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INTEGRAÇÃO DO CUSTEIO BASEADO EM ATIVIDADES COM A TEORIA DAS RESTRIÇÕES

INTEGRATING ACTIVITY BASED COSTING TO THEORY OF CONSTRAINTS

RESUMO

Neste trabalho os autores analisam um modelo de mensuração e de informação, integrando elementos do custeio baseado em atividades e da teoria das restrições, para dar suporte ao processo decisório das organizações. Inicialmente o trabalho resgata, do ponto de vista histórico, quando, como e por que foram criados o ABC e a TOC; em seguida, os dois são comparados, evidenciando-se suas diferenças e semelhanças. Como métodos e técnicas de pesquisa utilizam pesquisa bibliográfica, reflexão dialética com base nos textos selecionados e um exemplo numérico ilustrativo. Conclui-se que o ABC e a TOC são instrumentos gerenciais complementares, não incompatíveis, ao contrário do que afirmam Goldratt e outros estudiosos. O produto final do estudo representa uma contribuição científica para a teoria e a prática em Administração na medida em que destrói o mito da incompatibilidade daqueles dois conceitos e oferece aos acadêmicos e aos profissionais uma nova alternativa de relatório gerencial1 1 Os autores agradecem ao anônimo revisor pelas valiosas sugestões oferecidas. .

PALAVRAS-CHAVE:
Atividade; Capacidade; Direcionadores; Gargalos; Restrições

ABSTRACT

With this study, the authors deal with a measurement and information model integrating elements of activity-based costing and theory of constraints to support the decision making process. Firstly they restore, under a historical perspective, when, how and why the ABC and TOC were created; after that, differences and similarities are shown. On this purpose, they follow a numerical example and bibliographical research methodology. As a result, it is demonstrated that the authors conclude by demonstrating that ABC and TOC are complementary concepts, not conflicting, as state Goldratt and other researchers. The result is an important scientific contribution for Business Administration Academia and practitioners insofar destroy de myth of incompatibility of those managerial tools2 2 The authors gratefully acknowledge the valuable suggestions of the anonymous referee. .

KEYWORDS:
Activity; Capacity; Drivers; Bottlenecks; Constraints

1 INTRODUÇÃO

A partir da segunda metade da década de 1980 proliferou, no mundo todo, vastíssima literatura sobre o custeio baseado em atividades (ABC) e a teoria das restrições (TOC). Alguns autores radicais, como Corbett Neto (2000)CORBETT NETO, T. Throughput accounting and activity-based costing: the driving factors behind each methodology. Journal of Cost Management, p. 37-44, Jan./Feb. 2000. e Catelli e Guerreiro (1994)CATELLI, A.; GUERREIRO, R. Uma análise crítica do sistema “ABC-Activity-Based Costing”. In: XVII JORNADA DE CONTABILIDADE, ECONOMIA E ADMINISTRAÇÃO DO CONE SUL. 20 a 22 de outubro de 1994, Santos-SP, Brasil. posicionam-se contra o ABC e a favor da TOC, mas outros, moderados, como Coate e Frey (1999COATE, C. J.; FREY, K. J. Integrating ABC, TOC, and financial reporting. Journal of Cost Management, p. 22-27, Jul./Aug. 1999.), Gaudino (1999GAUDINO, O. Teoria de las restricciones (TOC) y costeo baseado en las atividades (ABC): confrontamiento o posible integración? In: VI CONGRESSO INTERNACIONAL DE CUSTOS. Braga, Portugal, 15 a 17 de setembro de 1999.), Holmen (1995)HOLMEN, J. S. ABC vs. TOC. It’s a matter of time. Management Accounting, p. 37-43, Jan. 1995. e Kee (1995)KEE, R. Integrating activity-based costing with the theory of constraints to enhance production-related decision making. Accounting Horizons, v. 9, n.4, p. 48-61, Dec. 1995., formam a grande maioria a reconhecer que ambos podem ser úteis para a administração, desde que conciliados com inteligência e bom senso.

Para Kee (1995)KEE, R. Integrating activity-based costing with the theory of constraints to enhance production-related decision making. Accounting Horizons, v. 9, n.4, p. 48-61, Dec. 1995., o custeio baseado em atividades é uma extensão dos sistemas de custeio tradicionais e fornece informações mais precisas sobre o custo dos produtos. Segundo aquele autor, o ABC tenta superar problemas associados ao tradicional custeio por absorção, por meio de uma metodologia que permite apurar o custo a partir da análise das atividades relevantes. Cooper et al., citados por Kee (1995)KEE, R. Integrating activity-based costing with the theory of constraints to enhance production-related decision making. Accounting Horizons, v. 9, n.4, p. 48-61, Dec. 1995., asseveram que as empresas que adotam o ABC não apenas reportam melhor a lucratividade de seus produtos e clientes, mas também aperfeiçoam seus processos.

A teoria das restrições, por sua vez, apresenta como um dos objetivos a otimização do lucro e, para isso, utiliza conceitos que os sistemas de custeio tradicionais, segundo seu autor, ignoram. As firmas que adotaram essa teoria teriam apresentado melhoria no lead time, em atividades cíclicas, em estocagem etc., e ainda melhoraram a produtividade e a qualidade (GOLDRATT; FOX, 1987GOLDRATT, E.; FOX, R. Revolutionizing the factory floor. Management Accounting, v. 68, p. 18-22, May 1987.).

1.1 CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA OBJETO DO ESTUDO

A situação-problema objeto de estudo em um trabalho de investigação científica ganha corpo quando o pesquisador se vê diante de um estado de coisas mal resolvidas, carentes de solução, que o inquieta e o impele à busca de solução.

No caso específico deste estudo, o cenário nebuloso, cuja solução se faz necessária, é a situação de incerteza de acadêmicos e profissionais diante da polaridade de dois instrumentos gerenciais, antagônicos para uns, conciliáveis para outros.

A dualidade de abordagens caracteriza-se como um problema crucial para acadêmicos e praticantes da administração, levando às seguintes questões: o custeio por atividades e a teoria das restrições são realmente conflitantes? Caso não se configure conflito e sim integração conceitual, poderiam ser integrados também operacionalmente, nos mesmos relatórios gerenciais? Em caso positivo, como?

