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Compras, estoques e inflação

ARTIGOS

Compras, estoques e inflação

Claude Machline

Professor do Departamento de Administração da Produção e de Operações Industriais, da EAESP/FGV

Objetivamos, neste artigo, expor a influência da inflação sobre a administração das compras e dos estoques. Procuraremos mostrar que a inflação e as crises decorrentes dificultam a gestão racional das compras e dos estoques, mas não impedem que se continuem aplicando os ensinamentos da teoria dos estoques nem que se usem os conceitos de lote econômico de compras e de estoque de segurança.

Apresentaremos inicialmente rudimentos da teoria da gestão dos estoques; descreveremos a seguir dois tipos de inflação, e analisaremos a maneira como afetam o tamanho dos estoques.

1. FINALIDADES DOS ESTOQUES

Admite-se, desde Keynes, que os estoques têm três finalidades (Keynes, 1930):

1. Operação (transação)

2. Precaução (reserva)

3. Especulação (proteção financeira)

Os estoques de operação são uma conseqüência natural das condições produtivas. Assim, por exemplo, o lote econômico de compras dará origem à constituição de um estoque sempre que esse lote tiver sido maior que as necessidades imediatas de consumo. Ninguém ajusta uma complexa máquina para produzir apenas uma peça; se a encomenda recebida for pequena, aproveita-se o ajuste da máquina para produzir um lote maior de peças, deixando o saldo em estoque.

Da mesma forma, estoques sazonais formam-se em decorrência da própria periodicidade das safras agrícolas; e estoques sazonais comerciais decorrem da acumulação de itens destinados às vendas natalinas.

É fácil compreender a noção de lote econômico de transporte, volume mínimo que convém transportar para aproveitar a embalagem, o frete ou a condução.

Enquanto os estoques operativos decorrem de causas naturais ou da necessidade de realizar economias de escala nas compras, os estoques precautórios são reservas destinadas a enfrentar eventualidades. Há dois tipos de imprevistos: aumento inesperado da demanda e atraso no fornecimento. É óbvio que o tamanho desse estoque de reserva, também chamado estoque mínimo, depende do nível de serviço que se quer proporcionar aos usuários, ou seja, da percentagem de atendimento satisfatório à freguesia.

Os estoques especulativos destinam-se a auferir vantagens econômicas em decorrência de futuras oscilações de preços no produto estocado. Existem variedades legítimas de estoques especulativos. Assim, por exemplo, os estoques reguladores que as autoridades formam para evitarem baixas ruinosas em commodities agrícolas ou minerais, ou os estoques resultantes de compras antecipadas, que empresas ou indivíduos efetuam para se protegerem contra iminentes aumentos de preços.

Esses três objetivos dos estoques não têm sido de modo geral bem aceitos pelos empresários, que os consideram como resultado da ineficiência nas operações de produção e compras. Os estoques não são vistos como benéficos, mas, no melhor dos casos, como um mal necessário. Esse ponto de vista tem sido reforçado pelos relatos feitos sobre modernas fábricas norte-americanas e japonesas, em que o estoque não é mais sequer medido em dias, mas, sim, em horas de uso, o que somente se pode conseguir por - meio de perfeita sincronização e absoluta confiabilidade no planejamento, nos fornecedores e na projeção de vendas. As técnicas de Materials requirement planning (Orlicky, 1975) destinam-se a atingir a meta de zero-estoque, nas indústrias de montagem.

2. GIRO DE ESTOQUE

O critério mais utilizado para se julgar a eficiência de um setor de compras e suprimentos é o giro do estoque. Trata-se da relação entre custo da mercadoria vendida ou consumida em um período e o estoque médio no período. Também tem sido chamado rotatividade do estoque, alcance ou turnover.

Também se pode utilizar unidades físicas nesta fórmula: É essencial que o estoque, no denominador, seja valorizado na mesma base que o custo da mercadoria consumida, no numerador; ambos sem ICM, ou ambos com ICM; ambos sem tributos de importação, ou ambos com esses tributos; e ambos à mesma taxa de câmbio.

