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Status profissional e gênero na atribuição intercultural de afetos no trabalho

Effects of professional status and gender on the intercultural attribution of affects in the workplace

Resumos

Este artigo aborda os impactos de fatores contextuais na atribuição de afetos a um supervisor e um empregado interagindo em uma situação rotineira de trabalho. Participaram do estudo 465 estudantes universitários de Salvador e Madri. O objetivo é apresentar uma análise qualitativa das respostas a uma questão aberta em que se pedia ao participante da pesquisa que se colocasse no lugar do supervisor e do empregado atribuindo afetos a cada um dos atores. Concluiu-se que espanhóis e brasileiros atribuem afetos semelhantes. Tanto espanhóis quanto brasileiros atribuem afetos ambivalentes (positivos e negativos) aos dois atores, a despeito de suas diferenças de status (supervisor ou empregado) e gênero (homem ou mulher). Outra conclusão é que, embora espanhóis e brasileiros percebam que a interação entre o supervisor e o empregado é cordial e amigável, sinal da boa qualidade na interação entre os dois atores, identificam prepotência e antipatia.

Atribuições de afetos; Estereótipos ocupacionais; Interações no trabalho; Status no trabalho; Gênero no trabalho


The impact of contextual factors on the attribution of affect between a supervisor and an employee within a routine working situation are explored in the present article. Therefore, 465 students of Salvador and Madrid were asked to take the perspective of a supervisor or employee. The qualitative analysis of the results showed that both Brazilians and Spaniards attributed ambivalent (i.e., positive and negative) affects to both actors, regardless of their status and gender. In addition, Brazilians and Spaniards perceived the interactions as being warm and friendly, and therefore as a good relationship, they also felt that it was characterized by arrogance and dislike.

Attribution of affect; Work stereotypes; Work interactions; Work status; Gender in the workplace


GESTÃO HUMANA E SOCIAL

Status profissional e gênero na atribuição intercultural de afetos no trabalho

Effects of professional status and gender on the intercultural attribution of affects in the workplace

Sônia Maria Guedes GondimI; José Luis Álvaro EstramianaII; Inge Schweiger GalloIII; Clara Mutti VasconcellosIV; Mirele Cardoso BonfimV

IDoutora em Psicologia Social e da Personalidade pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora associada do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Rua Aristides Novis, 197, Federação - Salvador - BA - Brasil - CEP 40210-909. E-mail: sggondim@ufba.br

IIDoutor pela Universidad Complutense de Madrid - Espanha. Professor da Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia da Universidad Complutense de Madrid. Campus de Somosaguas - Pozuelo de Alarcón - 28223 - Madrid - Espanha. E-mail: jlalvaro@cps.ucm.es

IIIDoutora pela Universidad Autónoma de Madrid - Espanha. Professora da Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia da Universidad Complutense de Madrid. Campus de Somosaguas - Pozuelo de Alarcón - 28223 - Madrid - Espanha. E-mail: ingesg@cps.ucm.es

IVMestre em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora substituta do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia. Rua Frederico Edelweiss, 262, Rio Vermelho - Salvador - BA - Brasil - CEP 41940-270. E-mail: caumutti@hotmail.com

VMestre em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora do Departamento de Ciências Humanas e da Saúde da Universidade Salvador (Unifacs). Rua Rodolpho Coelho Cavalcanti, 289, Stiep - Salvador - BA - Brasil - CEP 41750-166. E-mail: mirelebonfim@yahoo.com.br

RESUMO

Este artigo aborda os impactos de fatores contextuais na atribuição de afetos a um supervisor e um empregado interagindo em uma situação rotineira de trabalho. Participaram do estudo 465 estudantes universitários de Salvador e Madri. O objetivo é apresentar uma análise qualitativa das respostas a uma questão aberta em que se pedia ao participante da pesquisa que se colocasse no lugar do supervisor e do empregado atribuindo afetos a cada um dos atores. Concluiu-se que espanhóis e brasileiros atribuem afetos semelhantes. Tanto espanhóis quanto brasileiros atribuem afetos ambivalentes (positivos e negativos) aos dois atores, a despeito de suas diferenças de status (supervisor ou empregado) e gênero (homem ou mulher). Outra conclusão é que, embora espanhóis e brasileiros percebam que a interação entre o supervisor e o empregado é cordial e amigável, sinal da boa qualidade na interação entre os dois atores, identificam prepotência e antipatia.

Palavras-chave: Atribuições de afetos; Estereótipos ocupacionais; Interações no trabalho; Status no trabalho; Gênero no trabalho.

ABSTRACT

The impact of contextual factors on the attribution of affect between a supervisor and an employee within a routine working situation are explored in the present article. Therefore, 465 students of Salvador and Madrid were asked to take the perspective of a supervisor or employee. The qualitative analysis of the results showed that both Brazilians and Spaniards attributed ambivalent (i.e., positive and negative) affects to both actors, regardless of their status and gender. In addition, Brazilians and Spaniards perceived the interactions as being warm and friendly, and therefore as a good relationship, they also felt that it was characterized by arrogance and dislike.