1.2 PROPOSIÇÃO

Testes de hipóteses são, geralmente, realizados por comprovação quantitativa; como este trabalho não é de natureza empírico-analítica, decidiu-se por não formular hipóteses e sim uma proposição. Assim, com base na situação-proble-ma objeto do estudo e nas questões de pesquisa da subseção 1.1, coloca-se a seguinte proposição: o custeio baseado em atividades e a teoria das restrições são instrumentos gerenciais complementares, não antagônicos.

Entende-se por instrumentos gerenciais não antagônicos, neste trabalho, os métodos e critérios de gestão que não apresentem conflito conceitual.

1.3 OBJETIVO DO TRABALHO

Comparar aspectos do custeio por atividades e da teoria das restrições e verificar se e como as informações geradas por esses instrumentos gerenciais podem ser integradas num só modelo de informação. O que se pretende é, portanto, buscar evidências que dêem suporte à proposição (subseção 1.2).

1.4 MÉTODO DE PESQUISA

O trabalho foi desenvolvido por meio de análise bibliográfica, submetendo-se os textos selecionados a um processo dialético de reflexão e discussão. Para alicerçar a argumentação e ilustrar a aplicação, utilizou-se um exemplo numérico. O grau de confiabilidade do resultado é garantido pela fundamentação lógica dos argumentos.

1.5 DELIMITAÇÕES DO ESTUDO

No que se refere à delimitação conceitual, o foco do trabalho é a caracterização de alguns aspectos dos instrumentos gerenciais selecionados; o foco central não é o custeio de produtos nem de clientes, mas a apuração e análise do custo de recursos, processos e atividades.

Não há delimitação setorial, pois o ABC e a TOC aplicam-se à manufatura, serviços, agronegócios, entidades governamentais ou não etc.

Também não há, em princípio, considerando-se o estado da arte da Contabilidade Gerencial, delimitação temporal nem espacial-geográfica, pois entende-se que os resultados obtidos são válidos em qualquer tempo e lugar.

2 CUSTEIO BASEADO EM ATIVIDADES - ABC

O ABC é definido pelo CAM-i (The Consortium for Advanced Manufacturing-International) como um método de análise de custos baseado na relação causal entre os direcionadores de custos e o custo das atividades; estas, por sua vez, são relacionadas com várias entidades objeto de custeio, tais como produtos e clientes.

Segundo Catelli e Guerreiro (1994)CATELLI, A.; GUERREIRO, R. Uma análise crítica do sistema “ABC-Activity-Based Costing”. In: XVII JORNADA DE CONTABILIDADE, ECONOMIA E ADMINISTRAÇÃO DO CONE SUL. 20 a 22 de outubro de 1994, Santos-SP, Brasil., o ABC originou-se no início da década de 1960 por meio de trabalhos desenvolvidos pela General Electric; a partir de meados da década de 1980, o CAM-i iniciou estudos que levaram a uma ampla divulgação do ABC; para Martins (2003)MARTINS, E. Contabilidade de custos. São Paulo: Atlas , 2003., o objetivo do ABC é atenuar as distorções provocadas por rateios arbitrários de custos. Nakagawa (1994)NAKAGAWA, M. Custeio baseado em atividades. São Paulo: Atlas , 1994. é o precursor do ABC no Brasil.

Segundo Holmen (1995)HOLMEN, J. S. ABC vs. TOC. It’s a matter of time. Management Accounting, p. 37-43, Jan. 1995., o ABC deve ser considerado um instrumento gerencial para gerar efeitos a médio e a longo prazo, uma vez que, no curto prazo, os recursos oferecidos (disponibilizados) para serem consumidos não mudam, e é somente no longo prazo que o ofertado e o demandado efetivamente tendem a se alinhar3 3 Observe-se que o autor está se referindo ao overhead, pois em relação aos chamados custos variáveis – material etc. – o ajuste se faz no curto prazo. .

2.1 PRINCÍPIOS E PRESSUPOSTOS DO ABC

A seguir são expostos seis princípios e pressupostos necessários à correta compreensão e validação do ABC, segundo Holmen (1995)HOLMEN, J. S. ABC vs. TOC. It’s a matter of time. Management Accounting, p. 37-43, Jan. 1995., com os quais con-cordamos4 4 Para um estudo mais profundo sobre os requisitos que conferem confiabilidade ao ABC, consultar também Bromwitch & Hong (1999). .

  1. Atividades consomem recursos; produtos e clientes consomem atividades.

  2. O ABC é um modelo de mensuração da demanda, não da oferta de recursos.

  3. As implicações deste princípio são muito importantes, pois uma redução ou aumento na oferta de recursos - diminuindo ou provendo capacidade - pode até ter um efeito imediato sobre o custo total da empresa e sobre o seu resultado, mas não necessariamente terá impacto sobre a atividade e sobre a demanda por recursos.

  4. Os recursos consumidos - isto é, os custos - têm numerosas causas. Para identificar e apropriar corretamente os custos, o ABC organiza hierarquicamente as atividades, sendo que Cooper & Kaplan apresentam essa hierarquia da seguinte forma:

    • a) atividades em nível de unidade: são realizadas cada vez que uma unidade é produzida;

    • b) atividades em nível de lote: são realizadas cada vez que um lote de bens é produzido;

    • c) atividades em nível de produto: são necessárias para sustentar cada um dos diferentes tipos de produtos; e

    • d) atividades em nível de instalação: são aquelas que dão apoio ao processo de produção de todos os produtos em conjunto. Os custos relativos a essas atividades, estruturais, não devem ser alocados aos produtos; esta é uma característica que distingue o ABC do custeio por absorção e do pleno.

  5. Os conjuntos de custos5 5 Cost Pools: Conjuntos de recursos ou inputs: material, mão-de-obra etc. devem ser homogêneos, e a cada conjunto apenas uma atividade deve ser associada. Um sistema de custeio por atividades deve possuir muito mais conjuntos de custos que a maioria dos sistemas de custeio tradicionais.

  6. Todos os custos de cada conjunto devem ser variáveis em relação ao volume da respectiva atividade, isto é, em relação ao seu direcionador de custos.

