Acessibilidade / Reportar erro

Conde Matarazzo: o empresário e a empresa

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Marisa Saenz Leme

Conde Matarazzo - o empresário e a empresa

Por José de Souza Martins. 2.ª ed. São Paulo, Hucitec Editora, 1973.

Em Conde Matarazzo - o empresário e a empresa, José de Martins procura, através de um estudo de caso, trazer nova luz sobre o início da industrialização brasileira. A partir da realização de um levantamento sobre o grupo Matarazzo, ele constatou a inoperância ou, pelo menos, a parcialidade das explicações existentes sobre a gênese do nosso desenvolvimento industrial. Procurou então formular novas hipóteses que norteassem e ampliassem o seu estudo inicial.

Segundo o autor, os diversos trabalhos existentes não aprofundavam o problema da implantação da indústria no Brasil, estendendo-se mais sobre a sua consolidação, e referiam-se principalmente ao aspecto econômico, passando o sociológico quase despercebido. José Martins propôs-se, então, a elaborar novas hipóteses relativas ao aspecto econômico, preliminares ao objetivo do trabalho, para então chegar á hipótese fundamental, sobre o aspecto sociológico do problema. Neste ponto, importava compreender a ação dos agentes históricos, no caso empresários e operários, não como mecanicamente constituída a partir do econômico, mas como produto das inter-relações entre os processos socioculturais e econômicos mais gerais. Adquiria grande significado a mediação dos grupos intermediários entre indivíduo e sociedade, como a família, a comunidade, os grupos religiosos, recretativos etc.

Daí a importância do estudo de caso para este trabalho. Se, por um lado, o estudo restrito do grupo, sem referência à sociedade inclusiva, seria limitativo, por outro, a plena elucidação dos processos institucionais só poderia ser feita através de um exemplo concreto. Ressalte-se que, para o sociólogo, importa comprender o sentido da ação dos indivíduos à luz dos processos gerais e vice-versa.

O grupo Matarazzo foi escolhido como unidade do estudo de caso por ser mais representativo da situação: além de ser o mais antigo, abrange de modo mais intenso e diversificado os vários problemas relativos à implantação da indústria no Brasil. Tornou-se para a análise o "grupo econômico" considerado como o "conjunto estável e relativamente poderoso de firmas interligadas pelo capital e o poder de decisão de dirigentes comuns". Pela posição-chave que o conde Francisco Matarazzo ocupava no grupo e como principal dirigente quanto ao poder de decisão, as informações sobre o grupo foram necessariamente mediatizadas através da sua pessoa.

Quanto à coleta de dados, tornava-se problemática a fidedignidade das informações obtidas através de entrevistas com os elementos contemporâneos do grupo, uma vez que antes, consciente ou inconscientemente, tenderiam a escamotear os dados, no sentido de preservar a sua posição e a imagem mítica que se formou do conde. Decidiu-se então o autor pela reconstrução histórica do grupo, procurando situar certos "eventos estratégicos" e localizar "indícios de fatos relevantes para a confirmação ou rejeição das hipóteses orientadoras da pesquisa".

No desenrolar do trabalho, o autor mostra, num primeiro momento, a formação da empresa do grupo Matarazzo, isto é, a obra do empresário e o resultado da sua ação, a qual, face às condições exteriores à empresa e a ele próprio, é vista através da variação sofrida na posse do capital e no objetivo da atividade, o que permite delimitar as diversas fases da formação da empresa, que, por sua vez, são correspondentes a diferentes momentos da formação econômica brasileira.

O aspecto mais relevante da formação da empresa é o fato de as atividades industriais do grupo estarem, de início, estreitamente ligadas a atividades comerciais, de importação e exportação, originando-se aí o capital empregado no desenvolvimento da empresa industrial. Por outro lado, tais atividades comerciais do grupo possibilitaram-lhe alcançar o mercado consumidor para seus produtos industriais. Estes fatos comprovam as hipóteses preliminares do autor, no sentido de que a industrialização brasileira foi possível mediante a utilização, pelos grupos industriais, dos mecanismos econômicos oriundos do domínio decadente da sociedade agrário-exportadora, seja pela estimulacão dos importadores, seja por perturbações nos vínculos importador-consumidor, Estas explicações contrapõem-se a outras existentes, de que a industrialização brasileira desenvolveu-se a partir da ruptura com a sociedade agrário-exportadora, através de um inevitável processo de substituição de importações.

Num segundo momento, o autor procura captar o sentido da ação do empresário. Mostra então a importância e a relativa independência em relação ao econômico dos fatores socioculturais na formação do comportamento dos agentes históricos. O conde Matarazzo é socializado numa família de origem nobre, em decadência, numa comunidade de caráter estamental, que se encontrava sob o impacto da dissolução de suas bases econômicas, produzida pelo capitalismo. Não encontrando na sua terra natal meios de manter sua "posição" e de realizar sua vida de acordo com os valores estamentais que internalizara, Francisco Matarazzo vai tentar realizar tais valores sobre as bases econômicas que lhe proporciona o capitalismo. Agindo objetivamente de acordo com os padrões capitalistas, subjetivamente conservava e tentava realizar os padrões estamentais. Este conflito é que explica o sentido de sua ação e mostra a sobrevivência, numa formação econômica atual, de uma herança cultural originada na formação econômica ultrapassada.

A síntese destes dois aspectos - a formação da empresa a partir das condições da economia brasileira de então e o sentido subjetivo da ação do empresário - é que proporciona o quadro explicativo da gênese da industrialização brasileira. Desta forma, a economia industrial surgiria no contexto de uma sociedade agrário-exportadora, utilizando-se da dissolução dos padrões clássicos de funcionamento desta sociedade. Em conseqüência, a estrutura social resultante da industrialização estaria eivada dos valores e da organização da sociedade tradicional.

Conde Matarazzo - o empresário e a empresa é a segunda edição, revista e ampliada, da tese de mestrado em sociologia, pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, de José de Souza Martins. A primeira publicação, com o título de Empresário e empresa na biografia do conde Matarazzo, foi feita pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro e teve circulação quase que exclusivamente universitária. O interesse despertado, entretanto, justificou nova edição, que se estende a público mais amplo. Lamentamos que iniciativas deste tipo, de publicação comercial das teses surgidas no meio universitário, sejam ainda muito raras no nosso País.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Abr 1974
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br