Keywords: Attribution of affect; Work stereotypes; Work interactions; Work status; Gender in the workplace.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo aborda o tema dos afetos em contextos de trabalho com base na análise qualitativa das atribuições de emoções e sentimentos de brasileiros e espanhóis a supervisores e empregados em situação de interação de trabalho. A análise está centrada nos afetos positivos e negativos atribuídos a status profissionais diferenciados (supervisores e empregados) e gêneros distintos (homens e mulheres), e faz comparações entre os dois países e a formação profissional dos participantes (administradores e engenharia).

Antes de apresentar detalhes do referido estudo intercultural, será feita uma breve introdução sobre a importância dos afetos nas interações sociais e, em especial, nas interações de trabalho, para, em seguida, descrever, em outra seção, o referencial teórico.

Uma das principais finalidades dos afetos é ajudar nas interações sociais, provendo informação, evocando resposta emocional na outra pessoa e oferecendo estímulo para orientar o comportamento alheio (SHIOTA et al., 2004; DARWIN, 1872; IZARD; ACKERMAN, 2004). Para garantir a continuidade das relações sociais, aprendemos, no decorrer do processo de socialização, a regular os estados afetivos, discernindo as emoções e os sentimentos a serem expressos ou suprimidos e ajustando sua intensidade aos diversificados contextos sociais.

Um dos componentes da experiência emocional, que consiste na autoconsciência das mudanças dos estados afetivos internos, é a sua expressão, que faculta ao observador externo a interpretação do que alguém esteja sentindo e tentando comunicar pela sua face, por gestos e tom de voz (LEWIS, 2004). A tristeza, a raiva e o medo, por exemplo, são mais facilmente identificados pelo tom de voz, enquanto a alegria e o contentamento são mais perceptíveis pela imagem facial, fortemente associada a um largo sorriso (JOHNSTONE; SCHERER, 2004). Cabe assinalar, todavia, que as expressões emocionais são ambíguas e variam na nitidez com que alguém as torna públicas nos variados contextos. Ou seja, a pessoa pode tentar esconder o que sente ou pode simular um sorriso, compelida pelo contexto social, conforme sua avaliação da pertinência de se evidenciar o que realmente está sentindo.

Aliás, a preocupação de alguns estudiosos das emoções e dos sentimentos é que a demanda por um padrão específico de expressão emocional vem se tornando cada vez mais frequente no exercício de algumas ocupações de contato direto com o público, tais como os comissários de bordo e os teleatendentes, o que coloca em risco o bem-estar pessoal. Hochschild (1979, 2003) afirma que, em tais ocupações, há uma demanda crescente de expressões emocionais específicas e padronizadas que exige do trabalhador manter-se sorrindo para o cliente, mesmo que ele esteja sendo rude. Mas sustentar padrões de expressão emocional exige grande esforço do trabalhador, o que é agravado à proporção que cresce a dissonância entre o que efetivamente se sente e o que é recomendável sentir e expressar, gerando um grande custo pessoal que ameaça o bem-estar.

A revisão da literatura da área permite concluir que o estudo dos afetos em contextos de trabalho ficou relegado a um segundo plano entre os estudiosos das organizações, principalmente em decorrência da crença de que a emoção seria disfuncional para a racionalidade organizacional. Apesar de os estudos das emoções nunca deixarem de ter um espaço elevado no campo da psicologia e da sociologia para explicar o desenvolvimento humano e as relações sociais, somente há poucas décadas os pesquisadores da área de comportamento organizacional passaram a se interessar pelo tema das emoções no trabalho.

A pesquisa a ser apresentada neste artigo aborda os estados afetivos no ambiente de trabalho a partir do enfoque das atribuições de emoções e sentimentos a supervisores e empregados. Adota-se a premissa de que agimos com os colegas de trabalho com base nas atribuições que fazemos de seus estados afetivos, principalmente pela interpretação de suas expressões faciais emocionais associadas às informações que temos sobre o seu status profissional e gênero, o que acreditamos ter impacto na qualidade das interações no trabalho.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A influência de processos sociais e culturais na percepção subjetiva dos próprios estados afetivos e de outras pessoas, e a relevância da expressão, percepção e interpretação de estados afetivos para as interações sociais estão sendo estudadas por vários autores (BARBALET, 2002; BURKITT, 2002; PARKINSON; FISCHER; MANSTEAD, 2005; OATLEY; KELTNER; JENKINS, 2007; TURNER; STETS, 2005).

Com relação à atribuição de emoções, Caroll e Russel (1996) afirmam que ela ocorre a partir da observação de comportamento e das expressões emocionais faciais. Algoe, Buswell e De Lamater (2000), por sua vez, chamam atenção para a ambiguidade das expressões emocionais e destacam que fatores contextuais, como informações sobre status e gênero, funcionam como dicas que são levadas em consideração no momento de atribuir estados afetivos a outras pessoas.

