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Farmacovigilância da heparina no Brasil

Resumos

OBJETIVO: Investigar a origem das preparações de heparina, na forma farmacêutica injetável, disponíveis no mercado brasileiro, discutindo o impacto do perfil dos produtos comercializados e das alterações na monografia da heparina na segurança do fármaco. MÉTODOS: Pesquisou-se o banco de dados de Produtos Registrados das Empresas de Medicamentos da Anvisa e o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF 2008/2009). Foi realizado inquérito com as indústrias com autorização ativa para o comércio do fármaco no Brasil. RESULTADOS: Cinco indústrias possuem autorização para o comércio de heparina não fracionada no Brasil. Três são de origem suína e duas de origem bovina, sendo que apenas uma possui essa informação explicitada na bula. A efetividade e a segurança da heparina, estudadas em populações estrangeiras, podem não representar a nossa realidade, já que a maioria dos países não produz a heparina bovina. A heparina atualmente comercializada tem, ainda, aproximadamente 10% menos atividade anticoagulante que a anteriormente produzida, e essa alteração pode ter implicações clínicas. CONCLUSÃO: Evidências acerca da ausência de intercambialidade de doses entre as heparinas de origem bovina e suína e o diferenciado perfil de segurança entre esses fármacos indicam necessidade de acompanhamento do tratamento e da resposta dos pacientes. Eventos que ameacem a segurança do paciente devem ser comunicados ao sistema da farmacovigilância do país.

Heparina; anticoagulantes; vigilância de produtos comercializados; monitoramento de medicamentos; toxicidade de drogas


OBJECTIVE: To investigate the biological origin of injectable unfractioned heparin available in Brazilian market by discussing the impact of the profile of commercial products and the changes in heparin monograph on the drug safety. METHODS: The Anvisa data base for the Registered Products of Pharmaceutical Companies and the Dictionary of Pharmaceutical Specialties (DEF 2008/2009) were searched. A survey with industries having an active permission for marketing the drug in Brazil was conducted. RESULTS: Five companies were granted a permission to market unfractioned heparin in Brazil. Three of them are porcine in origin and two of them are bovine in origin, with only one explicitly showing this information in the package insert. The effectiveness and safety of heparin studied in non-Brazilian populations may not represent the Brazilian reality, since most countries no longer produce bovine heparin. The currently marketed heparin has approximately 10% less anticoagulant activity than that previously produced and this change may have clinical implications. CONCLUSIONS: Evidence about the lack of dose interchangeability between bovine and porcine heparins and the unique safety profile of these drugs indicates the need to follow the treatment and the patients' response. Events threatening the patient's safety must be reported to the pharmacovigilance system in each particular country.

Heparin; anticoagulants, product surveillance; drug monitoring; drug toxicity


ARTIGO ORIGINAL

Farmacovigilância da heparina no Brasil

Daniela Rezende Garcia JunqueiraI; Thércia Guedes VianaII; Eliane R. de M. PeixotoIII; Fabiana C. R. de BarrosIII; Maria das Graças CarvalhoIV; Edson PeriniV

IMestra; Doutoranda em Ciências Farmacêuticas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Pesquisadora Colaboradora do Centro de Estudos do Medicamento (Cemed) da Faculdade de Farmácia da UFMG, Belo Horizonte, MG

IIFarmacêutica; Mestranda em Ciências Biológicas, Fisiologia e Farmacologia, UFMG; Pesquisadora Colaboradora do Cemed, Belo Horizonte, MG

IIIFarmacêutica; Pesquisadora Colaboradora do Cemed, Belo Horizonte, MG

IVDoutora em Hematologia; Professora Titular do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Farmácia da UFMG, Belo Horizonte, MG

VDoutor em Epidemiologia; Professor Associado do Departamento de Farmácia Social da Faculdade de Farmácia da UFMG e Coordenador do Cemed, Belo Horizonte, MG

Correspondência para Correspondência para: Daniela Rezende Garcia Junqueira UFMG, Faculdade Farmácia, Depto. de Farmácia Social, Centro de Estudos de Medicamentos (Cemed) Av. Antônio Carlos, 6627, sala 3111 B4, Campos Pampulha Belo Horizonte - MG CEP: 31.270-901 danirgj@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Investigar a origem das preparações de heparina, na forma farmacêutica injetável, disponíveis no mercado brasileiro, discutindo o impacto do perfil dos produtos comercializados e das alterações na monografia da heparina na segurança do fármaco.

