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Planejamento estratégico aplicado numa indústria de defensivos agrícolas

ARTIGO

Planejamento estratégico aplicado numa indústria de defensivos agrícolas

Hong Yuh Ching

Gerente de Controle Financeiro da Divisão Agrícola da ICI Brasil S.A.; bacharel em administração de empresas e pós-graduado em finanças pela EAESP/FGV; membro da Sociedade Brasileira de Planejamento Empresarial (SPE)

1. INTRODUÇÃO

A formulação do plano estratégico é de suma importância em qualquer empresa, pois ele representa o documento-base decorrente da elaboração do processo de planejamento estratégico. Assim sendo, a empresa necessita desse processo de planejamento estratégico de uma forma estruturada, que se canalize para um plano estratégico.

Este artigo mostra as etapas para formulação desse plano e disseca cada uma delas de uma forma prática para o leitor. São elas as seguintes:

- diagnóstico ambiental externo;

- diagnóstico ambiental interno;

- fatores de pressão ambiental e uso de cenário;

- definição dos objetivos;

- formulação de estratégias;

- análise dos riscos e do impacto das incertezas.

2. DIAGNÓSTICO AMBIENTAL EXTERNO

O Brasil é um país de rápidas mudanças e ambiente instável para se operar um negócio. Quanto maior a instabilidade do ambiente, maiores são os riscos a serem analisados; mais planos contingenciais precisam ser desenvolvidos; a administração tem que ser mais flexível e dinâmica; mais indicadores externos passam a exigir monitoração - todos estes fatos têm que ser levados em conta ao se estabelecerem as premissas sobre as quais se vai assentar a estratégia da organização. Nessa etapa de diagnóstico externo busca-se coletar e identificar os principais fatos ambientais com reflexos nas atividades da organização.

Neste modelo estratégico, as seguintes premissas devem ser olhadas para o diagnóstico ambiental externo.

2.1 Fatores Internacionais

Listar os principais fatores ambientais internacionais que possam afetar direta ou indiretamente nossas atividades no presente ou no futuro. Entre esses fatores, podemos destacar: aumento do protecionismo, barreiras tarifárias, comportamento do dólar frente a outras moedas fortes, comportamento do crescimento da economia americana, relações comerciais com os diversos parceiros brasileiros.

2.2 Situação econômica e agrícola no Brasil

Premissas de evolução da inflação: taxas do PIB; taxas do desemprego; comportamento do déficit público; balanço de pagamento em equilíbrio; política agrícola mais clara e transparente aos agricultores; estímulo às culturas básicas; crescimento da área total plantada; maiores melhorias tecnológicas (desenvolvimento dos cerrados, projetos de irrigação).

2.3 Situação política no Brasil

Identificar os diversos fatos do contexto ambiental político brasileiro, cujas evoluções possam trazer reflexos; nível de credibilidade interna e externa ao novo governo; democracia como regra permanente; mais atenção a questões sociais e diálogo com sindicatos; revitalização da classe média brasileira.

3. DIAGNÓSTICO AMBIENTAL INTERNO

Essa é uma etapa voltada para um ambiente menos macro e mais micro onde se procura conhecer a organização, sua clientela, concorrência, seus produtos, serviços, recursos humanos e desempenho financeiro.

A segmentação dos defensivos, para efeitos deste modelo, é feita a partir deste momento em três categorias: herbicidas, inseticidas e fungicidas.

3.1 Diagnóstico do mercado e suas forças direcionais

Deve-se conhecer a fundo o mercado em que a empresa atua, seu tamanho, sua dinâmica, seu potencial de crescimento e, principalmente, as forças direcionais que o afetam. No setor de defensivos agrícolas, o crescimento do mercado e o potencial de crescimento em termos reais são considerados como resultado de quatro forças direcionais principais:

- aumento da área plantada;

- penetração crescente dos mercados existentes;

- uso dos substitutivos de maior valor para os produtos existentes;

- nível de infestação das ervas, pestes e fungos.

Outros fatores influenciam as forças direcionais. Estas forças direcionais (cujo conhecimento é muito importante para avaliar o tamanho e dinâmica do mercado) e fatores influenciadores são vistos na figura 1.