Em outras palavras, as proposições da teoria da avaliação da emoção, a codificação e decodificação dos afetos nos auxiliam a interpretar o comportamento emocional de outrem ao levar em conta a sua expressão motora (tom de voz, face e gestos), o conhecimento disponível sobre ele e as informações da situação social na qual se encontra (SCHERER, 1986; FRIDJA, 1986; HESS; KIROUAC, 2004). Em síntese, os estados afetivos não são indiferentes ao contexto, pois tanto a experiência subjetiva quanto a inserção no mundo social estão implicadas na construção dos significados, que podem variar de cultura para cultura e também em situações distintas de uma mesma cultura (HARRÉ; PARROTT, 1996; ROZIN, 2003; MESQUITA, 2003; JOHNSON-LAIRD; OATLEY, 2004).

Kemper (2004), em sua teoria interacional social das emoções, enfatiza que a percepção de maior ou menor status e poder é altamente relevante na emergência de afetos nas interações sociais. Desse modo, se um supervisor for indelicado com o empregado, ele estará mais propenso a sentir culpa do que o empregado, pois pode perceber o seu ato como um abuso de seu status profissional sobre o colega. Por sua vez, o empregado que for indelicado com o supervisor estará mais propenso a sentir medo, em virtude de reconhecer que o status elevado do outro ator permite antever uma consequência negativa para o seu ato. As atribuições também obedecem à mesma lógica. Ao se perceber o supervisor como tendo mais status e poder que o empregado, ao primeiro serão atribuídos mais afetos positivos do que ao segundo, este último sendo percebido como mais propenso a manifestar medos e inseguranças.

Em resumo, se as expressões faciais emocionais são facilmente interpretadas, e alguns autores as consideram decisivas (cf. TOMKINS; IZARD, 1965; TOMKINS, 1991), não apreendemos de modo direto todas as emoções e os sentimentos de uma outra pessoa apenas por meio delas, pois, em contextos de trabalho, por exemplo, a diferença de status entre os atores (supervisores e empregados) tem impactos no julgamento que fazemos de seus estados afetivos e de sua adequação (KEMPER, 2004; SAARNI, 2004). A raiva, por exemplo, é mais tolerada naqueles que ocupam posições elevadas na hierarquia do que nos que se encontram alocados em posições inferiores (AVERILL, 1997 apud HESS; KIROUAC, 2004).

As atribuições de afetos a atores na interação de trabalho têm sido objeto de estudo de pesquisas interculturais, evidenciando que, em contextos variados, os julgamentos modificam-se. Uma das conclusões da pesquisa intercultural de Cooper e Kirkcaldy (1995) sobre as percepções mútuas de gerentes alemães e ingleses corrobora a existência de estereótipos gerenciais (estereótipos são aqui definidos como crenças compartilhadas sobre características e atributos comuns aos membros de grupos sociais específicos).

Outros estudos sobre estereótipos ocupacionais de gênero concluem que ambos exercem influência nas decisões de contratação (JUODVALKIS et al., 2003), o que, em outras palavras, quer dizer que dividimos as ocupações em masculinas e femininas, e o fato de fazermos essa divisão interfere no julgamento do melhor candidato para ocupar um cargo específico. Essas afirmações vão ao encontro de outras investigações interculturais cujos autores, apesar de admitirem ter crescido o número de mulheres em cargos gerenciais, concluem que o estereótipo ocupacional de gênero é a maior barreira à ascensão funcional feminina (GATTON; DUBOIS; FALEY, 1999; DEAL; STEVENSON, 1998). E a diferenciação entre cultura feminina e masculina oferece suporte a essas proposições. Hofstede (1980) descreve a primeira como aquela cuja atenção está focada nas outras pessoas e na qualidade dos relacionamentos, enquanto a segunda é marcada pela valorização materialista e pela assertividade. Em consonância com essas ideias, o estudo de Ramgutty-Wong (2000) sobre atitudes em relação a mulheres gerentes conclui que pessoas de ambos os sexos experimentam desconforto diante da possibilidade de serem chefiadas por mulheres, sugerindo que o estereótipo ocupacional de gênero também atua na percepção feminina. Em nosso entendimento, o maior problema é que o estereótipo ocupacional de gênero se apresenta como um fenômeno transcultural, difundindo a crença de que os homens são melhores gerentes do que as mulheres, já que são percebidos como mais assertivos, ao passo que elas são avaliadas como emotivas e preocupadas com os relacionamentos (SAUERS; KENNDY; O'SULLIVAN, 2002; SCHEIN et al., 1996; HOFSTEDE, 1980).

Em contraposição, Brody e Hall (2004) afirmam ser as mulheres mais simpáticas e expressivas em sua comunicação emocional facial e gestual que os homens. E o fato de se perceber a mulher como mais expressiva e sensível aos estados afetivos de outrem parece ser a justificativa para sua contratação em cargos gerenciais, embora tais admissões estejam ocorrendo com mais frequência em organizações consideradas de cultura feminina. Obviamente, as razões de ascensão da mulher a cargos de gerência decorrem de uma série de fatores. O aumento da escolaridade permitiu que a mulher tivesse as condições mínimas necessárias para competir, em igualdade com os homens, pelos mesmos cargos. O adiamento da maternidade e a utilização de suportes sociais contribuíram para que a mulher conseguisse equilibrar as demandas da família e da profissão. Mas não se pode esquecer que as empresas veem vantagem na contratação de mulheres para cargos gerenciais porque elas ainda recebem uma remuneração bem menor para exercer as mesmas atribuições que seus colegas homens. Há, todavia, alguns tipos de organizações que valorizam as habilidades gerenciais femininas, dentre elas a performance emocional, considerando-a um requisito fundamental para assumir posições de comando e coordenação (GOLEMAN, 1996).