2.2 ABC E ATIVIDADES CRÍTICAS

Cooper e Kaplan (1992)COOPER, R.; KAPLAN, R. Activity-based system: measuring the cost of resource usage. Accounting Horizons, p. 1-13, Sept. 1992. consideram que o ABC mensura o custo do uso dos recursos com relação à demanda colocada nas atividades. Se a demanda de recursos por uma atividade é baixa em relação ao nível de serviço por ela oferecido, o ABC identifica e mensura estes custos em excesso e os reporta como custos da capacidade não utilizada.

A identificação do custo da capacidade não utilizada é útil para se tomar decisões relacionadas à melhor alocação de recursos, com o objetivo de equilibrar os recursos oferecidos aos demandados pelas atividades.

O excesso de capacidade numa atividade pode ser causado pela existência de atividades gargalo que a antecedem; assim, um gargalo numa atividade do processo limita o uso de recursos por atividades não-gargalo e faz surgir nestas últimas excesso de capacidade - por insuficiência de demanda. Por essa razão, a correta identificação de gargalos tem um papel importante para se entender porque existe capacidade não utilizada no processo e nas decisões que a envolvem. Um gargalo representa uma atividade em que mais recursos deveriam ou poderiam ser adicionados para expandir a produção e usar, assim, a capacidade em excesso das atividades não-gargalo. Contrariamente, para decisões de redução de recursos, a identificação de um gargalo é útil na determinação do nível de capacidade não usada, que poderia ser eliminada, sem impactar negativamente a produção como um todo (KEE, 1995KEE, R. Integrating activity-based costing with the theory of constraints to enhance production-related decision making. Accounting Horizons, v. 9, n.4, p. 48-61, Dec. 1995.).

3 TEORIA DAS RESTRIÇÕES

Tal como o ABC, a teoria das restrições também vem sendo bastante divulgada a partir da segunda metade da década de 1980; segundo Goldratt e Cox (1997)______; COX, J. A meta.. 35.ed. São Paulo: Educator, 1997., seu principal objetivo é maximizar os ganhos de uma organização, os quais, geralmente, são limitados por restrições, pois, não fosse assim, os ganhos seriam infinitos.

Vimos no início da seção 2, ao falar sobre o ABC, que um dos seus objetivos é atenuar as distorções provocadas por rateios arbitrários de custos; a TOC, por sua vez, rejeita e abomina todo e qualquer tipo de alocação de custos aos produtos; temos aí, portanto, um ponto de divergência entre os dois.

Porém, tanto um como outra buscam melhorar o desempenho e a competitividade das organizações e, nisso, ambos convergem.

Assim como todas as teorias, seja nas ciências naturais ou nas sociais, a TOC vem apresentando fases evolutivas em seu desenvolvimento, das quais as principais são: tambor-pulmão-corda (1975-1985), ganho (1983-1991) e filosofia de gestão empresarial (de 1991 em diante).

Seguindo-se a linha de raciocínio de Goldratt e Fox (1987)GOLDRATT, E.; FOX, R. Revolutionizing the factory floor. Management Accounting, v. 68, p. 18-22, May 1987., tudo começa com a identificação de pontos de estrangulamento no processo de produção; a partir daí, os recursos limitantes vão sendo supridos para atenuar ou eliminar as limitações do sistema. Quando aquela restrição é eliminada, o gestor deve deslocar sua atenção para um processo ou subsistema de nível mais elevado; um novo gargalo, então, aparecerá, e o ciclo repetir-se-á indefinidamente. Todo esse processo requer uma análise da cadeia de valor das atividades interdependentes e nesse ponto é que se podem vislumbrar importantes contribuições do ABC, cujo foco são, também, as atividades e os processos.

A TOC se apóia em três conceitos básicos: ganho, que é a taxa pela qual o sistema gera dinheiro por meio das vendas; inventário, ou todo o dinheiro que o sistema investe na compra de itens, os quais o sistema intenta vender; e despesa operacional, ou todo o dinheiro que o sistema gasta para converter os inventários em ganhos (GOLDRATT; FOX, 1987GOLDRATT, E.; FOX, R. Revolutionizing the factory floor. Management Accounting, v. 68, p. 18-22, May 1987.).

Despesa operacional é a soma de todos os custos exceto os absolutamente variáveis em relação ao volume de produtos-fim da empresa (como matéria-prima e material de embalagem) e compreende salários, encargos sociais, benefícios etc. É neste ponto, e principalmente no que se refere à identificação, mensura-ção, análise e gestão do overhead, que se descortina o amplo e valioso potencial de aplicação do ABC; daí a interseção com a TOC, conforme será demonstrado na seção 5.

3.1 PRINCÍPIOS E PRESSUPOSTOS DA TOC

A seguir são expostos os princípios e pressupostos da teoria das restrições.

  1. A margem de contribuição por unidade do fator limitante é mais importante do que a margem de contribuição por unidade produzida (COKINS, 2000COKINS, G. Throughput accounting versus absorption costing: choice or blend? APICS Constraints Management Technical Conference Proceedings, v. 8, p. 99-117, 2000.).

  2. O custo de material direto é variável, enquanto o de mão-de-obra direta e os indiretos são fixos. O lucro operacional é calculado pela subtração das despesas operacionais do ganho, ou seja: ganho - despesa operacional = lucro operacional.

  3. A meta das empresas é ganhar dinheiro, agora e no futuro. O negócio deve ser visto como uma cadeia; e a força da cadeia depende da força do seu estágio mais fraco (gargalo). Dar muito valor a estágios individuais pode levar a práticas de absorção de custos fixos, o que, segundo os defensores da TOC, foge do seu ponto central, que é maximizar o ganho de toda a cadeia.

  4. A única medida de produtividade que realmente importa é a global, da empresa como um todo. Ganhos localizados de produtividade são irrelevantes6 6 Observe-se o potencial de iniqüidade comportamental que esse princípio pode desencadear, desestimulando as pessoas quanto à busca de contínuos ganhos de produtividade. .