Costuma-se utilizar a fórmula (1) para comparar entre si os giros de diversas empresas. Mas, antes de poder efetuar essa comparação, seria necessário padronizar o conceito de estoque. Para algumas empresas, é limitado ao estoque físico existente nos almoxarifados; para outras, inclui material em trânsito, encomendas e adiantamentos a fornecedores, depósitos para importações ou obras em andamento. Teremos, pois, índices secos de giro de estoque, baseados apenas sobre estoques físicos; e índices líquidos, que incluem estoques financeiros, isto é, adiantamentos e encomendas.

Nas empresas, deseja-se maximizar o giro dos estoques. O sistema de recompensas baseia-se nesse critério, o qual é adverso à existência dos estoques. Mas a redução dos estoques favorece o aumento de faltas. Seria necessário, pois, complementar o giro com o índice de faltas, a fim de se conhecer os aspectos positivo e negativo da contenção dos estoques. Portanto, deve haver faixas corretas de giro, por exemplo, de um a três meses de estoque para cada tipo de material e de empresa.

Apesar de suas relevantes finalidades, os estoques são em geral mal vistos nas empresas. São considerados fruto de ineficiência. O desejo de muito empresário é ter um nível zero de estoque. Alguns motivos para essa atitude contra estoques são os seguintes:

• Por falta de controles adequados, muitos itens de estoque, em mais de uma firma, têm estado desnecessariamente altos. Por reação, pensa-se que os estoques estão sempre exagerados.

• Os custos de manutenção de estoques, a saber, os juros, os seguros e as despesas físicas de armazenamento, sem mencionar perecibilidade e obsolescência, constituem desembolsos efetivos. Em contrapartida, as faltas geram custos de oportunidade, não desembolsos concretos, passando, por isso, despercebidos.

• A inflação cria distorções na economia; uma delas é a elevação nominal da taxa de juros, o que torna o dinheiro muito caro aos olhos do empresário, levando-o a fugir dos estoques.

O seguinte exemplo esclarece a natureza de algumas incompreensões relativas aos estoques. Faltou recentemente nas repartições públicas um formulário de largo emprego no País, utilizado para obtenção de carteira do trabalho. O tópico teve ampla divulgação, em vista dos transtornos causados ao público. A autoridade responsável assim explicou o ocorrido: "Não é que o item esteja faltando. O que aconteceu é que o consumo aumentou". Mas o gestor de materiais não pode considerar que a demanda futura será igual à passada. Ele tem de prever aumentos da demanda, bem como flutuações da mesma em volta da média, circunstâncias que exigem a manutenção de um estoque de reserva.

3. GESTÃO DE ESTOQUES

Existem dois sistemas clássicos de se gerir estoques:

1. O sistema de revisão contínua.

2. O sistema de revisão periódica.

O primeiro sistema é sobretudo usado na indústria, especialmente para os itens dos tipos B e C, que são as categorias de menor incidência no valor financeiro dos estoques. O segundo sistema é usado no comércio, em serviços e nas empresas públicas, para todos os itens, e, na indústria, para itens A.

4. SISTEMA DE REVISÃO CONTÍNUA

O sistema de revisão contínua é associado aos conceitos de lote econômico de compras, Q*; ponto de reencomenda, ou reabastecimento, R; e estoque mínimo, de reserva ou de segurança, B. A figura 1 mostra o relacionamento gráfico entre essas grandezas, bem como as zonas dos estoques operativo, precaucional e especulativo. Vê-se na figura um parâmetro importante do sistema, a saber: o tempo L de reposição, também chamado tempo de reabastecimento, ou de aviamento.


O sistema ainda é chamado de "sistema de estoque de duas gavetas": uma gaveta contém o estoque correspondente ao consumo previsto durante o tempo de reposição, mais o estoque mínimo; a segunda gaveta contém o que excede ao nível do ponto de reposição.11 É comum a confusão entre os termos estoque mínimo e ponto de reposição, o que deveria ser preliminarmente esclarecido em qualquer estudo sobre estoques.