Alguns podem estar se perguntando qual a razão de se introduzirem alguns parágrafos sobre os estereótipos ocupacionais de gênero na seção de referencial teórico de um artigo sobre atribuições de afetos no trabalho. Tais estereótipos, no entanto, decorrem de processos cognitivos de atribuição e interferem significativamente em decisões que rebatem na qualidade das interações em ambientes de trabalho, em especial, no bem-estar afetivo das relações de supervisores e empregados, foco deste artigo. Ademais, tanto os estereótipos ocupacionais quanto outros processos que envolvem atribuições de intenção às ações de outras pessoas são, em grande medida, aprendidos no processo de socialização que varia de cultura para cultura.

Por meio da socialização, aprende-se a expressar emoções e sentimentos de acordo com as expectativas sociais, de gênero, status profissional, prestígio e posição social, do mesmo modo que se criam expectativas de como as outras pessoas devem se sentir e expressar ao estarem entre amigos, familiares ou em ambiente de trabalho. A rigor, controlamo-nos mutuamente por meio de expectativas sociais compartilhadas, nas quais se situam os estereótipos.

Torna-se oportuno ressaltar que um dos desafios que enfrentamos, ao tentar inferir ou atribuir estados afetivos a uma outra pessoa, é afirmar com segurança que nossas interpretações traduzem o que ela realmente sente, não só porque poderia estar simulando, como também porque nos apoiamos, para dar sentido ao que vemos, em informações de contexto (status, gênero, conteúdo da comunicação, situação em que ocorre a interação etc.) e em nossa experiência pessoal.

Por mais que compreendamos que um sorriso expresse alegria, as sutilezas que nos permitem distinguir o sorriso autêntico daquele de deboche só podem ser capturadas quando nos apropriamos de informações contextuais mais específicas, tais como gênero e status profissional. E o mais importante é reconhecer que, independentemente de apreendermos o que realmente uma pessoa está sentindo, agimos em relação a ela baseados nas interpretações que fazemos de suas expressões e das informações que, porventura, venhamos a ter sobre ela e o contexto.

Observa-se, assim, que uma série de variáveis encontra-se envolvida na percepção e atribuição de emoções em contextos sociais. Nos contextos de trabalho, compreender como ocorre esse processo mostra-se relevante, visto que as emoções possuem um importante papel na regulação das interações humanas, contribuindo para que as pessoas se aproximem (alegria) ou se afastem (raiva, medo) umas das outras e esbocem diferentes comportamentos, a depender de como percebem o que a outra sente.

Nessa linha de pesquisa desenvolvida pelos autores deste artigo, os resultados encontrados sinalizam a favor da importância do status profissional nas atribuições (LIMA et al., 2005; GONDIM et al., 2008; GONDIM; LIMA; ALVARO, 2006) e revelam uma tendência de se atribuírem mais emoções positivas para os supervisores que aos empregados no Brasil, na Espanha e na Inglaterra.

Este artigo foi redigido com o objetivo de apresentar e discutir as atribuições de afetos em contextos de trabalho, com base na análise qualitativa das respostas dos participantes de uma pesquisa intercultural (Brasil e Espanha) a uma questão aberta em que era solicitado que atribuíssem emoções e sentimentos a cada um dos atores sociais em interação. O foco da análise recaiu sobre o encadeamento dos afetos positivos e negativos atribuídos a supervisores e empregados, homens e mulheres, por país e formação educacional dos participantes.

3 PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

3.1 PARTICIPANTES

Participaram do estudo 465 estudantes universitários concluintes de Salvador (243) e de Madri (222), sendo 279 do sexo masculino e 182 do sexo feminino (quatro pessoas não mencionaram o sexo) (ver Tabela 1). A idade dos participantes variava entre 19 e 56 anos (M = 24,35, Dp = 4,73). No Brasil, 81% dos respondentes trabalhavam, distintamente da Espanha, onde apenas 31% deles tinham inserção no mercado de trabalho. Do total de 465, 243 eram concluintes do curso de Administração (123 na Espanha e 120 no Brasil) e 222 do curso de Engenharia (99 na Espanha e 123 no Brasil).