  5. Há sempre, no mínimo, uma restrição em cada sistema, que limita seus ganhos.

    A TOC reconhece dois tipos de restrição: as de caráter interno, como, por - exemplo, limitações na capacidade de produção, e as de caráter externo, como a falta de clientes e de materiais, entre outras. A partir daí, orienta a gestão dessas restrições por meio de um método de cinco passos: a) identificar a restrição; b) tomar uma decisão; c) subordinar a decisão a todos os demais eventos e variáveis; d) elevar as restrições do sistema; e e) repetir o processo a cada vez que um gargalo for superado.

  6. É necessário programar o fluxo dos produtos por meio da cadeia de suprimentos. A existência de gargalos ou eventos inesperados levam os gerentes a estabelecer prioridades e a programar o fluxo dos produtos por meio da cadeia, para garantir a maximização da produção. Segundo Tollington (1998, p. 45)TOLLINGTON, T. ABC versus TOC: same cloth as absorption v. marginal, different style and cut? Management Accounting (UK), p. 44-45, Apr. 1998., esta programação deve considerar dois aspectos, que nem sempre se apresentam com clareza:

    • a) identificação da restrição, o que normalmente não é fácil, dada a existência de gargalos transitórios, os quais devem sua origem a eventos não previstos; e

    • b) estabilidade e continuidade do mix de produtos, relacionadas às diferentes operações e recursos exigidos no processo, situação que não é necessariamente verdadeira quando há grande diversidade de produtos;

  7. Capacidade ociosa édesejável em recursos não-gargalo (COKINS, 2000COKINS, G. Throughput accounting versus absorption costing: choice or blend? APICS Constraints Management Technical Conference Proceedings, v. 8, p. 99-117, 2000.);

  8. O que deve ser balanceado é o fluxo do processo, não a capacidade (COKINS, 2000COKINS, G. Throughput accounting versus absorption costing: choice or blend? APICS Constraints Management Technical Conference Proceedings, v. 8, p. 99-117, 2000.).

3.2 TOC E ABC: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS

As principais semelhanças:

  • a. preocupam-se com a melhoria contínua;

  • b. têm por objetivo otimizar o resultado da empresa;

  • c. dão suporte tanto a decisões de curto como de médio e longo prazos;

  • d. podem ser utilizados tanto no âmbito operacional como no tático e estratégico;

  • e. ganharam ampla divulgação a partir dos Estados Unidos da América do Norte;

  • f. ganharam ampla divulgação a partir da segunda metade da década de 1980;

  • g. ganharam ampla divulgação graças a engenheiros: Kaplan, Cooper e Goldratt.

As principais diferenças (pontos de divergência) são demonstradas no Quadro 1.

QUADRO 1
DIFERENÇAS ENTRE OS ARTEFATOS

Explicitadas as semelhanças e as discrepâncias, deve-se salientar que algumas pretensas diferenças, citadas por alguns autores, como Cogan (2005)COGAN, S. Teoria das restrições versus custeio baseado em atividades: uma questão de curto e de longo prazo? In: V CONGRESSO USP DE CONTROLADORIA E CONTABILIDADE, 2005., entre outros, não procedem, como, por exemplo, que a TOC seria utilizada para decisões táticas, de curto prazo, e o ABC seria para as decisões estratégicas, de longo prazo etc.

Da mesma forma, carece de fundamento lógico e de evidência empírica o argumento de Corbett Neto (2000)CORBETT NETO, T. Throughput accounting and activity-based costing: the driving factors behind each methodology. Journal of Cost Management, p. 37-44, Jan./Feb. 2000., de que a TOC insere-se no campo da “Contabilidade de Ganhos”, em contraposição ao ABC, que seria da Contabilidade de Custos... Por uma simples razão: a mensuração e a gestão de custos só existem para otimizar os resultados.

4 RECURSOS DISPONIBILIZADOS, RECURSOS UTILIZADOS E CAPACIDADE NÃO UTILIZADA

Quando a capacidade de um recurso chega ao limite, a atividade que o utiliza passa a ser um gargalo do processo. A TOC refere-se a esse fenômeno como ocorrendo com máquinas operatrizes, matérias-primas, mão-de-obra etc., isto é, recursos relacionados à realização de atividades primárias.

O ABC, por outro lado, por ser focado no overhead, aplica o mesmo raciocínio aos recursos utilizados para desempenhar atividades de apoio ao processo produtivo, tais como projetar produtos, programar a produção, inspecionar materiais etc.

Assim, o ABC ajuda a identificar os recursos que são ou que podem vir a se constituir em restrições à capacidade e outros em que há ou pode haver ociosidade. De qualquer modo, com essas informações, os gestores podem tomar iniciativas de melhorias por meio do gerenciamento das atividades (ABM).

Cooper e Kaplan (1992)COOPER, R.; KAPLAN, R. Activity-based system: measuring the cost of resource usage. Accounting Horizons, p. 1-13, Sept. 1992. demonstram a distinção entre: a) custo dos recursos disponibilizados, que possibilitam que as atividades sejam desenvolvidas; e b) custo dos recursos efetivamente utilizados para realizar as atividades. Esses dois elementos estão relacionados pela capacidade não utilizada dos recursos disponibilizados, relação esta expressa por meio da seguinte equação: custo dos recursos disponibilizados = custo dos recursos utilizados + custo da capacidade não utilizada.

As demonstrações contábeis tradicionais, no âmbito da Contabilidade Financeira, contemplam apenas o lado esquerdo da equação. Por outro lado, no ABC, os custos atribuídos aos objetos de custeio são apenas os agregados no primeiro termo do lado direito da equação; a diferença entre esses dois termos representa o custo da capacidade não utilizada, que não deve, salvo exceções, ser atribuído aos clientes nem aos produtos7 7 Uma exceção é quando a capacidade não utilizada tenha sido disponibilizada para atender demanda aleatória inerente a determinados produtos ou clientes e não por superdimensionamento atribuível a erro de gestão. .

Cooper e Kaplan (1992)COOPER, R.; KAPLAN, R. Activity-based system: measuring the cost of resource usage. Accounting Horizons, p. 1-13, Sept. 1992. consideram que alguns recursos, tais como a energia necessária para operar um equipamento e o trabalho extraordinário das pessoas, são disponibilizados somente quando necessários; para esses recursos não existe capacidade não utilizada. O custo deste tipo de recurso é o que a maioria dos autores chama de custos variáveis, uma vez que sua oferta varia direta e proporcionalmente à demanda ou uso que deles se faz8 8 Porém, deve-se lembrar que o foco do ABC é o overhead e não esses elementos de custos citados. . Concordamos com a idéia dos autores exceto pelo uso do termo recursos disponibilizados, pois materiais em almoxarifado também podem estar disponíveis, porém seu custo só se concretiza pela utilização ou consumo.

