Acessibilidade / Reportar erro

Swap, futuro e opções: impacto do uso de instrumentos derivativos sobre o valor das firmas brasileiras

Swap, futures and options: the impact of derivatives usage on brazilian firms value

El impacto de la utilización de instrumentos financieros, tales como futuros, opciones y swaps sobre el valor de las empresas

Resumos

O trabalho analisa o impacto do uso de derivativos e a direção e magnitude do prêmio de cobertura relacionado a cada tipo de instrumento derivativo no valor da firma para uma amostra de empresas brasileiras não financeiras de capital aberto no período de 2004 a 2007. Os resultados indicam que a utilização de derivativos está relacionada a um impacto positivo e significativo sobre o valor de mercado das empresas. As evidências mostram que o uso de derivativos está associado a um "prêmio de cobertura" (hedging premium). Dessa maneira, é possível afirmar que as firmas que fazem uso da gestão de risco com derivativos têm um valor de mercado superior, no mercado brasileiro, quando comparadas a firmas que não utilizam esses instrumentos financeiros (hedging premium). Os resultados também indicam que, quando a análise se concentra no tipo de instrumento utilizado, a gestão de risco com tipos distintos de derivativos gera impacto de magnitude heterogênea no valor da firma. Contratos de swap e futuro/termo apresentam um impacto positivo e estatisticamente significante. Já para as opções, o impacto, embora positivo, não é estatisticamente significativo. Portanto, os resultados obtidos não só confirmam as expectativas de que a utilização de instrumentos derivativos exerce um impacto positivo e estatisticamente significativo sobre o valor da firma, mas também mostram que existe uma diferença relevante no efeito associado a derivativos distintos. Em conjunto, os resultados corroboram o fato de que investidores estão dispostos a pagar um maior valor por firmas que fazem gestão ativa de risco financeiro em ambientes mais voláteis como o Brasil, e essa disposição varia de acordo com o instrumento utilizado e com a eventual combinação de derivativos financeiros. Em pesquisa futura, uma análise das causas do impacto heterogêneo dos distintos instrumentos derivativos deve ser realizada para um melhor entendimento dos mecanismos pelo qual a política de gerenciamento de risco gera valor às firmas.

Derivativos; Gestão de risco; Valor da firma; Proteção; Brasil


This paper analyzes the impact of the use of derivatives and the direction and magnitude of the premium coverage related to each type of derivative instrument on firm value for a sample of non-financial Brazilian companies traded in the period from 2004 to 2007. The results indicate that the use of derivatives is related to a significant and positive impact on companies' market value. The evidence shows that the use of derivatives is associated with a "premium coverage". Thus, it can be concluded that firms adopting risk management practices using derivatives have a higher market value, in the Brazilian market, compared to firms that do not use these financial instruments (hedging premium). Results also indicate that, when the analysis focuses on the type of instrument used, the risk management with different types of derivatives instruments generates an impact of heterogeneous magnitude on firm value. Swap and future/forward contracts have a positive and statistically significant impact. As for the options, although positive, the impact was not statistically significant. Therefore, the results not only confirm the expectation that the use of derivatives has a statistically significant positive effect on firm value, but also show that there is a relevant difference in effects associated with different derivatives types. Together, the results support the fact that investors are willing to pay a higher value for firms that actively manage financial risk in more volatile environments such as Brazil, and this willingness varies according to the instrument type used and the possible combination of these financial derivatives. In future research, an analysis of the causes of the heterogeneous impact of different derivative instruments should be performed to better understand the mechanisms by which risk management policy creates value for firms.

Derivatives; Risk management; Firm value; Hedging; Brazil


Este trabajo analiza el impacto de la utilización de instrumentos financieros (derivados), así como la dirección y la magnitud del premio asociado a los mismos, en relación al valor de la empresa para una muestra de empresas brasileñas no financieras cotizadas en el período de 2004 a 2007. Los resultados indican que el uso de derivados tiene un impacto significativo y positivo en el precio de mercado de las empresas. La evidencia muestra que el uso de instrumentos financieros se asocian con un "premio de cobertura". Por lo tanto, se puede concluir que las empresas que adoptan prácticas de gestión de riesgos con instrumentos financieros tienen un valor de mercado más alto, en el mercado brasileño, en comparación con aquellas empresas que no los usan (hedging premium). Los resultados también indican que, cuando el análisis se centra en el tipo de instrumento utilizado, la gestión de riesgo con diferentes tipos de instrumentos financieros genera un impacto de magnitud heterogénea en el valor de la firma. Swaps y contratos de futuros/de forward tienen un impacto positivo y estadísticamente significativo. En tanto que los contratos de opciones, aunque positivo, el impacto no fue estadísticamente significativo. Por lo tanto, los resultados no sólo confirman la expectativa de que el uso de derivados tiene un efecto positivo y estadísticamente significativo sobre el valor de la firma, sino que también muestran que hay una diferencia en los efectos asociados con los tipos instrumentos financieros utilizados. En conjunto, los resultados apoyan el hecho de que los inversores están dispuestos a pagar un mayor valor por aquellas empresas que muestra una gestión activa de riesgos financieros en los entornos más volátiles, como Brasil, y varía esta disposición de acuerdo con el tipo de instrumento financiero utilizado y la posible combinación de estos instrumentos. En futuras investigaciones, el análisis de las causas del impacto heterogéneo de los diferentes instrumentos financieros derivados se debe realizar para comprender mejor los mecanismos por los que la política de gestión de riesgos crea valor para las empresas.