Prova-se (Buffa, 1975) que o LEC, Q*, é dado pela fórmula:

onde:

D = demanda anual prevista (unidades);

P = custo administrativo de se efetuar uma compra (Cr$)

C = custo de uma unidade comprada (Cr$);

I = taxa anual de se manter estoques (soma da taxa i de juros e das taxas de seguros, armazenamento físico, obsolescência e perecibilidade, que englobaremos sob a rubrica a, ou seja, I = i + a).

O ponto de reposição R está situado acima do estoque mínimo B em nível que corresponda ao consumo médio esperado, , durante o tempo L de reposição, ou seja, chamando o consumo médio esperado diário:

Quanto ao estoque mínimo, há pelo menos quatro maneiras de estabelecê-lo: a mais simples consiste em estipulá-lo, arbitrariamente, em termos de certo número de dias de consumo, por exemplo, 30 dias para materiais nacionais, e 90 dias para materiais importados.

Uma segunda maneira (Sá Motta, 1979), já preferível, seria estabelecer B de acordo com as eventualidades a que se destina remediar. Se quisermos um nível de serviço de 100%, devemos levar em conta as piores hipóteses possíveis, a saber, o máximo aumento possível do consumo diário Δd, e máximo atraso possível do fornecedor, ΔL, bem como a possível combinação desses eventos, obtendo-se:

Na expressão (4), é o tempo médio de abastecimento e a demanda média diária.

O terceiro método (Hadley, 1963) depende de conceitos estatísticos avançados. O estoque mínimo é função da variante da distribuição da demanda durante o tempo de reposição e da variância da distribuição do tempo de reposição. Usando-se o teorema da soma das variâncias de distribuições independentes de freqüência, prova-se que B é igual à expressão (5), para um nível de serviço de 97,5%, isto é, para um atendimento aproximado de 97,5% dos pedidos:

ou

Existe ainda uma quarta maneira, mais avançada, de se estipular o estoque mínimo B. Pressupõe o conhecimento do custo de uma falta. Difícil de se calcular, ele é, no mínimo, igual à margem bruta unitária do item; porém, é possível que uma venda perdida afaste para sempre o cliente, cuja insatisfação contagiaria outros. Conhecido o custo de uma falta, podemos calcular o de cada política de estoque mínimo e encontrar a política de menor custo total.

5. SISTEMA DE REVISÃO PERIÓDICA

No sistema de revisão periódica, inexiste ficha de controle de estoque. Desconhece-se a situação do estoque entre dois períodos consecutivos. O sistema consiste em contar o estoque a intervalos regulares, digamos, no fim de cada mês. A cada contagem, efetua-se uma encomenda igual à diferença entre o estoque desejado (chamado estoque máximo M) e o estoque existente (à mão e encomendado anteriormente). A fórmula do estoque de reserva é parecida com a do sistema de revisão contínua, mas o período de proteção necessário é igual à soma do tempo médio de reposição e do tempo R de revisão (Buffa, 1979).

O estoque máximo é igual ao estoque mínimo acrescido do consumo médio durante a soma dos tempos de reposição e revisão:

As figuras 2 a 4 mostram o funcionamento desse sistema em diversas circunstâncias. Como permite flexibilidade na gestão do estoque, em caso de variação da demanda de um período para outro, o sistema sempre tem sido usado no comércio, onde se verificam flutuações sazonais de venda. Na indústria, além de ser empregado nas pequenas empresas, bem como para produtos a granel, ele vem sendo popularizado na gestão dos produtos tipo A, isto é, dos itens de maior peso financeiro. O estoque médio, nesse sistema, é dado pela fórmula seguinte (8):


 




podendo ser substancialmente reduzido com a diminuição do tempo de revisão R. No sistema de revisão contínua, o estoque médio é dado pela fórmula (9). É determinado pelos parâmetros que fixam a grandeza de Q*, e sobre os quais o administrador não dispõe de controle.

O advento do computador tem contribuído para divulgar o sistema de gestão periódica. É relativamente fácil obter listagens mensais, semanais, ou mesmo diárias, dos itens do estoque, facultando examinar a situação dos estoques a intervalos regulares. Usando-se a equação (10):

os estoques podem ser geridos sem a necessidade de se proceder a contagens físicas.

