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A albumina está perdendo espaço

PANORAMA INTERNACIONAL

MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

A albumina está perdendo espaço

Idal Beer

A ressuscitação volêmica é uma das mais comuns intervenções na terapia intensiva, especialmente nos estados de choque. No entanto, a literatura médica apresenta resultados conflitantes sobre o impacto do tipo de fluido utilizado quanto à eficácia, efeitos adversos e prognóstico do paciente.

Nesse assunto, nada é mais controverso do que a albumina como expansor plasmático. A metaanálise do Cochrane Injuries Group Albumin Reviewers1 incluiu 24 estudos (n=1419) e mostrou aumento em 6% no risco absoluto de morte nos pacientes que receberam albumina comparado aos que receberam soluções cristalóides. Alguns anos depois, a metaanálise de Wilkes et al.2 não demonstrou o mesmo resultado.

O estudo SAFE (Saline versus Albumin Fluid Evaluation), multicêntrico, randomizado e duplo-cego foi a resposta nos melhores moldes (raros `bias') da Medicina Baseada em Evidências para esclarecer tal dúvida3. O estudo foi conduzido em 16 UTIs fechadas, multidisciplinares, de hospitais terciários acadêmicos da Austrália e Nova Zelândia e o objetivo foi comparar o efeito da ressuscitação com albumina a 4% com solução fisiológica (salina) a 0,9% na mortalidade de uma população heterogênea de pacientes graves. O endpoint primário foi, portanto, morte por qualquer causa no período de 28 dias após randomização.

Um total de 6.997 pacientes foi randomizado: 3.497 para o grupo albumina e 3.500 para o grupo solução salina normal. As características de base foram muito semelhantes entre os grupos, com exceção de pressão venosa central (PVC) média, superior no grupo albumina. A PVC permaneceu significativamente maior no grupo albumina nos primeiros quatro dias do estudo, uma vez que as soluções não são eqüipotentes do ponto de vista intravascular. Houve 726 mortes no grupo albumina comparado a 729 mortes no grupo salina (p=0.87). A proporção de pacientes com nova disfunção orgânica, isolada ou múltipla foi similar nos grupos (p=0.85). Não houve diferença no tempo de internação na UTI (p=0.44), no hospital (p=0.30), no número de dias em ventilação mecânica (p=0.74) e dias de terapia dialítica (p=0.41). Assim, a utilização de albumina ou salina normal na ressuscitação volêmica em UTI resultou em evolução final similar ao final dos 28 dias.

Mesmo sem poder estatístico, a análise de dois subgrupos é interessante: no subgrupo trauma (n=1186), houve maior número de mortes no grupo albumina (RR 1,36; p=0.06), mas uma provável explicação é o excesso de pacientes com trauma cranioencefálico randomizados para o grupo da albumina. Quando consideramos o subgrupo trauma sem incluir os pacientes com lesão cerebral, não há diferença de mortalidade entre os grupos. No subgrupo sepse grave, 30,7% (185/603) dos pacientes com esse diagnóstico incluídos no grupo albumina morreram contra 35,3% (217/615) dos sépticos incluídos no grupo salina (RR albumina 0,87; p=0.09).

Comentário

Esse grande trabalho da ANZICS (Australian and New Zealand Intensive Care Society), com gerenciamento de dados baseado na Internet (Web), comprova que a escolha do tipo de fluido depende, portanto, da preferência do clínico, tolerabilidade do tratamento, sua segurança e obviamente, custos do tratamento, uma vez que a evolução do paciente é similar.

Referências

1. Cochrane Injuries Group Albumin Reviewers. Human albumin administration in critically ill patients: systematic review of randomized controlled trials. BMJ 1998; 317:235-40.

2. Wilkes MM, Navickis RJ. Patient survival after human albumin administration: a meta-analysis of randomized, controlled trials. Ann Intern Med 2001; 135:149-64.

3. The SAFE Study Investigators. A comparison of albumin and saline for fluid resuscitation in the intensive care unit. N Engl J Med 2004; 350: 2247-56.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Set 2004
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