Derivados; Gestión de riesgos; Valor de la empresa; Protección; Brasil


FINANÇAS ESTRATÉGICAS

Swap, futuro e opções: impacto do uso de instrumentos derivativos sobre o valor das firmas brasileiras

Swap, futures and options: the impact of derivatives usage on brazilian firms value

El impacto de la utilización de instrumentos financieros, tales como futuros, opciones y swaps sobre el valor de las empresas

Philippe Lemes RibeiroI; Sérgio Jurandyr MachadoII; José Luiz Rossi JúniorIII

IBacharel em Ciências Econômicas pelo Departamento de Ciências Econômicas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Analista de investimentos - Fusões e Aquisições do Espírito Santo do Brasil S/A - Banco de Investimento. Avenida Brigadeiro Faria Lima, 3.729, 6º andar, Itaim Bibi, São Paulo - SP - Brasil - CEP 04538-905. E-mail: pribeiro@espiritosantoib.com.br

IIDoutor em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Professor do Departamento de Administração do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Rua Quatá, 300, Vila Olímpia, São Paulo - SP - Brasil - CEP 04546-042. E-mail: juramachado@globo.com

IIIPh.D. em Economia pela Yale University (Estados Unidos). Professor do Departamento de Economia do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Rua Quatá, 300, Vila Olímpia, São Paulo - SP - Brasil - CEP 04546-042. E-mail: joselrj@insper.edu.br

RESUMO

O trabalho analisa o impacto do uso de derivativos e a direção e magnitude do prêmio de cobertura relacionado a cada tipo de instrumento derivativo no valor da firma para uma amostra de empresas brasileiras não financeiras de capital aberto no período de 2004 a 2007. Os resultados indicam que a utilização de derivativos está relacionada a um impacto positivo e significativo sobre o valor de mercado das empresas. As evidências mostram que o uso de derivativos está associado a um "prêmio de cobertura" (hedging premium). Dessa maneira, é possível afirmar que as firmas que fazem uso da gestão de risco com derivativos têm um valor de mercado superior, no mercado brasileiro, quando comparadas a firmas que não utilizam esses instrumentos financeiros (hedging premium). Os resultados também indicam que, quando a análise se concentra no tipo de instrumento utilizado, a gestão de risco com tipos distintos de derivativos gera impacto de magnitude heterogênea no valor da firma. Contratos de swap e futuro/termo apresentam um impacto positivo e estatisticamente significante. Já para as opções, o impacto, embora positivo, não é estatisticamente significativo. Portanto, os resultados obtidos não só confirmam as expectativas de que a utilização de instrumentos derivativos exerce um impacto positivo e estatisticamente significativo sobre o valor da firma, mas também mostram que existe uma diferença relevante no efeito associado a derivativos distintos. Em conjunto, os resultados corroboram o fato de que investidores estão dispostos a pagar um maior valor por firmas que fazem gestão ativa de risco financeiro em ambientes mais voláteis como o Brasil, e essa disposição varia de acordo com o instrumento utilizado e com a eventual combinação de derivativos financeiros. Em pesquisa futura, uma análise das causas do impacto heterogêneo dos distintos instrumentos derivativos deve ser realizada para um melhor entendimento dos mecanismos pelo qual a política de gerenciamento de risco gera valor às firmas.

Palavras-chave: Derivativos; Gestão de risco; Valor da firma; Proteção; Brasil.