MÉTODOS: Pesquisou-se o banco de dados de Produtos Registrados das Empresas de Medicamentos da Anvisa e o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF 2008/2009). Foi realizado inquérito com as indústrias com autorização ativa para o comércio do fármaco no Brasil.

RESULTADOS: Cinco indústrias possuem autorização para o comércio de heparina não fracionada no Brasil. Três são de origem suína e duas de origem bovina, sendo que apenas uma possui essa informação explicitada na bula. A efetividade e a segurança da heparina, estudadas em populações estrangeiras, podem não representar a nossa realidade, já que a maioria dos países não produz a heparina bovina. A heparina atualmente comercializada tem, ainda, aproximadamente 10% menos atividade anticoagulante que a anteriormente produzida, e essa alteração pode ter implicações clínicas.

CONCLUSÃO: Evidências acerca da ausência de intercambialidade de doses entre as heparinas de origem bovina e suína e o diferenciado perfil de segurança entre esses fármacos indicam necessidade de acompanhamento do tratamento e da resposta dos pacientes. Eventos que ameacem a segurança do paciente devem ser comunicados ao sistema da farmacovigilância do país.

Unitermos: Heparina; anticoagulantes; vigilância de produtos comercializados; monitoramento de medicamentos; toxicidade de drogas.

Introdução

A heparina é um agente natural com ação anticoagulante. Os fármacos comercialmente disponíveis são isolados e extraídos da mucosa intestinal de suínos ou do tecido pulmonar bovino. O processo de isolamento e extração da heparina leva à degradação parcial das cadeias de glicosaminoglicanos que a compõem1, produzindo um fármaco formado por fragmentos moleculares de pesos moleculares heterogêneos, variando de 3.000 a 30.0002, conhecido como heparina não fracionada (HNF), heparina convencional ou simplesmente heparina. As propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas da heparina também apresentam grande heterogeneidade devido às diferentes potências de ação anticoagulante apresentadas por frações com pesos moleculares distintos e também devido à ligação da heparina a células e proteínas plasmáticas.

Outro tipo de heparina comercialmente disponível, a heparina de baixo peso molecular (HBPM), é composta por fragmentos moleculares com peso molecular médio de 5.000 e é obtida por despolimerização ácida da heparina convencional3. Devido à existência de diferentes métodos de despolimerização, existem diferentes heparinas de baixo peso molecular2. As preparações de HBPM apresentam propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas mais previsíveis, sendo então, mais convenientes que a HNF para utilização em diversas situações clínicas2. De fato, em diversos países as HBPM estão substituindo a HNF. No Brasil, no entanto, diversas intervenções clínicas ainda são dependentes da HNF4. Além disso, no Brasil parece permanecer a oferta de heparina obtida das duas fontes animais disponíveis, enquanto nos Estados Unidos e Europa a HNF de origem bovina não é mais produzida devido à epidemia de encefalite espongiforme bovina5,6.

Em 2008, uma contaminação em lotes de HNF comercializada pela Baxter Healthcare®, importante produtora do fármaco em diversos países, fez eclodir uma grave crise mundial no mercado das heparinas6. O contaminante identificado, o sulfato de condroitina supersulfatado, é uma substância semelhante à heparina, e sua administração provocou reações caracterizadas por hipotensão, náuseas e dificuldades respiratórias, ocorrendo em até 30 minutos após a exposição6. Tais reações foram associadas a mais de 200 óbitos em vários países7. No Brasil, a crise internacional somou-se à inexplicável retirada do mercado da heparina não fracionada intravenosa do laboratório Roche (Liquemine®), em 20074.