Pela análise dos dados relativos a área plantada por cultura nos três segmentos analisados no Brasil, consumo passado e atual dos defensivos, taxa de crescimento composto do consumo nos últimos 10 anos e estimativa para os próximos anos, bem como potencial de crescimento por cultura e segmento baseado nas forças direcionais que influenciam o mercado, pode-se identificar qual o segmento que representa a maior fatia e o maior potencial e os segmentos seguintes. Na tabela 1, ilustramos com dados fictícios que o segmento herbicida num determinado ano é o que representa a maior fatia (52,5% do total), seguido do inseticida (30%) e fungicida (17,5%).

Na matriz cultura/segmento (tabela 2), identificamos ainda quais são as mais importantes culturas por segmento, por uso de defensivos. Assim, por exemplo, a cultura de soja no segmento herbicida é a mais importante, por uso de defensivos, com consumo anual de US$ 200 milhões.

3.2 Maturidade do setor industrial

O conhecimento do estágio de maturidade de um setor industrial é extremamente importante para a empresa porque a maturidade reflete seu grau de desenvolvimento, estabilidade e influência, as estratégias disponíveis para a empresa, sua performance esperada e a natureza dos sistemas administrativos

Uma das formas de se avaliar a maturidade é listar os diversos fatores que a afetam e discutir seus estágios de maturidade industrial, conforme visto no quadro 1.


Para cada setor industrial, devem existir fatores específicos e diversos desses estão relacionados no quadro 1 a título ilustrativo.

3.3 Análise da concorrência

Um perfil detalhado de cada concorrente deve ser produzido, cobrindo itens como evolução de participação de mercado por companhia e por segmento, amplitude dos portfólios de produtos, posição competitiva de cada produto concorrente direto, geração de caixa para o negócio, distribuição física das regiões de vendas, relacionamento com clientes, capacidade de formulação e produção, canais de distribuição, fatores tecnológicos, recursos alocados para pesquisa e desenvolvimento, estrutura de custos, elasticidade dos preços, qualidade do time gerencial, robustez financeira e importância para e da empresa-mãe.

Uma vez que os pontos fortes e fracos tenham sido levantados na análise destes itens de concorrência, eles devem ser comparados com os nossos e sobrepostos em forma matricial. Esta forma matricial permite ressaltar os pontos fracos em relação à concorrência - que devem ser cobertos - e reforçar os pontos fortes - para continuar com vantagem.

Uma outra análise consiste em avaliar as forças competitivas das companhias na indústria através de seleção de alguns fatores críticos de sucesso, tais como a amplitude do portfólio de produtos, a relação entre preço e performance dos produtos em cada segmento, a relação baixo custo versus valor em uso (flexibilidade de preço), a existência de um marketing efetivo e marcante, a qualidade do time gerencial.

A posição competitiva, em termos de participação no mercado, a força competitiva e a posição competitiva como um todo, para cada companhia, são então plotados em matriz (ver quadro 2) numa escala, movendo-se de "dominante" para "fraco".


Essa matriz deve ser desenvolvida primeiramente para cada segmento, determinando-se a posição competitiva geral de cada empresa e, finalmente, numa base consolidada da indústria, levando-se em consideração a posição competitiva em cada segmento versus a participação relativa de cada segmento.

Uma subanálise da posição competitiva pode ser feita por produtos em cada segmento, podendo servir de suporte para a classificação de cada empresa.

Este mesmo exercício deve ser feito para cada uma das principais companhias concorrentes, por segmento e em base consolidada, para então ser confrontado e comparado com a nossa empresa, tal como se faz no quadro 3.


Posição competitiva - sumário. Com base na análise da maturidade do setor industrial mais a análise de concorrência, em termos de posição competitiva, determina-se, finalmente, o business portfolio por segmento e a "posição geral da empresa no campo", conforme se vê na figura 2.


As mudanças desejadas no business portfolio e que vão gerar melhora na "posição geral da empresa" serão fruto das estatégias a serem estabelecidas adiante.

3.4 Canais de distribuição

A importância do conhecimento adequado da estrutura dos canais de distribuição e de suas possíveis alternativas é geralmente relegada a um segundo plano dentro da etapa do diagnóstico ambiental interno. Experiências comprovam que muitas oportunidades deixaram de ser aproveitadas pela não utilização e aproveitamento de todos os possíveis canais de distribuição.

Deve-se fazer um levantamento histórico de como as vendas têm-se realizado nos diversos canais de distribuição (revendas, cooperativas, vendas diretas, e outros), bem como da participação das vendas pelo número de clientes (curva ABC).