ABSTRACT

This paper analyzes the impact of the use of derivatives and the direction and magnitude of the premium coverage related to each type of derivative instrument on firm value for a sample of non-financial Brazilian companies traded in the period from 2004 to 2007. The results indicate that the use of derivatives is related to a significant and positive impact on companies' market value. The evidence shows that the use of derivatives is associated with a "premium coverage". Thus, it can be concluded that firms adopting risk management practices using derivatives have a higher market value, in the Brazilian market, compared to firms that do not use these financial instruments (hedging premium). Results also indicate that, when the analysis focuses on the type of instrument used, the risk management with different types of derivatives instruments generates an impact of heterogeneous magnitude on firm value. Swap and future/forward contracts have a positive and statistically significant impact. As for the options, although positive, the impact was not statistically significant. Therefore, the results not only confirm the expectation that the use of derivatives has a statistically significant positive effect on firm value, but also show that there is a relevant difference in effects associated with different derivatives types. Together, the results support the fact that investors are willing to pay a higher value for firms that actively manage financial risk in more volatile environments such as Brazil, and this willingness varies according to the instrument type used and the possible combination of these financial derivatives. In future research, an analysis of the causes of the heterogeneous impact of different derivative instruments should be performed to better understand the mechanisms by which risk management policy creates value for firms.

Keywords: Derivatives; Risk management; Firm value; Hedging; Brazil.

RESUMEN

Este trabajo analiza el impacto de la utilización de instrumentos financieros (derivados), así como la dirección y la magnitud del premio asociado a los mismos, en relación al valor de la empresa para una muestra de empresas brasileñas no financieras cotizadas en el período de 2004 a 2007. Los resultados indican que el uso de derivados tiene un impacto significativo y positivo en el precio de mercado de las empresas. La evidencia muestra que el uso de instrumentos financieros se asocian con un "premio de cobertura". Por lo tanto, se puede concluir que las empresas que adoptan prácticas de gestión de riesgos con instrumentos financieros tienen un valor de mercado más alto, en el mercado brasileño, en comparación con aquellas empresas que no los usan (hedging premium). Los resultados también indican que, cuando el análisis se centra en el tipo de instrumento utilizado, la gestión de riesgo con diferentes tipos de instrumentos financieros genera un impacto de magnitud heterogénea en el valor de la firma. Swaps y contratos de futuros/de forward tienen un impacto positivo y estadísticamente significativo. En tanto que los contratos de opciones, aunque positivo, el impacto no fue estadísticamente significativo. Por lo tanto, los resultados no sólo confirman la expectativa de que el uso de derivados tiene un efecto positivo y estadísticamente significativo sobre el valor de la firma, sino que también muestran que hay una diferencia en los efectos asociados con los tipos instrumentos financieros utilizados. En conjunto, los resultados apoyan el hecho de que los inversores están dispuestos a pagar un mayor valor por aquellas empresas que muestra una gestión activa de riesgos financieros en los entornos más volátiles, como Brasil, y varía esta disposición de acuerdo con el tipo de instrumento financiero utilizado y la posible combinación de estos instrumentos. En futuras investigaciones, el análisis de las causas del impacto heterogéneo de los diferentes instrumentos financieros derivados se debe realizar para comprender mejor los mecanismos por los que la política de gestión de riesgos crea valor para las empresas.

Palabras clave: Derivados; Gestión de riesgos; Valor de la empresa; Protección; Brasil.

1 INTRODUÇÃO

Usualmente, o crescimento de uma empresa vem acompanhado de maior necessidade de proteção contra choques e flutuações de mercado, sejam eles internos ou externos, especialmente no contexto de mercados financeiros globais e dinâmicos. Desse modo, além do monitoramento contínuo e adequado dos riscos operacionais, observa-se também um comportamento mais ativo no sentido de mitigar resultados indesejados decorrentes do risco de mercado.

Segundo o modelo clássico de Modigliani e Miller (1958), na ausência de imperfeições de mercado, a gestão de risco deve ser incapaz de agregar valor para as empresas, dada a capacidade dos acionistas de promoverem uma diversificação por si sós. Mas a realidade caracteriza-se por fricções e uma significativa demanda por operações de cobertura de risco, o que representa forte indício de que a utilização de derivativos pode agregar valor à firma.

Nesse contexto, Allayannis e Weston (2001), Carter, Rogers e Simkins (2006), Hagelin et al. (2007), Yanbo e Jorion (2006), Pramborg (2004), Rossi e Laham (2008), entre outros procuraram analisar o impacto da utilização de derivativos sobre o valor da firma sem, entretanto, alcançar um consenso acerca dos resultados. Apesar do avanço na tentativa de determinar a forma e o impacto da política de gestão de risco no valor da firma, pouco se sabe sobre o impacto específico de cada tipo de derivativo. Os trabalhos citados focam na utilização de derivativos e não analisam a possibilidade de que cada instrumento tenha um impacto diferenciado no valor da firma.