A crise provocada pela contaminação da heparina culminou com diversas mudanças nas ações clínicas e de produção do fármaco. Em âmbito mundial, a monografia da heparina foi revisada pela Farmacopeia dos Estados Unidos (USP, do inglês U.S. Pharmacopeia) e pela Organização Mundial de Saúde com o propósito de introduzir ensaios de qualidade capazes de detectar o sulfato de condroitina supersulfatado, testes anteriormente não contemplados7,8. No Brasil, a carência de heparina estimulou uma reestruturação do mercado com introdução de novos fornecedores e, consequentemente, de novas fontes de matéria-prima do produto4,9,10. Todas essas alterações impactam a farmacovigilância da heparina, introduzindo novas questões de segurança com relação à vigilância da terapia de anticoagulação com HNF. Diante dessas questões, o objetivo desse estudo foi investigar a origem das preparações de heparina na forma farmacêutica injetável disponíveis no mercado brasileiro, discutindo o impacto do perfil dos produtos comercializados e das recentes alterações na monografia da heparina na farmacovigilância do fármaco.

Métodos

Para determinar a origem biológica das preparações injetáveis de HNF comercializadas no Brasil, pesquisou-se o banco de dados de Produtos Registrados das Empresas de Medicamentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)11 para identificação das indústrias farmacêuticas com autorização para o comércio do fármaco no país. Adicionalmente, o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF 2008/2009) também foi consultado. As indústrias identificadas com autorização ativa para o comércio do fármaco foram contatadas inicialmente por telefone através do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) e, posteriormente, via e-mail. O contato com as indústrias seguiu um formulário padronizado objetivando responder as seguintes questões: se a empresa produzia algum tipo de heparina atualmente; o nome comercial e a apresentação farmacêutica do produto produzido; o principal destino comercial do medicamento (hospital ou drogarias); e a origem biológica da heparina.

A pesquisa foi realizada entre 19 de agosto a 28 de setembro do ano de 2010 pela equipe do Centro de Estudos do Medicamento da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (Cemed - UFMG).

Resultados

Foram identificadas nove marcas registradas junto à Anvisa, referentes a oito indústrias farmacêuticas fabricantes de heparina, na forma farmacêutica injetável. Uma das indústrias não pôde ser localizada pelas referências disponíveis e foi excluída do inquérito. Das oito marcas registradas e que a indústria produtora pôde ser contatada, uma (Heparin®) não é mais produzida, tendo sido substituída por outro produto (Hemofol®) do mesmo laboratório produtor. Das marcas registradas restantes, duas possuem registro expirado, duas apresentam registro junto à Anvisa em processo de renovação (informação do fabricante) e três indústrias possuem autorização ativa para o comércio de heparina no país.

Dos produtos com licença ativa para comércio ou em renovação, três consistem de formulação injetável para aplicação subcutânea (3/5), um consiste de formulação para aplicação intravenosa (1/5) e um de formulação destinada à aplicação subcutânea ou intravenosa (1/5).

A respeito da origem biológica dos fármacos, três (60%) são de origem suína e dois (40%) de origem bovina, sendo que apenas um possui essa informação explicitada na bula. Das cinco indústrias farmacêuticas produtoras de heparina no Brasil, quatro comercializam seus produtos apenas para hospitais, e uma para hospitais e drogarias.

O nome comercial dos fármacos identificados, bem como a origem biológica da matéria-prima, as formas farmacêuticas disponíveis e o principal destino comercial dos produtos estão resumidos na Tabela 1.

Discussão

A farmacovigilância, Fase IV da pesquisa clínica dos fármacos, compreende as atividades relacionadas a detecção, avaliação, compreensão e prevenção dos eventos adversos ou quaisquer problemas relacionados a medicamentos com objetivo de identificar riscos e prevenir danos aos pacientes12. À farmacovigilância interessa diversos aspectos do período de pós-comercialização dos fármacos, incluindo a revisão contínua da eficácia, as reações adversas, os eventos adversos por desvios da qualidade, o uso de medicamentos para indicações não aprovadas, as interações medicamentosas, os eventos de inefetividade terapêutica, intoxicações relacionadas a medicamentos e também os erros de medicação potenciais ou reais13,14.

Apesar de a HNF ter sido o principal instrumento no manejo de alterações tromboembólicas por mais de meio século15, o fármaco vem despertando grande interesse para o sistema de farmacovigilância em função de recentes circunstâncias comerciais e clínicas, demonstrando um necessário alerta referente à sua utilização.