Por outro lado, o custo de recursos cuja oferta independa de seu uso efetivo costuma ser considerado como fixo, haja vista que os gastos associados com tais recursos não variam, dentro de certo intervalo relevante de atividade, com as variações na demanda desses recursos pelas atividades efetivamente executadas.

Cooper e Kaplan (1992)COOPER, R.; KAPLAN, R. Activity-based system: measuring the cost of resource usage. Accounting Horizons, p. 1-13, Sept. 1992. presumem que os recursos consumidos para realizar uma atividade podem ser flexíveis em relação à demanda (custos variáveis, no sentido tradicional) ou inflexíveis (custos fixos, no sentido tradicional) antes de a demanda aparecer.

O custo total da execução de uma atividade é uma combinação de oferta de recursos flexíveis e de não flexíveis. Para atribuir o custo de tais atividades aos produtos, dentro de uma estrutura de custeio baseado em atividades, é necessário separar o custo dos recursos disponibilizados e o dos recursos consumidos, de tal modo que, quando tal distinção é incorporada ao modelo, a estrutura de relatório gerencial resultante possibilita ao ABC ser totalmente integrado às medidas monetárias de avaliação de desempenho.

5 INTEGRAÇÃO DO ABC E DA TOC NOS RELATÓRIOS GERENCIAIS

Kaplan (1994, p. 107)KAPLAN, R. Flexible budgeting and activity-based costing framework. Accounting Horizons, v. 8, n. 2, p. 104-109, June 1994. propõe a integração do ABC com os relatórios financeiros para apurar variações na capacidade não utilizada e sua relação com o custo de cada recurso. Coate e Frey (1999)COATE, C. J.; FREY, K. J. Integrating ABC, TOC, and financial reporting. Journal of Cost Management, p. 22-27, Jul./Aug. 1999. propõem a integração da TOC com o ABC e com os relatórios financeiros; eles partem do exemplo de Kaplan (1994)KAPLAN, R. Flexible budgeting and activity-based costing framework. Accounting Horizons, v. 8, n. 2, p. 104-109, June 1994. e adicionam uma atividade para ilustrar tal integração.

Por um lado, o ABC deve identificar e mensurar o custo da ociosidade no âmbito de cada atividade relevante, classificá-lo como custo que não agrega valor e não o apropriar aos produtos, salvo em situações especiais (ver nota 5). A TOC, por sua vez, preocupa-se em identificar, no âmbito de cada processo, quais são os recursos gargalo e não-gargalo, para decidir ao que é necessário agregar capacidade e em que é possível formar buffers como proteção para maximizar a margem de contribuição total.

A essência do exemplo que será demonstrado a seguir foi extraída do artigo de Coate e Frey (1999)COATE, C. J.; FREY, K. J. Integrating ABC, TOC, and financial reporting. Journal of Cost Management, p. 22-27, Jul./Aug. 1999., porém com importantes adaptações, principalmente no que se refere aos comentários, análises e interpretações inseridos depois de cada tabela. Com relação à apuração das variações, cabe um esclarecimento. Pereira (apud CATELLI, 1999CATELLI, A. Controladoria. São Paulo: Atlas, 1999.) identifica quatro tipos de possíveis variações na comparação do real com o orçado: variação de planos, de inflação, de preços e de volume. Neste exemplo ocorrem apenas as duas últimas - preços e volume - não há mudança de planos e não há inflação (ou a variação de inflação pode ser entendida como incluída na de preços).

TABELA 1

    APURAÇÃO DAS VARIAÇÕES
  • a. Custo da atividade M debitado aos produtos: $ 120*3500 = $ 420.000. Como o custo realizado é de $ 530.000, há uma variação desfavorável de $ 110.000.

  • b. Variação de volume da capacidade disponível em relação à orçada (custo orçado da não-utilização de capacidade disponível): (5.000 - 4.000) * 80 = $ 80.000 (desfavorável)

  • c. Variação de volume da capacidade orçada em relação à utilizada: (4.000 - 3.500)*$ 80 = $ 40.000 (desfavorável)

  • d. Variação do custo realizado em relação ao orçado:

    Custo orçado ajustado ao volume real: $ 400.000 + ($ 40 * 3.500) = 540.000

    Custo real: $ 530.000

    Variação: $ 10.000 (favorável)

  • e. Variação total: $ 80.000(D) + $ 40.000(D) - $ 10.000(F) = $ 110.000(D)

Interpretando esses dados sob a óptica do ABC, observa-se que o custo da atividade é separado em duas taxas de direcionadores: uma designa o custo fixo dos recursos não flexíveis, disponibilizados antecipadamente, ou seja, antes que a demanda real seja conhecida ($ 80 por inspeção); a outra designa o custo variável dos recursos flexíveis, os quais são disponibilizados apenas quando necessário e em proporção à demanda efetiva ($ 40 por inspeção). Martins (2003, Cap. 7)MARTINS, A. C. et al. Uma abordagem teórica sobre a integração ABC-ABM e a Contabilidade de Ganhos - TOC. In: X CONGRESSO BRASILEIRO DE CUSTOS. 15 a 17 de outubro de 2003. Espírito Santo. trata dessa questão da atribuição de custos por meio de duas taxas: uma, relativa aos custos fixos, baseada no potencial de serviços disponibilizados; outra, relativa aos custos variáveis, baseada na efetiva utilização dos serviços pelas entidades usuárias.

Observe-se que a primeira taxa pode ferir o princípio de número 5 do ABC, constante da subseção 2.1 deste trabalho. Isso pode invalidar todo o processo, pois parece tratar-se de custo fixo estrutural; daí a necessidade de se conhecer a sua composição, elemento a elemento, para que se possa, corretamente, separar os custos fixos estruturais dos operacionais.

