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MIRANDA, Ricardo & Pereira, Televisão

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Maria Cecília Spina Forjaz

Professora titular na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas; mestre em sociologia e doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo; autora dos seguintes livros: Tenentismo e política; tenentismo e camadas médias urbanas na crise da Primeira República (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977) a Tenentismo a Aliança Liberal (São Pauto, Polis, 1978)

Miranda, Ricardo & Pereira, Carlos Alberto. Televisão; as imagens e os sons: no ar, o Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1983. 129 p.

Um livro sobre televisão constitui por si só um evento cultural importante, dado o desinteresse, descuido ou desprezo (ê talvez tudo isso ao mesmo tempo) de intelectualidade brasileira sobre aquilo que é para a grande maioria da população deste pafs fonte quase única de bens culturais e também de lazer.

Eu aposto que o leitor não é capaz de se lembrar de qualquer obra sobre qualquer aspecto da televisão brasileira e imagino que alguns estarão fazendo um muxoxo pela simples consideração da TV como um bem cultural da maior relevância, um dos sadios pontos de partida dos autores.

A estranheza pela carência de estudos nessa área aumenta se considerarmos que o maior difusor de ideologia e o maior formador de opinião pública no Brasil ainda não mereceu a devida atenção de cientistas políticos, sociólogos e antropólogos, e a televisão já está por aqui há mais de 32 anos.

A ênfase do livro está na dimensão cultural do fenómeno televisivo e faz parte de uma coleção da Editora Brasiliense dedicada ao Nacional e o Popular na Cultura Brasileira, englobando textos sobre artes plásticas, literatura, música, cinema e teatro, além de um seminário teórico sobre os conceitos de nacional e popular.

Ouçamos os próprios autores definindo o objetivo central da obra: "Assim, neste seu processo de comunicação com o 'grande público', a TV, 'superando' a diversidade interna deste mesmo público, institui uma representação deste público enquanto 'Povo-nação'. (...) Desta forma, é este processo de comunicação/instituição que pretendemos analisar" (p. 15).

O retrato do Brasil e do povo brasileiro (o nacional-popular) construído pela televisão aparece efetivamente na segunda metade do livro, quando Ricardo Miranda e Carlos Alberto Pereira descrevem, interpretando, alguns programas de grande audiência.

A primeira parte, denominada O texto televisivo, constitui um conjunto, um pouco desordenado, de informações e dados referentes a aspectos técnicos, econômicos, políticos e jurídicos que condicionam a televisão, apresentados de maneira excessivamente genérica.

A abrangência e ao mesmo tempo a superficialidade dessa análise conduz a obviedades do seguinte tipo: "Mas ao lado desta dimensão industrial da televisão está seu caráter de empreendimento comercial. Assim, seus diversos horários são vendidos - e a bom preço - aos anunciantes que colocam então no ar suas mensagens de propaganda, maneira especialmente atraente e eficaz de se dirigir a uma enorme parcela de possíveis consumidores ou de falar com eles - no caso, os telespectadores" (p. 20).

Mas o livro vaie, e muito, quando aparece (a partir da p. 34) o Brasil na TV. E aí a imagem é um globo e o som é o famoso blim-blim. Com toda a razão, os autores alertam imediatamente o leitor que, dado o quase monopólio da Rede Globo, freqüentemente se confunde televisão com aquilo que ela nos oferece.

Se uma emissora concentra aproximadamente 75% do público no horário nobre (tabela na p. 54}, o que significa que cerca de 45 milhões de pessoas assistem, por exemplo, ao Jornal nacional, evidentemente isso justifica um maior foco de análise dirigido para a programação dessa emissora. É o que fazem os autores, começando por uma caracterização do que é o "padrão Globo de qualidade", por oposição ao estilo televisivo das demais emissoras. Em suma, esse padrão é associado ao gosto e aos critérios estético/intelectuais da afluente classe média brasileira dos tempos do milagre econômico.

Pelo fato de configurarem uma determinada representação do Brasil e dos brasileiros e assim constituírem uma certa concepção de nacional e popular, os autores selecionaram para análise os seguintes programas: os seriados brasileiros (Malu mulher, Carga pesada. Plantão de polícia e O bem-amado), O homem do sapato branco. Aqui e agora, O povo na TV, Nosso domingo, Fantástico, o show da vida, Buzina do Chacrinha, Discoteca do Chacrinha, O planeta dos homens, Os trapalhões e Jornal nacional.

A produção dos seriados nacionais, que ocupariam um espaço totalmente dominado pelos "enlatados" estrangeiros, começou em 1979 e o livro relaciona esse fato com a abertura política que possibilitou uma nova tentativa de "redescobrimento" do Brasil.

Quanto aos programas "populares", o livro desmascara brilhantemente a manipulação ideológica que implicam, dissecando os mecanismos pelos quais um suposto assistencialismo e uma suposta expressão de demandas e reivindicações populares constituem na realidade formas de imposição de valores, comportamentos e atitudes às classes populares.

A leitura feita do Fantástico é a mais longa porque ocupa maior número de páginas, mas é a mais curta porque é gostosa de ler, é criativa, é inteligente. Demonstra, principalmente, como o programa opera uma mistificação do conhecimento científico e transfigura o humanismo num assistencialismo piegas.

Quanto às conclusões, seleciono o que me parece o essencial da fala dos autores: "Em uma entrevista de Caetano Veloso, ele afirma o seguinte: 'Eu sou nacional e popular até onde não se pode mais ser.' Caso o entrevistado fosse a TV, o que vale como suposição, ela, parodiando o famoso cantor popular e talvez até com mais direito, certamente afirmaria o mesmo" (p. 129).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1984
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