3.2 PROCEDIMENTOS

Os participantes foram contatados em sala de aula e solicitados a colaborar em uma pesquisa sobre o modo como formamos impressões das pessoas em ambientes de trabalho. Após haverem consentido em colaborar e terem sido esclarecidos sobre os objetivos do trabalho, cada participante recebeu um questionário (foram feitas versões dos questionários em espanhol pelos pesquisadores nativos), no qual constava uma foto de duas pessoas interagindo (supervisor/líder com empregado/colaborador), em ambiente de trabalho, seguida de um diálogo (Quadro 1) entre os dois atores. No referido diálogo, o supervisor/líder instava o empregado/colaborador a realizar o seu trabalho. A interação acontecia em uma empresa de publicidade, e esse cenário foi escolhido por acreditarmos que nesse contexto a hierarquia é menos demarcada e se faz mais uso de equipes multidisciplinares, que tornam mais maleável e igualitária a relação entre seus membros. A nosso ver, isso atenuaria um viés de atribuição decorrente de contexto organizacional marcadamente hierarquizado, como o de outros tipos de organização (GATTON; DUBOIS; FALEY, 1999). Eram oito as situações de interação, conforme especificado na Tabela 1. Os supervisores/líderes e empregados/colaboradores eram representados por pessoas brancas. Os gêneros do supervisor/líder e do empregado/colaborador eram indicados por quatro fotografias ilustrativas da interação. Trata-se, portanto, de um estudo experimental com oito condições. A título de esclarecimento, as oito condições surgiram como consequência do interesse em explorar as diferenças de percepção de status profissional. O supervisor foi então apresentado no diálogo também como líder e o empregado como colaborador.


3.3 DESENHO

O desenho do estudo foi do tipo 4 (supervisor/líder e empregado/colaborador11 A título de esclarecimento, em algumas situações o supervisor foi apresentado como líder e o empregado como colaborador. O objetivo foi investigar se o fato de denominar o supervisor de líder e o empregado de colaborador minimizava o impacto da variável status profissional na atribuição de afetos. Todavia, os resultados não mostraram diferenças significativas, o que nos fez agrupar as respostas da condição de supervisor e líder e empregado e colaborador para fins de análise. A nossa hipótese é que, independentemente do nome dado, as pessoas parecem ter introjetado que as relações de trabalho são marcadas por diferenças de status profissional.) versus 2 (homem e mulher) (ver Tabela 1). Consideramos como variáveis independentes: o país, o curso e o fato de estar trabalhando.

3.4 PRÉ-TESTE

Os próprios pesquisadores fotografaram voluntários em situação simulada de interação no trabalho e submeteram as fotografias a um pré-teste quanto à atratividade física, à cor da pele, ao estatuto (supervisor ou empregado) e à idade dos fotografados. Os resultados do pré-teste, realizado junto a uma amostra de oito estudantes universitários, indicaram que as fotos poderiam ser utilizadas sem impedimentos, uma vez que não houve diferenças significativas nas idades e na atratividade física dos alvos. Na quase totalidade dos casos, os supervisores foram percebidos como supervisores e os empregados como empregados.

4 RESULTADOS E ANÁLISES

O foco da análise qualitativa apresentada neste artigo recaiu nas diferenças de atribuições de afetos ao variar status (supervisores e empregados) e gênero (homem e mulher). As respostas dos participantes foram agrupadas apenas em quatro blocos:

• Bloco 1: supervisor/líder homem interagindo com o empregado/colaborador homem.

• Bloco 2: supervisor/líder homem interagindo com o empregado/colaborador mulher.

• Bloco 3: supervisor/líder mulher interagindo com o empregado/colaborador homem.

• Bloco 4: supervisor/líder mulher interagindo com o empregado/colaborador mulher.

Na análise qualitativa, também se privilegiou a comparação entre países e concluintes dos dois cursos (Administração e Engenharia), acreditando que tal aprofundamento poderia ajudar no entendimento das relações da formação profissional com as atribuições de afetos na Espanha e no Brasil.

Em nosso ponto de vista, estudantes concluintes da área de ciências sociais aplicadas (Administração) fariam atribuições de modo distinto quando comparados a concluintes de ciências exatas (Engenharia), e isso decorreria, em parte, da preocupação das primeiras com a formação de futuros gestores, que deveriam ser mais habilidosos no trato com as pessoas. Em outras palavras, o fato de estarem sendo mais preparados para assumir funções gerenciais os tornaria sensíveis aos aspectos humanos, fazendo-os menos suscetíveis aos estereótipos e preconceitos de atores em interação de trabalho. Sendo assim, atribuiriam afetos positivos tanto para empregados quanto supervisores, distintamente dos concluintes de Engenharia, que apresentariam respostas mais estereotipadas, atribuindo ao supervisor/líder mais afetos positivos e ao empregado/colaborador mais afetos negativos. Concluintes do curso de Administração atribuiriam, igualmente, afetos positivos tanto a homens quanto a mulheres na posição de supervisores/líderes, enquanto os concluintes de Engenharia atribuiriam mais afetos positivos a homens na posição de supervisores/líderes que às mulheres que estivessem na mesma posição.

Quando se analisaram de forma qualitativa as respostas dadas individualmente pelos participantes, observou-se que eles não mencionavam somente afetos (emoções e sentimentos) de cada um dos atores, mas acrescentavam informações que diziam respeito à qualidade da interação estabelecida entre eles (por exemplo, tolerância com o empregado), assim como características ou traços pessoais que, no nosso entendimento, são valorados no contexto de trabalho (como responsabilidade, competência, capacidade, conhecimento, criatividade). Algumas respostas, em especial as dos espanhóis, eram construídas sob a forma de pequenas narrativas sobre o evento. No Brasil, deparamos, na maior parte das vezes, com conteúdos genéricos (afetos, traços pessoais profissionais e impressões gerais da interação dos atores) organizados na resposta sob a forma de itens.