Conforme pode ser verificado, o custo apropriado aos produtos não é afetado pela variação no uso da atividade. Essa constatação é importante, pois demonstra uma das diferenças fundamentais entre o ABC e o custeio por absorção a valores reais; porém, não há diferença, neste ponto, com absorção ao padrão9 9 Outra diferença é o fato de não ratear custos estruturais a produtos, conforme exposto na subseção 2.1, alínea d. . Assim, os $ 530.000 de gastos reais podem ser conciliados com os $ 420.000 de custos atribuídos aos produtos, pela mensuração dos custos esperados e não esperados, da capacidade não utilizada, e das respectivas variações. Ficam preservadas, portanto, a integridade e a correção das demonstrações contábeis no âmbito das Contabilidades Societária e Tributária, segregando-se as variações, que serão imputadas, na Contabilidade Gerencial, apenas para fins de avaliação de desempenho dos gestores das áreas de responsabilidade em que se encontra a atividade em estudo. Finalmente, a análise proposta por Coate e Frey (1999)COATE, C. J.; FREY, K. J. Integrating ABC, TOC, and financial reporting. Journal of Cost Management, p. 22-27, Jul./Aug. 1999. revela que o custo atribuído aos produtos é composto de uma parte fixa e outra variável: (3500 * $ 80) + (3500 * 40) = $ 420.000.

Prosseguindo na análise gerencial, ainda sob a óptica do ABC, nota-se uma variação desfavorável quando se compara o volume da capacidade disponibilizada (5.000 inspeções) com a orçada (4.000), do que se apura o custo de $ 80.000 referente a essa ociosidade previsível e, portanto, planejada e orçada. Esse custo é classificado como NAV - custo que não agrega valor. O fato de a variação ser desfavorável significa que a oferta de recursos deve ser reduzida ou sua utilização aumentada.

Do ponto de vista da TOC, a variação desfavorável explicada no parágrafo anterior significa que a atividade não é um gargalo, não representa restrição ao sistema, uma vez que a capacidade disponibilizada (5.000 inspeções) é superior à orçada (4.000). Assim, todas as unidades de produto estimadas no orçamento serão processadas normalmente e ainda restará capacidade não utilizada; significa também que, provavelmente, não haverá formação de estoques imediatamente antes dessa atividade. Segundo os preceitos da TOC, recursos-gargalo, que representam restrições ao sistema, devem ser utilizados integralmente; logo, não seria essa atividade, neste exemplo, o objeto dessa preocupação.

Vejamos como ficaria o exemplo contemplando-se mais uma atividade do mesmo processo.

TABELA 2

    APURAÇÃO DAS VARIAÇÕES
  • a. Custo da atividade N debitado aos produtos: $ 120*3500 = $ 420.000. Como o custo realizado é $ 470.000, há uma variação, desfavorável, de $ 50.000.

  • b. Variação de volume da capacidade disponibilizada em relação à orçada (custo orçado da não utilização de capacidade disponível): (4000 - 4000)*$ 70 = 0

  • c. Variação de volume da capacidade orçada em relação à utilizada: (4.000-3.500)*$ 70 = $ 35.000 (desfavorável)

  • d. Variação do custo realizado em relação ao orçado:

    Custo orçado ajustado ao volume real: $ 280.000 + (3500*$ 50) = $ 455.000 Custo real: $ 470.000

    Variação: $ 15.000 (desfavorável)

  • e. Variação total: $ 0 + $ 35.000(D) + $ 15.000(D) = $ 50.000(D).

Tanto o nível de atividade orçado como o realizado são iguais para ambas as atividades, M e N, o que significa que o nível das atividades, na fase de planejamento, foi balanceado (equilibrado), tal como preceitua a TOC.

Do ponto de vista da teoria das restrições, a apuração de uma variação nula, quando se compara o volume da capacidade disponibilizada (4.000 inspeções) com a orçada (4.000 inspeções), indica que a atividade N pode ser um gargalo e representar uma restrição no processo. A se manter essa situação, caso haja um volume maior de unidades sendo produzidas, começará a se formar estoque imediatamente antes desta atividade. Portanto, a atividade N deve ser alvo de gerenciamento preventivo para explorar, resolver e elevar essa restrição.

Analisemos agora o significado da variação de volume da capacidade orçada em relação à utilizada. A variação desfavorável na capacidade realmente utilizada, nas duas atividades, indica um nível de utilização abaixo do esperado; a interpretação dessa variação depende da natureza da primeira, relativa à diferença entre a capacidade disponibilizada e a orçada. Aquela se refere à não-utiliza-ção planejada, e portanto orçada, de parte da capacidade disponível; por essa razão, pode ser denominada custo orçado da não-utilização da capacidade que, por simplificação, vamos designar, doravante, por CONUC.

Quando a variação do CONUC é desfavorável, como ocorreu na atividade M, significa que há excesso de capacidade. Assim, uma perda de produção, representada por uma variação desfavorável da capacidade utilizada em relação à orçada em determinado período, pode ser recuperada no período seguinte. Esse fenômeno ocorreu na atividade M, que também apresentou uma variação desfavorável de capacidade utilizada em relação à orçada de 500 inspeções (4.000-3.500); variação desfavorável, pois o realizado foi menor que o orçado. Desta forma, como existe capacidade disponibilizada não utilizada, no período seguinte pode ser aumentado o nível de atividade orçada com a finalidade de diminuir ou eliminar a variação desfavorável de CONUC e, conseqüentemente, o nível de atividade real também deverá ser elevado para diminuir ou eliminar essa variação desfavorável na capacidade utilizada. Em ambos os casos, as mudanças significam aumento da produção, e isso será desejável se não houver restrição de mercado.

Quando o CONUC é nulo, como no caso da atividade N, isso significa que a atividade pode estar ligada a um gargalo do processo. Neste caso, a TOC demonstra que, em atividades-gargalo, uma unidade de capacidade perdida (uma variação desfavorável da capacidade utilizada em relação à orçada) ou ganha (variação favorável) representa uma capacidade perdida ou ganha pela produção inteira. Segundo a teoria das restrições, recursos-gargalo, que representam restrições ao sistema, devem ser utilizados integralmente; logo, a atividade N deve ser objeto dessa preocupação.