Assim, este artigo tem por objetivo estender a literatura e lançar luz sobre o impacto específico do uso de instrumentos financeiros no valor de mercado das empresas brasileiras. Os resultados encontrados confirmam as expectativas de que a utilização de derivativos exerce impacto positivo e estatisticamente significativo sobre o valor da firma e que a magnitude do impacto depende do instrumento ou da combinação de instrumentos utilizados pelas firmas.

O trabalho encontra-se organizado da seguinte forma: a seção 2 apresenta uma breve revisão da literatura sobre a utilização de derivativos, seu impacto sobre o valor da firma e as principais teorias e os trabalhos empíricos relacionados ao tema; a seção 3 descreve a base de dados; a seção 4 discute a metodologia e explicita os principais resultados encontrados; e a seção 5 apresenta a conclusão.

2 REVISÃO DA LITERATURA

No trabalho seminal de Modigliani e Miller (1958), os autores demonstram que, na ausência de fricções como impostos e custos de transações, a cobertura de risco é redundante, já que os próprios acionistas podem eliminar o risco por meio da diversificação. Dessa forma, se a gestão de risco financeiro é relevante, então é porque alguma das premissas do modelo não se verifica na prática, pelo menos de forma irrestrita e atemporal.

Smith e Stultz (1985) demonstram que a redução na volatilidade dos fluxos de caixa da empresa pode gerar benefícios por meio da redução de conflitos de agência, impostos e da probabilidade de insolvência financeira (e custos de falência associados). Sob essa perspectiva, realizar um hedge significa reduzir o impacto de determinadas variáveis de estado sobre o valor da empresa e, por conseguinte, a dependência desse valor em relação às alterações de tais fatores.

Froot, Schrfstein e Stein (1993) associam a intensidade na utilização dos instrumentos derivativos à correlação entre o fluxo de caixa da empresa e as oportunidades de investimento subsequentes. Pelo modelo desenvolvido, as imperfeições no mercado financeiro fazem com que o custo de capital da empresa seja proporcional à volatilidade de seu fluxo de caixa. O custo de financiamento tende a aumentar à medida que o nível de financiamento externo se eleva e o benefício marginal do investimento cai. Portanto, a proteção contra flutuações adicionais associadas ao risco de mercado gera valor para a empresa.

De Marzo e Duffie (1995) adicionam o efeito de sinalização gerado pelas políticas de hedge. Um fluxo de caixa menos volátil pode significar uma maior habilidade do gestor e, por conseguinte, afeta a decisão do acionista em manter não apenas o investimento, como também o gestor da empresa.

Em um estudo pioneiro sobre a relação entre gestão de risco financeiro e o valor da empresa, Allayannis e Weston (2001) revelam que o uso de derivativos acrescentou 4,87% de valor às empresas americanas que os utilizavam. Nessa mesma direção, Carter, Rogers e Simkins (2006) demonstram que a utilização de derivativos de combustíveis no setor de aviação americano gerou um impacto positivo de aproximadamente 14% sobre o valor das empresas. Já na Europa, Clark, Judge e Mefteh (2006) encontraram evidências contrárias para uma amostra de empresas francesas, para as quais os derivativos monetários não gerariam impacto no valor das firmas.

Na América Latina, Schiozer e Saito (2009) analisaram as motivações para cobertura de risco cambial das principais empresas do Brasil, da Argentina, do Chile e México, encontrando evidências na redução de custos de financial distress, porém sem um resultado relacionado diretamente ao impacto no valor das empresas.

Machado (2007) examina a relação entre a utilização de derivativos e seu impacto potencial no valor de mercado, de uma amostra de 33 empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo, durante os anos de 2001 e 2006. Por meio desse estudo, eles encontraram evidências de que, em média, companhias que se utilizam de políticas de cobertura de risco cambial apresentam um valor 7% superior às empresas que não optam por proteger sua exposição à taxa de câmbio.

Rossi e Laham (2008) realizam um estudo com uma amostra de 212 empresas brasileiras (não financeiras) de capital aberto, entre 1996 e 2005. Os resultados convergem para aqueles encontrados por Allayannis e Weston (2001), em que estratégias de cobertura de risco com instrumentos financeiros derivativos geram um impacto significativo no valor das empresas. Adicionalmente, o estudo demonstrou que esses resultados são significantes, independentemente dos métodos econométricos utilizados ou do período amostral.