A origem biológica da HNF é um fator pouco explorado nas diretrizes de dose e posologia do fármaco. No entanto, a fonte animal do medicamento altera o seu perfil de efetividade e segurança16,17. De fato, a heparina bovina e a heparina suína não são fármacos equivalentes16. A heparina bovina possui maior grau de sulfatação de seus compostos, e isso determina efeitos distintos na coagulação, trombose e sangramento da heparina de origem suína. A heparina bovina também difere em sua afinidade pela protamina, substância utilizada na inibição do efeito anticoagulante do fármaco. Todas essas questões podem evidenciar a ausência de intercambialidade de doses entre as heparinas de origem bovina e suína, reforçando a necessidade de monitoramento do tratamento. A origem biológica da HNF pode, então, afetar aspectos de efetividade e segurança do tratamento com o fármaco. A questão ganha especial relevância ao observamos que essas informações estão comumente ausentes nas bulas dos medicamentos, e que em nosso país fármacos de diferentes origens biológicas são comercializados simultaneamente e de forma intercambiável.

As HBPM, por sua vez, não são afetadas por aspectos da origem biológica do fármaco, porque a heparina bovina não é utilizada na produção desses produtos devido a possíveis contaminantes virais, como o da encefalite espongiforme bovina15.

A crise recente no mercado da heparina originou outra questão de impacto mundial, reforçando o alerta com relação à utilização da HNF: as modificações na monografia do fármaco. Todos os produtos comercializados no Brasil e no mundo devem ser submetidos, desde outubro de 2009, às novas recomendações instituídas na monografia da HNF pela Organização Mundial de Saúde e pela Farmacopeia dos Estados Unidos com o objetivo de assegurar a segurança e a qualidade dos ingredientes farmacêuticos ativos7,8,18. As alterações preveem a introdução de testes adicionais que devem ser utilizados pelos produtores para a identificação de contaminantes e a implementação de um novo ensaio de potência. O novo teste de potência recomendado, o teste cromogênico antifator IIa, oferece maior especificidade e segurança adicional contra potenciais adulterantes que mimetizem a atividade da heparina. Em paralelo à introdução do novo teste, novo padrão de referência de potência também foi definido8. Adicionalmente, a unidade de potência da heparina utilizada pela farmacopeia americana foi harmonizada com a Unidade Internacional (UI) utilizada pela Organização Mundial de Saúde.

Apesar de as alterações na monografia da heparina contribuírem para um produto mais seguro e de qualidade, a questão remanescente trata da significância clínica da mudança de potência do fármaco. Estudos realizados pela agência americana que regulamenta o setor de medicamentos, a Food and Drug Administration (FDA), demonstrou que a heparina produzida, segundo às novas especificações da monografia da USP, tem aproximadamente 10% menos atividade anticoagulante que a heparina anteriormente produzida, e reforça que a alteração na potência pode ter implicações clínicas em determinadas situações, como na administração intravenosa in bolus19. Já a USP, responsável pela nova monografia, não antecipa que a alteração na potência demonstre importância clínica20.

Independentemente das divergentes opiniões sobre o impacto clínico da nova potência da heparina, é consenso a necessidade de um cuidadoso acompanhamento clínico do efeito do fármaco e da resposta dos pacientes ao "novo" medicamento7,8,19. Qualquer suspeita de resposta alterada deve ser avaliada e disseminada para a comunidade através de notificação ao setor responsável19,20.

Dos eventos adversos de interesse da farmacovigilância, destacam-se as reações adversas a medicamentos, por estarem na base das grandes tragédias relacionadas à utilização de medicamentos em populações e pelo conhecimento de que cerca de metade dos fármacos induz reações adversas detectadas somente na fase pós-comercialização (farmacovigilância)13. As reações adversas induzidas pela heparina incluem hemorragia, reação anafilática, elevação de enzimas hepáticas, osteoporose (com longo período de utilização) e trombocitopenia induzida por heparina (conhecida pela sigla HIT, originária da língua inglesa)21. Destacam-se, pela frequência e gravidade, a hemorragia e a trombocitopenia induzida por heparina.