Estas duas análises permitirão indicar então quais clientes e canais de distribuição vêm-se tornando importantes ao longo dos anos e em que clientes e canais devemos concentrar nossos esforços de venda.

3.5 Capacitação gerencial

Reflexões têm de ser feitas internamente para se avaliar: a qualidade do time gerencial, em termos de compromisso e dedicação aos resultados planejados; a estrutura organizacional da companhia, em termos funcionais e racionais; e um programa adequado de treinamento que leve ao desenvolvimento gerencial e ao planejamento de carreira.

Dentro deste item, pode ser colocada a questão pessoal e instrumental para Pesquisa & Desenvolvimento. Temos habilidades suficientes para progredir com P & D? Que esforços podem ser alocados para o desenvolvimento de produtos novos e melhoramento dos já existentes?

4. FATORES DE PRESSÃO AMBIENTAL E USO DE CENÁRIOS

Uma vez definidos e elaborados o diagnóstico ambiental externo - cujos fatores vão afetar direta e indiretamente o potencial do crescimento do mercado de defensivos - e o diagnóstico ambiental interno - onde se procura obter um conhecimento mais claro das possibilidades que a empresa possui e suas inter-relações com a concorrência -, a etapa seguinte é listar diversos fatores de pressão ambiental que afetam nosso negócio. Em seguida, desenvolver dois cenários baseados em oportunidades e ameaças que identificamos em nosso setor: um pessimista, onde as ameaças aumentam mais rapidamente que as oportunidades, e um outro otimista, onde as oportunidades crescem mais depressa, se comparadas com as ameaças.

O uso da técnica de cenário consiste numa descrição de possíveis mundos futuros, com base em premissas coerentes de evolução social, política, econômica e tecnológica. Neles, as conseqüências de determinadas estratégias escolhidas no presente são examinadas, com a demonstração clara dos riscos e da incerteza na tomada de decisão estratégica.

Os objetivos para todas as áreas da empresa são estabelecidos e em seguida formulam-se estratégias coerentes e consistentes que possibilitem garantir a sua sobrevivência, atingir aqueles objetivos e fazê-la progredir em ambos os cenários. Alguns fatores de pressão ambiental são listados no quadro 4 apenas para efeito de exemplificação, com premissas de evolução nos cenários pessimistas e otimistas.


Assim, para efeito ilustrativo, dizemos que o fator econômico - controle de preços pelo CIP - no cenário pessimista seria continuar mais rígido, e exigindo que pleitos para aumento de preços sejam encaminhados ao CIP, com base na inflação passada. Por outro lado, no cenário otimista, este controle seria mais brando, sujeito à liberdade vigiada, onde as empresas poderiam aumentar seus preços sem prévia aprovação do CIP, bastando apenas encaminhar-lhe a lista de preços.

Este fator econômico deve ser analisado, no contexto dos demais fatores de pressão ambiental, à luz destes dois cenários; os objetivos devem ser definidos e as estratégias, escolhidas, com o claro reconhecimento das conseqüências, riscos e incertezas envolvidos.

Não foram considerados como ameaça ao setor de defensivos agrícolas os demais "concorrentes", como defensivos naturais, defensivos biológicos desenvolvidos através de biotecnologia, novas variedades de cultura mais resistentes a peste e fungos ("concorrentes" esses que são, na verdade, mais encarados como produtos substitutos), por estarem em estágio não rentável comercialmente, ainda se situando numa fase embrionária de desenvolvimento e pesquisa.

5. DEFINIÇÃO DOS OBJETIVOS

É a etapa onde se define onde estamos e aonde queremos chegar. Como são essenciais à sobrevivência da empresa, eles devem ser definidos em conjunto por todo o corpo gerencial da empresa. Para tanto, deve-se ter objetivos explicitados para todas as áreas da empresa.

5.1 Objetivos financeiros

Inúmeros são os objetivos financeiros que uma empresa pode traçar. Dentre eles, citamos dois, para efeito ilustrativo:

- manter o negócio com liquidez e cash flow positivo;

- manter nível dos estoques abaixo da meta de Cz$ x.

5.2 Objetivos da produção

O mesmo se dá com os objetivos da produção, que podem variar de empresa para empresa. Podem ser, entre outros:

- aumentar a produtividade de modo a refletir redução de custos;

- manter altos padrões de qualidade.