Esse fato repercutiu na categorização das respostas (BAUER, 2002) e nos compeliu a redimensioná-la. Criamos então duas grandes categorias para agrupar as repostas individuais: uma que agrupava afetos positivos e negativos, incluindo aí os traços pessoais profissionais valorados, e outra para discorrer sobre a qualidade da interação social dos dois atores (supervisor e empregado), a qual dividimos em sociabilidades positiva e negativa (ver Quadro 2). Esta última categorização (sociabilidades positiva e negativa) foi criada com base no conceito de emoções sociais de Leary (2000), que a define como eventos que ocorrem nas relações interpessoais. Para esse autor, existem duas categorias de emoções sociais: avaliativas e relacionadas. As primeiras se referem a como as pessoas se sentem em relação à outra pessoa (por exemplo, simpatia), e as segundas dizem respeito a como as pessoas percebem que os outros se sentem em relação a elas (por exemplo, ciúme). Trabalhamos apenas com o conceito geral de emoções sociais. Não utilizamos essa subdivisão das categorias sugerida por Leary (2000) porque o participante de nossa pesquisa estava fazendo atribuição a dois atores independentes (era apenas o observador), e não a um membro ativo da interação. Incluímos na sociabilidade positiva aqueles qualificadores que sinalizavam que, na relação entre os dois atores, havia troca de afetos positivos, e, na sociabilidade negativa, aqueles qualificadores que, ao contrário, sinalizavam troca de afetos negativos na relação dos dois atores.


Para facilitar a visualização dos resultados da análise qualitativa, compomos quatro situações de interação: homem interagindo com homem, mulher com mulher, mulher com homem e homem com mulher. Separamos os resultados por países, Brasil e Espanha, e também por curso, de modo que analisássemos algumas relações entre formação profissional e atribuições. Os quadros 3 a 6 foram elaborados com base nesses procedimentos e mostram os encadeamentos e as associações que apareceram nas respostas dos participantes.






4.1 HOMEM SUPERVISIONANDO OUTRO HOMEM: AFETOS ATRIBUÍDOS À INTERAÇÃO

Na condição em que um homem (supervisor/líder) interage com outro homem (empregado/colaborador) (Quadro 3), o encadeamento dos afetos não variou muito em função do curso e país. A análise das respostas individuais dos participantes deixa claro que tanto supervisores quanto empregados foram apresentados como tendo sentimentos ambivalentes na relação de trabalho (tranquilidade e ansiedade, para supervisores/líderes, medo e bem-estar, para empregados/colaboradores), embora o medo tenha sido mencionado somente para os empregados, exceto para concluintes de Administração da Espanha, que identificaram essa emoção também entre supervisores. Os dados sugerem que a formação dos administradores exerce algum impacto, visto que, na relação do empregado com o supervisor, foi identificada somente sociabilidade positiva, apesar de concluintes de Engenharia, no Brasil, também terem feito menção somente a essa sociabilidade (é possível que, nesse caso, o peso seja da formação superior e não tanto da formação na área de ciências sociais aplicadas). Não se pode desconsiderar também o fato de 81% da amostra brasileira ter algum vínculo empregatício, ao contrário da amostra de espanhóis, em que apenas 31% deles trabalhavam na ocasião da coleta de dados, e, sendo assim, a experiência de trabalho é que poderia estar fortalecendo a atribuição de sociabilidade positiva na interação do empregado com o supervisor.

4.2 HOMEM SUPERVISIONANDO UMA MULHER: AFETOS ATRIBUÍDOS À INTERAÇÃO

Quando o homem está na posição de supervisão ou liderança e tem como empregado ou colaborador uma pessoa do sexo feminino (Quadro 4), o medo emerge de forma mais nítida (exceto no caso de espanhóis do curso de Administração, embora ansiedade e insegurança tenham proximidade com o medo). Talvez isso sinalize o impacto do gênero superando as diferenças culturais. Mas, além disso, não visualizamos outras novidades em relação à condição anterior (homem interagindo com homem), uma vez que a atribuição ambivalente de afetos positivos e negativos para ambos os atores, empregados/colaboradores e supervisores/líderes, por respondentes de ambos os cursos, também aparece nessa condição de interação.

4.3 MULHER SUPERVISIONANDO UM HOMEM: AFETOS ATRIBUÍDOS À INTERAÇÃO

Na situação em que a mulher (supervisora/líder) interage com um homem (empregado/colaborador) (Quadro 5), destaca-se, além da tendência já apontada de ambiguidade nas atribuições de afetos ao atores, que o medo aparece de modo visível somente entre os espanhóis, independentemente de estarem cursando Administração ou Engenharia. Ao comparar esse resultado com as condições anteriores, diríamos que o medo não aparece para o supervisor homem quando se relaciona com um colega do mesmo sexo (Quadro 3), mas emerge quando esse mesmo ator supervisiona uma mulher (Quadro 4). Todavia, quando os papéis são invertidos, ou seja, uma mulher supervisiona um homem (Quadro 5), o gênero tem impacto para os espanhóis, permitindo-nos inferir que na avaliação deles a mulher supervisora expressa medo na interação com um homem, o que não fica evidenciado no caso do Brasil. Ao compararmos as atribuições de brasileiros, os concluintes de Administração, do Brasil, não fizeram menção a nenhum afeto negativo à mulher supervisora, apesar de fazerem referência à sociabilidade negativa na relação dela com o empregado. Uma razão possível é que a formação em Administração torna mais previsível a visualização da mulher em cargos de chefia.