Por fim, Nguyen e Faff (2007) estenderam a análise ao testarem não apenas a geração de valor de mercado para as empresas australianas, mas também se há diferença no montante de valor gerado em função do tipo de derivativo utilizado. Contrariamente às próprias previsões iniciais, os autores observaram que o uso de derivativos, independentemente do tipo, gera um impacto significativamente negativo no valor de mercado das empresas analisadas.

3 DESCRIÇÃO DA AMOSTRA

No trabalho, serão analisados os dados anuais de todas as empresas não financeiras listadas na Bolsa de Valores de São Paulo, no período compreendido entre 2004 e 2007. Esses dados foram coletados tanto nos relatórios anuais das próprias companhias quanto na base de dados Economática. A janela amostral de quatro anos foi escolhida para garantir variabilidade suficiente dos dados, a fim de obter estimações robustas. Já a eleição do período deve-se à intenção de trabalhar com os dados mais recentes, em que o ambiente macroeconômico interno e externo manteve relativa estabilidade dos fundamentos. Foram excluídas da amostra todas as empresas que em algum ano apresentaram patrimônio líquido negativo. Isso será necessário para evitar distorções nas estimações. Também foram retiradas aquelas companhias sob administração judicial, pois se considera que estas estão, de alguma forma, cerceadas no processo de tomada de decisão.

O uso de derivativos foi coletado diretamente das notas explicativas sob o item instrumentos financeiros. As empresas que informaram explicitamente o derivativo usado ou a política de proteção adotada foram classificadas como usuárias de derivativos.

As empresas usuárias de derivativos foram classificadas de acordo com o tipo de derivativo utilizado, a saber, opções, swaps ou contratos futuros/a termo. Para cada tipo de derivativo, uma variável dummy foi criada, assumindo o valor 1, se a firma utilizou o instrumento derivativo, e 0, caso contrário. O volume dos contratos não foi utilizado como proxy para o uso dos instrumentos derivativos pela companhia, pois, segundo Nguyen e Faff (2007), essa extensão converge para resultados semelhantes àqueles mais simples, e muitas empresas informam a utilização e o tipo mas não o volume, ocasionando uma redução na amostra.

De acordo com Tabela 1, a amostra final contém 267 empresas. Os dados apresentados na Tabela 1 indicam um aumento do número de firmas a partir de 2006, devido ao grande número de emissões primárias ocorridas no período.

A Tabela 1 revela que, entre 2004 e 2007, a proporção de empresas abertas que não utilizam derivativos é persistentemente maior do que aquelas que o fazem. Cerca de 60% da amostra não utiliza derivativos. Essa proporção encontra-se de acordo com o padrão internacional na utilização de derivativos. Interessante observar que os anos de 2005 e 2007 apresentaram a maior proporção de usuários de derivativos.

Swaps respondem por mais de 50% do total de derivativos utilizado, independentemente do ano analisado, em linha com a percepção de boa parte das empresas de que o endividamento em moeda estrangeira, dada a flutuação da taxa de câmbio, representa o maior risco sobre o fluxo de caixa.

Entre 4% e 7% das empresas utilizam como ferramenta única contratos futuros ou a termo, e entre 2,7% e 5,4% utilizam exclusivamente opções. Cabe salientar que foram desconsideradas as observações nas quais o uso de opções estava associado isoladamente à política de remuneração variável e não à estratégia de mitigação de riscos. Entre 6,5% e 10,4% das empresas utilizaram os três instrumentos conjuntamente.

Como medida de valor de mercado, foi utilizada uma proxy do múltiplo conhecido como "Q de Tobin". Este é definido como a simples divisão entre o valor de mercado da firma e o custo de reposição de seus ativos totais. Isso facilitará a comparação de empresas de diferenciados portes. O valor de mercado da firma pode ser obtido pelo somatório do valor de mercado das ações equity value com o valor de mercado das dívidas corporativas debt value. O custo de reposição dos ativos, por sua vez, é representado pelo valor contábil dos ativos totais da empresa total assets. Dessa forma, Q pode ser descrito como:

Q = (debt value + equity value) / total assets

Todos os tipos de exposição para os quais são utilizados derivativos - moeda, juros e commodities - serão considerados. Constrói-se assim uma variável dummy, que assumirá valor unitário se a firma utilizar derivativos e valor 0 (zero) caso contrário.

Para inferirmos se a prática do hedge realmente é capaz de aumentar o valor das firmas, é preciso controlar o efeito dos demais fatores que podem afetar o valor de mercado das empresas, nos moldes descritos por Allayannis e Weston (2001) e Yanbo e Jorion (2006). Foram selecionadas as seguintes variáveis de controle:

  • Tamanho: a

    proxy deve ser calculada como o logaritmo do total de ativos das empresas. Mesmo que não haja evidências conclusivas com respeito ao efeito do tamanho das empresas no valor de mercado das mesmas, é importante considerarmos tal variável na amostra. Entre as principais razões, destaca-se a seguinte: empresas maiores têm maior

    expertise no gerenciamento de projetos e tendem a atrair profissionais com melhor qualificação.