6. INFLAÇÃO. DIVERSOS TIPOS DE INFLAÇÃO

A inflação afeta diretamente a política de estoques operacionais, de reserva e especulativos, por meio da elevação do custo da mercadoria e da taxa de juros. Ademais, indiretamente, a influencia da inflação sobre os estoques verifica-se por força de crises e distorções estruturais na economia, que geram oscilações capazes de perturbar qualquer política racional de estoques.

Há muitos tipos de inflação, dentro da definição geralmente aceita da inflação como uma subida geral e persistente dos preços (Bach, 1968).

Levando-se em conta os fatores mais relevantes para a política de estoques, classificaremos as inflações em duas grandes variedades:

a) inflação não-controlada;

b) inflação controlada.

Como períodos típicos, no Brasil, dessas duas espécies de inflação, temos as fases 1960-1963 e 1978-1980, como exemplos da inflação não-controlada; e o período 1964-1967 como arquétipo de época de inflação controlada.

O quadro 1 resume as características principais desses dois tipos de inflação. A figura 5 mostra a evolução da inflação durante os últimos vinte anos, de 1960 a 1980, no Brasil.



6.1 Inflação não-controlada

A inflação sem controles é marcada por subidas contínuas e violentas de preços; a taxa de juros, embora elevada em termos absolutos, é relativamente baixa em comparação com a elevação dos preços, porque existem freios institucionais maiores sobre a taxa de juros, que contribuem para uma defasagem dessa taxa em relação aos demais preços. A inflação descontrolada de 1960-1963 verificou-se numa época em que ainda não tinham sido criados mecanismos de controle da inflação, como o CIP - Conselho Interministerial de Preços, nem existiam controles rígidos de salários. Esses freios deixaram de funcionar a partir de 1974, sob o impulso da elevação dos preços do petróleo (inflação importada); verificou-se a liberalização progressiva dos preços, salários e juros, de 1978 em diante, e a inflação galopante voltou a predominar. A inflação descontrolada tende a acelerar-se, pelo fato de possuir laços realimentadores, espiralados, que reforçam a perturbação inicial; é o conhecido círculo vicioso dos aumentos dos preços e dos salários: um reajuste de salários faz crescer a demanda e subir os preços (inflação da demanda); a escalada dos preços e dos próprios salários afeta os custos e força novo aumento dos salários (inflação dos custos). Nessa situação, a moeda perde diariamente o seu poder aquisitivo; e, como os juros são relativamente baixos, verifica-se repulsa geral pelo dinheiro e forte atração pelos estoques e outros bens tangíveis, tais como imóveis, moedas fortes e metais preciosos. Há interesse em se aumentar os estoques, comprando-se antes do próximo aumento dos materiais e, mesmo, especulando, através de investimento em estoques, para posterior revenda.

6.2 Inflação controlada

A inflação controlada caracteriza-se por aumentos de preços limitados em intensidade e freqüência. As autoridades tentam domar a elevação de preços por meio de restrições e proibições, reprimindo a inflação. O papel da taxa de juros é ambíguo: de um lado, uma taxa elevada contribui para aumentar os custos, favorecendo a inflação; do outro, o alto custo do dinheiro freia a demanda, contribuindo para a deflação. Restringindo o crédito, o Governo, em períodos de inflação controlada, faz - com que se eleve a taxa de juros, o que encarece a manutenção dos estoques. A escassez do numerário desencadeia a sofreguidão por dinheiro e a repulsa pelos estoques.

7. INFLAÇÃO E ESTOQUES. EFEITO SOBRE O LEC

Em termos quantitativos, a fórmula do LEC evolui da seguinte forma sob a influência da inflação, admitindo-se linearidade dos aumentos de preços (Machline, 1971; Machline, 1961; Naddor, 1966; Zacarelli, 1972).