4.4 MULHER SUPERVISIONANDO MULHER: AFETOS ATRIBUÍDOS

Quando se analisa a última condição do estudo, em que a mulher supervisiona uma colega (empregada/colaboradora) (Quadro 6), o gênero parece reafirmar sua influência entre os espanhóis, independentemente de sua formação, visto que o medo nas supervisoras é mencionado somente por espanhóis e não por brasileiros. Cabe ponderar, não obstante, que a tendência geral de atribuir sentimentos ambivalentes aos dois atores persiste também na interação entre mulheres, sugerindo que talvez isso esteja no âmbito das expectativas sociais que se têm das relações de trabalho e que não só vão além da formação universitária e da área de conhecimento daquele que percebe, como independem de a pessoa ter tido uma experiência de trabalho, fazendo-nos crer que isso está presente nas duas culturas.

Na tentativa de resumir esse panorama, alguns aspectos merecem destaque na comparação entre os tipos de interação de supervisores e empregados. Praticamente em todos os tipos de interação, com variação de sexo, país e formação educacional, as atribuições afetivas são tanto positivas quanto negativas (por exemplo: autoconfiança/insatisfação, autoconfiança/medo, otimismo/ansiedade, medo/bem-estar, sociabilidade positiva/sociabilidade negativa).

Uma das conclusões que podem ser extraídas disso é que, independentemente do status e gênero no trabalho, os afetos são ambivalentes e ambíguos, ou seja, uma mesma pessoa atribui tanto afetos negativos quanto positivos ao mesmo ator, o que se revelou como uma tendência geral. Ao mesmo tempo que atribuímos autoconfiança e otimismo, visualizamos insegurança e insatisfação. Do mesmo modo, embora percebamos que a interação entre supervisor e empregado é cordial e amigável, havendo compreensão entre ambos, identificamos prepotência, antipatia e resistência em acolher os comentários feitos por cada um dos atores.

É interessante constatar também que, na condição em que dois homens interagem entre si, a frieza e o desprezo do supervisor/líder aparecem atrelados à autoconfiança (Quadro 3), assim como nas condições em que a mulher exerce o papel de supervisora (quadros 5 e 6). Isso sugere que o desprezo, provavelmente, seria justificado pela autoconfiança no status profissional elevado no trabalho. Aí encontramos duas pistas. A primeira seria a favor da existência de um estereótipo ocupacional de gênero, que colocaria em destaque a assertividade masculina (o desprezo e a frieza poderiam ser entendidos como uma forma de assertividade). A segunda é que essa visão estereotipada de associar gênero masculino à função gerencial (GATTON; DUBOIS; FALEY, 1999; DEAL; STEVENSON, 1998) poderia estar contribuindo para atribuir à mulher supervisora medo e frieza, provavelmente pelo conflito interno desencadeado pela percepção de as mulheres serem mais sensíveis e preocupadas com os relacionamentos que os homens, o que diminuiria a assertividade e autoconfiança necessárias a alguém que ocupa posição gerencial.

Embora o medo tenha estado presente nas atribuições de empregados (e colaboradores), essa emoção também foi atribuída a supervisores/líderes. Isso pode ser um sinal de que não só as relações de trabalho desencadeiam afetos ambivalentes (ao mesmo tempo positivos e negativos), como, apesar de o empregado ser visto como mais inseguro e receoso do que o supervisor, esse ator tampouco se sente plenamente seguro nessa posição. Ainda que se apresente como autoconfiante e otimista, experimenta ansiedade e medo. Ademais, o fato de a maior parte dos participantes brasileiros trabalhar, o que não ocorreu na amostra espanhola, permite-nos inferir que a experiência de trabalho fortalece o entendimento de que o chefe está em uma posição um pouco mais confortável, inibindo um pouco a presença do medo, mas ele emerge quando se atribuem ansiedade, insatisfação e insegurança.

Quando voltamos nossos olhos para a sociabilidade positiva de reciprocidade (do empregado para o supervisor e vice-versa), constatamos que ela aparece somente para os concluintes de Administração da Espanha e nas condições em que duas mulheres interagem entre si (Quadro 6) ou quando uma mulher é supervisionada por um homem (supervisor) (Quadro 4), sinalizando que, a despeito da ambivalência de afetos, nessas condições essa relação é percebida como tranquila, havendo receptividade e compreensão mútuas.

