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Síndrome de Proteus: relato de caso

IMAGEM EM MEDICINA

Síndrome de Proteus: relato de caso

Letícia Silva Sene* * Autor para correspondência. E-mail: let sene@hotmail.com (L.S. Sene). ; Polyane de Oliveira Sales; Rubens Chojniak

Departamento de Imagem, Hospital A. C. Camargo, São Paulo, SP, Brasil

A síndrome de Proteus é uma rara síndrome hamartomatosa, congênita, de origem genética. Foi descrita pela primeira vez em 1979 por Cohen e Hayden1, como uma síndrome hamartomatosa, sendo posteriormente nomeada como síndrome de Proteus em 1983, por Wiedeman2. Possui como característica malformações causadas por um crescimento excessivo e multifocal dos tecidos, derivados dos três folhetos germinativos, que determinam gigantismo parcial dos membros, nevos pigmentados, tumores subcutâneos, macrocefalia e visceromegalias, porém com desenvolvimento mental normal2-4. Sua herança genética foi comprovada em 2011. Lindhurst et al. realizaram o sequenciamento genético de 29 pacientes com a síndrome, sendoencontradaumamutaçãosomáticanooncogene AKT1 e comprovado o mosaicismo somático para uma mutação, que é letal no estado não mosaico. Foi comprovado, ainda, que a disfunção na via PI3K-AKT está relacionada ao crescimento excessivo5.

O artigo relata um caso de síndrome de Proteus em uma paciente do sexo feminino de 24 anos. Trata-se de caso único na família, que teve início ao nascimento, com nevos epidérmicos localizados no membro superior direito e no tronco. Ainda na infância teve início um crescimento desproporcional dos membros, que atualmente apresentam uma hemi-hipertrofia do membro inferior esquerdo por um supercrescimento lipomatoso e do membro superior direito, por uma malformação vascular, demonstrados nas figuras 1 e 2, respectivamente. Essa hemi-hipertrofia assimétrica determinou escoliose com consequente dorsalgia e lombalgia. No membro superior direito notam-se algumas ves&iacu te;culas linfáticas e nódulos endurecidos - prováveis focos de trombose neste membro, que são caracterizados pelos focos de emaranhado vascular (fig. 2). Apresenta como anormalidade visceral a esplenomegalia, demonstrada na figura 3. O desenvolvimento neuropsicomotor é normal. O diagnóstico da síndrome foi estabelecido pelos achados clínicos acima descritos, associados ao padrão de apresentação das lesões, sendo estes: distribuição em mosaico, curso progressivo e ocorrência esporádica. A paciente procurou o ambulatório com queixa principal de peso no membro superior direito e está sendo acompanhada por uma equipe multidisciplinar, que inclui os serviços de genética, cirurgia plástica, ortopedia, cirurgia vascular e diagnóstico por imagem. O tratamento cirúrgico proposto é de correção parcial das deformidades, que inclui a amputação do membro superior direito e a esplenectomia. A paciente e seus familiares estão considerando a possibilidade de realização das mesmas, uma vez que foram expostos os riscos cirúrgicos de sangramento e complicações vasculares a que a paciente será submetida.