  • Liquidez: a probabilidade de investir em projetos que apresentarem menor retorno sobre o investimento tende a aumentar quando as empresas dispõem de maior volume de caixa (JENSEN, 1986). A

    proxy adotada é idêntica à proposta por Pramborg (2004), em que a liquidez da firma é dada pelo indicador de liquidez corrente, definido como a razão entre o ativo e o passivo circulantes da firma.

  • Alavancagem: o valor de uma firma pode estar relacionado à sua estrutura de capital. A alavancagem é medida pela razão entre o valor contábil dos empréstimos e o valor dos ativos totais da empresa.

  • Lucratividade: espera-se que firmas mais lucrativas apresentem maiores valores para o "Q de Tobin". Como

    proxy da lucratividade das companhias, utilizou-se o índice de retorno sobre os ativos (ROA), calculado pela razão entre o lucro líquido e o volume total de ativos.

  • Diversificação geográfica: Morck e Yeung (1991) e Bodnar, Tang e Weintrop (1999) encontraram uma relação positiva entre o nível de internacionalização das operações e o valor da firma. O controle se dará por meio da utilização de uma variável

    dummy de valor 1, caso a firma apresente subsidiárias no exterior, e 0, caso contrário.

  • Efeito temporal: alterações no cenário macroeconômico, como restrições aos fluxos de capitais, alterações no arcabouço institucional ou mesmo alterações de políticas fiscais/monetárias, podem impactar o valor de mercado das empresas. Assim, faz-se necessário controlar esse efeito por meio de

    dummies de ano na estimação do modelo mais completo.

A Tabela 2 mostra um resumo das estatísticas da amostra total. Foram 762 observações ao longo do período, das quais 328 se referem às empresas que, em pelo menos um ano, utilizaram-se de algum tipo de derivativo, ou seja, 43% das observações. O Q de Tobin médio no período foi de 1,63 (desvio-padrão de 1,84), mostrando uma grande variabilidade na amostra, o que colaborará nas estimações. A média do Q de Tobin é superior à mediana, o que revela assimetria na distribuição, a qual deve ser corrigida por meio do uso de logaritmo para minimizar o problema nas estimações subsequentes.

Já para a proxy do tamanho, os ativos das empresas em logaritmo apresentam média de 14,05 e desvio-padrão de 1,71, corroborando o fato de que a amostra apresenta significativa diversidade no tamanho das empresas e não está concentrada apenas em grandes companhias.

A Tabela 3 mostra as diferenças das variáveis de referência entre as empresas usuárias ou não de instrumentos derivativos. Os dados apresentados indicam que, para os anos de 2004 e 2005, o Q de Tobin das empresas usuárias de derivativos foi maior do que as empresas não usuárias, porém o mesmo não se verifica para os dois anos subsequentes, embora a diferença em 2006 e 2007 não seja estatisticamente significativa. Não se pode, portanto, afirmar por meio de um teste univariado que as empresas que utilizam derivativos apresentam um Q de Tobin sistematicamente superior às não usuárias.

Por sua vez, as empresas que utilizaram derivativos são sistematicamente maiores, o que confirma os resultados encontrados em Rossi e Laham (2008), de que o custo fixo da utilização de derivativos faz com que os usuários desse tipo de instrumento sejam empresas de maior porte.

Os resultados encontrados na Tabela 3 também indicam que pode haver uma relação entre liquidez e a utilização de derivativos. Em 2006 e 2007, as empresas não usuárias de derivativos apresentavam uma maior liquidez. Dessa forma, talvez liquidez possa ser um substituto da utilização de derivativos e não um complemento.

Decisões de endividamento e utilização de derivativos fazem parte de uma estratégia conjunta de política financeira. Os dados da Tabela 3 indicam que as empresas usuárias de derivativos também apresentam uma maior alavancagem do que as empresas não usuárias.

Por fim, os dados não indicam um relacionamento robusto entre lucratividade e diversificação geográfica e a utilização de derivativos. Com exceção de 2007 para a variável diversificação geográfica, o teste para igualdade das médias não rejeita a hipótese de que os grupos apresentam médias iguais para as variáveis.