5 CONCLUSÕES

A conclusão geral mais evidente do estudo é que expectativas sociais nas relações de trabalho são bastante ambivalentes e contraditórias, desencadeando, ao mesmo tempo, afetos positivos e negativos em relação ao mesmo ator, do mesmo modo que a receptividade e o acolhimento (sociabilidades positiva e negativa) na interação não são interpretados de modo linear. Tal conclusão indica ser necessário dar prosseguimento aos estudos sobre esse tema para permitir mais bem discernir aspectos envolvidos nas atribuições, especialmente os decorrentes das diversidades culturais.

Concluímos também que o status e o gênero exercem um papel importante nas atribuições que fazemos dos atores em interação de trabalho. Porém, a maneira como isso se expressa não é facilmente explicada. Os cargos de supervisor e de empregado atraem para si tanto afetos positivos quanto negativos, mas, em algumas situações, isso pode variar. Como já mencionado anteriormente, o medo é atribuído fortemente ao empregado/colaborador, mas esteve presente também nas referências ao supervisor/líder.

Ao contrário do que havíamos inicialmente pensado, não identificamos um padrão claramente diferenciado de respostas com base na formação educacional universitária. Quando se analisam os dados gerais, as respostas são semelhantes, e as diferenças pontuais aparecem mais entre condições experimentais (status e gênero) e de país (Brasil e Espanha) que entre formação na área de ciências sociais aplicadas ou ciências exatas.

Os achados também nos permitem ilustrar as proposições de Brody e Hall (2004), para quem as expectativas sociais de gênero atendem a um controle social mútuo. Os resultados sugerem haver estereótipos ocupacionais (peso do status profissional), apresentando o supervisor como autoconfiante e o empregado como temeroso (GATTON; DUBOIS; FALEY, 1999; DEAL; STEVENSON, 1998; SAUERS; KENNEDY; O'SULLIVAN, 2002; SCHEIN et al., 1996; HOFSTEDE, 1980). Mas nada pode ser dito sobre a existência de desconforto de homens e mulheres ao serem chefiados por mulheres, conforme assinala Ramgutty-Wong (2000), embora, na situação em que a mulher supervisiona o homem (Quadro 5), os espanhóis tenham sinalizado que ela não estaria tão confortável na posição de liderança/supervisão.

Para finalizar, cabe fazer algumas ponderações críticas sobre as limitações da pesquisa realizada. A primeira delas é que os estados afetivos do percebedor não foram levados em consideração no desenho deste estudo de atribuições de afetos em interações de trabalho. Embora desenhos de pesquisa sempre exijam recortes, concordamos com a crítica de Zajonc (2001) aos estudos que ignoram o importante fato de os estados afetivos do percebedor exercerem um papel decisivo nos processos cognitivos, incluindo as atribuições sociais (BLESS, 2000). Uma segunda crítica a ser destacada é a de que os estados afetivos são percebidos de modo dinâmico, pela integração das dicas faciais, gestuais e de voz com as informações de contexto. Na pesquisa, usamos fotografias para representar os supervisores e empregados, o que é uma condição muito distante daquela do cotidiano das interações de trabalho.

Todo recorte de pesquisa impõe limitações. A análise qualitativa aqui apresentada teve como suporte apenas as respostas a uma pergunta de um questionário de pesquisa bem mais amplo. Ademais, o número de variáveis com o qual trabalhamos foi grande (status profissional e gênero dos atores, vínculo de trabalho, curso e país). De um lado, isso dificulta a análise e prejudica a integração de todos os dados da pesquisa; de outro, oferece uma visão mais ampla da complexidade do fenômeno, ajudando os pesquisadores na tomada de decisão de aprofundar, em estudos posteriores, alguns aspectos mais obscuros ou talvez mais promissores do ponto de vista teórico-empírico.

Duas conclusões importantes podem ser extraídas dos resultados apresentados neste artigo. A primeira, mencionada reiteradas vezes, é que, independentemente do status profissional e do gênero, os afetos no trabalho são percebidos de modo ambivalente, quer dizer, ainda que reconheçamos haver uma atribuição mais positiva a supervisores/líderes e mais negativa a empregados/colaboradores, a ambos os atores são atribuídos afetos positivos e negativos. Uma segunda conclusão é que as atribuições são construídas a partir das informações contextuais, visto que, em vez de apenas mencionar afetos positivos ou negativos a cada um dos atores, os participantes construíram narrativas para mostrar o contexto de suas atribuições e mencionaram emoções sociais, que permitiram dar significado emocional à interação social entre supervisores/líderes e empregados/colaboradores.

Submissão: 2 out. 2008.

Aceitação: 2 dez. 2008.

Sistema de avaliação: às cegas tripla.

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  • 1
    A título de esclarecimento, em algumas situações o supervisor foi apresentado como líder e o empregado como colaborador. O objetivo foi investigar se o fato de denominar o supervisor de líder e o empregado de colaborador minimizava o impacto da variável
    status profissional na atribuição de afetos. Todavia, os resultados não mostraram diferenças significativas, o que nos fez agrupar as respostas da condição de supervisor e líder e empregado e colaborador para fins de análise. A nossa hipótese é que, independentemente do nome dado, as pessoas parecem ter introjetado que as relações de trabalho são marcadas por diferenças de
    status profissional.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Aceito
      02 Dez 2008
    • Recebido
      02 Out 2008
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