Os sangramentos associados à utilização do fármaco podem ocorrer em qualquer local e incidem em uma frequência entre 5% e 10%21. De fato, a hemorragia é um risco conhecido das heparinas e é uma extensão da ação terapêutica do fármaco. A utilização da heparina bovina aumenta esse risco de hemorragia porque as doses requeridas para a indução de sangramento parecem ser menores que as de heparina suína16. Reações adversas hemorrágicas induzidas por heparina devem, portanto, ser notificadas ao sistema de farmacovigilância com o cuidado de inclusão no relato do evento da origem biológica do fármaco. Essa informação permite o adequado desenvolvimento do conhecimento sobre essa questão e o estabelecimento do perfil epidemiológico dos riscos das heparinas comercializadas em nosso país.

A trombocitopenia induzida por heparina é uma reação adversa imunodependente, frequente e potencialmente fatal22-24. Sua consequência mais importante é o aumento paradoxal do risco de complicações tromboembólicas. O conhecimento sobre essa reação está ainda em aprimoramento. Sabe-se que sua incidência varia de acordo com o tipo de heparina utilizada, se HNF ou HBPM, bem como com a população de paciente exposta17. O subgrupo em maior risco inclui os pacientes pós-cirúrgicos em tratamento com HNF (1% a 5%). A incidência da reação varia, ainda, com a origem biológica da HNF, sendo a bovina mais imunogênica que a suína17.

No Brasil, a incidência da trombocitopenia induzida por heparina permanece desconhecida, bem como a gravidade de sua implicação clínica. Isso é preocupante considerando-se as diferenças na HNF comercializada em nosso país: enquanto a maioria dos países não produz a heparina bovina, 40% dos produtos ofertados em nosso mercado é esse tipo de heparina. Assim, o conhecimento baseado em dados sobre essa reação, produzidos em mercados e populações estrangeiras, podem não representar a nossa realidade. Dada a relevância do problema, demonstrada por diversos estudos em outros países, notadamente em países do hemisfério norte, bem como a frequência e a potencialidade para o desenvolvimento de importantes eventos clínicos consequentes da trombocitopenia induzida por heparina, esta é uma lacuna preocupante em nosso sistema de farmacovigilância.

O desconhecimento do perfil epidemiológico da HIT em nosso país pode ainda estar associado a um importante impacto econômico. Cada 15 novos casos reconhecidos por ano custam entre 700.000 e 1,8 milhões de dólares para a instituição25. Por outro lado, o não reconhecimento clínico da reação poderá resultar em tratamentos incorretos, aumento do risco de vida ou de amputações e aumento ainda maior de custos financeiros e de vidas.

No Brasil, a Anvisa vem ampliando suas atividades na área de farmacovigilância e o setor conta, atualmente, com um sistema de notificação on-line aprimorado e eficiente26. Profissionais de saúde, usuários e indústria são estimulados a alimentar o sistema e colaborar para a utilização segura e efetiva dos fármacos comercializados no país.

Conclusão

Evidências acerca da ausência de intercambialidade de doses entre as heparinas de origem bovina e suína, o diferenciado perfil de segurança entre esses fármacos e a permanência de heparinas produzidas a partir das diferentes fontes animais no mercado brasileiro indicam necessidade de acompanhamento do tratamento e da resposta dos pacientes. A efetividade e a segurança da heparina estudadas em populações estrangeiras podem não representar a nossa realidade, já que a maioria dos países não produz a heparina bovina e a heparina atualmente comercializada tem ainda aproximadamente 10% menos atividade anticoagulante que a anteriormente produzida, e essa alteração pode ter implicações clínicas. Destaca-se também a necessidade de realização de estudos clínicos no Brasil para se testar a segurança e a eficácia das formulações de heparina utilizadas no país. Eventos que ameacem a segurança do paciente devem ser comunicados ao sistema de farmacovigilância do país.

Artigo recebido: 05/11/2010

Aceito para publicação: 14/02/2011

Suporte Financeiro: CNPq, Fapemig

Conflito de interesse: Não há.

Trabalho realizado no Centro de Estudos do Medicamento (Cemed), Departamento de Farmácia Social, Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG

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  • Correspondência para:

    Daniela Rezende Garcia Junqueira
    UFMG, Faculdade Farmácia, Depto. de Farmácia Social, Centro de Estudos de Medicamentos (Cemed)
    Av. Antônio Carlos, 6627, sala 3111 B4, Campos Pampulha
    Belo Horizonte - MG CEP: 31.270-901
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      05 Nov 2010
    • Aceito
      14 Fev 2011
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