Na fórmula (11),

- I2 é a taxa anual de aumento dos custos administrativos;

- i é a taxa real anual dos juros;

- a é a taxa anual de armazenamento físico dos estoques, incluindo-se nela os seguros, a obsolescência e a perecibilidade;

- I3 é a inflação dos juros, ou seja, a diferença entre a taxa anual nominal e a taxa real dos juros;

- I1 é a taxa anual de inflação do item do estoque em foco.

Percebe-se, inicialmente, que, se não houver inflação alguma, I1 = I2 = I3 = 0, voltando-se à fórmula (2). Da mesma forma, se tivermos uma inflação equilibrada, sem predominância dos controles nem dos descontroles, I1 = I2 = I3 e Q* não se altera apreciavelmente em relação à fórmula (2), já que o termo é bem menor que I1

Em tempos de inflação descontrolada, I1 é maior que I3, o denominador de (11) tende a ficar menor, e Q* se torna maior.

Com inflação controlada, I1 é menor que I3, e o denominador de (11) aumenta, e Q* tende a diminuir.

Ao observar a fórmula (11), vemos que o tamanho de Q* depende, não propriamente da existência de inflação, mas, sim, das relações entre I1 (elevação dos preços), I2 (elevação dos salários) e I3 (elevação dos juros). Conforme o tipo de inflação, poderemos ter aumento ou diminuição de Q*. Com uma inflação moderada, os efeitos das grandezas relativas de I1, I2 e I3 serão insignificantes, e a fórmula (2) poderá ser usada sem erro apreciável. Com os níveis acentuados de inflação que se têm verificado em alguns países, o leitor poderá verificar que os efeitos sobre o lote econômico são os seguintes, em função dos valores I1, I2 e I3 tomados como exemplos nos cálculos abaixo, e supondo sempre i + a = 50% a.a. Na tabela 1, LEC' = lote econômico com inflação; LEC é o lote econômico sem inflação.

Para ilustrar, consideremos a situação que prevalecia entre nós em 1980:

- I1, a inflação dos preços, situava-se em 100% a.a.;

- I2, a inflação dos salários, podia ser estimada em 80% a.a.;

- I3, a inflação dos juros, ou seja, a taxa de juros excedente à taxa inormal de 10% a.a., estava controlada em, aproximadamente, 60% a.a. (resultando numa taxa nominal de 10% + 60% + 10% X 60% = 76% a.a.).

Vem, de (11):

Nota-se acentuada tendência de aumento dos estoques.

Em 1981, a posição pende para os seguintes valores:

- I1 = 100% a.a.

- I2 = 80% a.a.

- I3 = 160% a.a.

e

aconselhando a leve redução dos estoques.

8. COMPRAS ANTECIPADAS

Em tempos de inflação, quer sem controle, quer controlada, é comum o fornecedor avisar o comprador, com antecedência, da iminência de um aumento, dando-lhe a oportunidade de comprar ao preço anterior, até a entrada em vigor do preço novo.

Nessas condições, se chamarmos k o aumento percentual previsto do preço da mercadoria e j a taxa mensal aparente de juros (incluindo-se nela a taxa mensal de armazenamento físico e seguros), é fácil provar ser conveniente comprar antecipadamente a seguinte quantidade m:

Assim, por exemplo, se houver um aumento previsto de k = 25% e se a taxa mensal nominal de juros (custo do dinheiro) for de 6% a.m. (já incluído nessa taxa o custo do armazenamento físico, de 1% a.m.), convirá comprar antecipadamente:

A fórmula (12), embora conhecida pelos nossos administradores, é pouco usada, por falta de dinheiro disponível para investimentos em estoque.

9. INFLAÇÃO E ESTOQUE DE RESERVA

O estoque de reserva, na maioria das empresas, é determinado arbitrariamente, conforme exposto anteriormente. O custo anual médio de manutenção do estoque mínimo é BC (i + a), o qual passa a (i + a + I3) em condições inflacionárias. O custo de uma falta cresce nas mesmas proporções que C, isto é, conforme o fator . Vê-se que, pelo menos aparentemente, é maior o aumento do custo de manutenção dos estoques de reserva que o aumento de sua utilidade. Compreende-se a tendência de se cortar ou reduzir os estoques mínimos em tempo de inflação, qualquer que seja o tipo da mesma. Justifica-se certa redução, na proporção indicada, isto é, , o que pode significar reduzir o estoque mínimo pela metade. Porém, não se justifica nunca sua eliminação total.