4 METODOLOGIA E RESULTADOS

Para estimar o impacto do tipo de instrumento derivativo sobre o valor da firma, utilizou-se a seguinte equação:

Q_tobini,t= αi+ δt+ βderivativos* uso de derivativos + βcontroles* controles + εi,t (1)

em que o uso de derivativos representa as variáveis dummy associadas a cada tipo de derivativo, controles representam as variáveis de controle previamente mencionadas, αi representa uma dummy para controlar o efeito específico de cada empresa, e δt representa dummies temporais.

O uso de derivativos foi analisado por meio de três especificações distintas. A primeira agrega o uso de derivativos em uma variável dummy que assume o valor 1, se a firma utilizou qualquer tipo de derivativo, e 0, caso contrário. Na segunda especificação, três variáveis dummies são criadas - swap, futuro e opções - caso a firma tenha utilizado um dos referidos tipos de derivativo, independentemente da utilização de outro tipo de instrumento derivativo. Por fim, com o intuito de realizar uma análise mais desagregada do impacto de cada tipo de derivativo, são criadas variáveis dummy que assumem o valor 1 caso a firma tenha utilizado somente um dos derivativos, uma combinação de dois instrumentos ou todos.

Na estimação de equações como (1), dois problemas econométricos surgem:

  • Como a política de gerenciamento de risco tende a ser correlacionada ano a ano, existe a possibilidade de falta de independência em nível da firma, o que tornaria ineficiente a estimação por métodos de

    pooled time series cross section.

  • A decisão de usar derivativos pode ser endógena, ou seja, será correlacionada com fatores que afetam o valor da firma o que enviesaria os resultados.

Para controlar o primeiro problema, adotou-se a solução proposta por Allayannis, Lel e Miller (2009) na qual desvios-padrão robustos são estimados considerando a possibilidade de que observações dentro de um cluster não sejam independentes.

Uma estimação em dois estágios foi utilizada para mitigar o segundo problema. Assim, a decisão do uso do derivativo é modelada como função de variáveis apresentadas na literatura como sendo determinantes a esse uso (tamanho, vendas externas, dívida em moeda estrangeira e oportunidades de investimento).

A Tabela 4 apresenta as estimações. Os resultados descritos confirmam que a utilização de derivativos tem um impacto positivo e significativo sobre o valor de mercado das empresas. Por meio dos resultados das estimações, é possível identificar evidências de que o uso de derivativos está associado a um "prêmio de cobertura" (hedging premium). É interessante destacar que os resultados indicam um hedging premium de 12,1% para o uso de derivativos. Tudo o mais constante, as firmas que fazem uso da gestão de risco com derivativos têm um valor 12,1% superior no mercado brasileiro em relação às firmas que não utilizam derivativos. Esse resultado é superior ao encontrado por Rossi e Laham (2008) e Allayannis e Weston (2001), os quais encontraram um prêmio de 9,8% e 4,9% para empresas no Brasil e nos Estados Unidos, respectivamente.

Quando a análise se concentra no tipo de instrumento utilizado, os resultados indicam que a gestão de risco com tipos distintos de derivativos gera impacto de magnitude diferente no valor da firma. Contratos de swap e futuro/termo apresentam um impacto positivo e estatisticamente significativo. Já para as opções, o impacto, embora positivo, não é estatisticamente significativo. Os contratos futuros e a termo (forward) estão associados ao maior prêmio de cobertura (16,9%), resultado bem superior aos 7,1% dos swaps e 2,4% das opções.

Os resultados da estimação da terceira especificação confirmam os resultados anteriores. A utilização de derivativos agrega valor à firma. Tanto a utilização exclusiva de swaps quanto a de futuros e a termo (forward) exercem um impacto positivo e significativo sobre o valor da firma. Já a utilização de opções apresenta sinal negativo, mas não apresenta significância estatística. Por fim, cabe salientar que qualquer combinação na utilização de derivativos, desde que com a presença de swaps, também exerce um impacto positivo e significativo sobre o valor da firma.

Quanto às variáveis de controle, há evidências de que existe uma relação positiva e significante entre o valor da firma e lucratividade. As outras variáveis não apresentaram significância estatística.

5 CONCLUSÃO

Este trabalho analisou o impacto do uso de derivativos e a direção e magnitude do prêmio de cobertura relacionado a cada tipo de instrumento derivativo no valor da firma para uma amostra de empresas brasileiras não financeiras de capital aberto, no período de 2004 a 2007.

Os resultados obtidos confirmam as expectativas de que a utilização de derivativos exerce impacto positivo e estatisticamente significativo sobre o valor da firma. Mais ainda, a análise permite concluir que há diferença significativa no efeito associado a derivativos distintos, o que corrobora o fato de que os investidores estão dispostos a pagar um maior valor pela firma em ambientes mais voláteis como o Brasil, e que essa disposição varia de acordo com o instrumento utilizado e com a eventual combinação de instrumentos.