5.3 Objetivos de recursos humanos

Alguns destes objetivos podem ser:

- elevar e fortalecer o nível organizacional da companhia;

- adotar um estilo gerencial mais descentralizador e de delegação.

5.4 Objetivos de marketing

Dentre outros, destacamos:

- obter x percentagens de participação no mercado para cada segmento;

- identificar e explorar as oportunidades mercadológicas que possam dar um bom retorno para o negócio como um todo.

6. FORMULAÇÃO DE ESTRATÉGIAS

São formas para alcançar os objetivos, através de uso dos recursos da empresa, seus pontos fortes e oportunidades. Devem ser concretas e consistentes, para atingir os objetivos, fazer a empresa progredir em ambos os cenários e garantir a sua sobrevivência. Para os objetivos traçados em cada área, devem ser formuladas as respectivas estratégias.

6.1 Estratégia financeira

Assim como os objetivos, inúmeras podem ser também as estratégias financeiras que servirão de respostas para atingir os objetivos definidos anteriormente. Citamos, dentre outras:

- otimizar produtos com boa rentabilidade e concentrar esforços para melhorar os de baixa rentabilidade;

- não assumir empréstimos e trabalhar com recursos próprios e de fornecedores.

6.2 Estratégia de produção

Por exemplo:

- manter intercâmbio técnico com a matriz e outras fábricas; etc.

6.3 Estratégia de recursos humanos

Uma estratégia pode consistir em:

- construir uma estrutura mais sofisticada de pessoal que reflita uma administração salarial, um planejamento de carreira, promoção, compensação e benefícios, etc.

6.4 Estratégia de marketing

Algumas dessas estratégias podem ser as seguintes:

- desenvolver nichos de mercado, optando por obter uma pequena e defensável porção do mercado disponível;

- defender posição de alguns produtos/subsegmentos, criando barreiras que dificultem a concorrência, do ponto de vista de custo e risco.

7. ANÁLISE DE RISCOS E O IMPACTO DAS INCERTEZAS

Devemos ter em mente que, para progredir em ambos os cenários e conseguir efetivar com sucesso todas as estratégias (e conseqüentemente a técnica de uso de cenários), o negócio estará sujeito a riscos internos e externos. Deve-se identificar os riscos maiores e fazer uma avaliação qualitativa da probabilidade de ocorrência e do nível provável de impacto dessas incertezas nos negócios.

Novamente, para efeito ilustrativo, listamos alguns fatores de risco e o impacto das incertezas no quadro 5.


Assim, a ocorrência da seca tem uma probabilidade muito baixa de ocorrer, mas, se ocorrer, seu impacto será extremamente alto nos negócios da organização. A ação a ser tomada pela administração é no sentido de dirigir os maiores esforços para evitar que estes fatores de risco aconteçam e estabelecer planos contingenciais no caso de eles acontecerem em níveis além do controle. Só então a técnica de uso de cenários terá sucesso.

8. PLANOS ESTRATÉGICOS DE AÇÃO

Representam o desdobramento operacional das orientações estratégicas selecionadas e referem-se à descrição dos passos a serem seguidos em cada estratégia; à formulação das ações táticas; à quantificação do quadro de pessoal necessário e à identificação do pessoal responsável para cada ação tática; à especificação dos objetivos, metas e diretrizes; e ao estabelecimento de um timetable e de orçamentos para cada tática.

Finalmente, os planos de ação devem ser traduzidos em orçamentos operacionais e transmitidos para cada área funcional responsável para sua execução. Os resultados de performance estratégica possibilitam à empresa monitorar, controlar os resultados e ter os feedbacks numa base regular.

  • Hayes/Hill Incorporated Management Consultants. Competitive analysis - Hayes/Hill Report. Documento interno.
  • ICI Brasil & Little, Arthur D. Strategic study. São Paulo, maio/jun. 1984. Documento interno
  • Little, Arthur D. Um sistema de administração para a década de 80. São Paulo, ago. 1982. Documento interno.
  • Tayllor, Bernard. Scenario planning to the rescue. Chel-wood Review, England, Gower Press, n.6 July 1979.
  • ______ & Sparkes, John. Corporate strategy and planning. England, Willian Heineman, 1979.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Set 1987
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