A incomum e alta variedade de manifestações clínicas da síndrome de Proteus predispõe à dificuldade diagnóstica. Os critérios diagnósticos para a síndrome de Proteus foram revistos por Biesecker et al. em 1999. O padrão de distribuição em mosaico das lesões, o curso progressivo e a ocorrência esporádica são características mandatórias. Dentre os critérios específicos, o nevo do tecido conjuntivo, quando presente, é quase patognomônico. Os outros achados, quando combinados, podem estabelecer o diagnóstico, como a presença de dois destes achados: nevos epidérmicos; supercrescimento desproporcional dos membros, vértebras, vísceras, macrocefalia ou hiperostose; cistoadenoma ovariano bilateral ou adenoma monomórfico de parótida; ou três destes: desregulação do tecido adiposo; malformações vasculares; ou fenótipos faciais3. As anormalidades viscerais são menos comuns que as musculoesqueléticas, tendo sido relatadas a esplenomegalia, megaencefalia, anormalidades da substância branca, nefromegalia e alterações císticas e enfisematosas do pulmão4. A maioria dos pacientes tem desenvolvimento neuropsicomotor normal. A expectativa de vida é de 9 meses a 29 anos, de acordo com a gravidade das anomalias4.A principal causa de morte prematura é por tromboembolismo pulmonar e falência respiratória, sendo estes predispostos pelas malformações vasculares, convalescência cirúrgica e, em casos extremos, de deformidade à mobilidade restrita6. Neoplasias benignas associadas com a síndrome incluem lipomas, cistoadenomas ovarianos e adenomas monomórficos de parótidas; e as malignas, adenocarcinoma papilar de testículo, mesotelioma da túnica vaginal e mesotelioma peritoneal3,4. Os diagnósticos diferenciais incluem as síndromes vasculares, as pigmentadas e as lipomatoses, sendo as principais a síndrome de Klippel-Trenaunay e a síndrome de hemi-hiperplasia/lipomatose3,4,6.

O tratamento é multidisciplinar, incluindo suporte clínico e psicológico. A síndrome de Proteus, por se tratar de uma doença rara e deformante, tem um grande estigma social. Esses pacientes devem ter um acompanhamento psicológico7. O aconselhamento genético fornece informações sobre a natureza, herança e as implicações das doenças genéticas para ajudar indivíduos e famílias a tomarem decisões médicas e pessoais. O supercrescimento esquelético pode resultar em disfunção biomecânica e limitação funcional, e sua correção envolve epifisiodese, encurtamento dos membros, redução das assimetrias, alongamentos, artrodeses, ligaduras arteriais e até amputação; todavia, a recidiva das deformidades é frequente8. As complicações mais urgentes que envolvem risco de vida são a trombose venosa profundaeotromboembolismo pulmonar, que, por se tratarem de enfermidades raras na faixa pediátrica, podem ter seu diagnóstico tardio. Os pacientes devem ser tratados com anticoagulação9.

  • 1. Cohen Jr MM, Hayden PW. A newly recognized hamartomatous syndrome. Birth Defects Orig Artic Ser. 1979;15(5B):291-6.
  • 2. Wiedemann HR, Burgio GR, Aldenhoff P, Kunze J, Kaufmann HJ, Schirg E. The Proteus syndrome. Partial gigantism of the hands and/or feet, nevi, hemihypertrophy, subcutaneous tumors, macrocephaly or other skull anomalies and possible accelerated growth and visceral affections. Eur J Pediatr. 1983;140:5-12.
  • 3. Biesecker LG, Happle R, Mulliken JB, Weksberg R, Graham Jr JM, Viljoen DL, et al. Proteus syndrome: diagnostic criteria, differential diagnosis, and patient evaluation. Am J Med Genet. 1999;84:389-95.
  • 4. Jamis-Dow CA, Turner J, Biesecker LG, Choyke PL. Radiologic manifestations of Proteus Syndrome. RadioGraphics. 2004;24:1051-68.
  • 5. Lindhurst MJ, Sapp JC, Teer JK. A mosaic activating mutation in AKT1 associated with the Proteus Syndrome. N Engl J Med. 2011;365:611-9.
  • 6. Demir MK. Case 131: Proteus Syndrome. Radiology. 2008;246:974-9.
  • 7. Turner J, Biesecker B, Leib J, Biesecker L, Peters KF. Parenting children with Proteus syndrome: Experiences with, and adaptation to, courtesy stigma. Am J Med Genet A. 2007;143A:2089-97.
  • 8. Cruz R, Nunes ALS, Fortuna CMM, Pimentel HM, Teixeira E. Síndrome de Proteus: relato de dois casos e revisão da literatura. Rev Bras Ortop. 1999;34:299-303.
  • 9. Slavotinek AM, Vacha SJ, Peters KF, Biesecker LG. Sudden death caused by pulmonary thromboembolism in Proteus syndrome. Clin Genet. 2000;58:386-9.
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    Autor para correspondência. E-mail:
    let sene@hotmail.com (L.S. Sene).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Set 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013
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