10. CRISES E ESTOQUES

A instabilidade econômica, provocada pela inflação, pelas distorções que ela cria e pelo impacto das medidas governamentais destinadas a combatê-las, tais como restrições creditícias, estímulos tributários, maxidesvalorizações cambiais e sobretaxas fiscais, torna difíceis a formulação e a manutenção de uma política coerente de estoques. De fato, freqüentes e violentas oscilações da demanda causam ciclos de escassez e de abundância (Forrester, 1961). Em tempos de euforia, falta matéria-prima; o departamento de compras não tem condições de fornecer ao de produção o que este precisa; quando impera a recessão, existe excesso de materiais e o departamento de compras tem de conter o afluxo de fornecimento.

A Dinâmica de Sistemas ensina que até mesmo uma pequena flutuação na demanda - um salto de 5%, por exemplo - causará grandes oscilações nos estoques - sucessivos picos e vales de 20%, por exemplo. A intensificação das ondulações é devida a atrasos de informação, dificuldades de diagnóstico, hesitações na tomada de decisão e à complexidade inerente dos sistemas de operação-suprimento-logística.

11. COMPORTAMENTO DAS EMPRESAS

Procuramos aqui identificar dois tipos bem diversos de inflação, que o Brasil tem presenciado alternativamente de 1955 para cá. A inflação descontrolada tende a aumentar o lote econômico de compras; a inflação controlada, ao contrário, tende a diminuir esse lote. Ambas as inflações, mas sobretudo a descontrolada, favorecem a prática de comprar antecipadamente, na véspera dos aumentos. Os estoques de reserva tenderiam a diminuir sob a influência de qualquer tipo de inflação.

Como se têm comportado as empresas, nessas condições? No período 1960-1964, houve substancial investimento em estoques. De 1964 a 1979, as empresas tentaram reduzir (em demasia) seus estoques, abandonando (abusivamente) o princípio de manter estoques de reserva. Em 1980, algumas empresas perceberam que seria de novo vantajoso investir em estoques, pois os juros estavam baixos em comparação com a elevação dos demais preços. Já em 1981, a liberação e conseqüente elevação da taxa de juros, muito acima da inflação, impeliram as empresas a reduzir novamente seus estoques. As empresas que agiram desta forma estavam teoricamente na direção certa.

12. CONCLUSÃO

A inflação e as crises pelas quais passam a economia mundial e, em particular, a do País, longe de desalentá-los, devem estimular os setores de Suprimentos a contribuir para os programas de redução de custos e aumento de lucros das empresas.

A teoria clássica dos estoques fundamenta-se em princípios matemáticos, estatísticos e econômicos, que pressupõem um ambiente previsível, com estabilidade monetária, regras do jogo conhecidas de antemão e relacionamentos racionais entre participantes. Examinamos nestas páginas a validade dessa teoria em um ambiente de inflação e crises.

Inflações elevadas, além de perverter o sistema econômico - impedindo, por exemplo, que se meçam corretamente o crescimento, os custos e os lucros das empresas - geram sobressaltos, alternações de crises e euforias, que dificultam a projeção da futura demanda e a elaboração de uma política de estoques.

Embora difícil, não é impossível continuar aplicando os ensinamentos da teoria dos estoques em períodos inflacionários. Apresentamos, neste trabalho, alguns dos mais importantes resultados da teoria dos estoques e mostramos como se adaptam a situações inflacionárias. Outro fenômeno característico da economia nacional recente é a alternação, em rápida sucessão, de ciclos econômicos de prosperidade e crise. Para identificar essas perturbações, é recomendável utilizar métodos sistemáticos de projeção da demanda; intensificar a velocidade da informação no sistema logístico; e tomar decisões rápidas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 1
    É comum a confusão entre os termos estoque mínimo e ponto de reposição, o que deveria ser preliminarmente esclarecido em qualquer estudo sobre estoques.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1981
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