É possível que uma das explicações para a diferença entre os prêmios de cobertura estimados esteja associada à questão tributária. Distorções tributárias podem, em teoria, afetar de forma não simétrica o impacto de cada tipo de instrumento derivativo sobre o valor da firma. Adicionalmente, é razoável supor que determinado instrumento seja percebido pelo mercado como mais correlacionado com a utilização para especulação do que para proteção. Pesquisas futuras podem examinar a relevância desses fatores na explicação para a diferença entre os prêmios de cobertura estimados.

Submissão: 9 mar. 2010

Aceitação: 21 nov. 2011

Sistema de avaliação: às cegas dupla (double blind review).

  • ALLAYANNIS, G.; LEL, U.; MILLER, D. Corporate governance and the hedging premium around the world Charlottesville Darden Business School, 2009. Working paper.
  • ALLAYANNIS, G.; WESTON, J. The use of foreign derivatives and firm market value. The Review of Financial Studies, v. 14, n. 1, p. 243-276, 2001.
  • BODNAR, G.; TANG, C.; WEINTROP, E. J. Both sides of corporate diversification: the value impacts of geographical and industrial diversification. Working paper. Wharton Business School, Pennsylvania, Estados Unidos.
  • CARTER, D.; ROGERS, D.; SIMKINS, B. Does hedging affect firm value? Evidence from the US airline industry. Financial Management, v. 35, n. 1, p. 53-86, 2006.
  • CLARK, E.; JUDGE, A.; MEFTAH, S. Corporate hedging with foreign currency derivatives and firm value 2006. Working paper.
  • DE MARZO, P. M.; DUFFIE, D. Corporate incentives for hedging and hedge accounting. The Review of Financial Studies, v. 8, n. 3, p. 743-771, 1995.
  • FROOT, K.; SCHRFSTEIN, D.; STEIN, J. Risk management: coordinating corporate investment and financing policies. The Journal of Finance, v. 48, n. 5, p. 1629-1658, 1993.
  • HAGELIN, N.; HOLMEN, M.; KNOPF, J.; PRAMBORG, B. Stock option and the hedging premium. European Financial Management Journal, v. 13, n. 4, p. 721-741, 2007.
  • JENSEN, M. Agency costs of free cash flow, corporate finance and takeovers. American Economic Review, v. 76, n. 2, p. 323-329, 1986.
  • MACHADO, C. G. Hedge cambial aumenta o valor de mercado das firmas? Evidências do caso brasileiro. 2007. Dissertação (Mestrado em Finanças e economia empresarial) - Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2007.
  • MODIGLIANI, F.; MILLER, M. The cost of capital, corporation finance and the theory of investment. American Economic Review, v. 48, n. 3, p. 261-297, 1958.
  • MORCK, Y.; YEUNG, B. Why investors value multinacionality. Journal of Business, v. 64, n. 2, p. 165-187, 1991.
  • NGUYEN, H.; FAFF, R. Does the type of derivative instrument used by companies impact firm value? Applied Economics Letters, v. 17, n. 7, p. 681-683, 2007.
  • PRAMBORG, B. Derivatives hedging, geographical diversification, and firm market value. Journal of Multinational Financial Management, v. 14, n. 2, p. 117-133, 2004.
  • ROSSI, J. L.; LAHAM, J. The impact of hedging on firm value: evidence from Brazil. Journal of International Finance and Economics, v. 8, n. 1, p. 76-91, 2008.
  • SCHIOZER, R. F.; SAITO, R. The Determinants of currency risk management in Latin American Nonfinancial Firms. Emerging Markets Finance and Trade, v. 45, n. 1, p. 49-71, 2009.
  • SMITH, C.; STULZ, R. The determinants of firms hedging policies. Journal of Financial and Qualitative Analysis, v. 20, n. 4, p. 391-405, 1985.
  • YANBO, J.; JORION, P. Firm value and hedging: evidence from U.S. oil and gas producers. The Journal of Finance, v. 61, n. 2, p. 893-919, 2006.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Mar 2013
  • Data do Fascículo
    Fev 2013

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2010
  • Aceito
    21 Nov 2011
Editora Mackenzie; Universidade Presbiteriana Mackenzie Rua da Consolação, 896, Edifício Rev. Modesto Carvalhosa, Térreo - Coordenação da RAM, Consolação - São Paulo - SP - Brasil - cep 01302-907 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.adm@mackenzie.br