management, 28(1) Jan./Feb. 1985.
  • 8
    Araújo Jr., J. T. Progresso técnico e formas de concorrência: um estudo de caso sobre a indústria do vidro.
    Texto para discussão n. 12, Rio de Janeiro, IEI/UFRJ, 1982.
  • 9
    Nelson, R. 1986. op. cit.
  • 10
    Chesnay, F. op.cit.
  • 11
    Vei y large system integration - sistemas que integram uma grande quantidade de dispositivos eletrônicos em um só componente de dimensões reduzidas.
  • 12
    A citação e as informações sobre os CIS são provenientes de
    Industry and university - new forms of co-operation and communication. Paris, OECD, 1984.
  • 13
    Fowler, D. R. University - industry research relationships.
    Research Management, 27(1), Jan./Feb. 1984.
  • 14
    Nelson, R, 1986. op. cit.
  • 15
    O artigo de Chesnay não consegue evitar esta crítica, na medida em que todos os exemplos apontados referem-se à biotecnologia.
  • 16
    Ver, por exemplo, Posvar, W. W. New horizons for the university.
    Science, 225(4.669), Sept. 28, 1984; e Vandiver, F. E. Universities: the next interaction.
    Science, 225(4.664), Aug. 24, 1984, Washington, American Association for the Advancement of Science.
  • 17
    Ver Ertzkowitz, H. Entrepreneurial scientists and entrepreneurial universities in American academic science.
    Minerva, 27(2/3), Summer/Autumn 1983.
  • 18
    Ertzkowitz, H. op. cot.
  • 19
    Prochnik, V. op. cit.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1988
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