5.1 INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ATIVIDADES

A relação entre uma atividade gargalo (N) e uma não-gargalo (M) pode ser expressa de duas formas (COATE; FREY, 1999COATE, C. J.; FREY, K. J. Integrating ABC, TOC, and financial reporting. Journal of Cost Management, p. 22-27, Jul./Aug. 1999.):

  1. o processo flui de uma atividade gargalo (N) para uma não-gargalo (M); ou

  2. o processo flui de uma atividade não-gargalo (M) para uma gargalo (N).

5.1.1 A ATIVIDADE GARGALO PRECEDE A NÃO-GARGALO

Uma variação desfavorável de $ 35.000 na capacidade utilizada em relação à orçada na atividade N, por terem sido orçadas 4.000 inspeções e realizadas 3.500, significa uma perda irrecuperável de capacidade de produção na empresa toda. Se a atividade N não está totalmente terminada, a M não pode ocorrer; portanto, não somente uma redução na utilização da capacidade se apresenta na atividade N, como também na M, causando, nesta última, uma variação desfavorável, de $ 40.000.

Esse fenômeno pode ser explicado, também, por outra possível razão: a atividade M pode ter sido temporariamente convertida num gargalo, pela ocorrência de algum evento inesperado, e o nível da N reduzido para se igualar ao da M. A redução da atividade N não é a melhor decisão a ser tomada, pois ela é a atividade gargalo; a posição da TOC, para este caso, é que a atividade gargalo deve manter seu ritmo máximo.

5.1.2 A ATIVIDADE NÃO-GARGALO PRECEDE A GARGALO

Como foi comentado na subseção anterior, os $ 35.000 de variação desfavorável na capacidade utilizada da atividade N indica uma perda da capacidade de produção da empresa toda. Uma vez que o valor do CONUC da atividade N é nulo, a gerência pode decidir igualar o nível da atividade de M ao da N. Manter o nível da M em sua taxa orçada originalmente por um lado faria com que a sua variação de capacidade utilizada também fosse nula mas, por outro, seria acumulado um estoque imediatamente antes da N. Como a atividade N é um recurso gargalo já orçado para operar aquela capacidade, a única forma de se evitar o excesso de inventário seria por meio de uma diminuição na taxa de produção da atividade M, gerando, assim, uma variação desfavorável na sua capacidade utilizada, no período em análise. Por outro lado, Coate e Frey (1999)COATE, C. J.; FREY, K. J. Integrating ABC, TOC, and financial reporting. Journal of Cost Management, p. 22-27, Jul./Aug. 1999. consideram que a formação de estoque-pulmão entre as atividades M e N poderia evitar uma perda de capacidade produtiva da fábrica como um todo.

5.1.3 ANÁLISE DAS INTERDEPENDÊNCIAS

Pode-se concluir, da análise dessas interdependências, que:

  1. as variações de custos em atividades gargalo são sempre as mais críticas;

  2. a formação de inventários temporários pode ser recomendável, em certos casos;

  3. uma variação causada por alguma anomalia numa atividade-gargalo pode determinar o tamanho e a natureza das variações em outras atividades;

  4. uma variação causada por alguma anomalia numa atividade não-gargalo não deveria influenciar a variação na atividade gargalo; e

  5. a análise de variações tem um papel importante para a compreensão das razões da formação, ou não, de estoques.

No exemplo, as variações na capacidade utilizada, nas duas atividades, são desfavoráveis. No caso de variações favoráveis, uma análise similar se aplica, ou seja, uma variação favorável na capacidade utilizada da atividade N deveria ser acompanhada de uma variação favorável na M. Porém, uma variação favorável na capacidade utilizada na atividade M, sem incremento na capacidade de N, gerará formação de estoques não desejados.

Segundo Coate e Frey (1999)COATE, C. J.; FREY, K. J. Integrating ABC, TOC, and financial reporting. Journal of Cost Management, p. 22-27, Jul./Aug. 1999., a análise da interdependência entre variações de custos é a base para se simular como o valor (em unidades monetárias) de uma variação pode ou não afetar o valor do lucro da empresa.

De fato, uma variação de custo desfavorável numa atividade gargalo (quando o custo real excede o orçado) sempre diminui o resultado da empresa no período em que ocorre.

Por outro lado, uma variação de custo desfavorável numa atividade gargalo, provocada para aumentar sua capacidade, tende a provocar variações favoráveis em todas as atividades que a ela sucedem no processo.

Da mesma forma, quando, numa atividade gargalo, ocorre um incremento de eficiência, como conseqüência de uma variação favorável na utilização da sua capacidade (volume real maior do que o orçado), o valor do aumento no lucro da empresa poderá ser maior do que o valor dessa variação favorável. Isso ocorre porque uma utilização maior de recursos gargalo permite que o nível de produção da empresa como um todo fique acima do orçado, o que pode gerar variações favoráveis em muitas outras atividades.

6 ALGUMAS TENTATIVAS DE DEMONSTRAR O CONTRÁRIO

Corbett Neto (2000)CORBETT NETO, T. Throughput accounting and activity-based costing: the driving factors behind each methodology. Journal of Cost Management, p. 37-44, Jan./Feb. 2000. utilizou um exemplo teórico para tentar comprovar o contrário, ou seja, que o ABC e a TOC são inconciliáveis; todavia, não logrou êxito, pelas seguintes principais razões:

  • a. ele pressupõe, erroneamente, que o ABC aloca custo de ociosidade aos produtos;

  • b. também comete o equívoco de pressupor que os gestores não irão ajustar os recursos disponibilizados aos demandados; e

  • c. acredita que o ABC ignora as restrições no âmbito de cada atividade.

Catelli e Guerreiro (1994)CATELLI, A.; GUERREIRO, R. Uma análise crítica do sistema “ABC-Activity-Based Costing”. In: XVII JORNADA DE CONTABILIDADE, ECONOMIA E ADMINISTRAÇÃO DO CONE SUL. 20 a 22 de outubro de 1994, Santos-SP, Brasil. também haviam tentado demonstrar incompatibilidade, dizendo (p. 132) que o ABC e a TOC são conflitantes, mas não lograram sucesso, pois:

  • a. não escaparam do paradigma de classificar os custos em fixos ou variáveis apenas em função do volume de produção dos produtos-fim da empresa;

  • b. afirmam, erroneamente, que o ABC não pode trabalhar com conceitos econômicos, tais como custo de oportunidade, custo de reposição etc.;

  • c. acreditam que o ABC “não se preocupa com o processo de agregação de valor proporcionado pelas atividades”, quando este é um dos seus pontos fortes; e

  • d. admitem, corretamente, que a utilidade da informação depende do modelo de decisão dos gestores, mas se contradizem ao não admitir um que se baseie só nos custos.

O exemplo analisado neste trabalho é uma prova do equívoco daqueles autores e corrobora os resultados obtidos por Coate e Frey (1999)COATE, C. J.; FREY, K. J. Integrating ABC, TOC, and financial reporting. Journal of Cost Management, p. 22-27, Jul./Aug. 1999., Gaudino (1999)GAUDINO, O. Teoria de las restricciones (TOC) y costeo baseado en las atividades (ABC): confrontamiento o posible integración? In: VI CONGRESSO INTERNACIONAL DE CUSTOS. Braga, Portugal, 15 a 17 de setembro de 1999., Holmen (1995)HOLMEN, J. S. ABC vs. TOC. It’s a matter of time. Management Accounting, p. 37-43, Jan. 1995., Kee (1995)KEE, R. Integrating activity-based costing with the theory of constraints to enhance production-related decision making. Accounting Horizons, v. 9, n.4, p. 48-61, Dec. 1995. e muitos outros, o que nos leva às conclusões a seguir.

7 CONCLUSÕES

À luz do que foi demonstrado, não se pode concordar com Corbett Neto (2000)CORBETT NETO, T. Throughput accounting and activity-based costing: the driving factors behind each methodology. Journal of Cost Management, p. 37-44, Jan./Feb. 2000., que não vê qualquer possibilidade de o ABC e a TOC habitarem o mesmo teto devido, segundo ele, a uma questão de incompatibilidade de pressupostos. Sua teoria não resiste ao teste de falseabilidade, pois ele parte da premissa, incorreta, de que, sob o ABC, a empresa continuaria mantendo recursos ociosos indefinidamente.

Há que se concordar com Martins (2003)MARTINS, E. Contabilidade de custos. São Paulo: Atlas , 2003., quando afirma que se um método fosse, de fato, superior aos demais, todos os outros já teriam sido banidos da prática empresarial e da literatura.

Voltando à situação-problema caracterizada na subseção 1.1, pode-se afirmar que entre o ABC e a TOC a conjunção que melhor se aplica é a aditiva e, não a alternativa ou; essa conclusão é respaldada pelas seguintes constatações:

O foco principal da teoria das restrições são os recursos utilizados para a realização de atividades primárias, enquanto o do ABC são os custos das atividades de apoio (overhead); considerando-se que todas as atividades se materializam por meio da utilização de recursos, isso revela complementaridade, não conflito.

Como ficou evidenciado, o ABC pode ser utilizado como importante fonte de dados para a TOC e vice-versa. A análise de valor das atividades e a análise de custo das atividades, instrumentos clássicos do ABM e do ABC, fornecem valiosos subsídios para tomar decisões sobre o comportamento das despesas operacionais da TOC.

A apuração de variações de custos das atividades relevantes, proporcionada pelo ABC, pode ajudar a identificar, mensurar e gerar informações sobre gargalos - conceito-base da TOC. Do mesmo modo, a análise das interdependências entre atividades permite entender as interdependências entre variações de custos, bem como a conveniência ou não da formação de estoques intermediários.

Macarthur (1993)MACARTHUR, J. B. Theory of constraints and activity-based costing: friends or foes? Cost Management, p. 50-56, Summer 1993. chegou à mesma conclusão, porém abordando o assunto sob uma perspectiva diferente: a análise de lucratividade de dois produtos pela TOC e pelo ABC. Também Kaplan e Cooper (1998)______; COOPER, R. Custo e desempenho: administre seus custos para ser mais competitivo. São Paulo: Futura, 1998. afirmam que ABC e TOC não são conflitantes e sim complementares; e Gaudino (1999)GAUDINO, O. Teoria de las restricciones (TOC) y costeo baseado en las atividades (ABC): confrontamiento o posible integración? In: VI CONGRESSO INTERNACIONAL DE CUSTOS. Braga, Portugal, 15 a 17 de setembro de 1999. conclui seu artigo dizendo que ambos os instrumentos gerenciais podem ser utilizados concomitantemente.

Como foi demonstrado - tanto por meio da argumentação teórica como do exemplo prático -, o custeio por atividades e a teoria das restrições podem ser utilizados como instrumentos gerenciais complementares. Constata-se, portanto, a presença de importantes indícios de que é válida a proposição colocada na subseção 1.2 deste trabalho.

  • 1
    Os autores agradecem ao anônimo revisor pelas valiosas sugestões oferecidas.
  • 2
    The authors gratefully acknowledge the valuable suggestions of the anonymous referee.
  • 3
    Observe-se que o autor está se referindo ao overhead, pois em relação aos chamados custos variáveis – material etc. – o ajuste se faz no curto prazo.
  • 4
    Para um estudo mais profundo sobre os requisitos que conferem confiabilidade ao ABC, consultar também Bromwitch & Hong (1999)BROMWICH, M.; HONG, C. Activity-based costing systems and incremental costs. Management Accounting Research, v. 10, p. 39-60, 1999..
  • 5
    Cost Pools: Conjuntos de recursos ou inputs: material, mão-de-obra etc.
  • 6
    Observe-se o potencial de iniqüidade comportamental que esse princípio pode desencadear, desestimulando as pessoas quanto à busca de contínuos ganhos de produtividade.
  • 7
    Uma exceção é quando a capacidade não utilizada tenha sido disponibilizada para atender demanda aleatória inerente a determinados produtos ou clientes e não por superdimensionamento atribuível a erro de gestão.
  • 8
    Porém, deve-se lembrar que o foco do ABC é o overhead e não esses elementos de custos citados.
  • 9
    Outra diferença é o fato de não ratear custos estruturais a produtos, conforme exposto na subseção 2.1, alínea d.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2006

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2005
  • Aceito
    19 Maio 2006
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